Maurilio Franques Coelho e outros x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.

Número do Processo: 0010116-76.2025.5.03.0003

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TRT3
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Grau: 1º Grau
Órgão: CEJUSC-JT 2º grau
Última atualização encontrada em 04 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 24/04/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE | Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
    PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 3ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010116-76.2025.5.03.0003 : MAURILIO FRANQUES COELHO : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 4ae25ac proferida nos autos. SENTENÇA   RELATÓRIO MAURÍLIO FRANQUES COELHO, qualificado nos autos do processo eletrônico, propôs ação trabalhista em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA afirmando, em síntese, que foi admitido pela reclamada em 14/03/2018 e o contrato de trabalho está ativo. Pelas razões expostas, pleiteia o reconhecimento do vínculo de emprego e a condenação da ré ao pagamento de décimos terceiros salários, férias acrescidas de um terço, depósitos de FGTS, indenização por danos morais, dentre outros pedidos (petição inicial de Id. f42af8b). Atribuiu à causa o valor de R$106.862,60. Juntou documentos, declaração de insuficiência de recursos e instrumento de mandato. Na audiência inicial (ata de Id. 145ef9b), rejeitada a proposta de conciliação, foi recebida a defesa escrita apresentada pela ré (Id. a049bfb), com documentos, na qual ela argui preliminares e prejudicial de mérito e pugna pela improcedência dos pedidos. O autor apresentou impugnação à defesa e aos documentos (Id. 8ae9190). Na audiência de instrução (Id. 6e76cf0), as partes pactuaram a utilização da prova emprestada, fixaram os pontos incontroversos e, em seguida, foi colhido o depoimento pessoal das partes. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual. Razões finais orais remissivas. Rejeitada a última proposta de conciliação. Tudo visto e examinado. É, em síntese, o relatório. FUNDAMENTAÇÃO Da Incompetência em Razão da Matéria. Natureza do Contrato A reclamada argui a preliminar em epígrafe, sustentando, em síntese, que a relação jurídica existente entre as partes é de natureza comercial, o que afasta a competência da Justiça do Trabalho. O artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, atribui competência à presente Justiça Especializada para apreciar e julgar toda e qualquer lide decorrente de relação de trabalho, hipótese dos autos, frisando-se que o cerne da demanda consiste na alegação, pelo autor, da existência de relação de emprego. Nesse sentido, pouco importa se a relação existente entre as partes foi mediada por uma plataforma digital. A competência material da Justiça do Trabalho determina-se em face do pedido ou da causa de pedir, independentemente do direito material aplicável. No caso em exame, a causa de pedir remota é a existência de vínculo de emprego. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em Juízo. No sentido ora mencionado, cito a seguinte ementa: “COMPETÊNCIA ABSOLUTA. RELAÇÃO DE EMPREGO. UBER. Considerando que a lide versa sobre o reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista e UBER, com pedido de parcelas de natureza jurídica trabalhista, é da Justiça do Trabalho a competência para dirimir o conflito, nos termos do art. 114 da CR.” (TRT da 3ª Região; PJe: 0011199-47.2017.5.03.0185 (RO); Disponibilização: 16/03/2018; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Camilla G. Pereira Zeidler). Ressalto que a decisão proferida pelo STJ no Conflito de Competência n. 164.544 não tem força vinculante e adota entendimento distinto do deste Juízo e de turmas deste E. Regional. Por oportuno, cita-se trecho de julgado da Eg. 10ª Turma: “A reclamada argui, em contrarrazões, a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação da matéria, conforme decidido pelo STJ nos autos do Conflito de Competência nº 164.544. Pede a extinção do feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC. Sem razão. No caso, o objeto da ação é o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, com o consequente cumprimento de obrigações trabalhistas, o que atrai a competência desta Justiça Especializada para apreciar e julgar o feito, nos termos do art. 114 da CR. Anote-se, por oportuno, que o Conflito de Competência nº 164.544 trata da ‘reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços’, hipótese diversa da retratada nos autos. Rejeita-se a preliminar suscitada” (TRT da 3ª Região; PJe: 0010775-44.2022.5.03.0180 (ROPS); Disponibilização: 11/04/2023; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator(a)/Redator(a): Marcus Moura Ferreira). A decisão do Ministro Alexandre de Moraes, no bojo da Reclamação Constitucional de n° 59.795/MG, tampouco tem força vinculante. Assim, a existência da relação de emprego e a natureza da relação jurídica existente entre as partes (civil, comercial ou trabalhista) são questões afetas ao mérito da causa e, como tais, serão analisadas. Rejeito, portanto, a preliminar em epígrafe. Da Incompetência em Razão da Matéria. Contribuições Previdenciárias A reclamada argui a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas ao longo da relação jurídica. A Justiça do Trabalho não possui competência material para determinar o recolhimento de contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos ao trabalhador no curso do vínculo laboral, cabendo-lhe, tão somente, executar os recolhimentos decorrentes da incidência sobre as parcelas condenatórias deferidas em sentença, a teor dos artigos 109 e 114, VIII, ambos da CF/88 e do art. 876, parágrafo único, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/17. Nesse mesmo sentido, o entendimento cristalizado na súmula 368, I, do C. TST. No entanto, no caso dos autos, ao contrário do que afirma a ré, o autor não formulou qualquer pedido de recolhimento de contribuições previdenciárias devidas durante o período trabalhado e não decorrentes de eventuais parcelas condenatórias impostas nesta sentença. O pedido do reclamante cinge-se à indenização por danos morais, em virtude da ausência de cobertura previdenciária, o que se insere na competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, VI, do texto constitucional. Logo, rejeito a preliminar. Da Prescrição Quinquenal A Lei n. 14.010/2020 suspendeu os prazos prescricionais, devido ao estado de calamidade pública provocado pela pandemia do novo coronavírus, no período de 12/06/2020 a 30/10/2020. Diante disso, e considerando que a ação sub judice foi ajuizada em 13/02/2025, acolho a prejudicial de prescrição quinquenal arguida pela ré, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, para julgar extinto o processo, com resolução de mérito, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, com fulcro no art. 487, II, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo trabalhista por força do art. 769 da CLT. Da mesma forma, no que tange ao pleito de condenação da ré ao recolhimento do FGTS, por falta de recolhimento da verba em época própria, deve-se observar que o Supremo Tribunal Federal, em 13/11/2014, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo Regimental ARE 709212, com repercussão geral reconhecida, declarou a inconstitucionalidade das normas que estabeleciam o prazo prescricional de 30 anos para ações que versem sobre valores não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (art. 23 da Lei 8.036/90 e art. 55 do Decreto 99.684/90), fixando o entendimento de que a prescrição aplicável, ao caso, é a de cinco anos, estipulada no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal. Ressalto que o Excelso STF, por maioria, atribuiu à decisão efeitos ex nunc, conforme modulação assim estabelecida no voto do Ministro Relator Gilmar Mendes (STF - ARE: 709.212 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 13/11/2014, Data de Publicação: Dje-032 de 19-02-2015). Nesse contexto, com fundamento no entendimento inserto na Súmula 362 do colendo TST, nos casos em que o prazo prescricional ainda não estava em curso, aplica-se a prescrição quinquenal, nos termos da decisão supracitada. Sendo assim, será observada a prescrição quinquenal acima declarada, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, inclusive quanto ao pedido de recolhimento do FGTS. Da Relação Havida entre as Partes O reclamante alega, em síntese, que aderiu aos termos e condições estabelecidos pela reclamada em 14/03/2018, quando iniciou sua atuação como motorista de aplicativo daquela, percebendo remuneração média no importe de R$300,00 por semana, exercendo suas atribuições mediante os elementos