Processo nº 00049109620234058307
Número do Processo:
0004910-96.2023.4.05.8307
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF5
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
26ª Vara Federal PE
Última atualização encontrada em
17 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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17/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 26ª Vara Federal PE | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU DA 5ª REGIÃO Seção Judiciária de Pernambuco 26ª Vara Federal – Palmares Processo Nº 0004910-96.2023.4.05.8307 AUTOR: EDSON GOMES DA SILVA REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF SENTENÇA Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95, aplicada subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais, conforme o art. 1º da Lei nº 10.259/01. FUNDAMENTAÇÃO Trata-se de ação proposta por EDSON GOMES DA SILVA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), objetivando a condenação da ré à reparação de danos materiais e morais em virtude de vícios construtivos em imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Inicialmente, cabe destacar que a parte autora comprovou a condição de mutuária, no âmbito da “Faixa 1” do PMCMV, por meio do documento contido no ID 26299506, que consiste na notificação da CEF para ocupação do imóvel no prazo de trinta dias. De acordo com o documento, o contrato da parte autora possui o nº 171000958963, sendo a casa situada na Rua Projetada 27 18 P1 Q65 C18, Palmares/PE. Destaco, neste momento, que diversas questões preliminares ao mérito foram enfrentadas na decisão que promoveu o saneamento e organização do processo (ID 31524779). Dessa forma, restaram resolvidas as questões atinentes à legitimidade passiva da CEF, inépcia da petição inicial, interesse processual e denunciação da lide à construtora do empreendimento. Devem ser apreciadas, nesta sentença, as questões relativas à prescrição e decadência (matérias de ordem pública). Observo que a demanda veicula pretensão indenizatória. Assim, incide, na espécie, o prazo de prescrição decenal previsto no art. 205 do Código Civil, o qual não se encontra transcorrido entre a entrega dos imóveis (ID 26299506) e o ajuizamento da ação. A propósito, a questão relativa à natureza do prazo (se decadencial ou prescricional) e à sua extensão nas ações condenatórias fundamentadas em vícios de construção de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo a Corte assim decidido: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. METRAGEM A MENOR. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. 1. O propósito recursal é o afastamento da prejudicial de decadência em relação à pretensão de indenização por vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pelos consumidores. 2. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC). 3. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas. 4. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. 5. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra"). 6. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1717160/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 26/03/2018) Afasto, pois, a prescrição e a decadência. No mérito, consigno que a apuração da responsabilidade civil em razão de dano, seja ele moral ou patrimonial, vincula-se à existência dos seguintes requisitos: ação ou omissão, dano e nexo de causalidade entre o dano e a conduta que o produziu. Convém destacar que o caso narrado, conforme já estabelecido na decisão de saneamento e organização do processo, trata-se de relação sujeita ao microssistema do CDC, nos termos do seu art. 3º, § 2º, de modo a ensejar a responsabilidade objetiva do prestador de serviço em caso de vício, conforme o disposto no art. 14, caput, da Lei nº 8.078/90: Art. 3° (...) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Em casos tais, portanto, as instituições financeiras sujeitam-se às normas do CDC e, para fins de responsabilização civil, basta a prova da ocorrência do fato danoso e do nexo causal em relação à conduta da instituição financeira, sendo prescindível a discussão sobre a culpa. A despeito de o financiamento ser subsidiado com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), com os mutuários pagando parcela reduzida, ainda se trata de serviço bancário, atraindo a incidência do CDC. Não houve, todavia, a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, visto que a demora no ajuizamento da ação não indica a ocorrência de prescrição, mas a possibilidade de que não houvesse vícios construtivos, mas apenas desgastes naturais pelo uso do imóvel e modificações introduzidas pelos moradores, em desacordo com as instruções recebidas quando da ocupação dos imóveis. No que tange aos vícios construtivos, estes existirão sempre que a desconformidade entre o prometido e o efetivamente entregue implicar em diminuição do valor ou da funcionalidade do produto. Por sua vez, os defeitos correspondem a vícios mais graves, ou seja, aqueles que geram prejuízos ao consumidor. Vale mencionar que não há vício de construção quando constatada apenas a baixa qualidade ou a inadequação do uso do imóvel. Além disso, é importante considerar que, tratando-se da aquisição de imóvel de baixo valor, enquadrado entre as menores faixas de financiamento habitacional, não é razoável esperar um alto padrão de construção. Nesse sentido, a baixa qualidade do material, por si só, não gera direito à reparação. Nesse contexto, à vista das observações do parágrafo anterior e do conteúdo do laudo pericial (ID 63741593), a meu sentir, não restou demonstrado o dano extrapatrimonial alegado pela parte autora. O imóvel não apresenta condições insalubres que prejudiquem sua habitabilidade. Tampouco se faz necessária a desocupação para a realização das reparações, o que conduz à improcedência do pedido de danos morais. O dano moral não decorre, como verificado no caso, do mero descumprimento contratual quanto à entrega do imóvel em perfeitas condições de uso, uma vez que não houve qualquer risco à vida ou à integridade física da parte autora e de sua família. Nada obstante, no campo material, o laudo foi conclusivo ao registrar: “Com base no estudo realizado na diligência pericial conclui-se que o imóvel vistoriado pertencente a autora existem vícios construtivos, conforme discriminado neste Laudo Pericial.” (ID 63741593 - Pág. 35). Aprofundando a análise do laudo pericial, a partir da página 8, o perito esclarece: (...) As manifestações patológicas encontradas na vistoria foram: 1. Pavimentação: Foi encontrado na vistoria o caimento do piso para o ralo completamente invertido ao recomendado pelo NBR 15753. 