Processo nº 00031402920094013600

Número do Processo: 0003140-29.2009.4.01.3600

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TRF1
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Última atualização encontrada em 08 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 08/07/2025 - Intimação
    Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA | Classe: APELAçãO CíVEL
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003140-29.2009.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003140-29.2009.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:JOAQUIM MATIAS VALADAO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A, TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A e JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A RELATOR(A):ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Marina da Penha Lino, Planam Comércio e Representações Ltda. e Unisau Comércio e Representações Ltda., julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 9°, II e XI,10, V, VIII, IX, XI e XII, e 11, I, da Lei 8.429/1992 (ID. 22447948, fls. 42/49). O apelante sustenta que o bem foi adquirido sem licitação, inexistindo prova da realização de pesquisa de preços para a aquisição da unidade móvel, tampouco documentação relativa a editais, habilitação de licitantes, propostas apresentadas, adjudicação e homologação do resultado, conforme comprovado pela auditoria realizada pela CGU e o DENASUS, por meio de relatório de verificação in loco. Argumenta que a ausência de licitação é evidenciada pelo empenho e pagamento efetuados em favor das pessoas jurídicas Unisau e Planam, os quais totalizaram R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), valor correspondente à totalidade do repasse do convênio. Sustenta ser improvável que duas empresas distintas apresentassem propostas complementares cujo somatório correspondesse exatamente ao valor integral do convênio. Ressalta, ainda, que as mencionadas empresas estão envolvidas no escândalo denominado “Máfia das Ambulâncias”. Alega que o réu Luiz Antônio confirmou, em interrogatório, que a empresa Unisau foi constituída com o objetivo de fracionar o objeto que deveria ter sido licitado, frustrando o caráter competitivo do certame e permitindo o superfaturamento. Aduz que a vistoria constatou divergência entre o veículo descrito no plano de trabalho do convênio e na nota fiscal, e aquele efetivamente entregue, uma vez que o plano previa a aquisição de veículo movido a diesel, ao passo que o fornecido pela Planam era movido a gasolina e estava desacompanhado de documentação. Assevera que a CGU concluiu pela ocorrência de superfaturamento, pois a Unidade Móvel de Saúde (equipamentos e veículo) foi adquirida por R$ 109.950,00 (cento e nove mil novecentos e cinquenta reais), enquanto o valor de mercado seria de R$ 58.567,83 (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e sete reais e oitenta e três centavos), resultando em prejuízo ao erário de 70,65% do valor real do bem. Sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento ao afastar o dolo, uma vez comprovado o conluio entre os envolvidos, que reproduziram o modus operandi da “Máfia das Ambulâncias”, com o objetivo de adquirir o bem com superfaturamento e distribuir, de forma ilícita, os recursos públicos entre os envolvidos. A prática de ato de improbidade administrativa pelos apelados, portanto, restou evidenciada. Ao final, requer a reforma da sentença, com o julgamento de procedência do pedido e a consequente condenação de todos os apelados às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (ID. 22447948, fls. 52/62). O MPF ratificou as razões apresentadas pela apelante (ID. 22447948, fl. 71). Sem contrarrazões. O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 22447948, fls. 83/89). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que foram apuradas irregularidades na aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, consistentes na dispensa indevida de licitação por meio do fracionamento do objeto, bem como na aquisição do bem por valor superior ao de mercado, o que resultou em dano ao erário correspondente a 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema criminoso denominado “Máfia das Ambulâncias. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 2.5 Da Ré Maria da Penha Lino A Autora sustenta que a Ré Maria da Penha Lino fazia parte de uma quadrilha envolvendo outros Réus deste processo e que sua função era, mediante o recebimento de comissão, agilizar a liberação de verbas públicas junto ao Ministério da Saúde para que unidades móveis fossem adquiridas pelos municípios que tivessem firmado tratativas com a organização criminosa. Aduz ainda que uma dessas verbas foi a destinada ao município de Campinápolis-MT através do convênio 1864/2003, bem como que com esse dinheiro é que foi adquirido por aquela municipalidade, de maneira superfaturada, a unidade móvel de saúde a que alude a inicial. Malgrado não tenha apresentado comprovante na contestação de fls. 17548/1765, este juízo tem conhecimento através de outros processos que tramitam por esta Seccional que a Ré Maria da Penha Uno não trabalhava no Ministério da Saúde nos anos de 2003/2004, razão pela qual não poderia ter praticado os atos narrados na exordial. Na fl. 435 do processo 23937- 89.2010.4.01.3600, por exemplo, a Ré comprovou que somente foi nomeada para exercer cargo em comissão naquele Ministério em 01/08/2005, data esta bastante posterior às mencionadas pela Autora como de celebração de convênios entre a União e o município de Campinápolis-MT para a aquisição de unidade móvel de saúde. As interceptações telefônicas acostadas pela Autora na primígena (fls. 40/48) se referem anos de 2005 e 2006. O artigo 485, inciso VI, do CPC dispõe que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade, mas o artigo 488 do mesmo códex determina que o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento não resolutivo da lide. Assim, considerando que a Ré Maria da Penha Lino não exercia qualquer cargo comissionado no Ministério da Saúde nos anos de 2002/2003 e que, por este motivo, não poderia ela agilizar a liberação de qualquer verba pública para o município de Campinápolis-MT adquirir a unidade móvel de saúde supostamente superfaturada, conclui-se que esta demanda deve ser julgada improcedente em relação à sua pessoa. 2.7 Dos Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoln, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e indústria Ltda (...) Malgrado tenha juntado a auditoria acima mencionada, a Autora não logrou êxito em comprovar suas alegações, pois deixou de produzir prova acerca do dolo que motivou os Réus a supostamente praticar atos de improbidade administrativa. (...) Com efeito, além de não colacionar aos autos os procedimentos licitatórios onde as fraudes possivelmente teriam ocorrido, a Autora não se desincumbiu do ônus de provar o conluio entre os Réus para praticar quaisquer dos atos descritos na Lei n 9 8.429/92, providência esta que lhe tocava por força do disposto no artigo 373, inciso I, do CPC. É certo que o Réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin praticou delação premiada em processo criminal que tramita nesta Seccional e confessou genericamente a prática de atos configuradores de improbidade administrativa, todavia é preciso levar em conta as regras de hermenêutica e interpretar restritivamente a sua confissão, não se podendo utilizar o Termo de Interrogatório de fls. 27/39 para embasar uma sentença condenatória em ACP. Portanto, considerando que a Autora não comprovou a intenção dos Réus de praticar ato de improbidade administrativa e considerando ainda que o dolo é requisito essencial para a configuração de tais atos, imperiosa é a improcedência dos pedidos dirigidos contra os Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e Indústria Ltda. (...) Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso em exame, a imputação de ato de improbidade se funda na indevida dispensa de licitação, assim como na aquisição de bem por valor acima da média de preços do mercado e com inobservância das especificações constantes do plano de trabalho, o que teria causado dano ao erário. Ainda que se reconheça a ocorrência de falhas procedimentais, a responsabilização por ato de improbidade administrativa exige, além do prejuízo efetivo ao patrimônio público ou do enriquecimento ilícito, a comprovação de conduta dolosa dirigida a causar o dano, o que, no caso concreto, não restou demonstrado. As irregularidades constatadas, assim como o dano apurado, por si sós, não autorizam a imposição das sanções da LIA, na medida em que não se admite a responsabilização com base em conjecturas sobre o conluio entre os envolvidos. Embora o relatório de vistoria tenha apontado que o bem adquirido apresentava valor superior ao de mercado, inexiste nos autos prova cabal de que os réus tenham agido com a intenção de fraudar o processo de aquisição ou de obter vantagem indevida, sendo insuficiente, para tanto, a referência genérica à existência de um esquema criminoso nacional. A mera vinculação das pessoas jurídicas a supostos ilícitos investigados em outros entes federativos não se presta, por si só, a inferir dolo específico na conduta dos apelados neste caso específico. A apelante limitou-se a alegações genéricas e a