caracterizadores da relação de emprego, sem ter até o momento nenhum direito trabalhista reconhecido. Requer, pois, o reconhecimento da existência do vínculo empregatício entre as partes, na modalidade contrato de trabalho por prazo indeterminado e, sucessivamente, contrato intermitente, com o pagamento de típicas verbas trabalhistas. A reclamada sustenta, em breve resumo, que é uma empresa de tecnologia e, como tal, realiza simples intermediação de contato entre motoristas e passageiros, refutando a existência de atuação do motorista nos moldes da relação de emprego. É fato incontroverso que o reclamante aderiu aos termos e condições gerais dos serviços (Id. b0a7a1d). Nesses termos, resta consignado a inexistência de vínculo empregatício entre as partes (item 13.1, fls. 137/138 do PDF), o que é consabidamente irrelevante, visto que prevalece o princípio da primazia da realidade sobre a forma. Portanto, o documento em questão não tem o condão de determinar a natureza jurídica da relação travada, o que exige análise fática. Em outras palavras, caso reste comprovada a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, será letra morta o que foi estabelecido no mencionado termos de uso. Pois bem. Inicialmente, observo que o objeto da atividade da reclamada não é simples formação de “marketplace”, por meio de plataforma tecnológica, por intermédio da qual se reuniriam os motoristas credenciados e clientes da reclamada a fim de, entre si, concluírem negócio. Isso porque o transporte de passageiros é o elemento essencial do negócio, para a reclamada, motorista e cliente. A tecnologia utilizada, a plataforma, é nada mais que uma ferramenta que permite maximizar aquela prestação de serviços central. Com efeito, o transporte é elemento comum entre a plataforma que o propicia – tendo sido especificamente desenvolvida com essa finalidade –, o motorista que oferece o serviço e o consumidor que o contrata, sendo fato notório que não há negociação de preço entre o prestador e o consumidor, ou seleção, por este último, do motorista que realizará o transporte. O próprio termo de adesão também evidencia que o preço da viagem é fixado, unilateralmente, pela plataforma, não sendo possível ao motorista elevar o preço (item 4 dos termos de uso). Não há, portanto, negócio desvinculado da empresa, que tem ingerência sobre seus elementos essenciais – seleção do prestador, formação do preço –, o que extrapola a função de “facilitadora” desse negócio, a exemplo do que ocorre em plataformas tecnológicas de intermediação de oferta de bens para venda e locação. Nesse contexto, passo a analisar o caso concreto do negócio jurídico firmado pelas partes, a partir dos elementos caracterizadores do vínculo empregatício. O autor é pessoa física e, assim, entrega sua força de trabalho. A onerosidade da prestação de serviços é inequívoca, sendo certo que o valor da contraprestação é estabelecido, de forma unilateral, pela reclamada. A pessoalidade se depreende da necessidade do trabalhador se cadastrar na plataforma, fornecendo dados pessoais e documentos, incluindo o atestado de antecedentes criminais e a CNH pertinente ao meio de transporte adotado, além de sujeitar-se o motorista a verificações periódicas de segurança e ao histórico de condução, conforme se verifica nos itens 3.1 e 3.3 dos termos de uso da plataforma (Id. b0a7a1d), bem como do documento de Id. 7446e1f (fl. 77 do PDF). Além disso, há impedimento do compartilhamento do perfil do motorista com terceiros (ver item 2.7.2 dos termos de uso), o que reforça a impossibilidade de o motorista principal se fazer substituir a seu critério. O uso pessoal do perfil, aliás, é confirmado pelo depoimento da testemunha Chrystinni Andrade Souza (Id. 87af371), acolhido como prova emprestada. A subordinação jurídica pode ser constatada não apenas em razão da notória dependência econômica daquele que vende sua força de trabalho, como também do modelo de negócio explorado. Destaco, aqui, que a prestação de serviços inicia-se a partir da “adesão” a um contrato, em que não há possibilidade alguma de negociação das cláusulas por parte do prestador. Assim, caso o autor não aceite as condições pactuadas, poderá ser desativado do aplicativo de motorista e os serviços da UBER, sem aviso prévio (item 12.2, Id. b0a7a1d, fl. 137 do PDF).  Na verdade, o que se verifica é que a ré estabelece todos os contornos da prestação de serviços (Termos e Condições Gerais dos Serviços – Id. b0a7a1d; Código da comunidade Uber – Id. 10a9b3c), acompanhando de forma detalhada e remota toda a atividade do trabalhador – maior que o que se verificaria fisicamente, no antigo modelo fordista/toyotista de produção, diga-se (“realizando viagens” – Id. eb00afc – fls. 371/372 do PDF e “serviços baseados em localização” – Id. 6d0e8b2 – fl. 867 do PDF). Como já dito anteriormente, a ré é quem fixa os preços das corridas e, inclusive, faz gestão da alocação da mão-de-obra por meio de tarifas dinâmicas – pausa no recebimento de corridas, da fixação de preços das corridas exclusivamente pela empresa, com possibilidade, inclusive, de gestão da alocação da mão-de-obra por meio de incentivos pecuniários para que os motoristas trabalhem em horários e locais específicos, fatos corroborados pela prova emprestada (depoimentos das testemunhas Chrystinni Andrade e Walter Tadeu Martins Filho, Ids 87af371 e 3c64607).   A reclamada também aplica punições ao trabalhador, fundadas em avaliações de clientes da empresa, podendo implicar, inclusive, o descredenciamento da plataforma (item 2.6.2 do Termo de Uso – Id. b0a7a1d, fl. 124 do PDF e Código da Comunidade Uber - Avaliações – Id. 10a9b3c, fls. 113/114). Como se vê das cláusulas acima destacadas, a sujeição do motorista é incomparavelmente maior do que a do empregado celetista, justamente porque a ré não reconhece os limites legais que o ordenamento jurídico pátrio já consagrou para proteção do hipossuficiente. A única opção que o motorista tem é, simplesmente, não prestar serviços por intermédio da plataforma porque, se quiser fazê-lo, terá que se enquadrar totalmente nas exigências da ré. Resta passar à apreciação do elemento determinante para a definição dos contornos da relação jurídica específica deste caso concreto, qual seja, a não-eventualidade. Nesse aspecto, registro serem fatos incontroversos que “ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma”, bem como que “não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias” e que “o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma” (ata de Id. 6e76cf0). Tais fatos não implicam que o autor se ativasse de forma eventual. E, quanto a ser incontroverso que “é critério do motorista utilizar outras plataformas”, pontuo que não se confundem exclusividade – vedação à prestação de serviços a outro empregador – e não-eventualidade – relacionada à fixação jurídica entre prestador e tomador – sendo que apenas este último é elemento caracterizador da relação de emprego. Nesse diapasão, sendo incontroversa a prestação de serviços, era ônus da ré trazer aos autos os relatórios de ativação do trabalhador, a fim de demonstrar que ele se ativava, apenas, de forma eventual. No entanto, o histórico de viagens trazido pela reclamada (Id cfde1db) – documento não impugnado ou desconstituído quanto à frequência –, demonstra o trabalho não eventual do reclamante a partir de 14/03/2018. Portanto, resta caracterizada a não eventualidade na prestação do serviço. A existência de períodos sem ativação curtos, em comparação aos períodos de prestação de serviços, se amolda, justamente, à realidade do contrato de trabalho por prazo indeterminado, em que há períodos de férias e descansos semanais remunerados. Sendo assim, não resta caracterizado, no presente caso, o contrato de trabalho intermitente, nos termos dos artigos 443, § 3º, e 452-A, ambos da CLT. Ainda que assim não fosse, desde já ressalto, no tocante à multa prevista no art. 452-A, §4º, da CLT, que o dispositivo em questão estipula: “§4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo”. Sabido que a estipulação de penalidade deve ser interpretada de forma restritiva, não se equiparam o cancelamento de corridas específicas ao longo da jornada ao não comparecimento ao trabalho. Dessa forma, o fato de o reclamante se ativar no dia, colocando-se à disposição para realizar corridas, mesmo rejeitando-as pontualmente ao longo da jornada, afasta a incidência da multa. Como já destacado anteriormente, a reclamada tem controle preciso do tempo integral que o trabalhador fica em atuação, de modo que é absolutamente irrelevante a relativa autonomia do trabalhador quanto ao momento da prestação de serviços, visto que a plataforma criada pela ré permite a eliminação do denominado “tempo morto” da