2. Impermeabilização: Foi encontrado em vistoria manchas de umidade em abundância no interior do imóvel. Indicando infiltrações devido à percolação da água e respingos das chuvas. 3. Instalações hidráulicas: Foi encontrado na vistoria que a distância do fundo do reservatório ao chuveiro não atende a unidade de 1 m.c.a., como recomendado na NBR 5626. Fazendo com que a pressão da água no interior do imóvel seja inferior à recomendada. Pelo projeto arquitetônico, prancha 03/04 - revisão 01, ao aferir a distância entre o chuveiro e o fundo da caixa, é indicado apenas 0,54 cm, confirmando a medida inferior a 1 m.c.a. 4. Instalações Sanitárias e pluviais: Durante a vistoria não foi encontrado nenhum dispositivo que capte e destine águas da chuva, conforme a recomendação da NBR 10844. 5. Instalações Elétricas: Na vistoria foi encontrado tomadas inadequadas ao uso, e supressão de dispositivos elétricos no quadro de energia, como o DR (utilizado para prevenção de fugas de corrente). Além de não existir nenhum circuito específico para os equipamentos utilizados na cozinha, o que também entra em desacordo com a NBR 5410. No projeto elétrico prancha 01/01, confirma o encontrado na vistoria. 6. Cobertura: Na vistoria foi encontrado um desgaste bem acentuado das madeiras e das telhas, com proliferação de fungos em alguns pontos. Além da projeção do telhado insuficiente às recomendadas. Do projeto arquitetônico, prancha 03/04 revisão 01, verifica-se a projeção do telhado inferior a 60 cm 7. Pintura: Em vistoria foi constatado que devido à presença da umidade acentuada, a pintura ficou bem prejudicada, necessitando ser refeita. 8. Revestimento: Em vistoria, foi constatado que o revestimento do piso, devido às infiltrações, sofre ação negativa da umidade favorecendo a degradação acelerada do revestimento. (...) Apesar das impugnações apresentadas, o laudo elaborado pelo perito de confiança deste Juízo é claro, coerente e devidamente fundamentado. Ressalte-se que o perito nomeado é profissional habilitado, de notório saber técnico na área em que atua, tendo observado as exigências do art. 473 do CPC, com exposição clara, precisa e imparcial de suas conclusões. O perito, ao elaborar sua manifestação técnica, não está adstrito às conclusões de pareceres particulares apresentados pela parte, tampouco a eventuais laudos produzidos em outros processos. Sua análise deve pautar-se pelos critérios técnico-científicos e pelo exame direto do objeto periciado, observadas as diretrizes legais aplicáveis à espécie. Dessa forma, não há nos autos elementos probatórios capazes de infirmar as conclusões da perícia judicial, a qual se apresenta suficiente para o deslinde da controvérsia, motivo pelo qual deve ser acolhida. Pois bem. Partindo da premissa da comprovação dos danos, enquanto produto de vícios de construção, bem como da necessidade de realizar a “filtragem” das ocorrências listadas no laudo pericial como decorrentes do mero uso, do decurso do tempo ou do emprego de material de menor qualidade, mas dentro do esperado para a faixa de preço do imóvel, não se pode acolher a tabela de custos do laudo pericial com BDI. A reparação, consoante requerido expressamente pela parte autora, deve ser realizada em pecúnia, sendo calculada conforme a tabela apresentada, sem Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) (ID 71137558). Tal custo (com BDI) apenas tem pertinência em relação a obras executadas por pessoas jurídicas, especialmente para obras de grande monta, visto que presume despesas com administração da empresa, custos financeiros do contrato, seguros, garantia e tributação sobre a receita. Na hipótese, a reparação se destina à realização de obras pela própria parte autora, mediante livre contratação, sem BDI, portanto. Tratando-se de responsabilidade civil contratual, os juros de mora são devidos desde a citação da CEF, conforme os índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. A correção monetária deverá incidir a partir da data da tabela de custos apresentada pelo perito, pois esta já reflete os custos atualizados dos reparos a serem executados. Quanto ao pedido de ressarcimento das despesas com assistente técnico, este não merece guarida. O art. 54, caput, da Lei nº 9.099/95, dispõe que “O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas”. Além disso, o parecer particular, inicialmente colacionado no ID 26299510, não constitui elemento indispensável à propositura da demanda. Não há, pois, que se falar em ressarcimento de gastos com assistente técnico. No mais, considerando a multiplicidade de ações análogas neste Juízo, fica desde já anotado que, se as partes não concordam com a valoração da prova pericial ou, especialmente a parte demandante, com o indeferimento do pedido de danos morais, devem manifestar sua irresignação por meio de recurso de natureza apelatória. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar a CEF ao pagamento, em favor da parte autora, de indenização pelos vícios de construção identificados na perícia, no valor de R$ 7.506,89, com incidência de juros de mora e correção monetária, nos termos da fundamentação supra. Defiro o benefício da gratuidade da justiça, requerido na inicial. Sem custas e sem honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95. Considerando o aumento dos honorários custeados pela AJG promovido pela Resolução 937/2025/CJF, nos termos do art. 28, § 1º, da Resolução 305/2014/CJF – sopesados por ocasião do despacho de ID 54664031 – retifico os honorários periciais para R$ 810,00 (oitocentos e dez reais). Havendo verba pericial a ser paga, promova-se, de imediato, seu adimplemento, com remessa dos autos à instância ad quem somente após o cumprimento dessa determinação, em caso de interposição de recurso. Intimem-se. Palmares/PE, data da assinatura. Tarcísio Corrêa Monte Juiz Federal MLTM