Processo nº 00044978020104013900

Número do Processo: 0004497-80.2010.4.01.3900

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TRF1
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Última atualização encontrada em 08 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 08/07/2025 - Intimação
    Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA | Classe: APELAçãO CíVEL
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004497-80.2010.4.01.3900 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004497-80.2010.4.01.3900 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: ELIDIO FERNANDES FILHO e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: FAYLLA MAIALLE EVANGELISTA GUIMARAES - PA17798, DJALMA DE OLIVEIRA FARIAS - PA2333 e MARIA CLAUDIA DA SILVA SANTOS - PE521-A POLO PASSIVO:LEONILDO ASCENDINO ALBUQUERQUE MARTINS e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DJALMA DE OLIVEIRA FARIAS - PA2333, FAYLLA MAIALLE EVANGELISTA GUIMARAES - PA17798, MARIA CLAUDIA DA SILVA SANTOS - PE521-A, ONEIDE MARIA BARROS DA SILVA - PA003024 e DANIELLE SANTOS MARTINS DE TOLEDO - PA013858 RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004497-80.2010.4.01.3900 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recursos de apelação interpostos por Dorivaldo Rodrigues de Jesus, João Pantoja Martins, Rosalina Saraiva da Costa, Elídio Fernandes Filho e pela União, em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal - MPF em face dos apelantes e de Carlos José Ponciano da Silva, Leonildo Ascendido Albuquerque Martins e Paulo Saraiva da Costa, julgou procedente o pedido de condenação pela prática dos atos previstos nos arts. 10, XI e 11, caput, da Lei 8.429/1992, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, II e III, da LIA (ID. 20803423, fls. 105/131). Dorivaldo Rodrigues e João Pantoja alegam, em síntese, que a atuação do primeiro, como agente financeiro da Base Naval de Val-de-Cans (BNVC) ocorreu exclusivamente em momento posterior à certificação dos serviços e à autorização do Ordenador de Despesas. Sustentam que ele não atestou a regularidade fiscal das notas fiscais, limitando-se a confirmar a efetiva prestação dos serviços, conforme certificações anteriores emitidas pelo Capitão de Fragata. Argumentam que a nota de empenho indicada estava vinculada a pedido de aquisição regularmente formalizado e que todo o procedimento de pagamento seguiu normas internas da Marinha. Quanto ao segundo apelante, sustentam que exercia o cargo de encarregado da Seção de Obtenção, antiga Seção de Aquisição, e que sua atuação se restringia à verificação de orçamentos e processos licitatórios, sem ingerência na definição do escopo ou contratação dos serviços. Atribuem o lançamento do orçamento a terceiro, conforme apurado no procedimento de sindicância. Alegam que a certificação técnica e a gerência dos serviços também competiam a terceiro, não tendo o apelante participado da descrição dos serviços nem da análise dos documentos fiscais. Ao final, requerem o provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido (ID. 20803423, fls. 141/155). Rosalina Saraiva sustenta que houve erro de julgamento por parte do Juízo de origem, decorrente de interpretação ampliativa e equivocada da Lei de Improbidade Administrativa, especialmente no que se refere à responsabilização de particulares. Afirma que não foi comprovado o dolo, requisito essencial para a configuração do ato de improbidade, tendo a sentença adotado, de forma indevida, a responsabilização objetiva. Defende não ter havido enriquecimento ilícito ou recebimento de valores em seu favor. Alega que a conduta que ensejou a suposta irregularidade estaria relacionada a práticas operacionais internas do departamento industrial da pessoa jurídica, com envolvimento de terceiros, especialmente seu irmão, Paulo Saraiva da Costa, a quem atribui a emissão da nota fiscal. Sustenta que suas atribuições se limitavam ao setor financeiro da pessoa jurídica, sem ingerência sobre a emissão de notas fiscais. Ressalta que os depoimentos testemunhais indicam a ausência de sua participação ou ciência sobre os fatos imputados. Reitera ser indevida a responsabilização objetiva, destacando a inexistência de comprovação quanto à prestação indevida de serviço ou emissão