prestação de serviços, alcançando, pois, máxima eficiência na extração do valor trabalho. Ademais, destaco que a política de prêmios, promoções e incentivos para estimular a habitualidade da ativação, revelada pela prova testemunhal colhida de forma emprestada, demonstra que, muito embora em determinados casos individuais possa haver eventualidade na prestação de serviços para a ré, o objetivo dessa última é, justamente, que a prestação de serviços se dê de forma não-eventual. Ante o exposto, nos termos dos artigos 3º e 9º da CLT, satisfeitos todos os pressupostos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, reconheço a existência do vínculo empregatício a partir de 14/03/2018, na modalidade contrato de trabalho por prazo indeterminado, sendo incontroverso que o vínculo do reclamante permanece ativo. Por consequência, a ré fica condenada a anotar o contrato de trabalho na CTPS digital do reclamante, na modalidade por prazo indeterminado, fazendo constar admissão em 14/03/2018, função de motorista e salário à base de produção. A obrigação deverá ser cumprida no prazo de cinco dias a contar da intimação específica, sob pena de aplicação de multa e anotação diretamente pela Secretaria deste Juízo, com ofício à SRT para autuação, nos termos do art. 39, § 1º, da CLT. Das Verbas Trabalhistas Corolário lógico do decidido no item antecedente, defiro ao reclamante, observado o limite dos pedidos, o pagamento das seguintes parcelas, observada a prescrição declarada: a) gratificações natalinas integrais dos anos de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024; b) férias integrais acrescidas de um terço, dos períodos aquisitivos 2019/2020 (em dobro), 2020/2021 (em dobro), 2021/2022 (em dobro), 2022/2023 (em dobro) e 2023/2024 (simples); c) FGTS de todo o período contratual não prescrito. Improcedem os pleitos de gratificação natalina proporcional de 2025 e de férias do período aquisitivo 2024/2025, porquanto o contrato de trabalho encontra-se em curso, de modo que tais verbas ainda não são exigíveis. As parcelas serão apuradas em liquidação de sentença, ocasião em que deverá ser observada, como base de cálculo, a média mensal de produção do trabalhador extraída do documento extrato de corridas (Id. cfde1db), assegurado o salário-mínimo legal por hora de ativação, que é garantia constitucional, visto que referido relatório não foi desconstituído por outro meio de prova. Ressalto que a presente condenação abrange apenas parcelas vencidas, observando como limite a data do ajuizamento da ação, uma vez que a prova documental, notadamente o histórico de viagens, não abrange o período posterior, não havendo como presumir que as condições de trabalho se manterão as mesmas a partir dessa data. Finalmente, indefiro o pedido de informações fundado no art. 20 da LGPD, porquanto não há qualquer alegação de que o autor foi bloqueado ou sofreu alguma restrição no uso da plataforma. Da Indenização por Danos Morais. Ausência de Cobertura Previdenciária O reclamante requer o pagamento de indenização por danos morais, sob o fundamento de ausência de cobertura previdenciária no período de ativação. O vínculo empregatício foi reconhecido na presente oportunidade e, assim, acarretará recolhimentos previdenciários em prol do trabalhador, sendo que cada parte arcará com a respectiva quota-parte. No entanto, quando o autor se vinculou à plataforma, sua expectativa era de atuação como trabalhador autônomo, diante dos termos de uso da plataforma ao qual havia aderido. Assim, é possível apreciar o pleito autoral sob essa ótica pretérita. E aqui, ainda que inexistente o vínculo empregatício, havia a obrigatoriedade do recolhimento da contribuição previdenciária na qualidade de segurado contribuinte individual. A Lei n. 8.213/91 estabelece o contribuinte individual dentre os segurados obrigatórios da previdência social, elencando, entre aqueles, “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 11, V, letra “h”, inserido pela Lei 9.876 /99). Aqui supunha-se que o autor estaria inserido, antes do reconhecimento do vínculo empregatício ora realizado. A Lei n. 8.212/91, por sua vez, estabelece, em seu art. 22, III, que é obrigação da empresa a contribuição à Seguridade Social, no percentual de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços. A reclamada, no entanto, não contesta que não promoveu o recolhimento previdenciário do autor, considerando sua condição de contribuinte individual, invocando que incumbe ao próprio “motorista-parceiro” proceder com os seus recolhimentos previdenciários, quer como contribuinte individual do INSS, quer como empreendedor individual. Portanto, ainda que se entendesse pela inexistência de vínculo empregatício entre as partes, seria necessário reconhecer que a ré agiu ilicitamente ao não promover o recolhimento da contribuição previdenciária decorrente da prestação de serviços da qual era beneficiada, em infração ao disposto no art. 22, III, da Lei 8.212/91. Nesse diapasão, reconheço que, à época dos fatos, quando as partes não cogitavam do enquadramento do autor como empregado que efetivamente era, esse estava alijado do sistema de seguridade social em decorrência da atuação ilícita da reclamada. É certo que, com o reconhecimento do vínculo empregatício e consequente recolhimento previdenciário, será corrigida a atuação ilícita e o autor terá seu tempo de serviço considerado para fins de benefícios futuros. Esse fato, no entanto, não elimina o desamparo em que o trabalhador ficou à época da ativação, quando poderia, ao menos em tese, ter necessitado do socorro da Previdência Social. No entanto, para fins de arbitramento do prejuízo imaterial, terei em conta que não veio aos autos prova de que o autor tenha tido necessidade de perceber benefício previdenciário à época do contrato. Pelo exposto, por considerar que deixar o trabalhador alijado do sistema de previdência social configura um dano in res ipsa, e tendo em conta a natureza do ato ilícito, a gravidade do dano e o tempo em que perdurou a prestação de serviços, até o presente momento, a ré fica condenada a pagar indenização por danos morais, no importe de R$3.000,00 (três mil reais). Por oportuno, destaco que o reconhecimento da existência de vínculo empregatício entre as partes faz prevalecer a regra geral das obrigações previdenciárias, em prejuízo do disposto no Decreto n. 9.792/19, cujo pressuposto é a inexistência de vínculo empregatício. Da Indenização por Dano Moral. Acidente do Trabalho O reclamante alega que foi vítima de um acidente de trânsito durante uma corrida solicitada por meio do aplicativo da ré, o que lhe ocasionou um profundo abalo emocional. A reclamada afirma que supostamente houve um infortúnio na via pública, decorrente de fato e circunstância alheia à relação existente com a Uber e que não lhe pode ser imputado. Pois bem. Para o deferimento da indenização por danos morais, é essencial a comprovação da ocorrência do ato ilícito, do prejuízo imaterial, bem como do nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano (art. 223-B da CLT e arts. 186 e 927 do Código Civil). No presente caso, em depoimento pessoal, o autor confessou que, no momento do acidente de trânsito, não estava conduzindo passageiro e, ainda, que não noticiou o acidente à Uber até o ajuizamento da presente ação (v. resumo dos depoimentos de Id. 06574f6). Ressalto que não há nos autos provas de que o reclamante estava trabalhando no momento da ocorrência do acidente, ônus que lhe competia (art. 818, inciso I, da CLT), circunstância que, por si só, afasta o nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, elidindo a responsabilidade da reclamada. Além disso, em depoimento pessoal, o autor admitiu que recebeu indenização pelos danos que sofreu por parte do seguro contratado pelo condutor do outro veículo envolvido, o que leva a crer que o prejuízo já foi recomposto. Concluo, portanto, que o dano tampouco está demonstrado nos autos. Portanto, não restando comprovada a ocorrência de acidente de trabalho e nem de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, e ainda não evidenciado o dano à esfera moral do autor, julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais. Do FGTS O Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do RRAg-0000003-65.2023.5.05.0201, em sede de incidente de recursos de revista repetitivos, fixou a seguinte tese jurídica de caráter vinculante: “Nos casos em que o empregado ajuíza reclamação trabalhista pretendendo a percepção de parcelas relativas ao FGTS e à respectiva multa, os valores devem ser depositados em conta vinculada e não pagos diretamente ao trabalhador.”     