referências a declarações prestadas por um dos réus em delação premiada no âmbito criminal, sem, contudo, instruir os autos com elementos mínimos de prova direta ou indireta que evidenciassem o dolo específico necessário à condenação por improbidade administrativa. Conforme reconhecido na sentença, a confissão do réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin foi de natureza genérica, e seu conteúdo não pode ser transposto automaticamente para o juízo cível sem a devida cautela probatória, notadamente por ausência de confirmação judicial no bojo da presente ação. A sentença de improcedência fundamentou-se corretamente no princípio da presunção de inocência e na imprescindibilidade da prova robusta para imposição das severas sanções previstas na Lei 8.429/1992. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Assim, à míngua de prova inequívoca da prática de atos dolosos, impõe-se a manutenção da sentença recorrida. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso, pressuposto indispensável à tipificação dos atos de improbidade previstos no art. 9° e 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, I, da LIA. Ocorre que houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, I, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADOS: MARIA DA PENHA LINO, PLANAM INDUSTRIA, COMERCIO E REPRESENTACAO LTDA, DARCI JOSÉ VEDOIN, LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN, UNISAU - COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, JOAQUIM MATIAS VALADAO Advogado do(a) APELADO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A Advogado do(a) APELADO: JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A Advogado do(a) APELADO: TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. MÁFIA DAS AMBULÂNCIAS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. SOBREPREÇO. ART. 9º E 10 DA LIA. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATOS ÍMPROBOS NÃO CONFIGURADOS. ART. 11, I, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9°, 10, e 11 da LIA, em razão da aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, com indevida dispensa de licitação e dano ao erário estimado em 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema nacional conhecido como “Máfia das Ambulâncias”. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 9º e 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, I, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. No caso concreto, não restou comprovada a existência de conluio entre os apelados nem a intenção de burlar o procedimento licitatório. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. 5. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova”. 6. Não comprovada o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9° e 10 da LIA. 7. Houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
  3. 08/07/2025 - Intimação
    Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA | Classe: APELAçãO CíVEL
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003140-29.2009.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003140-29.2009.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:JOAQUIM MATIAS VALADAO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A, TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A e JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A RELATOR(A):ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Marina da Penha Lino, Planam Comércio e Representações Ltda. e Unisau Comércio e Representações Ltda., julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 9°, II e XI,10, V, VIII, IX, XI e XII, e 11, I, da Lei 8.429/1992 (ID. 22447948, fls. 42/49). O apelante sustenta que o bem foi adquirido sem licitação, inexistindo prova da realização de pesquisa de preços para a aquisição da unidade móvel, tampouco documentação relativa a editais, habilitação de licitantes, propostas apresentadas, adjudicação e homologação do resultado, conforme comprovado pela auditoria realizada pela CGU e o DENASUS, por meio de relatório de verificação in loco. Argumenta que a ausência de licitação é evidenciada pelo empenho e pagamento efetuados em favor das pessoas jurídicas Unisau e Planam, os quais totalizaram R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), valor correspondente à totalidade do repasse do convênio. Sustenta ser improvável que duas empresas distintas apresentassem propostas complementares cujo somatório correspondesse exatamente ao valor integral do convênio. Ressalta, ainda, que as mencionadas empresas estão envolvidas no escândalo denominado “Máfia das Ambulâncias”. Alega que o réu Luiz Antônio confirmou, em interrogatório, que a empresa Unisau foi