dolosa de nota fiscal em seu nome, requerendo o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva. Ao final, requer a reforma da sentença para seja julgado improcedente o pedido, ou, subsidiariamente, declarada a inexistência do ato de improbidade por ela praticado (ID. 20803423, fls. 176/191). A União, por sua vez, pleiteia a condenação dos apelados ao pagamento de honorários de sucumbência (ID. 20803423, fls. 203/207). Elídio Fernandes alega que houve falsificação da assinatura constante no documento "Vale de Material/Serviço", motivo pelo qual requereu a realização de perícia grafotécnica, indeferida pelo Juízo. Por essa razão, sustenta ter havido cerceamento de defesa, em virtude da não realização da prova pericial solicitada. Aduz que, na data do pagamento da nota fiscal indicada já havia deixado o comando da BNVC, em 15/01/2006, não exercendo mais a função de ordenador de despesas, sendo o pagamento efetivado por outro agente público. Argumenta a ausência de dolo na conduta a ele imputada, sustentando que eventual irregularidade não decorreu de má-fé ou intenção de causar prejuízo ao erário. Menciona seu grave estado de saúde - é portador do Mal de Parkinson - e os altos custos com medicamentos e tratamentos médicos, os quais agravariam os efeitos de eventual condenação. Alega que a sanção pecuniária imposta é desproporcional, requerendo a aplicação do princípio da proporcionalidade. Ao final, requer o reconhecimento do cerceamento de defesa e a consequente anulação da sentença para reabertura da instrução, com realização de perícia grafotécnica. Subsidiariamente, pleiteia a improcedência da ação e sua absolvição, por ausência de dolo ou de culpa (ID. 20803423, fls. 209/221). Contrarrazões (IDs. 20803423, fls. 272/277 e 20803424, fls. 5/11 e 41/51). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo não provimento das apelações (ID. 20803424, fls. 57/89). A União desistiu do seu recurso de apelação (ID. 437756978). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004497-80.2010.4.01.3900 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: 1. APELAÇÃO DA UNIÃO Homologo o pedido de desistência da apelação apresentada pela União. 2. APELAÇÕES DOS RÉUS 2.1. PRELIMINARES A apelante Rosalina sustenta ser parte ilegítima na presente demanda, argumentando a ausência de responsabilidade pelos fatos narrados. A imputação diz respeito ao dano ao erário causado pela alegada inexecução dos serviços contratados e sua contratação em desacordo com as normas legais, pelos quais a apelante teria fornecido nota fiscal. Nessa perspectiva, verifica-se, ao menos em tese, a existência de um nexo causal mínimo entre sua conduta e as irregularidades apontadas. Dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade passiva frente a uma eventual responsabilidade que, ao menos no campo teórico, pode configurar ato de improbidade passível da correspondente sanção legal, o que constituirá objeto do exame meritório. Não é outro o entendimento do STJ, conforme arresto seguinte: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COMO AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECEBIMENTO DA INICIAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. INVIABILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO. (...) 4. O Tribunal de origem , com base no acervo probatório, reconheceu a presença de elementos suficientes a justificar o recebimento da inicial da ação de improbidade administrativa. A revisão desta conclusão implicaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que atrai a incidência da Súmula 7 do STJ. 5. "É pacífico nesta Corte que, no momento do recebimento da ação de improbidade administrativa, o magistrado apenas verifica se há a presença de indícios suficientes da prática de atos ímprobos, deixando para analisar o mérito, se ocorreu ou não improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios, condenando ou absolvendo os denunciados, após regular instrução probatória" (AgInt no AREsp 1.823.133/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 10/12/2021). 