Assim, todos os valores decorrentes da presente sentença que repercutam em FGTS, inclusive reflexos de outras verbas, deverão ser objeto de depósito na conta vinculada do trabalhador. Da Justiça Gratuita Em razão da declaração realizada pela parte autora (Id. 5b6a1d8), no sentido da pobreza na acepção legal, e não havendo prova, nos autos, de que o reclamante receba, atualmente, proventos superiores a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, concedo-lhe o benefício da Justiça Gratuita, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT e da Súmula 463 do TST. Dos Honorários Advocatícios Sucumbenciais Tendo em vista o disposto no art. 791-A, §3º, da CLT, com a redação da Lei n. 13.467/2017, são devidos honorários de sucumbência recíproca, cujo montante arbitro em 15% do valor dos créditos devidos ao reclamante, a serem pagos pela parte reclamada ao advogado da parte autora, conforme se apurar em liquidação. Também são devidos honorários advocatícios ao procurador da ré, a cargo do autor, no importe de 15% dos valores dos pedidos integralmente rejeitados. No entanto, fica suspensa a exigibilidade da obrigação do reclamante, que somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, findos os quais a obrigação terá sua eficácia definitivamente encampada, conforme art. 791-A, § 4º, da CLT, e recente julgamento da ADI 5766, realizado no dia 20/10/2021, integrado pelo julgamento dos Embargos de Declaração em 21/06/2022. Por fim, destaco que os honorários devidos pelo autor não poderão ser deduzidos do crédito a ser recebido, uma vez que, no julgamento da ADI 5766, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” do art. 791-A, § 4º, da CLT. Da Compensação / Dedução Nada há a compensar, porque a reclamada não demonstrou ser credora da reclamante (artigo 368 do CCB/02). Não há dedução a ser realizada posto que não comprovado pagamento a idêntico título das parcelas deferidas. Dos Recolhimentos Previdenciários e Fiscais Tendo em vista o deferimento de parcelas de natureza salarial, o empregador reterá os valores devidos a título de contribuição previdenciária pelo empregado, recolhendo-os, junto com a sua quota parte, na forma da Lei n° 11.941/09, e comprovando nos autos, no prazo legal, sob pena de execução ex officio, nos termos do art. 876, parágrafo único, da CLT. E, em atendimento ao disposto no art. 832, §3º, da CLT, declaro que todas as parcelas acima deferidas contam com natureza salarial, a teor do que dispõe a Lei nº 8.212/91, com exceção das seguintes, principais e reflexas: férias indenizadas acrescidas de 1/3; FGTS e indenização por danos morais. A retenção e o recolhimento do Imposto de Renda deverão ser realizados pelo empregador, na forma determinada pelo art. 46 da Lei nº 8.541/92, recaindo sobre as parcelas deferidas nesta decisão, mês a mês, sendo tributadas exclusivamente na fonte, no mês do recebimento ou crédito, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês (art. 12-A, da Lei nº 7.713/88), sob pena de expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal do Brasil. Finalmente, ressalto que não incide Imposto de Renda sobre os juros de mora e a indenização por danos morais, que não importam em auferir renda, nos termos do art. 404 do Código Civil e da Orientação Jurisprudencial nº 400 da SDI-I do TST. Da Atualização Monetária e dos Juros de Mora A atualização monetária é devida na forma da Súmula nº 381 do colendo TST, ou seja, incidirá a partir do dia primeiro do mês subsequente ao da prestação de serviços, nos moldes do art. 459, parágrafo único, da CLT. E, em consonância com o disposto na Súmula nº 200 do c. TST, os juros de mora incidem sobre a importância da condenação já corrigida monetariamente. No entanto, quanto à indenização por danos morais, nos termos da Súmula nº 439 do TST, a atualização monetária somente é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração de valor. O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade de nº 58 e 59 e das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade de nº 5867 e 6021, conforme Acórdão publicado em 07/04/2021, complementado em sede de decisão de Embargos de Declaração (Plenário, Sessão Virtual de 15/10/2021 a 22/10/2021), com fincas de repercussão geral, determinou que, para a atualização dos créditos, devem ser utilizados, em relação à fase extrajudicial, o IPCA-E e os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177/91), e, a partir da data de distribuição da ação, apenas a taxa SELIC (art. 406 do Código Civil). Posteriormente, a Lei 14.905/2024, com vigência a partir de 30/08/2024, promoveu alterações nos artigos 389, parágrafo único, e 406, §1°, do Código Civil, ratificando o IPCA como índice geral de correção monetária e alterando os critérios de aplicação de juros, que passam a corresponder à taxa SELIC com a dedução do IPCA, observada a taxa zero na hipótese de o resultado dessa dedução ser negativo. Assim, considerando as decisões proferidas pelo C. TST e pelo C. STF, bem como as alterações promovidas pela Lei n. 14.905/2024, determino o seguinte: 1 - na fase pré-judicial, a incidência de IPCA-E e de juros legais (art. 39, caput, Lei n. 8.177/91); 2 - a partir do ajuizamento da ação, até 29/08/2024, a incidência unicamente da taxa SELIC; 3 - após o ajuizamento da ação, mas a partir de 30/08/2024, a incidência da atualização monetária pelo IPCA-E e, como juros de mora, a taxa decorrente da subtração do IPCA-E da SELIC, observada a taxa zero na hipótese de o resultado dessa dedução ser negativo. Da Limitação da Condenação aos Valores dos Pedidos – Rito ordinário Os artigos 141 e 492, ambos do CPC, consagram o princípio da adstrição da sentença ao pedido, o que não implica limitação da condenação aos valores indicados na inicial. Ou seja, o Juízo encontra limites em relação às parcelas pleiteadas, mas não quanto à repercussão financeira indicada na peça vestibular. Os valores dos pedidos indicados na petição inicial representam, apenas, uma estimativa do conteúdo pecuniário da pretensão e têm o objetivo de definir o rito processual a ser seguido. Em sentido similar ao ora deduzido, porém quanto aos processos submetidos ao rito sumaríssimo, o entendimento cristalizado na Tese Jurídica Prevalecente nº 16 do Eg. TRT da 3ª Região, aplicável por analogia. CONCLUSÃO Isto posto, nos termos da fundamentação, parte integrante deste dispositivo, o Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte resolve, no bojo da ação trabalhista proposta por MAURÍLIO FRANQUES COELHO em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., rejeitar as preliminares e: I) acolher a prejudicial de prescrição quinquenal, para julgar extinto o processo, com resolução de mérito, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, inclusive quanto ao FGTS; II) julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos, para reconhecer a existência de vínculo empregatício entre as partes a partir de 14/03/2018 e condenar a reclamada a: 1 – anotar o contrato de trabalho na CTPS digital do reclamante, fazendo constar admissão em 14/03/2018, na modalidade por prazo indeterminado, função de motorista e salário à base de produção; 2 – pagar, em favor do autor, no prazo legal e conforme se apurar em liquidação de sentença por simples cálculos, as seguintes parcelas, que deverão ser atualizadas e acrescidas de juros de mora até a data do efetivo pagamento, observados os parâmetros fixados na fundamentação, que integram o presente decisum: a) gratificações natalinas integrais dos anos de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024; b) férias integrais acrescidas de um terço, dos períodos aquisitivos 2019/2020 (em dobro), 2020/2021 (em dobro), 2021/2022 (em dobro), 2022/2023 (em dobro) e 2023/2024 (simples); c) FGTS de todo o período contratual reconhecido; d) indenização por danos morais, no importe de R$3.000,00 (três mil reais). Concedo ao reclamante o benefício da justiça gratuita. Os honorários sucumbenciais são devidos na forma da fundamentação. Os recolhimentos previdenciários deverão ser realizados nos moldes fixados na fundamentação, sendo que, em atendimento ao §3º, do art. 832, da CLT, declaro que todas as parcelas acima deferidas contam com natureza salarial, a teor do que dispõe a Lei nº 8.212/91, à exceção das seguintes, principais e reflexas: férias indenizadas acrescidas de 1/3; FGTS e indenização por danos morais. Autorizada a retenção do imposto de renda na fonte. As partes ficam advertidas de que não cabem Embargos de Declaração para rever fatos, provas ou a própria decisão, ou, simplesmente, para contestar puramente o que já foi decidido (artigos 80, 81 e 1.026, todos do CPC/2015). Custas, pela reclamada, no importe de R$1.200,00, calculadas sobre R$60.000,00, valor arbitrado à condenação, para fins fiscais. Intimem-se as partes.  BELO HORIZONTE/MG, 23 de abril de 2025. MARINA CAIXETA BRAGA Juíza Titular de Vara do Trabalho

