Jose Aparecido Martins Dos Santos x Expresso Nepomuceno S/A e outros
Número do Processo:
0010748-21.2023.5.03.0182
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRT3
Classe:
RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Grau:
1º Grau
Órgão:
CEJUSC-JT 2º grau
Última atualização encontrada em
28 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
As atualizações mais recentes estão bloqueadas.
Assine para desbloquear as últimas atualizações deste processo. -
22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 44ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE | Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIOPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 44ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010748-21.2023.5.03.0182 : JOSE APARECIDO MARTINS DOS SANTOS : EXPRESSO NEPOMUCENO S/A E OUTROS (1) INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 592b106 proferida nos autos. Reclamante: JOSE APARECIDO MARTINS DOS SANTOS Reclamada: 1ª - EXPRESSO NEPOMUCENO S/A 2ª AMBEV S.A. SENTENÇA O autor pede rescisão indireta e pagamento de verbas rescisórias, diferenças de horas extras, intervalo intrajornada, diferenças de remuneração variável, diferenças de bônus, restituição de descontos, indenização substitutiva do lanche, multas convencionais, além de indenização pelo dano moral por transporte de valores e responsabilização solidária/subsidiária da 2ª reclamada. Em defesa, a 1ª reclamada discorre sobre o enquadramento sindical e as normas coletivas aplicadas ao contrato do autor e rechaça todos os pedidos formulados. Impugna a responsabilidade subsidiária, requer compensação/dedução de valores e que seja aplicado o benefício da desoneração fiscal em caso de condenação. Na mesma petição, apresenta reconvenção para que o autor seja condenado a pagamento de valor suportado pela reclamada em razão de prejuízo causado pelo autor. A 2ª reclamada, resumidamente, contesta a responsabilidade solidária e subsidiária. As partes juntaram documentos e procurações. O reclamante impugnou as defesas e os documentos que as acompanharam, bem como apresentou contestação à reconvenção. A 2ª reclamada também se manifestou sobre a reconvenção. A 1ª reclamada apresentou réplica à contestação do autor. Na audiência de instrução, foi colhida a prova oral. Razões finais remissivas. Conciliação final rejeitada. id 7a30ba8 ead6700 DECIDE-SE Questão de ordem. Direito Intertemporal. O contrato de trabalho do autor teve início em 29/08/2020. Considerando que a prestação de serviços ocorreu após o início da vigência da Lei 13.467/17, esta é plenamente aplicável, ressalvados aqueles trechos eventualmente declarados expressamente inconstitucionais no corpo desta sentença. Confissão ficta. Embora intimada da audiência realizada em 07/12/2023, a Ambev S.A. não compareceu, atraindo contra si a confissão ficta quanto à matéria de fato, nos termos do art. 844, da CLT. Protestos. As partes registraram protestos em audiência em face da decisão que indeferiu os depoimentos pessoais recíprocos. O reclamante também registou protestos em audiência em face da decisão que indeferiu a contradita da testemunha Everton Carlos Lima. Mantenho as decisões consignadas na ata de ID 8645f96, por seus próprios fundamentos. Inépcia da Reconvenção. A reconvenção é disciplinada pelo artigo 343 do CPC/2015, também aplicável subsidiariamente por força do artigo 769 da CLT, segundo o qual: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”. Todavia, a reconvenção, como forma de ampliação objetiva da lide, deve observar as mesmas regras processuais dos pedidos iniciais, notadamente, o arbitramento de valores, nos termos do art. 840, §1º da CLT. No caso dos autos, apura-se que não houve indicação de valor ao pedido formulado pela 1ª reclamada, atraindo a aplicação do art. 840, §3º da CLT, segundo o qual, o pedido sem valor arbitrado será extinto sem resolução de mérito. Verifica-se também que o último parágrafo do tópico em que elaborada a reconvenção está incompleto. Além disso, não houve requerimento de citação do reclamante para responder à reconvenção. Assim, de ofício, julga-se extinto o processo, nos termos do art. 485, I e IV, do CPC, por inépcia da reconvenção (art. 330, § 1º, I e II, do CPC). Tendo em vista a necessária condenação em custas específicas e sucumbência, arbitra-se o valor do pedido em referência em 5% sobre o valor atribuído à causa principal, ou seja, R$9.950,30. Ilegitimidade passiva. Sendo as reclamadas as pessoas indicadas pela reclamante como devedoras da relação jurídica material, este fato basta para legitimá-las a figurar no polo passivo da relação processual. Se realmente são devedoras, trata-se de matéria de mérito e com ele será decidido. Portanto, rejeita-se a preliminar. Limitação da Condenação a Valores Atribuídos aos Pedidos. O valor do pedido não corresponde à sua liquidação, mas sim a quantia aferida por estimativa, conforme a natureza e a perspectiva do que se pede, como se extrai das regras de valoração dos artigos 21 a 293 do CPC e art. 840 da CLT. Norma Coletiva Aplicável. As partes divergem sobre os instrumentos normativos aplicáveis ao caso dos autos. Nos termos dos arts. 570 e 581, § 2º, da CLT, o enquadramento sindical do empregado é feito pela atividade preponderante da empresa, considerando-se a base territorial da prestação dos serviços, de acordo com os princípios da territorialidade e da unicidade sindical, consoante art. 8°, II, da CF. O empregado integra a categoria profissional correspondente à do empregador, salvo na categoria diferenciada, quando as normas coletivas forem firmadas com a participação do empregador (Súmula 374 do C. TST). O autor apresentou CCTs firmada entre o SINDICATO DOS MOTORISTAS EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANSP DE CARGAS, LOG EM TRANS, E DIFER DE BH, CNPJ n. 18.134.667/0001-42 e o SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGAS E LOGISTICA DE MINAS GERAIS - SETCEMG, CNPJ n. 17.433.780/0001-66 (IDs 6ac4227, 93e99fa, 0570a0e e 3698bf0). A abrangência territorial definida nas CCTs inclui as cidades de Baldim/MG, Barão de Cocais/MG, Belo Horizonte/MG, Bom Jesus do Amparo/MG, Caeté/MG, Capim Branco/MG, Carmésia/MG, Conceição do Mato Dentro/MG, Funilândia/MG, Ibirité, Jaboticatubas/MG, Mário Campos/MG, Matozinhos/MG, Morro do Pilar/MG, Nova Lima/MG, Nova União/MG, Passabém/MG, Prudente de Morais/MG, Raposos/MG, Rio Acima/MG, Santana do Riacho/MG, Santo Antônio do Rio Abaixo/MG, São Gonçalo do Rio Abaixo/MG, São Sebastião do Rio Preto/MG e Taquaraçu de Minas/MG. A 1ª reclamada, por sua vez, anexou as CCTs entabuladas entre o SINDICATO DOS TRAB. NAS EMPRESAS DE TRANSP. DE CARGAS, DE PAS. URBANO, S.URBANO, MET., ROD., INTERM., INTERE., INTERN., FRET., TUR. ESC. RMBHTE, CNPJ n. 21.996.555/0001-05 e SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGAS E LOGISTICA DE MINAS GERAIS - SETCEMG, CNPJ n. 17.433.780/0001-66, com abrangência territorial em Confins/MG, Lagoa Santa/MG, Pedro Leopoldo/MG, Ribeirão das Neves/MG, Sabará/MG, Santa Luzia/MG, São José da Lapa/MG e Vespasiano/MG (IDs 5b457e8 e 7f3429e), b Também juntou os acordos coletivos entre o SINDICATO DOS TRAB. NAS EMPRESAS DE TRANSP. DE CARGAS, DE PAS. URBANO, S.URBANO, MET., ROD., INTERM., INTERE., INTERN., FRET., TUR. ESC. RMBHTE, CNPJ n. 21.996.555/0001-05 e a EXPRESSO NEPOMUCENO S/A, CNPJ n. 19.368.927/0043-66, com a mesma abrangência territorial (IDs a61c651 e 4acb10f). No caso dos autos, é