6. Embargos de declaração recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento. (EDcl no AREsp 1.488.582/GO, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe 30/11/2023.) No que se refere à alegação de cerceamento de defesa suscitada pelo apelante Elídio, não há que se falar em nulidade processual. Embora tenha requerido, inicialmente, a produção de prova pericial, o próprio apelante, uma vez devidamente intimado nos autos, manifestou-se no sentido de que não possuía outras provas a produzir, restringindo seu pleito probatório à oitiva de testemunhas. Tal conduta evidencia a desistência tácita da realização da prova pericial anteriormente requerida, sendo, portanto, incompatível com a posterior alegação de prejuízo decorrente da sua não produção. Ressalto que o contraditório e a ampla defesa foram plenamente assegurados no curso do processo, inexistindo qualquer óbice ao exercício pleno dos direitos processuais pelo apelante. Deste modo, devem ser rejeitadas as preliminares. 2.2. MÉRITO Consta, em síntese, que foram constatadas irregularidades na aquisição de bens e serviços realizados no Navio-Patrulha Guanabara, na Base Naval de Val-de-Cães, consistentes no pagamento por serviços não requisitados, emissão de notas fiscais inidôneas e descumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis à administração pública. Na sentença, o Juízo a quo asseverou que: (…) Tais informações restaram comprovadas dos depoimentos testemunhais colhidos pelo Comando do Grupamento de Patrulha Naval do Norte (…) Como se pode observar, da análise probatória constante dos autos verifica-se o faturamento indevido desses serviços, considerando que as Notas Fiscais 00333 e n° 121 e n°00028 contam com o carimbo do requerido Carlos José Ponciano da Silva, Capitão-de-Fragata encarregado pela Gerencia de Reparos Navais, a Certificação da Prestação de Serviço (Cf. notas de fls. 622-v, 627-v, 633-v, notas de empenho de fls. 635, 637-v, 639, 641-v, 643, 644/665-v, 671-v/700), atuando como agente financeiro e gestor o requerido Dorivaldo Rodrigues de Jesus, Servidor Civil da Base Naval de Val-de-Cães, e como ordenador de despesas o Sr. Elídio Fernandes Filho, assim como os pedidos de aquisição de serviços de terceiros foram assinados pelo requerido João Pantoja Martins Servidor Civil da Base Naval de Val-de-Cães, Encarregado da Seção de Aquisição, assim como pelo requerido Elídio Fernandes Filho (Cf. docs de fls. 624, 631, 636, 640, 651, 655, 659, 667, 669/701 e 1.147/1.149), serviços estes que nunca foram executados no Navio-Patrulha Guanabara da Marinha Brasileira. No entanto, não obstante a constatação de diversas irregularidades relacionadas à manutenção do Navio-Patrulha Guanabara na Base de Val-de-Cães, como acima demonstrado, não restou devidamente demonstrado nos autos que os requeridos teriam se apropriados dos valores das notas referentes aos serviços não realizados. Dos autos constata-se que as três irregularidades verificadas relacionam-se à contratação e pagamento da empresa Mecânica Naval e Comércio Ltda. - MECANAV, responsável pela execução dos serviços de manutenção no Navio-Patrulha Guanabara, em patamares superiores àqueles permitidos para o pagamento sem licitação no ano de 2005. Tal conclusão pode ser extraída da análise dos seguintes depoimentos prestados perante a autoridade militar: (…) Ouvido em juízo (fls. 1703/1704), RAIMUNDO JOSÉ RIBEIRO FILHO, Diretor Técnico da MECANAV, relatou que os serviços de reparos no ar acondicionado do Navio Patrulha Guanabara foram realizados por sua empresa, e que em razão do alcance dos limites para recebimento direto sem licitação, operacionalizou-se o pagamento dos valores restantes por intermédio de outras empresas, relatando inclusive o recebimento do montante de R$ 3.400,00 (três mil e quatrocentos reais), correspondente ao pagamento realizado à R. Saraiva da Costa ME (Nota Fiscal n. 00028). (…) Restou evidenciado, assim, que a empresa MECANAV recebeu o montante de R$ 3.000,00 (três mil reais) pago por intermédio da empresa BRAS SERVICE, em operação que contou ainda com fraude documental consistente na indicação da realização de serviço não realizado, correspondente à substituição de 811kg de chapa de aço no piso do rancho de CB/MN do Navio Patrulha Guanabara, indicado na Nota Fiscal n. 00333, além de R$ 3.400,00 (três mil e quatrocentos) reais por intermédio da empresa SARAIVA DA COSTA ME, com a emissão de Nota Fiscal n. 00028 referente ao fornecimento (não efetuado) de quatro armários em aço