    Intimado(s) / Citado(s)
    - MAURILIO FRANQUES COELHO
  3. 24/04/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE | Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
    PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 3ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010116-76.2025.5.03.0003 : MAURILIO FRANQUES COELHO : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 4ae25ac proferida nos autos. SENTENÇA   RELATÓRIO MAURÍLIO FRANQUES COELHO, qualificado nos autos do processo eletrônico, propôs ação trabalhista em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA afirmando, em síntese, que foi admitido pela reclamada em 14/03/2018 e o contrato de trabalho está ativo. Pelas razões expostas, pleiteia o reconhecimento do vínculo de emprego e a condenação da ré ao pagamento de décimos terceiros salários, férias acrescidas de um terço, depósitos de FGTS, indenização por danos morais, dentre outros pedidos (petição inicial de Id. f42af8b). Atribuiu à causa o valor de R$106.862,60. Juntou documentos, declaração de insuficiência de recursos e instrumento de mandato. Na audiência inicial (ata de Id. 145ef9b), rejeitada a proposta de conciliação, foi recebida a defesa escrita apresentada pela ré (Id. a049bfb), com documentos, na qual ela argui preliminares e prejudicial de mérito e pugna pela improcedência dos pedidos. O autor apresentou impugnação à defesa e aos documentos (Id. 8ae9190). Na audiência de instrução (Id. 6e76cf0), as partes pactuaram a utilização da prova emprestada, fixaram os pontos incontroversos e, em seguida, foi colhido o depoimento pessoal das partes. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual. Razões finais orais remissivas. Rejeitada a última proposta de conciliação. Tudo visto e examinado. É, em síntese, o relatório. FUNDAMENTAÇÃO Da Incompetência em Razão da Matéria. Natureza do Contrato A reclamada argui a preliminar em epígrafe, sustentando, em síntese, que a relação jurídica existente entre as partes é de natureza comercial, o que afasta a competência da Justiça do Trabalho. O artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, atribui competência à presente Justiça Especializada para apreciar e julgar toda e qualquer lide decorrente de relação de trabalho, hipótese dos autos, frisando-se que o cerne da demanda consiste na alegação, pelo autor, da existência de relação de emprego. Nesse sentido, pouco importa se a relação existente entre as partes foi mediada por uma plataforma digital. A competência material da Justiça do Trabalho determina-se em face do pedido ou da causa de pedir, independentemente do direito material aplicável. No caso em exame, a causa de pedir remota é a existência de vínculo de emprego. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em Juízo. No sentido ora mencionado, cito a seguinte ementa: “COMPETÊNCIA ABSOLUTA. RELAÇÃO DE EMPREGO. UBER. Considerando que a lide versa sobre o reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista e UBER, com pedido de parcelas de natureza jurídica trabalhista, é da Justiça do Trabalho a competência para dirimir o conflito, nos termos do art. 114 da CR.” (TRT da 3ª Região; PJe: 0011199-47.2017.5.03.0185 (RO); Disponibilização: 16/03/2018; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Camilla G. Pereira Zeidler). Ressalto que a decisão proferida pelo STJ no Conflito de Competência n. 164.544 não tem força vinculante e adota entendimento distinto do deste Juízo e de turmas deste E. Regional. Por oportuno, cita-se trecho de julgado da Eg. 10ª Turma: “A reclamada argui, em contrarrazões, a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação da matéria, conforme decidido pelo STJ nos autos do Conflito de Competência nº 164.544. Pede a extinção do feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC. Sem razão. No caso, o objeto da ação é o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, com o consequente cumprimento de obrigações trabalhistas, o que atrai a competência desta Justiça Especializada para apreciar e julgar o feito, nos termos do art. 114 da CR. Anote-se, por oportuno, que o Conflito de Competência nº 164.544 trata da ‘reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços’, hipótese diversa da retratada nos autos. Rejeita-se a preliminar suscitada” (TRT da 3ª Região; PJe: 0010775-44.2022.5.03.0180 (ROPS); Disponibilização: 11/04/2023; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator(a)/Redator(a): Marcus Moura Ferreira). A decisão do Ministro Alexandre de Moraes, no bojo da Reclamação Constitucional de n° 59.795/MG, tampouco tem força vinculante. Assim, a existência da relação de emprego e a natureza da relação jurídica existente entre as partes (civil, comercial ou trabalhista) são questões afetas ao mérito da causa e, como tais, serão analisadas. Rejeito, portanto, a preliminar em epígrafe. Da Incompetência em Razão da Matéria. Contribuições Previdenciárias A reclamada argui a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas ao longo da relação jurídica. A Justiça do Trabalho não possui competência material para determinar o recolhimento de contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores pagos ao trabalhador no curso do vínculo laboral, cabendo-lhe, tão somente, executar os recolhimentos decorrentes da incidência sobre as parcelas condenatórias deferidas em sentença, a teor dos artigos 109 e 114, VIII, ambos da CF/88 e do art. 876, parágrafo único, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/17. Nesse mesmo sentido, o entendimento cristalizado na súmula 368, I, do C. TST. No entanto, no caso dos autos, ao contrário do que afirma a ré, o autor não formulou qualquer pedido de recolhimento de contribuições previdenciárias devidas durante o período trabalhado e não decorrentes de eventuais parcelas condenatórias impostas nesta sentença. O pedido do reclamante cinge-se à indenização por danos morais, em virtude da ausência de cobertura previdenciária, o que se insere na competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, VI, do texto constitucional. Logo, rejeito a preliminar. Da Prescrição Quinquenal A Lei n. 14.010/2020 suspendeu os prazos prescricionais, devido ao estado de calamidade pública provocado pela pandemia do novo coronavírus, no período de 12/06/2020 a 30/10/2020. Diante disso, e considerando que a ação sub judice foi ajuizada em 13/02/2025, acolho a prejudicial de prescrição quinquenal arguida pela ré, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, para julgar extinto o processo, com resolução de mérito, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, com fulcro no art. 487, II, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo trabalhista por força do art. 769 da CLT. Da mesma forma, no que tange ao pleito de condenação da ré ao recolhimento do FGTS, por falta de recolhimento da verba em época própria, deve-se observar que o Supremo Tribunal Federal, em 13/11/2014, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo Regimental ARE 709212, com repercussão geral reconhecida, declarou a inconstitucionalidade das normas que estabeleciam o prazo prescricional de 30 anos para ações que versem sobre valores não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (art. 23 da Lei 8.036/90 e art. 55 do Decreto 99.684/90), fixando o entendimento de que a prescrição aplicável, ao caso, é a de cinco anos, estipulada no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal. Ressalto que o Excelso STF, por maioria, atribuiu à decisão efeitos ex nunc, conforme modulação assim estabelecida no voto do Ministro Relator Gilmar Mendes (STF - ARE: 709.212 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 13/11/2014, Data de Publicação: Dje-032 de 19-02-2015). Nesse contexto, com fundamento no entendimento inserto na Súmula 362 do colendo TST, nos casos em que o prazo prescricional ainda não estava em curso, aplica-se a prescrição quinquenal, nos termos da decisão supracitada. Sendo assim, será observada a prescrição quinquenal acima declarada, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, inclusive quanto ao pedido de recolhimento do FGTS. Da Relação Havida entre as Partes O reclamante alega, em síntese, que aderiu aos termos e condições estabelecidos pela reclamada em 14/03/2018, quando iniciou sua atuação como motorista de aplicativo daquela, percebendo remuneração média no importe de R$300,00 por semana, exercendo suas atribuições mediante os elementos caracterizadores da relação de emprego, sem ter até o momento nenhum direito trabalhista reconhecido. Requer, pois, o reconhecimento da existência do vínculo empregatício entre as partes, na modalidade contrato de trabalho por prazo indeterminado