fato incontroverso que a parte ré explora o ramo de transporte. A empresa ré tem sede em Santa Luzia/MG, cidade onde também ocorreu a prestação do serviço, conforme ficha de registro do empregado (ID 24470a4). Por conseguinte, a norma coletiva aplicável é aquela apresentada pela 1ª ré, ante a sua abrangência territorial. Jornada de Trabalho. Horas extras. Intervalo Intrajornada. Alega o reclamante que laborava de 2ª feira a sábado, das 06h30min às 17h30mim/18h30min/19h, e que não usufruía corretamente seu horário para refeição. Pede o pagamento de horas extras pela extrapolação da jornada de 07 horas e 20 minutos diárias e 44 horas semanais, bem como pelo intervalo suprimido, mais reflexos correlatos. A 1ª reclamada argumenta que toda a jornada está registrada nos cartões de ponto e que eventual hora extra realizada foi compensada ou devidamente quitada. Nega intervalo inferior a 01 hora. Pois bem. A prova oral produzida foi capaz de comprovar que os cartões de ponto estão parcialmente corretos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos, trazida pelo reclamante e que trabalhou na reclamada de novembro de 2021 a setembro de 2024, como ajudante de motorista, descreveu os seguintes fatos em seu depoimento: trabalhava na região central; a supervisora era Kelly, mesma do reclamante; já saiu várias vezes com o reclamante; na entrada anotava o ponto corretamente; na saída anotava o ponto antes de fazer a recarga por ordem da supervisora; para fazer a recarga demorava 04/05 horas; fazia recarga 04 a 05 vezes no mês; no horário de almoço anotavam 1 hora, mas usufruíam apenas 15 minutos; era ordem da supervisora fazer apenas 15 minutos; se passasse de 15 minutos a supervisora ou outra pessoa ligava para perguntar porque estavam muito tempo parados; já aconteceu de ter dias trabalhados sem anotação; a recarga é opcional, mas os supervisores ficavam apertando para fazer recarga, mas se não quisesse não fazia; geralmente avisavam que iam almoçar; para fazer entrega demorava entre 40 minutos e 1 hora e pouco; a empresa ligava para monitorar; haviam cerca de 20 motoristas/ajudantes na “sala” do depoente; haviam 5 salas; a maioria das vezes o motorista tinha ajudante fixo, mas saia com todos os motoristas da sala; já fez recarga com o reclamante. Por sua vez, a testemunha inquirida a favor da reclamada, Everton Carlos Lima, relatou: faz de 10 a 11 recargas por mês; quando faz recarga registra o fim da jornada ao final da recarga; não havia orientação para não registrar a recarga; às vezes fazia o intervalo e às vezes não; o intervalo era registrado no prolog; a própria equipe definia o tempo de intervalo; acontecia de acabar a rota mais cedo, casos em que não fazia intervalo, ia embora direto; fazia intervalo 2 vezes por semana, sendo que nos demais dias não fazia para acabar a rota mais cedo e ir embora, por decisão própria; nunca saiu em rota com o reclamante, nem fez entregas com ele; o depoente é da sala “raça”; o supervisor é William; nunca almoçou com o reclamante; uma entrega demorava de 15 a 20 minutos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos confirma que os horários de entrada e de saída registrados estão corretos, exceto nos dias em que fazia recarga, quando anotava o ponto e depois procedia à recarga, o que durava 04/05 horas. Segundo a mesma testemunha, fazia recarga 04/05 vezes por mês. Embora a testemunha Everton Carlos Lima tenha afirmado que o tempo de recarga estava inserido na jornada registrada, os cartões de ponto juntados pela reclamada não estão assinados pelo autor, recaindo o ônus probatório acerca da jornada registrada e praticada sobre a reclamada, que dele se desonerou parcialmente, tendo em vista a divergência dos depoimentos colhidos em audiência. Portanto, considero que o reclamante, em 03 dias por mês (conforme aduzido na inicial, princípio da adstrição), realizou recargas, com tempo despendido de 05 horas em cada recarga, que não foram registradas. Quanto ao intervalo, com base nos depoimentos supratranscritos, pode-se concluir que o autor usufruía intervalo em apenas 15 minutos por dia, tendo em vista o depoimento da testemunha Leandro Pereira dos Santos. A informação prestada pela testemunha Everton Carlos Lima, de gozo de intervalo de 01 hora em dois dias na semana, não beneficia a reclamada, já que, repita-se, pertencia à demandada o encargo probatório. No que se refere à frequência registrada, a testemunha Leandro Pereira dos Santos disse que já aconteceu de ter dias trabalhados sem anotação. Compulsando-se os registros de jornada, identifica-se, por exemplo, dias em que consta a rubrica “Af.Previdencia”. As fichas financeiras demonstram que esses dias foram remunerados a título e “Atestado Médico” (dias 07 a 11/01/2022, 04 a 05/10/2022 e 23 a 25/02/2023, a título de amostragem). O mesmo se observa em relação às faltas injustificadas, que foram descontadas do salário do reclamante (dias 03/07/2021 e 147/10/2022). O autor não alegou nem comprovou que de fato laborou nos dias em que não constam registros de jornada. Incontroverso, no caso, que a reclamada adotava compensação de jornada por meio de banco de horas. As normas coletivas da categoria do autor previram a jornada flexível de trabalho visando à formação do banco de horas, com prazo de compensação estipulado em 75 (setenta e cinco) dias, de modo a permitir que as empresas ajustem o potencial da mão de obra à demanda do mercado consumidor (por exemplo, cláusula 25ª, CCT 2021/2022, ID 9358d34). Os mesmos instrumentos normativos estabeleceram que serão lançadas a título de hora crédito do empregado 50,0% das horas trabalhadas excedentes à 44ª hora semanal e os 50,0% das restantes serão pagas na forma da lei, da Convenção, Adendo ou Acordo Coletivo de Trabalho. Os registros de jornada evidenciam compensações de horas. Os comprovantes de pagamento juntados pela defesa registram pagamento de horas extras mensalmente, o que demonstra que parte das horas extras foram compensadas e parte quitadas, não tendo o autor demonstrado que a ré descumpriu a previsão de pagamento de 50% das horas excedentes a 44ª. A prática de horas extras é inerente à aplicação do banco de horas. Assim diz a CLT: Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas. (grifei) Dessa forma, a atual redação da CLT afasta a aplicação da Súmula 85, IV, do TST, que é de 2016. Noutro vértice, determina a CLT que o acréscimo de horas extras não pode exceder duas horas por dia (art. 59), sendo que este regional tem Tese Jurídica Prevalecente de que a extrapolação do limite de dez horas diárias de trabalho invalida o regime de compensação de jornada na modalidade de banco de horas, que não pode ser convalidado nem mesmo por previsão diversa em ACT ou CCT (TJP n. 22). No caso, identificam-se nos registros de jornada dias que o reclamante ultrapassou a jornada de 10 horas, como nos dias 05/09/2020, 11/09/2020, 08/10/2020, 18/02/2022, 28/02/2022, 04/03/2022, 23/03/2022, 08/04/2022, 20/04/2022 e 19/05/2022 (ID 2c3bdb3). Além disso, conforme exposto anteriormente, a reclamada desconsiderava o tempo de recarga e não considerava na jornada o tempo de intervalo intrajornada não usufruído. Por conseguinte, considero inválido o banco de horas. Descabe a aplicação da Súmula 85, IV, do TST (pagamento apenas do adicional por labor extraordinário), ante o que estatui o inciso V do mesmo verbete jurisprudencial. Dessa feita, conclui-se que as horas extras prestadas não foram integralmente quitadas. Por