inoxidável. Assim, resta evidenciado nos autos, especialmente dos documentos e depoimentos constantes no IPM e Sindicância instaurados para averiguar as irregularidades relacionadas à manutenção do Navio Patrulha Guanabara, que as empresas ISOBEL, BRAS SERVICE e SARAIVA DA COSTA ME foram utilizadas para viabilizar o pagamento de valores relacionados a serviços realizados pela empresa MECANAV, que já havia atingido o limite máximo de recebimento de valores para contratações diretas sem procedimento licitatório. Ainda nesse mesmo sentido, de se observar as conclusões do Capitão-de-Mar-e-Guerra Marco Antônio Campos Griomoni, autoridade militar responsável pela apuração das irregularidades no âmbito administrativo, que após a oitiva de diversas pessoas envolvidas, militares e civis, relatou o IPM (fl. 546) concluindo que os procedimentos foram adotados não com o intuito de fraudar ou causar enriquecimento ilícito dos militares envolvidos, mas em atendimento às condições de prazo para a realização dos serviços necessários, revelando ainda falhas de gerenciamento administrativo executivo na administração militar da Base Naval de Val-de-Cães: (…) Resta inconteste, portanto, a inobservância pelos requeridos do devido processo legal administrativo e a burla à legalidade com que deveriam agir quanto ao processamento, ordenação e pagamento das despesas efetuadas no referido Navio-Patrulha, mormente pelas pessoas dos requeridos (…), concorrendo com eles os demais civis arrolados na presente ação (…) que enquanto terceiros cederam suas empresas para o recebimento de valores que não poderiam ser pagos diretamente à empresa interessada, aderiram às práticas ímprobas. (…) Assim, não obstante seja possível constatar dos elementos trazidos nos autos que os atos praticados pelos requeridos não foram com o intuito de obtenção de vantagem ilícita, mas objetivando o pagamento de serviços prestados pela empresa MECANAV com a administração militar, muito provavelmente em virtude da urgência na necessidade de tais serviços, não se pode admitir que os responsáveis pela manutenção naval ajam à margem da legislação e dos regulamentos buscando efetivar operações não autorizadas, vedadas ou em desconformidade com a legislação referente ao pagamento de valores. (…) Assim, resta prejudicada a pretensão de ressarcimento ao erário em virtude da não demonstração do efetivo prejuízo suportado pela Administração, já que se extrai dos autos que os pagamentos não realizados pelos serviços não prestados foram direcionados para o pagamento do serviço efetivamente prestado pela empresa MECANAV, sem que tenha sido constatada a imprescindibilidade daqueles serviços (não prestados) ou mesmo o pagamento em valores superiores em relação ao serviço (efetivamente) prestado. Também não há elementos nos autos que indiquem a apropriação de tais recursos pelos militares e pelos civis envolvidos. (…). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. 2.2.1. ATO ÍMPROBO PREVISTO NO ART. 10 DA LIA Os apelantes foram condenados pela prática da conduta prevista no art. 10, XI, da LIA, que, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). No caso sob exame, as investigações demonstraram que a pessoa jurídica Mecânica Naval e Comércio Ltda. - MECANAV, contratada para executar serviços de manutenção, ultrapassou os limites legais para contratações diretas sem licitação no exercício de 2005. Para viabilizar o pagamento de valores excedentes, foram utilizadas pessoas jurídicas intermediárias - ISOBEL, BRAS SERVICE e Saraiva da Costa ME - mediante a emissão de notas fiscais por serviços não prestados, que serviram apenas como fachada para viabilizar a quitação de serviços efetivamente executados pela MECANAV. Embora tais práticas revelem a adoção de procedimentos administrativos em desacordo com os princípios da legalidade e do devido processo legal, não se comprovou a ocorrência de enriquecimento ilícito por parte dos agentes envolvidos, tampouco a existência de dano material efetivo ao erário. A reiterada jurisprudência desta Corte orienta que para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não sendo mais admitida a configuração de dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. Consolidado também o entendimento de que a simples inobservância dos