e, sucessivamente, contrato intermitente, com o pagamento de típicas verbas trabalhistas. A reclamada sustenta, em breve resumo, que é uma empresa de tecnologia e, como tal, realiza simples intermediação de contato entre motoristas e passageiros, refutando a existência de atuação do motorista nos moldes da relação de emprego. É fato incontroverso que o reclamante aderiu aos termos e condições gerais dos serviços (Id. b0a7a1d). Nesses termos, resta consignado a inexistência de vínculo empregatício entre as partes (item 13.1, fls. 137/138 do PDF), o que é consabidamente irrelevante, visto que prevalece o princípio da primazia da realidade sobre a forma. Portanto, o documento em questão não tem o condão de determinar a natureza jurídica da relação travada, o que exige análise fática. Em outras palavras, caso reste comprovada a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, será letra morta o que foi estabelecido no mencionado termos de uso. Pois bem. Inicialmente, observo que o objeto da atividade da reclamada não é simples formação de “marketplace”, por meio de plataforma tecnológica, por intermédio da qual se reuniriam os motoristas credenciados e clientes da reclamada a fim de, entre si, concluírem negócio. Isso porque o transporte de passageiros é o elemento essencial do negócio, para a reclamada, motorista e cliente. A tecnologia utilizada, a plataforma, é nada mais que uma ferramenta que permite maximizar aquela prestação de serviços central. Com efeito, o transporte é elemento comum entre a plataforma que o propicia – tendo sido especificamente desenvolvida com essa finalidade –, o motorista que oferece o serviço e o consumidor que o contrata, sendo fato notório que não há negociação de preço entre o prestador e o consumidor, ou seleção, por este último, do motorista que realizará o transporte. O próprio termo de adesão também evidencia que o preço da viagem é fixado, unilateralmente, pela plataforma, não sendo possível ao motorista elevar o preço (item 4 dos termos de uso). Não há, portanto, negócio desvinculado da empresa, que tem ingerência sobre seus elementos essenciais – seleção do prestador, formação do preço –, o que extrapola a função de “facilitadora” desse negócio, a exemplo do que ocorre em plataformas tecnológicas de intermediação de oferta de bens para venda e locação. Nesse contexto, passo a analisar o caso concreto do negócio jurídico firmado pelas partes, a partir dos elementos caracterizadores do vínculo empregatício. O autor é pessoa física e, assim, entrega sua força de trabalho. A onerosidade da prestação de serviços é inequívoca, sendo certo que o valor da contraprestação é estabelecido, de forma unilateral, pela reclamada. A pessoalidade se depreende da necessidade do trabalhador se cadastrar na plataforma, fornecendo dados pessoais e documentos, incluindo o atestado de antecedentes criminais e a CNH pertinente ao meio de transporte adotado, além de sujeitar-se o motorista a verificações periódicas de segurança e ao histórico de condução, conforme se verifica nos itens 3.1 e 3.3 dos termos de uso da plataforma (Id. b0a7a1d), bem como do documento de Id. 7446e1f (fl. 77 do PDF). Além disso, há impedimento do compartilhamento do perfil do motorista com terceiros (ver item 2.7.2 dos termos de uso), o que reforça a impossibilidade de o motorista principal se fazer substituir a seu critério. O uso pessoal do perfil, aliás, é confirmado pelo depoimento da testemunha Chrystinni Andrade Souza (Id. 87af371), acolhido como prova emprestada. A subordinação jurídica pode ser constatada não apenas em razão da notória dependência econômica daquele que vende sua força de trabalho, como também do modelo de negócio explorado. Destaco, aqui, que a prestação de serviços inicia-se a partir da “adesão” a um contrato, em que não há possibilidade alguma de negociação das cláusulas por parte do prestador. Assim, caso o autor não aceite as condições pactuadas, poderá ser desativado do aplicativo de motorista e os serviços da UBER, sem aviso prévio (item 12.2, Id. b0a7a1d, fl. 137 do PDF).  Na verdade, o que se verifica é que a ré estabelece todos os contornos da prestação de serviços (Termos e Condições Gerais dos Serviços – Id. b0a7a1d; Código da comunidade Uber – Id. 10a9b3c), acompanhando de forma detalhada e remota toda a atividade do trabalhador – maior que o que se verificaria fisicamente, no antigo modelo fordista/toyotista de produção, diga-se (“realizando viagens” – Id. eb00afc – fls. 371/372 do PDF e “serviços baseados em localização” – Id. 6d0e8b2 – fl. 867 do PDF). Como já dito anteriormente, a ré é quem fixa os preços das corridas e, inclusive, faz gestão da alocação da mão-de-obra por meio de tarifas dinâmicas – pausa no recebimento de corridas, da fixação de preços das corridas exclusivamente pela empresa, com possibilidade, inclusive, de gestão da alocação da mão-de-obra por meio de incentivos pecuniários para que os motoristas trabalhem em horários e locais específicos, fatos corroborados pela prova emprestada (depoimentos das testemunhas Chrystinni Andrade e Walter Tadeu Martins Filho, Ids 87af371 e 3c64607).   A reclamada também aplica punições ao trabalhador, fundadas em avaliações de clientes da empresa, podendo implicar, inclusive, o descredenciamento da plataforma (item 2.6.2 do Termo de Uso – Id. b0a7a1d, fl. 124 do PDF e Código da Comunidade Uber - Avaliações – Id. 10a9b3c, fls. 113/114). Como se vê das cláusulas acima destacadas, a sujeição do motorista é incomparavelmente maior do que a do empregado celetista, justamente porque a ré não reconhece os limites legais que o ordenamento jurídico pátrio já consagrou para proteção do hipossuficiente. A única opção que o motorista tem é, simplesmente, não prestar serviços por intermédio da plataforma porque, se quiser fazê-lo, terá que se enquadrar totalmente nas exigências da ré. Resta passar à apreciação do elemento determinante para a definição dos contornos da relação jurídica específica deste caso concreto, qual seja, a não-eventualidade. Nesse aspecto, registro serem fatos incontroversos que “ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma”, bem como que “não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias” e que “o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma” (ata de Id. 6e76cf0). Tais fatos não implicam que o autor se ativasse de forma eventual. E, quanto a ser incontroverso que “é critério do motorista utilizar outras plataformas”, pontuo que não se confundem exclusividade – vedação à prestação de serviços a outro empregador – e não-eventualidade – relacionada à fixação jurídica entre prestador e tomador – sendo que apenas este último é elemento caracterizador da relação de emprego. Nesse diapasão, sendo incontroversa a prestação de serviços, era ônus da ré trazer aos autos os relatórios de ativação do trabalhador, a fim de demonstrar que ele se ativava, apenas, de forma eventual. No entanto, o histórico de viagens trazido pela reclamada (Id cfde1db) – documento não impugnado ou desconstituído quanto à frequência –, demonstra o trabalho não eventual do reclamante a partir de 14/03/2018. Portanto, resta caracterizada a não eventualidade na prestação do serviço. A existência de períodos sem ativação curtos, em comparação aos períodos de prestação de serviços, se amolda, justamente, à realidade do contrato de trabalho por prazo indeterminado, em que há períodos de férias e descansos semanais remunerados. Sendo assim, não resta caracterizado, no presente caso, o contrato de trabalho intermitente, nos termos dos artigos 443, § 3º, e 452-A, ambos da CLT. Ainda que assim não fosse, desde já ressalto, no tocante à multa prevista no art. 452-A, §4º, da CLT, que o dispositivo em questão estipula: “§4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo”. Sabido que a estipulação de penalidade deve ser interpretada de forma restritiva, não se equiparam o cancelamento de corridas específicas ao longo da jornada ao não comparecimento ao trabalho. Dessa forma, o fato de o reclamante se ativar no dia, colocando-se à disposição para realizar corridas, mesmo rejeitando-as pontualmente ao longo da jornada, afasta a incidência da multa. Como já destacado anteriormente, a reclamada tem controle preciso do tempo integral que o trabalhador fica em atuação, de modo que é absolutamente irrelevante a relativa autonomia do trabalhador quanto ao momento da prestação de serviços, visto que a plataforma criada pela ré permite a eliminação do denominado “tempo morto” da prestação de serviços, alcançando, pois, máxima eficiência na extração do valor trabalho. Ademais, destaco que a política de prêmios, promoções e incentivos para estimular a habitualidade da ativação, revelada pela prova testemunhal colhida de forma