esses fundamentos, defiro ao reclamante o pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária e 44ª semanal, o que for mais benéfico, de forma não cumulativa, com acréscimo do adicional convencional e reflexos em DSRs (domingos e feriado), férias acrescidas de 1/3 e 13º salários e, com todos, em FGTS. E mais. Como o reclamante trabalhava mais de seis horas por dia, seu intervalo deveria ser de, no mínimo uma hora, conforme art. 71 da CLT, o que não ocorria, como se vê dos cartões de ponto. O art. 71, §4º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, dispõe que: § 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. Tal dispositivo, entretanto, é manifestamente inconstitucional, desconexo de uma leitura orgânica da CLT e dos princípios constitucionais e do direito do trabalho que garantem a proteção ao salário e o direito à saúde do trabalhador, o que impede sua aplicação, senão vejamos. Ao estabelecer que no caso de descumprimento do intervalo intrajornada deverá haver apenas o pagamento do período suprimido, ele se torna redundante com o art. 59 da CLT, pois se o empregado trabalha durante o intervalo, irá naturalmente exceder a jornada contratual prevista. Assim, a previsão de pagamento apenas do período suprimido, como se fosse uma hora extra comum, implica na negação do direito ao intervalo intrajornada, norma de segurança e medicina do trabalho. Ilustrando: se um empregado tem jornada contratual de 8 horas e um dia trabalha durante 9 horas, não fará nenhuma diferença se trabalhar 9 horas seguidas (sem nenhum intervalo) ou 9 horas com uma hora de intervalo. A consequência econômica para o empregador, a princípio, é a mesma: o pagamento de uma hora extra, o que equivale dizer que não houve nenhuma sanção pelo descumprimento da norma que estabelece o direito ao intervalo. Mas o dispositivo vai além: estabelece que o pagamento terá natureza indenizatória, o que apresenta dois problemas, um de ordem lógica e outro de ordem econômica. Do ponto de vista lógico, é certo que o salário é pago pela prestação de serviços, que é exatamente o que acontece quando o horário de intervalo é suprimido: o empregado trabalha durante o intervalo. Ora, se o empregado irá receber valor por trabalhar, esse valor necessariamente deve ter caráter salarial – ele não sofreu qualquer dano a ser indenizado. Do ponto de vista econômico, a estipulação de caráter indenizatório do pagamento configura verdadeiro incentivo para o empregador fraudar o direito ao intervalo. Voltando em nosso exemplo, se um trabalhador trabalhar durante 9 horas seguidas (com a supressão do intervalo intrajornada), nos termos do §4º do art. 71 da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, ele terá direito a receber apenas a hora extra com caráter indenizatório, ou seja, sem reflexos nas demais verbas contratuais. Se o empregador respeitar o intervalo intrajornada, mas fizer o empregado trabalhar as mesmas 9 horas, terá que pagar a hora extra com caráter salarial e consequentes reflexos, ou seja, dada a mesma jornada de 9 horas, a concessão do intervalo lhe terá sido mais onerosa do que o trabalho em uma hora extra comum, neste último caso sem violação de nenhum direito do trabalhador! Imperioso, portanto, se reconhecer o caráter salarial do pagamento da hora extra pela supressão do intervalo intrajornada. Conclui-se, portanto, que o art. 71, §4º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, é inconstitucional, violando diversos dispositivos constitucionais: a) o art. 196, pois prejudica o direito à saúde do trabalhador; b) o art. 200, VIII, porque prejudica a salubridade do meio ambiente de trabalho, ao promover jornadas sem o descanso necessário, c) o art. 7º, caput, uma vez que a edição de tal dispositivo constitui retrocesso social em relação à norma anteriormente vigente; d) o art. 7º, VI, eis que a atribuição de caráter indenizatório ao pagamento implica na diminuição do salário do trabalhador; e) o art. 7º, X, pois ao atribuir caráter indenizatório ao pagamento desprotege o salário; e f) o art. 7º, XXII, porque a norma promove insegurança no trabalho, na medida em que o trabalhador não tem sua fisiologia recomposta pelo descanso, com maior risco de acidentes do trabalho, e prejudica a saúde do trabalhador; g) o art. 113 do ADCT, o qual estipula que a proposição que enseje renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. Ora, ao alterar a natureza jurídica da parcela de salarial para indenizatória houve verdadeira renúncia de receita pelo Estado, uma vez que não mais serão recolhidos os tributos devidos nem sequer as contribuições previdenciárias, sendo notório que inexistiu prévio estudo de impacto orçamentário e financeiro, o que se faz imprescindível, notadamente em tempos em que tanto se discute o alegado déficit previdenciário. Assim, declaro incidentalmente inconstitucional o §4º do art. 71 da CLT. Reconhecida a inconstitucionalidade, permanece incólume a aplicação Súmula 437 do TST. O art. 71, caput, da CLT determina que o intervalo mínimo para jornadas acima de 6:00 horas deve ser de 1:00 hora. Assim, pausas inferiores não configuram verdadeiro intervalo, posto que inaptas à consecução do escopo de recomposição física e mental do trabalhador, sem a qual o segundo turno transcorre com maior dificuldade, menor produtividade e agravamento do risco de acidentes. A ausência total do intervalo ou sua concessão inferior ao mínimo de lei constitui infração que torna o obreiro credor do pagamento integral do período como hora extraordinária, sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. Adoto a súmula 437 do c.TST - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Destarte, julgo procedente o pedido de pagamento de 1 hora extra pela não fruição do intervalo para refeição e descanso, sem prejuízo do cômputo do período trabalhado no intervalo para cálculo das horas extras, com reflexos em DSRs (domingos e feriado), e, com a soma destes, em férias acrescidas de 1/3 e 13º salários e, com todos, em FGTS. Na apuração das horas extras serão considerados: a) frequência e registros de entrada e de saída constantes nos cartões ponto, considerando-se usufruído intervalo de 15 minutos bem como acrescentando-se 5 horas além da jornada registrada em um dia na semana em 03 semanas de cada mês; b) base de cálculo nos termos da Súmula 264 do TST; c) divisor 220; d) adicional normativo e, na sua falta, o adicional de 50%, consoante previsão constitucional; e) a dedução de parcelas comprovadamente quitadas sob os mesmos títulos nos termos da OJ 415 da SDI-1 do C. TST. Sobre a remuneração variável, será devido apenas o adicional e o divisor será o número de horas trabalhadas, conforme dispõe a Súmula 340 do TST e OJ 397 da SDI-1. A Súmula 340 do TST não se aplica ao intervalo intrajornada, em que é devida a hora mais o adicional. Logo, o divisor a ser observado em relação às horas extras intervalares é o 220. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Remuneração Variável. Prêmio Caixaria. Segundo o reclamante, a 1ª reclamada realizava pagamento de comissão (caixaria), no valor de R$0,12 por cada caixa ou produto “mix” entregue ao dia, caso saísse com motorista e mais um ajudante ou de R$0,24, caso saísse para as entregas com apenas com motorista. Também havia pagamento de R$0,60 por cada caixa ou produto “mix” entregue ao dia, quando havia recarga, o que ocorria em cerca de 3 dias por mês. Realizava média de entrega de 250 a 420 caixas por dia e, em dias de recarga, fazia a entrega de mais 250 a 420 caixas. As entregas eram realizadas apenas pelo autor e o motorista. Deveria receber uma média de R$2.717,52 mensais a título de comissão mais R$783,90 mensais a título de recarga. A 1ª reclamada alega o correto pagamento das comissões e do bônus, apresentando os critérios de pagamento na contestação, os quais afirmam também serem informados aos empregados, que tinham meios de acompanhar e de conferir os resultados e os pagamentos. Ao reconhecer a existência de pagamento de prêmio, comprovado está o fato constitutivo do direito do autor, devendo a reclamada comprovar o fato impeditivo (não preenchimento dos requisitos) ou extintivo (pagamento) do direito do reclamante, conforme distribuição do ônus da prova. Pois bem. A testemunha do reclamante prestou as seguintes informações: o caminhão pequeno tinha 250 caixas e o grande 420; pelo mapa de rota sabiam quantas caixas tinham; a maioria das vezes o pagamento vinha errado, não batia com o rascunho que anotavam; estima que tomava prejuízo de 1000 a 1200 reais por mês; fez reclamação na reclamada, o reclamante também; recebia R$0,18 por caixa entregue e R$0,48 na recarga; para o motorista era R$0,24 e recarga R$0,60; mostrado o documento de id 7a30ba8, disse que era um mapa de rota; mostrado o documento ead6700, disse que não reconhece o documento; na recarga entregavam 420 caixas aproximadamente; Prolog era um aplicativo para marcar o horário de almoço; não era possível ver a quantidade de caixas entregue; conhece Biz, que não serve para ver a quantidade de caixas, mas sim para ver a rota; não recebeu treinamento sobre remuneração variável; conforme faziam as entregas marcavam no Biz delivery; acontecia de não saírem para rota, ficando trabalhando internamente; no mapa de rota costumava sair o nome do motorista; era decidido na hora qual ajudante ia sair com qual motorista. A testemunha da reclamada declarou: ao final do mês recebem extrato das caixas entregues; se não estiver certo tem a liberdade de procurar a pessoa responsável e passar o que está errado; ao final da jornada jogava o mapa de rota fora; durante a rota usa o aplicativo BIZ delivery, no qual consta a rota, o estabelecimento onde tem que entregar, a quantidade de caixas entregue e a forma de pagamento; Prolog serve para ver a variável e bater horário de almoço; finaliza a entrega pelo aplicativo; no mapa de rota não consta conversão de medidas como fardos para caixas; recebeu treinamento sobre caixaria e recarga; entrega por volta de 360 a 400 caixas por dia; no extrato consta essa quantidade. Os holerites anexados à defesa apontam o pagamento de “REMUNERAÇÃO VARIÁVEL” e “RDSR SOBRE REM. VARIÁVEL” (ID d93163b). Com a defesa, vieram os seguintes documentos: Prolog (ID 1c1e35a), Relatório de Entregas Detalhada (ID 5a01317) e Extrato de Remuneração Variável (ID 4a2cbe3). Foi proferido despacho determinando à 1ª reclamada juntar os mapas de rota e as notas fiscais (ID a8c49bc). A 1ª reclamada então juntou documentos intitulados “Mapas de Rota” e “Planilha de conversão” (Ids ead6700, 468d93e, 5c1d829 e ca2a4be). Após manifestação do reclamante acerca dos documentos (ID de784ff), foi proferido novo despacho, determinando-se à 1ª reclamada juntar aos autos os mapas de rota, como requerido pelo autor, sob pena de aplicação do artigo 400 do CPC (ID 6e64974). A 1ª reclamada manifestou-se tecendo a seguinte argumentação (ID 1c81aa4): - o mapa de rota é entregue ao empregado no início de sua jornada, onde constam os produtos acomodados no baú do caminhão e que serão entregues no decorrer do dia; - o mapa de rota é fornecido pelo cliente AMBEV ao motorista do caminhão, com a finalidade de apresentar um resumo da carga e auxiliar na realização da conferência antes de iniciarem a jornada; - as informações sobre as entregas realizadas pelas equipes é monitorada em tempo real pelos próprios empregados em um aplicativo de última geração chamado PROLOG; - o documento não era devolvido à empresa no final dia, ficam em posse do motorista e não são de guarda obrigatória pela empresa; - a reclamada já trouxe aos autos toda a documentação correspondente à produtividade do reclamante, inclusive demonstrando a forma de calculá-la; - o requerimento de exibição dos mapas de rota é frequentemente utilizado pelos patronos do reclamante, mesmo cientes de que os documentos ficam em posse de seus clientes e não são armazenados pela empresa, visando a aplicação de confissão à empresa; - mesmo de posse da documentação, o reclamante não traz, sequer por amostragem, diferenças que entende como devidas. Não foi juntado o normativo da empresa, ou documento semelhante, que regula o pagamento da remuneração variável, com a ciência do reclamante quanto à forma de cálculo apresentada na defesa, o que gera incerteza aos empregados, que não sabem como calcular seus prêmios. Os comprovantes de treinamentos do reclamante anexados pela reclamada não indicam 2c615ad treinamentos acerca da remuneração variável. A argumentação da 1ª reclamada no sentido de que os mapas de rota não são documentos de guarda obrigatória não se sustenta. Ainda que fossem emitidos pela 2ª reclamada, uma vez que a remuneração variável era apurada a partir dos dados contidos no mapa, a 1ª reclamada deveria guardá-los, já que se trata de documento referente ao pacto laboral. Acrescenta-se que os documentos apresentados pela 1ª reclamada não são de fácil compreensão e foram produzidos unilateralmente, sem o conhecimento do reclamante, não havendo assinatura do autor para confirmar que ele teve acesso a esses documentos e que eles refletiam a realidade. Ainda, por amostragem, o autor, em sua impugnação à contestação, logrou êxito em demonstrar incorreções nos lançamentos de entregas com base nos extratos de remuneração variável, assim como nos cartões de ponto anexados aos autos. Cita-se, por exemplo, o apontamento realizado no dia 06/10/2020, quando o autor laborou por 08 horas e 54 minutos no dia (ID 2c3bdb3), mas não há registro de qualquer entrega realizada nesta data (ID 5a01317), o que não parece crível. Cumpre registrar que, embora a testemunha do reclamante tenha afirmado que por vezes laborou internamente, não há indicação nos registros de jornada ou em outros documentos de quando isso ocorreu, não sendo meramente presumido pela ausência de pagamento de remuneração variável. Assim, diante de todo o conjunto probatório, reconheço que a primeira ré não comprovou o correto pagamento da remuneração variável ao autor, ônus que lhe cabia, diante do princípio da aptidão para a prova. Pelo exposto, julgo procedente o pedido de pagamentos das diferenças a título de remuneração variável (prêmio caixaria), com base nos seguintes critérios que ora arbitro, com base nas informações inicial em cotejo com a prova oral produzida: valor normal por caixa ou produtos ‘mix’ entregue: R$0,24, sendo 250 caixas por dia efetivamente trabalhado em metade do mês e 420 caixas por dia efetivamente trabalhado na outra metade do mês; R$0,60 para caixa ou produto ‘mix’ entregue como recarga, sendo 3 recargas por mês. Os pagamentos feitos pelo empregador, de maneira habitual, canalizam-se para a natureza salarial no contexto de uma relação de emprego, ainda que não fosse essa a ideia inicial ou que não tenha sido a vontade das partes. A natureza salarial possui como alicerce o caráter repetitivo, constante dos pagamentos, que gera no empregado a expectativa de receber tais haveres, bem como se tratar de pagamento em razão da prestação de serviços, como é o caso dos autos. Dessa forma, defiro o pedido de integração da remuneração variável (prêmio caixaria), com reflexos em DSRs (domingos e feriados) e, com a soma destes, em horas extras, férias +1/3, 13° salário e, de todos, em FGTS. Os reflexos em horas extras deverão observar o disposto na Súmula 340 e na OJ 397 da SDI 1, ambos do TST. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Bônus. Narra o autor que a 1ª reclamada se comprometeu a realizar o pagamento mensal de bônus no valor de 75,00 “se a devolução de nota fiscal for menor ou igual a 3,5% e se tiver produzido 15 ou mais mapas de rota por mês”. A partir de 02/2023, aumentou a empresa tal valor para R$300,00 mensais. Pede o pagamento de R$75,00/R$300,00 por mês e sua integração ao salário. A testemunha do autor asseverou: a maioria das vezes batia a meta bônus, mas não recebia o bônus; reclamavam na reclamada, mas nunca era resolvido; a meta era 4% de devolução ou abaixo; vinha muito erro de armazém ou falta de mercadoria; em uma semana acontecia devolução 04/03 vezes; tinham que conferir a carga antes de sair, mas era pouco tempo e praticamente não conseguiam conferir, só passavam o olho; no aplicativo registravam a devolução. A testemunha da reclamada, por sua vez, informou: tem que bater a meta de 4% de devolução; acontece dos clientes devolverem mercadoria no dia a dia; cerca de 1x por semana, o que impacta no bônus; é mais comum bater a meta do que não bater; assinalam no aplicativo a devolução. Os holerites juntados com a defesa registram pagamento de bônus de R$80,00 em 12/2022, de R$200,00 em 09/2022, de R$240,00 em 12/2022, de R$80,00 em 01/2023, de R$80,00 em 02/2023, bem como de prêmio por devolução de R$300,00 em 09/2023. Contudo, a 1ª reclamada não forneceu a documentação necessária para demonstrar o efetivo número de devoluções de mercadorias ocorridas em cada mês. Assim, julgo procedente o pedido para condenar a 1ª reclamada a pagar R$75,00, por mês, até janeiro de 2023 e R$300,00 a partir de fevereiro de 2023 a título de bônus, mensalmente, bem como reflexos em horas extras, férias +1/3, 13° salário e, de todos, em FGTS. Não existem reflexos em DSR’s, pois o pagamento é mensal. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Restituição de Descontos. Afirma o Autor que a 1ª Ré efetuou vários descontos em sua remuneração, sob as rubricas “vale físico”, “dif. Acerto de caixa” “dif. acerto de valores”, “artigo 462, §1º da CLT”, dentre outros, os quais correspondiam à média de R$200,00/R$300,00 mensais e, ainda valores superiores em contracheques, como no mês 07/2023, que teve o desconto no valor de R$307,06. Diz não reconhecer os descontos de parcelas de R$485,00, referentes ao valor total de R$19.000,00, que diz a reclamada ser oriundo de suposto dano no caminhão baú. Pleiteia a restituição dos descontos efetuados. A 1ª reclamada admite terem sido efetuados descontos a título de “vale físico”, “quando comprovada sua culpa em relação ao sumiço de produtos, avarias nas entregas, etc”. Diz que “vale financeiro” se refere a diferença encontrada no pagamento de cliente durante a prestação de contas. Informa que o autor jamais sofreu qualquer desconto a título de “dif. Acerto de caixa” e “dif. acerto de valores”. Acrescenta que o “autor se envolveu em incidente de trânsito e bateu o baú do caminhão em uma árvore, cujo conserto do veículo ficou em R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), conforme relato em anexo escrito em próprio punho em anexo.” As normas coletivas juntados com a defesa autorizam descontos nos salários em caso de danos culposamente causados contra o patrimônio do empregador ou de terceiros, fazendo referência ao “vale físico” em caso de avarias e de desvio de mercadorias (cláusula 7ª, ACT 2022/2023, por exemplo). Consta previsão no contrato de trabalho acerca da possibilidade de descontos por danos causados pelo empregado em caso de dolo ou culpa, na forma do art. 462, da CLT (cláusula XII). Com a defesa, vieram os documentos intitulados “Pendências e Descontos” (ID cf0a7b8), nos quais constam na descrição do motivo “diferença de prestação física”, tipo do vale “físico” ou “financeiro” e os respectivos valores. Os documentos estão assinados pelo autor. Em que pese a autorização normativa e contatual para os descontos, a 1ª reclamada não comprovou ter realizado qualquer procedimento administrativo ratificador de culpa ou dolo do reclamante a fim de comprovar a regularidade dos descontos efetuados. A prova oral também não foi capaz de assegurar a validade dos descontos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos descreveu: havia desconto por nota falsa e vasilhame que faltasse; já aconteceu de ter buraco no meio das caixas, aí não era possível conferir; também não era possível desmontar tudo para conferir; por mês tinha desconto de R$ 300,00 a R$ 400,00; não havia análise sobre de quem era a responsabilidade, pelo o que sabe; falavam que iam resolver, mas não resolviam; o supervisor tentava resolver o desconto, mas não conseguia e havia o desconto; se o cliente devolvesse por falta de produto era descontado; não recebiam caneta para detecção de nota falsa. Por sua vez, a testemunha Everton Carlos Lima informou: vale financeiro pode ser entrega de produto a mais ou esquecimento de produto; vale físico é falta de numerário; a reclamada pergunta o motivo da falta; nunca teve vale abonado; a responsabilidade do dinheiro e da carga é do motorista; há cofre no caminhão, que é aberto por uma pessoa específica na reclamada; a conferência do dinheiro é feita na frente do motorista; é possível conferir a mercadoria no caminhão; o vale físico vem em valor superior ao do produto, o dobro ou triplo; TML é um prazo de 30 minutos para conferir o caminhão. A prova oral confirmou que não foram assegurados nenhum dos dois aspectos necessários para a regularidade dos descontos. O que se observa que nem motoristas nem ajudantes dispunham de tempo e das condições necessárias para efetuar a conferência adequada das cargas que vão transportar no dia. Destarte, defiro a restituição dos valores descontados sob as rubricas “vale físico”, “vale financeiro” e “desconto do artigo 462, §1º da CLT” (R$ 155,67, 01/2022) identificados nos holerites (ID d93163b). Em relação ao desconto em virtude do dano ocorrido no caminhão da reclamada (artigo 462, §1º da CLT, R$19.000,00, parcelas de R$485,00), consta nos autos o relato de próprio punho anexado tanto pelo autor, no qual o reclamante descreveu o ocorrido (ID afe56d9). Em se tratando de danos no veículo, cabia à reclamada comprovar que os mesmos foram causados pelo reclamante, bem como a modalidade em que se constou a culpa, a fim de possibilitar a aplicação da regra contida no artigo 462, §2º, da CLT, ônus do qual ela se desvencilhou. O relato feito pelo autor, por si só, não contém confissão de culpa do autor nem é capaz de revelar que a reclamada procedeu à apuração de eventual culpa do autor pelos danos causados ao veículo. Além disso, os documentos anexados pela reclamada no ID 04d98d2 e no ID df970a0 não contém elementos capazes de comprovar que se trata de orçamento e nota fiscal de serviços de conserto do caminhão que o autor dirigia (ID 04d98d2). Nesse contexto, defiro a restituição dos valores descontados sob a rubrica “artigo 462, §1º da CLT”, no valor de R$485,00. Indenização Substitutiva do Lanche. O autor postula