constituída com o objetivo de fracionar o objeto que deveria ter sido licitado, frustrando o caráter competitivo do certame e permitindo o superfaturamento. Aduz que a vistoria constatou divergência entre o veículo descrito no plano de trabalho do convênio e na nota fiscal, e aquele efetivamente entregue, uma vez que o plano previa a aquisição de veículo movido a diesel, ao passo que o fornecido pela Planam era movido a gasolina e estava desacompanhado de documentação. Assevera que a CGU concluiu pela ocorrência de superfaturamento, pois a Unidade Móvel de Saúde (equipamentos e veículo) foi adquirida por R$ 109.950,00 (cento e nove mil novecentos e cinquenta reais), enquanto o valor de mercado seria de R$ 58.567,83 (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e sete reais e oitenta e três centavos), resultando em prejuízo ao erário de 70,65% do valor real do bem. Sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento ao afastar o dolo, uma vez comprovado o conluio entre os envolvidos, que reproduziram o modus operandi da “Máfia das Ambulâncias”, com o objetivo de adquirir o bem com superfaturamento e distribuir, de forma ilícita, os recursos públicos entre os envolvidos. A prática de ato de improbidade administrativa pelos apelados, portanto, restou evidenciada. Ao final, requer a reforma da sentença, com o julgamento de procedência do pedido e a consequente condenação de todos os apelados às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (ID. 22447948, fls. 52/62). O MPF ratificou as razões apresentadas pela apelante (ID. 22447948, fl. 71). Sem contrarrazões. O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 22447948, fls. 83/89). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que foram apuradas irregularidades na aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, consistentes na dispensa indevida de licitação por meio do fracionamento do objeto, bem como na aquisição do bem por valor superior ao de mercado, o que resultou em dano ao erário correspondente a 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema criminoso denominado “Máfia das Ambulâncias. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 2.5 Da Ré Maria da Penha Lino A Autora sustenta que a Ré Maria da Penha Lino fazia parte de uma quadrilha envolvendo outros Réus deste processo e que sua função era, mediante o recebimento de comissão, agilizar a liberação de verbas públicas junto ao Ministério da Saúde para que unidades móveis fossem adquiridas pelos municípios que tivessem firmado tratativas com a organização criminosa. Aduz ainda que uma dessas verbas foi a destinada ao município de Campinápolis-MT através do convênio 1864/2003, bem como que com esse dinheiro é que foi adquirido por aquela municipalidade, de maneira superfaturada, a unidade móvel de saúde a que alude a inicial. Malgrado não tenha apresentado comprovante na contestação de fls. 17548/1765, este juízo tem conhecimento através de outros processos que tramitam por esta Seccional que a Ré Maria da Penha Uno não trabalhava no Ministério da Saúde nos anos de 2003/2004, razão pela qual não poderia ter praticado os atos narrados na exordial. Na fl. 435 do processo 23937- 89.2010.4.01.3600, por exemplo, a Ré comprovou que somente foi nomeada para exercer cargo em comissão naquele Ministério em 01/08/2005, data esta bastante posterior às mencionadas pela Autora como de celebração de convênios entre a União e o município de Campinápolis-MT para a aquisição de unidade móvel de saúde. As interceptações telefônicas acostadas pela Autora na primígena (fls. 40/48) se referem anos de 2005 e 2006. O artigo 485, inciso VI, do CPC dispõe que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade, mas o artigo 488 do mesmo códex determina que o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento não resolutivo da lide. Assim, considerando que a Ré Maria da Penha Lino não exercia qualquer cargo comissionado no Ministério da Saúde nos anos de 2002/2003 e que, por este motivo, não poderia ela agilizar a liberação de qualquer verba pública para o município de Campinápolis-MT adquirir a unidade móvel de saúde supostamente superfaturada, conclui-se que esta demanda deve ser julgada improcedente em relação à sua pessoa. 