emprestada, demonstra que, muito embora em determinados casos individuais possa haver eventualidade na prestação de serviços para a ré, o objetivo dessa última é, justamente, que a prestação de serviços se dê de forma não-eventual. Ante o exposto, nos termos dos artigos 3º e 9º da CLT, satisfeitos todos os pressupostos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, reconheço a existência do vínculo empregatício a partir de 14/03/2018, na modalidade contrato de trabalho por prazo indeterminado, sendo incontroverso que o vínculo do reclamante permanece ativo. Por consequência, a ré fica condenada a anotar o contrato de trabalho na CTPS digital do reclamante, na modalidade por prazo indeterminado, fazendo constar admissão em 14/03/2018, função de motorista e salário à base de produção. A obrigação deverá ser cumprida no prazo de cinco dias a contar da intimação específica, sob pena de aplicação de multa e anotação diretamente pela Secretaria deste Juízo, com ofício à SRT para autuação, nos termos do art. 39, § 1º, da CLT. Das Verbas Trabalhistas Corolário lógico do decidido no item antecedente, defiro ao reclamante, observado o limite dos pedidos, o pagamento das seguintes parcelas, observada a prescrição declarada: a) gratificações natalinas integrais dos anos de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024; b) férias integrais acrescidas de um terço, dos períodos aquisitivos 2019/2020 (em dobro), 2020/2021 (em dobro), 2021/2022 (em dobro), 2022/2023 (em dobro) e 2023/2024 (simples); c) FGTS de todo o período contratual não prescrito. Improcedem os pleitos de gratificação natalina proporcional de 2025 e de férias do período aquisitivo 2024/2025, porquanto o contrato de trabalho encontra-se em curso, de modo que tais verbas ainda não são exigíveis. As parcelas serão apuradas em liquidação de sentença, ocasião em que deverá ser observada, como base de cálculo, a média mensal de produção do trabalhador extraída do documento extrato de corridas (Id. cfde1db), assegurado o salário-mínimo legal por hora de ativação, que é garantia constitucional, visto que referido relatório não foi desconstituído por outro meio de prova. Ressalto que a presente condenação abrange apenas parcelas vencidas, observando como limite a data do ajuizamento da ação, uma vez que a prova documental, notadamente o histórico de viagens, não abrange o período posterior, não havendo como presumir que as condições de trabalho se manterão as mesmas a partir dessa data. Finalmente, indefiro o pedido de informações fundado no art. 20 da LGPD, porquanto não há qualquer alegação de que o autor foi bloqueado ou sofreu alguma restrição no uso da plataforma. Da Indenização por Danos Morais. Ausência de Cobertura Previdenciária O reclamante requer o pagamento de indenização por danos morais, sob o fundamento de ausência de cobertura previdenciária no período de ativação. O vínculo empregatício foi reconhecido na presente oportunidade e, assim, acarretará recolhimentos previdenciários em prol do trabalhador, sendo que cada parte arcará com a respectiva quota-parte. No entanto, quando o autor se vinculou à plataforma, sua expectativa era de atuação como trabalhador autônomo, diante dos termos de uso da plataforma ao qual havia aderido. Assim, é possível apreciar o pleito autoral sob essa ótica pretérita. E aqui, ainda que inexistente o vínculo empregatício, havia a obrigatoriedade do recolhimento da contribuição previdenciária na qualidade de segurado contribuinte individual. A Lei n. 8.213/91 estabelece o contribuinte individual dentre os segurados obrigatórios da previdência social, elencando, entre aqueles, “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 11, V, letra “h”, inserido pela Lei 9.876 /99). Aqui supunha-se que o autor estaria inserido, antes do reconhecimento do vínculo empregatício ora realizado. A Lei n. 8.212/91, por sua vez, estabelece, em seu art. 22, III, que é obrigação da empresa a contribuição à Seguridade Social, no percentual de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços. A reclamada, no entanto, não contesta que não promoveu o recolhimento previdenciário do autor, considerando sua condição de contribuinte individual, invocando que incumbe ao próprio “motorista-parceiro” proceder com os seus recolhimentos previdenciários, quer como contribuinte individual do INSS, quer como empreendedor individual. Portanto, ainda que se entendesse pela inexistência de vínculo empregatício entre as partes, seria necessário reconhecer que a ré agiu ilicitamente ao não promover o recolhimento da contribuição previdenciária decorrente da prestação de serviços da qual era beneficiada, em infração ao disposto no art. 22, III, da Lei 8.212/91. Nesse diapasão, reconheço que, à época dos fatos, quando as partes não cogitavam do enquadramento do autor como empregado que efetivamente era, esse estava alijado do sistema de seguridade social em decorrência da atuação ilícita da reclamada. É certo que, com o reconhecimento do vínculo empregatício e consequente recolhimento previdenciário, será corrigida a atuação ilícita e o autor terá seu tempo de serviço considerado para fins de benefícios futuros. Esse fato, no entanto, não elimina o desamparo em que o trabalhador ficou à época da ativação, quando poderia, ao menos em tese, ter necessitado do socorro da Previdência Social. No entanto, para fins de arbitramento do prejuízo imaterial, terei em conta que não veio aos autos prova de que o autor tenha tido necessidade de perceber benefício previdenciário à época do contrato. Pelo exposto, por considerar que deixar o trabalhador alijado do sistema de previdência social configura um dano in res ipsa, e tendo em conta a natureza do ato ilícito, a gravidade do dano e o tempo em que perdurou a prestação de serviços, até o presente momento, a ré fica condenada a pagar indenização por danos morais, no importe de R$3.000,00 (três mil reais). Por oportuno, destaco que o reconhecimento da existência de vínculo empregatício entre as partes faz prevalecer a regra geral das obrigações previdenciárias, em prejuízo do disposto no Decreto n. 9.792/19, cujo pressuposto é a inexistência de vínculo empregatício. Da Indenização por Dano Moral. Acidente do Trabalho O reclamante alega que foi vítima de um acidente de trânsito durante uma corrida solicitada por meio do aplicativo da ré, o que lhe ocasionou um profundo abalo emocional. A reclamada afirma que supostamente houve um infortúnio na via pública, decorrente de fato e circunstância alheia à relação existente com a Uber e que não lhe pode ser imputado. Pois bem. Para o deferimento da indenização por danos morais, é essencial a comprovação da ocorrência do ato ilícito, do prejuízo imaterial, bem como do nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano (art. 223-B da CLT e arts. 186 e 927 do Código Civil). No presente caso, em depoimento pessoal, o autor confessou que, no momento do acidente de trânsito, não estava conduzindo passageiro e, ainda, que não noticiou o acidente à Uber até o ajuizamento da presente ação (v. resumo dos depoimentos de Id. 06574f6). Ressalto que não há nos autos provas de que o reclamante estava trabalhando no momento da ocorrência do acidente, ônus que lhe competia (art. 818, inciso I, da CLT), circunstância que, por si só, afasta o nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, elidindo a responsabilidade da reclamada. Além disso, em depoimento pessoal, o autor admitiu que recebeu indenização pelos danos que sofreu por parte do seguro contratado pelo condutor do outro veículo envolvido, o que leva a crer que o prejuízo já foi recomposto. Concluo, portanto, que o dano tampouco está demonstrado nos autos. Portanto, não restando comprovada a ocorrência de acidente de trabalho e nem de nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho, e ainda não evidenciado o dano à esfera moral do autor, julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais. Do FGTS O Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do RRAg-0000003-65.2023.5.05.0201, em sede de incidente de recursos de revista repetitivos, fixou a seguinte tese jurídica de caráter vinculante: “Nos casos em que o empregado ajuíza reclamação trabalhista pretendendo a percepção de parcelas relativas ao FGTS e à respectiva multa, os valores devem ser depositados em conta vinculada e não pagos diretamente ao trabalhador.”     