o pagamento de indenização substitutiva do lanche não fornecido quando da realização de horas extras. As normas coletivas da categoria do reclamante dispõem que (IDs 5b457e8, 7f3429e, a61c651 e 4acb10f): “CLÁUSULA DÉCIMA - ADICIONAL DE HORAS EXTRAS A remuneração do serviço extraordinário será acrescida de 50,0% (cinquenta por cento) sobre a hora normal, conforme determina a CLT. Parágrafo primeiro – Quando o empregado trabalhar mais de 2 (duas) horas extras por dia, nos casos de força maior, a empresa lhe assegurará um lanche gratuito composto de, no mínimo, pão com manteiga e café com leite. A jornada de trabalho dos motoristas é regida pela Lei nº13.103/15.” Os extratos apresentados pela 1ª Ré (ID 2a837b1) não especificam o pagamento referente ao lanche em caso de sobrejornada de mais de 2 horas diárias, mas tão somente o fornecimento de auxílio-alimentação, composto por tíquete alimentação, café da manhã e cesta básica. Portanto, julgo procedente o pedido para condenar a reclamada ao pagamento de indenização pelo não fornecimento do lanche, no valor de R$8,00 por dia em que o autor trabalhou acima de duas horas extras, durante todo o contrato de trabalho. Multas Convencionais. O reclamante postula recebimento de multas normativas, apontando as infrações às cláusulas que tratam de horas extras e fornecimento de lanche. Constatadas as infrações apontadas, nos limites do pedido, defiro uma multa prevista na cláusula 37ª da CCT 2020/2021, uma multa prevista na cláusula 37ª da CCT 2021/2022, uma multa prevista na cláusula 58ª do ACT 2022/2023 e uma multa prevista na cláusula 57ª do ACT 2023/2024, no importe de 5% do salário de ingresso em cada ACT. Indenização por Danos Morais. Transporte de Valores. A testemunha do autor afirmou que: recebia valores em espécie, e já recebeu 15/20/25 mil reais e até mais; rodavam em áreas de risco; não havia escolta; e além do dinheiro era possível pagamento em boleto, depois foi possível pix, mas a maioria dos pagamentos eram em dinheiro; a responsabilidade pelo recebimento era do motorista, mas o ajudante costuma ajudar; o dinheiro era entregue para a 1ª reclamada. A testemunha da reclamada, por sua vez, disse que: na época do reclamante os pagamentos eram em dinheiro, boleto e cheque; o dinheiro era fracionado de 1000 em 1000 para colocar no cofre; tem gente que tem rota fixa e gente que tem rota variada; os motoristas recebem caneta para identificação de nota falsa; não se recorda se entrou em local perigoso, não sabendo quanto ao reclamante; Note-se, portanto, que os valores em espécie transportados são significativos. Destaque-se que o autor corria risco diário de ser vítima de crimes, mormente porque não contava com nenhuma segurança, não era treinado pela função, além de, pelo fato de o transporte ser diário, haver maior exposição, possibilitando, inclusive, uma ação planejada por parte de criminosos, que poderiam mapear a rotina de entrega de valores pelo autor. O fato de o caminhão possuir cofre não afasta o risco a que estava sujeito o autor. O TST definiu Tese Vinculante segundo a qual "o transporte de valores por trabalhador não especializado configura situação de risco a ensejar reparação civil por dano moral in re ipsa, independentemente da atividade econômica do empregador” (Processo: RR-0011574-55.2023.5.18.0012). Ao fixar a indenização, o juiz deve se ater à questão, às influências que isso proporcionou ao lesado, arbitrando-a de maneira equitativa, prudente, razoável e não abusiva, atentando-se para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes. Os prejuízos causados ao reclamante estarão minorados, sob o ponto de vista moral, com o pagamento de valor que arbitro em R$10.000,00. Rescisão Indireta. Com base nos descumprimentos contratuais alegados nos tópicos anteriores, requer o autor a rescisão indireta do seu contrato de trabalho, com a consequente condenação da reclamada ao cumprimento das obrigações de fazer e pagar respectivas. A 1ª Ré, em contestação, argumenta que o autor foi demitido imotivadamente em 16/10/2023 e que, por isso, houve perda do objeto do pedido de rescisão indireta. Com a defesa, foram juntados telegramas convocando o autor para retorno ao trabalho e informando acerca da rescisão contratual, reputada a pedido do reclamante, por ter ajuizado ação com pedido de rescisão indireta. Não se trata de hipótese de abandono de emprego, pois em caso de descumprimento contratual o art. 483, parágrafo 1º, da CLT autoriza o empregado a cessar a prestação dos serviços. O reclamante comprovou descumprimentos contratuais graves, dentre eles ausência de registro de toda a jornada, intervalo parcialmente usufruído, pagamento a menor de remuneração variável e de bônus, ausência de fornecimento de lanche em horas extras superiores a duas. Os descumprimentos contratuais constatados anteriormente são suficientes para justificar a rescisão contratual por culpa do empregador, nos termos do art. 483, alínea "d", da CLT. Logo, declaro a rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo como último dia trabalhado 19/09/2023 (ID 2c3bdb3). Via de consequência e considerada a admissão em 29/08/2020 (ID bbbab6e) e a projeção do aviso prévio indenizado (OJ 82 da SBDI1 do TST), condeno a reclamada ao pagamento das seguintes parcelas, observados os limites dos pedidos: - aviso prévio indenizado (39 dias); - 10/12 de 13o salário proporcional; - férias + 1/3 integrais do período aquisitivo 2022/2023 - 01/12 de férias proporcionais + 1/3: - indenização compensatória de 40% do FGTS. Para a apuração das parcelas deferidas deverão ser considerados os valores constantes nos contracheques apresentados com a defesa acrescidos das parcelas deferidas na presente reclamação a título de horas extras mais reflexos em DSRs, remuneração variável mais reflexos em DSRs e bônus. Determino que a 1ª reclamada forneça ao reclamante as guias TRCT e chave de conectividade para levantamento do FGTS, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitado ao valor do FGTS (art. 412 do Código Civil), além das guias CD/SD para levantamento do seguro-desemprego, corretamente preenchidas, no prazo de cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de indenização substitutiva. A 1ª reclamada deverá, também, a anotar a baixa na CTPS do reclamante, com data de saída em 28/10/2023, considerada a projeção do aviso prévio (OJ 82/SBDI-1/TST), em cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitada a 30 dias. Transcorrido tal prazo, a Secretaria da vara procederá à anotação, sem prejuízo da multa. Responsabilidade Solidária/Subsidiária. Restou incontroverso nos autos que a 2ª reclamada foi tomadora de serviços do reclamante. Assim, em atenção ao decidido na ADPF 324 e ao contido no art. 5º-A, §5º da Lei 6.019/1974, a 2ª reclamada é subsidiariamente responsável pelos direitos reconhecidos ao reclamante nesta sentença, por todo o período contratual, exceto multas diárias pelo eventual descumprimento de obrigações de fazer, eis que personalíssimas do empregador. Nos termos do item IV da Súmula 331 do C. TST e da OJ 18 das Turmas do E. TRT da 3ª Região, esclareço desde já que não se executarão necessariamente os sócios do empregador antes de se direcionarem os atos contra a 2ª reclamada, procedimento conhecido como “responsabilidade subsidiária em terceiro grau”. Justiça Gratuita. A parte autora apresentou declaração de hipossuficiência financeira e requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Consoante