2.7 Dos Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoln, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e indústria Ltda (...) Malgrado tenha juntado a auditoria acima mencionada, a Autora não logrou êxito em comprovar suas alegações, pois deixou de produzir prova acerca do dolo que motivou os Réus a supostamente praticar atos de improbidade administrativa. (...) Com efeito, além de não colacionar aos autos os procedimentos licitatórios onde as fraudes possivelmente teriam ocorrido, a Autora não se desincumbiu do ônus de provar o conluio entre os Réus para praticar quaisquer dos atos descritos na Lei n 9 8.429/92, providência esta que lhe tocava por força do disposto no artigo 373, inciso I, do CPC. É certo que o Réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin praticou delação premiada em processo criminal que tramita nesta Seccional e confessou genericamente a prática de atos configuradores de improbidade administrativa, todavia é preciso levar em conta as regras de hermenêutica e interpretar restritivamente a sua confissão, não se podendo utilizar o Termo de Interrogatório de fls. 27/39 para embasar uma sentença condenatória em ACP. Portanto, considerando que a Autora não comprovou a intenção dos Réus de praticar ato de improbidade administrativa e considerando ainda que o dolo é requisito essencial para a configuração de tais atos, imperiosa é a improcedência dos pedidos dirigidos contra os Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e Indústria Ltda. (...) Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso em exame, a imputação de ato de improbidade se funda na indevida dispensa de licitação, assim como na aquisição de bem por valor acima da média de preços do mercado e com inobservância das especificações constantes do plano de trabalho, o que teria causado dano ao erário. Ainda que se reconheça a ocorrência de falhas procedimentais, a responsabilização por ato de improbidade administrativa exige, além do prejuízo efetivo ao patrimônio público ou do enriquecimento ilícito, a comprovação de conduta dolosa dirigida a causar o dano, o que, no caso concreto, não restou demonstrado. As irregularidades constatadas, assim como o dano apurado, por si sós, não autorizam a imposição das sanções da LIA, na medida em que não se admite a responsabilização com base em conjecturas sobre o conluio entre os envolvidos. Embora o relatório de vistoria tenha apontado que o bem adquirido apresentava valor superior ao de mercado, inexiste nos autos prova cabal de que os réus tenham agido com a intenção de fraudar o processo de aquisição ou de obter vantagem indevida, sendo insuficiente, para tanto, a referência genérica à existência de um esquema criminoso nacional. A mera vinculação das pessoas jurídicas a supostos ilícitos investigados em outros entes federativos não se presta, por si só, a inferir dolo específico na conduta dos apelados neste caso específico. A apelante limitou-se a alegações genéricas e a referências a declarações prestadas por um dos réus em delação premiada no âmbito criminal, sem, contudo, instruir os autos com elementos mínimos de prova direta ou indireta que evidenciassem o dolo específico necessário à condenação por improbidade administrativa. Conforme reconhecido na sentença, a confissão do réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin foi de natureza genérica, e seu conteúdo não pode ser transposto automaticamente para o juízo cível sem a devida cautela probatória, notadamente por ausência de confirmação judicial no bojo da presente ação. A sentença de improcedência fundamentou-se corretamente no princípio da presunção de inocência e na imprescindibilidade da prova robusta para imposição das severas sanções previstas na Lei 8.429/1992. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Assim, à míngua de prova inequívoca da prática de atos dolosos, impõe-se a manutenção da sentença recorrida. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso, pressuposto indispensável à tipificação dos atos de improbidade previstos no art. 9° e 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, I, da LIA. Ocorre que houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, I, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADOS: MARIA DA PENHA LINO, PLANAM INDUSTRIA, COMERCIO E REPRESENTACAO LTDA, DARCI JOSÉ VEDOIN, LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN, UNISAU - COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, JOAQUIM MATIAS VALADAO Advogado do(a) APELADO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A Advogado do(a) APELADO: JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A Advogado do(a) APELADO: TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. MÁFIA DAS AMBULÂNCIAS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. SOBREPREÇO. ART. 9º E 10 DA LIA. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATOS ÍMPROBOS NÃO CONFIGURADOS. ART. 11, I, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9°, 10, e 11 da LIA, em razão da aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, com indevida dispensa de licitação e dano ao erário estimado em 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema nacional conhecido como “Máfia das Ambulâncias”. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 9º e 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, I, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. No caso concreto, não restou comprovada a existência de conluio entre os apelados nem a intenção de burlar o procedimento licitatório. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. 5. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova”. 6. Não comprovada o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9° e 10 da LIA. 7. Houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
  4. 08/07/2025 - Intimação
    Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA | Classe: APELAçãO CíVEL
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003140-29.2009.4.01.3600 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003140-29.2009.4.01.3600 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:JOAQUIM MATIAS VALADAO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A, TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A e JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A RELATOR(A):ANA PAULA SERIZAWA SILVA PODEDWORNY PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida em desfavor de Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Marina da Penha Lino, Planam Comércio e Representações Ltda. e Unisau Comércio e Representações Ltda., julgou improcedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 9°, II e XI,10, V, VIII, IX, XI e XII, e 11, I, da Lei 8.429/1992 (ID. 22447948, fls. 42/49). O apelante sustenta que o bem foi adquirido sem licitação, inexistindo prova da realização de pesquisa de preços para a aquisição da unidade móvel, tampouco documentação relativa a editais, habilitação de licitantes, propostas apresentadas, adjudicação e homologação do resultado, conforme comprovado pela auditoria realizada pela CGU e o DENASUS, por meio de relatório de verificação in loco. Argumenta que a ausência de licitação é evidenciada pelo empenho e pagamento efetuados em favor das pessoas jurídicas Unisau e Planam, os quais totalizaram R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), valor correspondente à totalidade do repasse do convênio. Sustenta ser improvável que duas empresas distintas apresentassem propostas complementares cujo somatório correspondesse exatamente ao valor integral do convênio. Ressalta, ainda, que as mencionadas empresas estão envolvidas no escândalo denominado “Máfia das Ambulâncias”. Alega que o réu Luiz Antônio confirmou, em interrogatório, que a empresa Unisau foi constituída com o objetivo de fracionar o objeto que deveria ter sido licitado, frustrando o caráter competitivo do certame e permitindo o superfaturamento. Aduz que a vistoria constatou divergência entre o veículo descrito no plano de trabalho do convênio e na nota fiscal, e aquele efetivamente entregue, uma vez que o plano previa a aquisição de veículo movido a diesel, ao passo que o fornecido pela Planam era movido a gasolina e estava desacompanhado de documentação. Assevera que a CGU concluiu pela ocorrência de superfaturamento, pois a Unidade Móvel de Saúde (equipamentos e veículo) foi adquirida por R$ 109.950,00 (cento e nove mil novecentos e cinquenta reais), enquanto o valor de mercado seria de R$ 58.567,83 (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e sete reais e oitenta e três centavos), resultando em prejuízo ao erário de 70,65% do valor real do bem. Sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento ao afastar o dolo, uma vez comprovado o conluio entre os envolvidos, que reproduziram o modus operandi da “Máfia das Ambulâncias”, com o objetivo de adquirir o bem com superfaturamento e distribuir, de forma ilícita, os recursos públicos entre os envolvidos. A prática de ato de improbidade administrativa pelos apelados, portanto, restou evidenciada. Ao final, requer a reforma da sentença, com o julgamento de procedência do pedido e a consequente condenação de todos os apelados às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (ID. 22447948, fls. 52/62). O MPF ratificou as razões apresentadas pela apelante (ID. 22447948, fl. 71). Sem contrarrazões. O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo provimento da apelação (ID. 22447948, fls. 83/89). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que foram apuradas irregularidades na aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, consistentes na dispensa indevida de licitação por meio do fracionamento do objeto, bem como na aquisição do bem por valor superior ao de mercado, o que resultou em dano ao erário correspondente a 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema criminoso denominado “Máfia das Ambulâncias. Na sentença, o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, pelos seguintes fundamentos: (...) 2.5 Da Ré Maria da Penha Lino A Autora sustenta que a Ré Maria da Penha Lino fazia parte de uma quadrilha envolvendo outros Réus deste processo e que sua função era, mediante o recebimento de comissão, agilizar a liberação de verbas públicas junto ao Ministério da Saúde para que unidades móveis fossem adquiridas pelos municípios que tivessem firmado tratativas com a organização criminosa. Aduz ainda que uma dessas verbas foi a destinada ao município de Campinápolis-MT através do convênio 1864/2003, bem como que com esse dinheiro é que foi adquirido por aquela municipalidade, de maneira superfaturada, a unidade móvel de saúde a que alude a inicial. Malgrado não tenha apresentado comprovante na contestação de fls. 17548/1765, este juízo tem conhecimento através de outros processos que tramitam por esta Seccional que a Ré Maria da Penha Uno não trabalhava no Ministério da Saúde nos anos de 2003/2004, razão pela qual não poderia ter praticado os atos narrados na exordial. Na fl. 435 do processo 23937- 89.2010.4.01.3600, por exemplo, a Ré comprovou que somente foi nomeada para exercer cargo em comissão naquele Ministério em 01/08/2005, data esta bastante posterior às mencionadas pela Autora como de celebração de convênios entre a União e o município de Campinápolis-MT para a aquisição de unidade móvel de saúde. As interceptações telefônicas acostadas pela Autora na primígena (fls. 40/48) se referem anos de 2005 e 2006. O artigo 485, inciso VI, do CPC dispõe que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade, mas o artigo 488 do mesmo códex determina que o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento não resolutivo da lide. Assim, considerando que a Ré Maria da Penha Lino não exercia qualquer cargo comissionado no Ministério da Saúde nos anos de 2002/2003 e que, por este motivo, não poderia ela agilizar a liberação de qualquer verba pública para o município de Campinápolis-MT adquirir a unidade móvel de saúde supostamente superfaturada, conclui-se que esta demanda deve ser julgada improcedente em relação à sua pessoa. 2.7 Dos Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoln, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e indústria Ltda (...) Malgrado tenha juntado a auditoria acima mencionada, a Autora não logrou êxito em comprovar suas alegações, pois deixou de produzir prova acerca do dolo que motivou os Réus a supostamente praticar atos de improbidade administrativa. (...) Com efeito, além de não colacionar aos autos os procedimentos licitatórios onde as fraudes possivelmente teriam ocorrido, a Autora não se desincumbiu do ônus de provar o conluio entre os Réus para praticar quaisquer dos atos descritos na Lei n 9 8.429/92, providência esta que lhe tocava por força do disposto no artigo 373, inciso I, do CPC. É certo que o Réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin praticou delação premiada em processo criminal que tramita nesta Seccional e confessou genericamente a prática de atos configuradores de improbidade administrativa, todavia é preciso levar em conta as regras de hermenêutica e interpretar restritivamente a sua confissão, não se podendo utilizar o Termo de Interrogatório de fls. 27/39 para embasar uma sentença condenatória em ACP. Portanto, considerando que a Autora não comprovou a intenção dos Réus de praticar ato de improbidade administrativa e considerando ainda que o dolo é requisito essencial para a configuração de tais atos, imperiosa é a improcedência dos pedidos dirigidos contra os Réus Joaquim Matias Valadão, Darci José Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Planam Comércio e Representação Ltda e Unisau Comércio e Indústria Ltda. (...) Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso em exame, a imputação de ato de improbidade se funda na indevida dispensa de licitação, assim como na aquisição de bem por valor acima da média de preços do mercado e com inobservância das especificações constantes do plano de trabalho, o que teria causado dano ao erário. Ainda que se reconheça a ocorrência de falhas procedimentais, a responsabilização por ato de improbidade administrativa exige, além do prejuízo efetivo ao patrimônio público ou do enriquecimento ilícito, a comprovação de conduta dolosa dirigida a causar o dano, o que, no caso concreto, não restou demonstrado. As irregularidades constatadas, assim como o dano apurado, por si sós, não