Assim, todos os valores decorrentes da presente sentença que repercutam em FGTS, inclusive reflexos de outras verbas, deverão ser objeto de depósito na conta vinculada do trabalhador. Da Justiça Gratuita Em razão da declaração realizada pela parte autora (Id. 5b6a1d8), no sentido da pobreza na acepção legal, e não havendo prova, nos autos, de que o reclamante receba, atualmente, proventos superiores a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, concedo-lhe o benefício da Justiça Gratuita, nos termos do art. 790, § 3º, da CLT e da Súmula 463 do TST. Dos Honorários Advocatícios Sucumbenciais Tendo em vista o disposto no art. 791-A, §3º, da CLT, com a redação da Lei n. 13.467/2017, são devidos honorários de sucumbência recíproca, cujo montante arbitro em 15% do valor dos créditos devidos ao reclamante, a serem pagos pela parte reclamada ao advogado da parte autora, conforme se apurar em liquidação. Também são devidos honorários advocatícios ao procurador da ré, a cargo do autor, no importe de 15% dos valores dos pedidos integralmente rejeitados. No entanto, fica suspensa a exigibilidade da obrigação do reclamante, que somente poderá ser executada se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, findos os quais a obrigação terá sua eficácia definitivamente encampada, conforme art. 791-A, § 4º, da CLT, e recente julgamento da ADI 5766, realizado no dia 20/10/2021, integrado pelo julgamento dos Embargos de Declaração em 21/06/2022. Por fim, destaco que os honorários devidos pelo autor não poderão ser deduzidos do crédito a ser recebido, uma vez que, no julgamento da ADI 5766, o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” do art. 791-A, § 4º, da CLT. Da Compensação / Dedução Nada há a compensar, porque a reclamada não demonstrou ser credora da reclamante (artigo 368 do CCB/02). Não há dedução a ser realizada posto que não comprovado pagamento a idêntico título das parcelas deferidas. Dos Recolhimentos Previdenciários e Fiscais Tendo em vista o deferimento de parcelas de natureza salarial, o empregador reterá os valores devidos a título de contribuição previdenciária pelo empregado, recolhendo-os, junto com a sua quota parte, na forma da Lei n° 11.941/09, e comprovando nos autos, no prazo legal, sob pena de execução ex officio, nos termos do art. 876, parágrafo único, da CLT. E, em atendimento ao disposto no art. 832, §3º, da CLT, declaro que todas as parcelas acima deferidas contam com natureza salarial, a teor do que dispõe a Lei nº 8.212/91, com exceção das seguintes, principais e reflexas: férias indenizadas acrescidas de 1/3; FGTS e indenização por danos morais. A retenção e o recolhimento do Imposto de Renda deverão ser realizados pelo empregador, na forma determinada pelo art. 46 da Lei nº 8.541/92, recaindo sobre as parcelas deferidas nesta decisão, mês a mês, sendo tributadas exclusivamente na fonte, no mês do recebimento ou crédito, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês (art. 12-A, da Lei nº 7.713/88), sob pena de expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal do Brasil. Finalmente, ressalto que não incide Imposto de Renda sobre os juros de mora e a indenização por danos morais, que não importam em auferir renda, nos termos do art. 404 do Código Civil e da Orientação Jurisprudencial nº 400 da SDI-I do TST. Da Atualização Monetária e dos Juros de Mora A atualização monetária é devida na forma da Súmula nº 381 do colendo TST, ou seja, incidirá a partir do dia primeiro do mês subsequente ao da prestação de serviços, nos moldes do art. 459, parágrafo único, da CLT. E, em consonância com o disposto na Súmula nº 200 do c. TST, os juros de mora incidem sobre a importância da condenação já corrigida monetariamente. No entanto, quanto à indenização por danos morais, nos termos da Súmula nº 439 do TST, a atualização monetária somente é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração de valor. O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária, quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade de nº 58 e 59 e das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade de nº 5867 e 6021, conforme Acórdão publicado em 07/04/2021, complementado em sede de decisão de Embargos de Declaração (Plenário, Sessão Virtual de 15/10/2021 a 22/10/2021), com fincas de repercussão geral, determinou que, para a atualização dos créditos, devem ser utilizados, em relação à fase extrajudicial, o IPCA-E e os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177/91), e, a partir da data de distribuição da ação, apenas a taxa SELIC (art. 406 do Código Civil). Posteriormente, a Lei 14.905/2024, com vigência a partir de 30/08/2024, promoveu alterações nos artigos 389, parágrafo único, e 406, §1°, do Código Civil, ratificando o IPCA como índice geral de correção monetária e alterando os critérios de aplicação de juros, que passam a corresponder à taxa SELIC com a dedução do IPCA, observada a taxa zero na hipótese de o resultado dessa dedução ser negativo. Assim, considerando as decisões proferidas pelo C. TST e pelo C. STF, bem como as alterações promovidas pela Lei n. 14.905/2024, determino o seguinte: 1 - na fase pré-judicial, a incidência de IPCA-E e de juros legais (art. 39, caput, Lei n. 8.177/91); 2 - a partir do ajuizamento da ação, até 29/08/2024, a incidência unicamente da taxa SELIC; 3 - após o ajuizamento da ação, mas a partir de 30/08/2024, a incidência da atualização monetária pelo IPCA-E e, como juros de mora, a taxa decorrente da subtração do IPCA-E da SELIC, observada a taxa zero na hipótese de o resultado dessa dedução ser negativo. Da Limitação da Condenação aos Valores dos Pedidos – Rito ordinário Os artigos 141 e 492, ambos do CPC, consagram o princípio da adstrição da sentença ao pedido, o que não implica limitação da condenação aos valores indicados na inicial. Ou seja, o Juízo encontra limites em relação às parcelas pleiteadas, mas não quanto à repercussão financeira indicada na peça vestibular. Os valores dos pedidos indicados na petição inicial representam, apenas, uma estimativa do conteúdo pecuniário da pretensão e têm o objetivo de definir o rito processual a ser seguido. Em sentido similar ao ora deduzido, porém quanto aos processos submetidos ao rito sumaríssimo, o entendimento cristalizado na Tese Jurídica Prevalecente nº 16 do Eg. TRT da 3ª Região, aplicável por analogia. CONCLUSÃO Isto posto, nos termos da fundamentação, parte integrante deste dispositivo, o Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte resolve, no bojo da ação trabalhista proposta por MAURÍLIO FRANQUES COELHO em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., rejeitar as preliminares e: I) acolher a prejudicial de prescrição quinquenal, para julgar extinto o processo, com resolução de mérito, relativamente às pretensões condenatórias com efeitos pecuniários anteriores a 25/09/2019, inclusive quanto ao FGTS; II) julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos, para reconhecer a existência de vínculo empregatício entre as partes a partir de 14/03/2018 e condenar a reclamada a: 1 – anotar o contrato de trabalho na CTPS digital do reclamante, fazendo constar admissão em 14/03/2018, na modalidade por prazo indeterminado, função de motorista e salário à base de produção; 2 – pagar, em favor do autor, no prazo legal e conforme se apurar em liquidação de sentença por simples cálculos, as seguintes parcelas, que deverão ser atualizadas e acrescidas de juros de mora até a data do efetivo pagamento, observados os parâmetros fixados na fundamentação, que integram o presente decisum: a) gratificações natalinas integrais dos anos de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024; b) férias integrais acrescidas de um terço, dos períodos aquisitivos 2019/2020 (em dobro), 2020/2021 (em dobro), 2021/2022 (em dobro), 2022/2023 (em dobro) e 2023/2024 (simples); c) FGTS de todo o período contratual reconhecido; d) indenização por danos morais, no importe de R$3.000,00 (três mil reais). Concedo ao reclamante o benefício da justiça gratuita. Os honorários sucumbenciais são devidos na forma da fundamentação. Os recolhimentos previdenciários deverão ser realizados nos moldes fixados na fundamentação, sendo que, em atendimento ao §3º, do art. 832, da CLT, declaro que todas as parcelas acima deferidas contam com natureza salarial, a teor do que dispõe a Lei nº 8.212/91, à exceção das seguintes, principais e reflexas: férias indenizadas acrescidas de 1/3; FGTS e indenização por danos morais. Autorizada a retenção do imposto de renda na fonte. As partes ficam advertidas de que não cabem Embargos de Declaração para rever fatos, provas ou a própria decisão, ou, simplesmente, para contestar puramente o que já foi decidido (artigos 80, 81 e 1.026, todos do CPC/2015). Custas, pela reclamada, no importe de R$1.200,00, calculadas sobre R$60.000,00, valor arbitrado à condenação, para fins fiscais. Intimem-se as partes.  BELO HORIZONTE/MG, 23 de abril de 2025. MARINA CAIXETA BRAGA Juíza Titular de Vara do Trabalho

    Intimado(s) / Citado(s)
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