dispõe o artigo o artigo 99, parágrafo 3º, do CPC, e o artigo 1º da Lei 7.115/83 - aplicáveis a todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado (artigo 769 da CLT e 15 do CPC/2015 e Súmula 463 do C. TST), inclusive aos litigantes da Justiça do Trabalho, em sua maioria trabalhadores, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da CF), caso prevaleça entendimento diverso -, a declaração do obreiro é dotada de presunção de veracidade, que não foi rechaçada por evidência em sentido contrário. Defiro, pois, os benefícios da Justiça Gratuita. Honorários Advocatícios. Na linha do que este magistrado já vinha decidindo desde o primeiro dia de vigência da Lei 13.467/17, no dia 20.10.2021 o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do julgamento da Ação Direta Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766, declarou inconstitucionais os arts. 790-B, §§ 4º e 791-A, § 4º da CLT, incluídos pela Lei nº 13.467/2017. A Corte Suprema decidiu, destarte, pela inconstitucionalidade das normas que estipulavam o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais pelo trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita. Nesta toada, considerando o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade e considerando, ainda, que a Corte Suprema não modulou os efeitos da decisão, deixa de subsistir no ordenamento jurídico norma que autorize a cobrança de honorários advocatícios sucumbenciais em face do trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita, como é o caso dos autos. Assim, fixo os honorários advocatícios sucumbenciais em favor do reclamante em 10% do valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, com fundamento no art. 791-A da CLT, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários (OJ 348 da SBDI I, do TST). Por fim, fixo honorários sucumbenciais de 10% sobre o valor da reconvenção para os patronos do reconvindo. Correção Monetária e Juros. Os juros e correção monetária deverão ser apurados na forma da decisão da SDI do TST (E-ED-RR 0000713-03.2010.5.04.0029): "... impõe-se o provimento dos embargos, a fim de aplicar, para fins de correção dos débitos trabalhistas: a) o IPCA-E na fase pré-judicial acrescido dos juros de mora (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991); b) a partir do ajuizamento da ação até 29/08/2024, a taxa SELIC, ressalvados os valores eventualmente pagos, nos termos da primeira parte do item "i" da modulação do STF, vedada a dedução ou compensação de eventuais diferenças pelo critério de cálculo anterior; c) a partir de 30/08/2024, no cálculo da atualização monetária, será utilizado o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil); os juros de mora corresponderão ao resultado da subtração SELIC - IPCA (art. 406, parágrafo único, do Código Civil), com a possibilidade de não incidência (taxa 0), nos termos do § 3º do artigo 406. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido" (E-ED-RR-713-03.2010.5.04.0029, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 25/10/2024). (grifei) Compensação/Dedução. As reclamadas não comprovaram serem credoras de dívida trabalhista líquida, vencida e fungível (art. 369 do CC) da parte autora, não havendo, portanto, valores a serem compensados. De modo a evitar enriquecimento sem causa, autorizo a dedução dos valores pagos sob idêntico título e fundamento das verbas deferidas. Desoneração. Folha de Pagamento. Revendo posicionamento anterior, passo a adotar o entendimento jurisprudencial dominante no TST no sentido de que o regime de desoneração previdenciária, instituído pela Lei 12.546/2011, é aplicável também às contribuições previdenciárias patronais decorrentes de sentenças e acordos homologados pela Justiça do Trabalho, desde que seja observada a coincidência entre o período em que a empresa esteve submetida ao regime de contribuição sobre a receita bruta e a data da prestação de serviços, fato gerador da contribuição previdenciária, a partir de 05/03/2009. Todavia, os documentos anexados no ID 08f98c3 não são suficientes para comprovar que a 1ª reclamada foi beneficiária da desoneração da folha de pagamento no período abrangido pela sentença, já que apenas comprovam os valores de arrecadação das contribuições, sem especificar se elas incidiram sobre a receita bruta ou não. Sem a comprovação da coincidência entre o período em que a empresa esteve submetida ao regime de contribuição sobre a receita bruta e a data da prestação de serviços, não cabe a exclusão da contribuição previdenciária, cota parte empregador. Indefiro. DISPOSITIVO DO EXPOSTO: EXTINGO a reconvenção sem resolução de mérito, por inépcia (art. 330, § 1º, I e II, do CPC), nos termos do art. 485, I e IV, do CPC; REJEITO as preliminares arguidas; julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para: Condenar as reclamadas, a segunda subsidiariamente, a pagarem ao reclamante, observados os parâmetros da fundamentação, com juros e correção monetária, descontados os valores pagos sob o mesmo título: - horas extras com reflexos em DSRs (domingos e feriados), e, com a soma destes, em aviso prévio, férias +1/3, 13° salário e, com todos, em FGTS + 40%; - diferenças a título de remuneração variável (prêmio caixaria), com reflexos em DSRs (domingos e feriados), e, com a soma destes, em horas extras, aviso prévio, férias +1/3, 13° salário e, com todos, em FGTS + 40%; - bônus de R$75,00, por mês, até janeiro de 2023, e de R$300,00 a partir de fevereiro de 2023; - restituição dos valores descontados sob as rubricas “vale físico”, “vale financeiro” e “desconto do artigo 462, §1º da CLT”; - indenização do lanche não fornecido; - multas normativas; - indenização por danos morais; - aviso prévio indenizado (39 dias); - 10/12 de 13o salário proporcional; - férias + 1/3 integrais do período aquisitivo 2022/2023; - 01/12 de férias proporcionais + 1/3: - indenização compensatória de 40% do FGTS. Determino que a 1ª reclamada forneça ao reclamante as guias TRCT e chave de conectividade para levantamento do FGTS, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitado ao valor do FGTS (art. 412 do Código Civil), além das guias CD/SD para levantamento do seguro-desemprego, corretamente preenchidas, no prazo de cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de indenização substitutiva. A 1ª reclamada deverá, também, a anotar a baixa na CTPS do reclamante, com data de saída em 28/10/2023, considerada a projeção do aviso prévio (OJ 82/SBDI-1/TST), em cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitada a 30 dias. Transcorrido tal prazo, a Secretaria da vara procederá à anotação, sem prejuízo da multa. Honorários advocatícios conforme fundamentação. Possuem natureza indenizatória: juros de mora (OJ 400 da SDI-1 do TST), honorários advocatícios, principal e reflexos em férias + 1/3 indenizadas, reflexos em FGTS + 40%, bônus, restituição de descontos, indenização do lanche não fornecido, multas convencionais, indenização por danos morais. Descontos previdenciários e fiscais conforme Súmulas 368 do c. TST e 45 deste TRT da 3ª Região. Custas pelas reclamadas no importe de R$1.600,00, calculadas pelo valor da condenação, ora fixado em R$80.000,00. Custas pela 1ª reclamada na reconvenção, no valor de R$199,01, calculadas sobre 5% (R$9.950,30) do valor da causa da reclamatória (R$199.006,00). Intimem-se as partes. BELO HORIZONTE/MG, 21 de maio de 2025. VITOR MARTINS POMBO Juiz do Trabalho Substituto
Intimado(s) / Citado(s)
- AMBEV S.A.