autorizam a imposição das sanções da LIA, na medida em que não se admite a responsabilização com base em conjecturas sobre o conluio entre os envolvidos. Embora o relatório de vistoria tenha apontado que o bem adquirido apresentava valor superior ao de mercado, inexiste nos autos prova cabal de que os réus tenham agido com a intenção de fraudar o processo de aquisição ou de obter vantagem indevida, sendo insuficiente, para tanto, a referência genérica à existência de um esquema criminoso nacional. A mera vinculação das pessoas jurídicas a supostos ilícitos investigados em outros entes federativos não se presta, por si só, a inferir dolo específico na conduta dos apelados neste caso específico. A apelante limitou-se a alegações genéricas e a referências a declarações prestadas por um dos réus em delação premiada no âmbito criminal, sem, contudo, instruir os autos com elementos mínimos de prova direta ou indireta que evidenciassem o dolo específico necessário à condenação por improbidade administrativa. Conforme reconhecido na sentença, a confissão do réu Luiz Antônio Trevisan Vedoin foi de natureza genérica, e seu conteúdo não pode ser transposto automaticamente para o juízo cível sem a devida cautela probatória, notadamente por ausência de confirmação judicial no bojo da presente ação. A sentença de improcedência fundamentou-se corretamente no princípio da presunção de inocência e na imprescindibilidade da prova robusta para imposição das severas sanções previstas na Lei 8.429/1992. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova” (Cito: AC 0001413-80.2015.4.01.4002). Assim, à míngua de prova inequívoca da prática de atos dolosos, impõe-se a manutenção da sentença recorrida. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Dessa forma, a inexistência de elementos probatórios consistentes afasta a caracterização de ato doloso, pressuposto indispensável à tipificação dos atos de improbidade previstos no art. 9° e 10 da Lei 8.429/1992. O apelante também pleiteia a condenação dos apelados pela prática dos atos previstos no art. 11, I, da LIA. Ocorre que houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, também é incabível a condenação com base no art. 11, I, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0003140-29.2009.4.01.3600 APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADOS: MARIA DA PENHA LINO, PLANAM INDUSTRIA, COMERCIO E REPRESENTACAO LTDA, DARCI JOSÉ VEDOIN, LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN, UNISAU - COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, JOAQUIM MATIAS VALADAO Advogado do(a) APELADO: DILERMANDO VILELA GARCIA FILHO - MT4275-A Advogado do(a) APELADO: JACQUELINE CURVO RONDON - MT11017-A Advogado do(a) APELADO: TULIANE PATRICE FRANCHI BARROS - MT14517-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. MÁFIA DAS AMBULÂNCIAS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. SOBREPREÇO. ART. 9º E 10 DA LIA. DOLO ESPECÍFICO NÃO DEMONSTRADO. ATOS ÍMPROBOS NÃO CONFIGURADOS. ART. 11, I, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta pela União contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9°, 10, e 11 da LIA, em razão da aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Campinápolis/MT, com indevida dispensa de licitação e dano ao erário estimado em 70,65% da quantia paga, no contexto do esquema nacional conhecido como “Máfia das Ambulâncias”. 2. Há duas questões centrais em discussão: (i) apurar a ocorrência de dolo específico na conduta dos apelados, nos termos do art. 9º e 10 da LIA e (ii) determinar se houve a prática de atos dolosos atentatórios aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11, I, da LIA. 3. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 4. No caso concreto, não restou comprovada a existência de conluio entre os apelados nem a intenção de burlar o procedimento licitatório. A pretensão sancionatória não pode prosperar com base em presunções, ilações ou vínculos associativos genéricos, devendo-se exigir, em consonância com o devido processo legal, a demonstração objetiva e individualizada do elemento volitivo direcionado à prática ímproba. 5. Nos termos dos precedentes desta Corte, “tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova”. 6. Não comprovada o dolo específico, resta inviabilizada a condenação pela prática de atos ímprobos previstos nos arts. 9° e 10 da LIA. 7. Houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 8. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 9. Apelação não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
  5. 08/07/2025 - Documento obtido via DJEN
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