requisitos legais para a contratação pública não autoriza, por si só, a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/1992. O conjunto probatório indica que os serviços contratados foram efetivamente prestados pela MECANAV, e não há elementos que apontem para superfaturamento, sobrepreço ou apropriação indevida de recursos públicos. Ademais, não se evidencia a existência de dolo específico ou de má-fé por parte dos envolvidos, havendo apenas o descumprimento de procedimentos legais, o que, embora reprovável, não se reveste, por si só, dos elementos configuradores do ato ímprobo, notadamente a intenção deliberada de causar lesão ao patrimônio público. Assim, ainda que reprováveis sob a perspectiva da legalidade e da moralidade administrativa, as condutas identificadas não preenchem os requisitos para a configuração do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992, em razão da ausência de dano ao erário e de dolo específico voltado à lesão do patrimônio público. Dessa forma, resta constatada a inexistência de dano material efetivo e de dolo específico, pressupostos indispensáveis à tipificação do ato de improbidade previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência desta Corte. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. (...) 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, inexistente o dano ao erário e o dolo específico, não se configura a prática de ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10 da LIA. 2.2.2. ATO ÍMPROBO PREVISTO NO ART. 11 DA LIA Os réus também foram condenados pela prática dos atos previstos no art. 11, caput, da LIA, que, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...). Com a nova redação, o mencionado dispositivo ficou assim redigido: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Deste modo, deve ser afastada a condenação com base no art. 11, caput, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. 3. EXTENSÃO DO EFEITOS Nos termos da sentença, também foram condenados, com base nos mesmos tipos ímprobos, e não recorreram os réus Carlos José Ponciano da Silva, Leonildo Ascendido Albuquerque Martins e Paulo Saraiva da Costa. É necessária a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido com relação também àqueles que não recorreram, diante da manifesta inexistência dos atos de improbidade imputados. Assim sendo, com base no efeito extensivo previsto no art. 1.005 do CPC e no art. 17, § 11º, da Lei 8.249/1992, deve, de ofício, ser afastada a condenação também com relação aos não recorrentes. Ante o exposto, homologo o pedido de desistência da apelação da União; rejeito as preliminares; dou provimento às apelações de Dorivaldo Rodrigues de Jesus, João Pantoja Martins, Rosalina Saraiva da Costa e Elídio Fernandes Filho, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e julgo, de ofício, improcedente o pedido, por extensão, em relação aos corréus Carlos José Ponciano da Silva, Leonildo Ascendido Albuquerque Martins e Paulo Saraiva da Costa. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004497-80.2010.4.01.3900 APELANTE: ROSALINA SARAIVA DA COSTA, JOAO PANTOJA MARTINS, DORIVALDO RODRIGUES DE JESUS, UNIÃO FEDERAL, ELIDIO FERNANDES FILHO Advogado do(a) APELANTE: MARIA CLAUDIA DA SILVA SANTOS - PE521-A Advogado do(a) APELANTE: FAYLLA MAIALLE EVANGELISTA GUIMARAES - PA17798 Advogado do(a) APELANTE: DJALMA DE OLIVEIRA FARIAS - PA2333 APELADO: ELIDIO FERNANDES FILHO, JOAO PANTOJA MARTINS, PAULO SARAIVA DA COSTA, LEONILDO ASCENDINO ALBUQUERQUE MARTINS, CARLOS JOSE PONCIANO DA SILVA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), UNIÃO FEDERAL, DORIVALDO RODRIGUES DE JESUS, ROSALINA SARAIVA DA COSTA Advogado do(a) APELADO: ONEIDE MARIA BARROS DA SILVA - PA003024 Advogados do(a) APELADO: DANIELLE SANTOS MARTINS DE TOLEDO - PA013858, MARIA CLAUDIA DA SILVA SANTOS - PE521-A Advogado do(a) APELADO: FAYLLA MAIALLE EVANGELISTA GUIMARAES - PA17798 Advogado do(a) APELADO: DJALMA DE OLIVEIRA FARIAS - PA2333 EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. CONTRATAÇÃO DIRETA SEM LICITAÇÃO. SERVIÇOS PRESTADOS POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA. NOTA FISCAL INIDÔNEA. ART. 10 DA LIA. INEXISTÊNCIA DE EFETIVO DANO AO ERÁRIO. DANO PRESUMIDO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ATO ÍMPROBO NÃO CONFIGURADO. ART. 11, CAPUT, DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. ART. 1.005 DO CPC E ART. 17, § 11º, DA LEI 8.249/1992. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE, DE OFÍCIO, EM RELAÇÃO AOS CORRÉUS. DESISTÊNCIA DO RECURSO DA UNIÃO HOMOLOGADA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÕES DOS RÉUS PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou procedente o pedido e condenou os réus pela prática dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 10, XI, e 11, caput, da LIA, em razão de supostas irregularidades em contratações para manutenção do Navio-Patrulha Guanabara, na Base Naval de Val-de-Cães, envolvendo pagamento por serviços não requisitados, prestação de serviços por pessoa jurídica diversa, emissão de notas fiscais inidôneas e descumprimento das normas legais. 2. Há quatro questões centrais em discussão: (i) homologar a desistência da apelação da União; (ii) verificar a legitimidade passiva da apelante; (iii) analisar a ocorrência de cerceamento de defesa diante do indeferimento de provas; (iv) verificar se houve prática de ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário; e (v) analisar a subsistência da condenação com base no art. 11, caput, da LIA após as alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021. 3. Verifica-se a legitimidade passiva da apelante quando há, ao menos em tese, vínculo entre sua conduta e as irregularidades apontadas, especialmente quando a parte for a responsável pela emissão de nota fiscal apontada como inidônea. 4. A alegação de cerceamento de defesa é afastada quando a parte, intimada, renuncia tacitamente à produção de prova pericial anteriormente requerida. 5. A redação dada pela Lei 14.230/2021 ao art. 10 da LIA exige a demonstração de dano efetivo ao erário, não se admitindo a mera presunção de prejuízo (dano in re ipsa), conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.929.685/TO. 6. O dolo é requisito indispensável para a tipificação de atos de improbidade administrativa, conforme fixado pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199) e pelo STJ no REsp 2.107.601/MG. Além disso, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. 7. A reiterada jurisprudência desta Corte orienta que para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não sendo mais admitida a configuração de dano presumido. Consolidado também o entendimento de que a simples inobservância dos requisitos legais para a contratação pública não autoriza, por si só, a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/1992. 8. No caso concreto, as provas indicam que os serviços foram efetivamente prestados pela pessoa jurídica impossibilitada de contratar, em razão de ter ultrapassado o limite anual de contratação sem licitação, sendo utilizadas pessoas jurídicas intermediárias apenas para fins de quitação, sem que tenha sido apurada a ocorrência de superfaturamento, sobrepreço ou apropriação indevida de recursos públicos. 9. A inexistência de dolo específico ou de má-fé dos apelantes, aliada à ausência de demonstração de prejuízo material efetivo, inviabiliza a configuração do ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 10. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 11. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 12. É necessária a reforma da sentença com relação àqueles que não recorreram, diante da manifesta inexistência de ato de improbidade, como no caso dos autos. Assim sendo, com base no efeito extensivo previsto no art. 1.005 do CPC e no art. 17, § 11, da Lei 8.249/1992, deve, de ofício, ser afastada a condenação, com relação aos não recorrentes. 13. Homologada a desistência do recurso da União. Preliminares rejeitadas. Apelações dos réus providas. Pedido julgado improcedente, de ofício, também em relação aos corréus que não recorreram. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, homologar a desistência do recurso da União, rejeitar as preliminares e dar provimento às apelações. E julgar improcedente o pedido, de ofício, por extensão, em relação aos corréus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 24/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
  3. 08/07/2025 - Documento obtido via DJEN
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