- EXPRESSO NEPOMUCENO S/A
-
22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 44ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE | Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIOPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 44ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE 0010748-21.2023.5.03.0182 : JOSE APARECIDO MARTINS DOS SANTOS : EXPRESSO NEPOMUCENO S/A E OUTROS (1) INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 592b106 proferida nos autos. Reclamante: JOSE APARECIDO MARTINS DOS SANTOS Reclamada: 1ª - EXPRESSO NEPOMUCENO S/A 2ª AMBEV S.A. SENTENÇA O autor pede rescisão indireta e pagamento de verbas rescisórias, diferenças de horas extras, intervalo intrajornada, diferenças de remuneração variável, diferenças de bônus, restituição de descontos, indenização substitutiva do lanche, multas convencionais, além de indenização pelo dano moral por transporte de valores e responsabilização solidária/subsidiária da 2ª reclamada. Em defesa, a 1ª reclamada discorre sobre o enquadramento sindical e as normas coletivas aplicadas ao contrato do autor e rechaça todos os pedidos formulados. Impugna a responsabilidade subsidiária, requer compensação/dedução de valores e que seja aplicado o benefício da desoneração fiscal em caso de condenação. Na mesma petição, apresenta reconvenção para que o autor seja condenado a pagamento de valor suportado pela reclamada em razão de prejuízo causado pelo autor. A 2ª reclamada, resumidamente, contesta a responsabilidade solidária e subsidiária. As partes juntaram documentos e procurações. O reclamante impugnou as defesas e os documentos que as acompanharam, bem como apresentou contestação à reconvenção. A 2ª reclamada também se manifestou sobre a reconvenção. A 1ª reclamada apresentou réplica à contestação do autor. Na audiência de instrução, foi colhida a prova oral. Razões finais remissivas. Conciliação final rejeitada. id 7a30ba8 ead6700 DECIDE-SE Questão de ordem. Direito Intertemporal. O contrato de trabalho do autor teve início em 29/08/2020. Considerando que a prestação de serviços ocorreu após o início da vigência da Lei 13.467/17, esta é plenamente aplicável, ressalvados aqueles trechos eventualmente declarados expressamente inconstitucionais no corpo desta sentença. Confissão ficta. Embora intimada da audiência realizada em 07/12/2023, a Ambev S.A. não compareceu, atraindo contra si a confissão ficta quanto à matéria de fato, nos termos do art. 844, da CLT. Protestos. As partes registraram protestos em audiência em face da decisão que indeferiu os depoimentos pessoais recíprocos. O reclamante também registou protestos em audiência em face da decisão que indeferiu a contradita da testemunha Everton Carlos Lima. Mantenho as decisões consignadas na ata de ID 8645f96, por seus próprios fundamentos. Inépcia da Reconvenção. A reconvenção é disciplinada pelo artigo 343 do CPC/2015, também aplicável subsidiariamente por força do artigo 769 da CLT, segundo o qual: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.”. Todavia, a reconvenção, como forma de ampliação objetiva da lide, deve observar as mesmas regras processuais dos pedidos iniciais, notadamente, o arbitramento de valores, nos termos do art. 840, §1º da CLT. No caso dos autos, apura-se que não houve indicação de valor ao pedido formulado pela 1ª reclamada, atraindo a aplicação do art. 840, §3º da CLT, segundo o qual, o pedido sem valor arbitrado será extinto sem resolução de mérito. Verifica-se também que o último parágrafo do tópico em que elaborada a reconvenção está incompleto. Além disso, não houve requerimento de citação do reclamante para responder à reconvenção. Assim, de ofício, julga-se extinto o processo, nos termos do art. 485, I e IV, do CPC, por inépcia da reconvenção (art. 330, § 1º, I e II, do CPC). Tendo em vista a necessária condenação em custas específicas e sucumbência, arbitra-se o valor do pedido em referência em 5% sobre o valor atribuído à causa principal, ou seja, R$9.950,30. Ilegitimidade passiva. Sendo as reclamadas as pessoas indicadas pela reclamante como devedoras da relação jurídica material, este fato basta para legitimá-las a figurar no polo passivo da relação processual. Se realmente são devedoras, trata-se de matéria de mérito e com ele será decidido. Portanto, rejeita-se a preliminar. Limitação da Condenação a Valores Atribuídos aos Pedidos. O valor do pedido não corresponde à sua liquidação, mas sim a quantia aferida por estimativa, conforme a natureza e a perspectiva do que se pede, como se extrai das regras de valoração dos artigos 21 a 293 do CPC e art. 840 da CLT. Norma Coletiva Aplicável. As partes divergem sobre os instrumentos normativos aplicáveis ao caso dos autos. Nos termos dos arts. 570 e 581, § 2º, da CLT, o enquadramento sindical do empregado é feito pela atividade preponderante da empresa, considerando-se a base territorial da prestação dos serviços, de acordo com os princípios da territorialidade e da unicidade sindical, consoante art. 8°, II, da CF. O empregado integra a categoria profissional correspondente à do empregador, salvo na categoria diferenciada, quando as normas coletivas forem firmadas com a participação do empregador (Súmula 374 do C. TST). O autor apresentou CCTs firmada entre o SINDICATO DOS MOTORISTAS EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANSP DE CARGAS, LOG EM TRANS, E DIFER DE BH, CNPJ n. 18.134.667/0001-42 e o SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGAS E LOGISTICA DE MINAS GERAIS - SETCEMG, CNPJ n. 17.433.780/0001-66 (IDs 6ac4227, 93e99fa, 0570a0e e 3698bf0). A abrangência territorial definida nas CCTs inclui as cidades de Baldim/MG, Barão de Cocais/MG, Belo Horizonte/MG, Bom Jesus do Amparo/MG, Caeté/MG, Capim Branco/MG, Carmésia/MG, Conceição do Mato Dentro/MG, Funilândia/MG, Ibirité, Jaboticatubas/MG, Mário Campos/MG, Matozinhos/MG, Morro do Pilar/MG, Nova Lima/MG, Nova União/MG, Passabém/MG, Prudente de Morais/MG, Raposos/MG, Rio Acima/MG, Santana do Riacho/MG, Santo Antônio do Rio Abaixo/MG, São Gonçalo do Rio Abaixo/MG, São Sebastião do Rio Preto/MG e Taquaraçu de Minas/MG. A 1ª reclamada, por sua vez, anexou as CCTs entabuladas entre o SINDICATO DOS TRAB. NAS EMPRESAS DE TRANSP. DE CARGAS, DE PAS. URBANO, S.URBANO, MET., ROD., INTERM., INTERE., INTERN., FRET., TUR. ESC. RMBHTE, CNPJ n. 21.996.555/0001-05 e SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE CARGAS E LOGISTICA DE MINAS GERAIS - SETCEMG, CNPJ n. 17.433.780/0001-66, com abrangência territorial em Confins/MG, Lagoa Santa/MG, Pedro Leopoldo/MG, Ribeirão das Neves/MG, Sabará/MG, Santa Luzia/MG, São José da Lapa/MG e Vespasiano/MG (IDs 5b457e8 e 7f3429e), b Também juntou os acordos coletivos entre o SINDICATO DOS TRAB. NAS EMPRESAS DE TRANSP. DE CARGAS, DE PAS. URBANO, S.URBANO, MET., ROD., INTERM., INTERE., INTERN., FRET., TUR. ESC. RMBHTE, CNPJ n. 21.996.555/0001-05 e a EXPRESSO NEPOMUCENO S/A, CNPJ n. 19.368.927/0043-66, com a mesma abrangência territorial (IDs a61c651 e 4acb10f). No caso dos autos, é fato incontroverso que a parte ré explora o ramo de transporte. A empresa ré tem sede em Santa Luzia/MG, cidade onde também ocorreu a prestação do serviço, conforme ficha de registro do empregado (ID 24470a4). Por conseguinte, a norma coletiva aplicável é aquela apresentada pela 1ª ré, ante a sua abrangência territorial. Jornada de Trabalho. Horas extras. Intervalo Intrajornada. Alega o reclamante que laborava de 2ª feira a sábado, das 06h30min às 17h30mim/18h30min/19h, e que não usufruía corretamente seu horário para refeição. Pede o pagamento de horas extras pela extrapolação da jornada de 07 horas e 20 minutos diárias e 44 horas semanais, bem como pelo intervalo suprimido, mais reflexos correlatos. A 1ª reclamada argumenta que toda a jornada está registrada nos cartões de ponto e que eventual hora extra realizada foi compensada ou devidamente quitada. Nega intervalo inferior a 01 hora. Pois bem. A prova oral produzida foi capaz de comprovar que os cartões de ponto estão parcialmente corretos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos, trazida pelo reclamante e que trabalhou na reclamada de novembro de 2021 a setembro de 2024, como ajudante de motorista, descreveu os seguintes fatos em seu depoimento: trabalhava na região central; a supervisora era Kelly, mesma do reclamante; já saiu várias vezes com o reclamante; na entrada anotava o ponto corretamente; na saída anotava o ponto antes de fazer a recarga por ordem da supervisora; para fazer a recarga demorava 04/05 horas; fazia recarga 04 a 05 vezes no mês; no horário de almoço anotavam 1 hora, mas usufruíam apenas 15 minutos; era ordem da supervisora fazer apenas 15 minutos; se passasse de 15 minutos a supervisora ou outra pessoa ligava para perguntar porque estavam muito tempo parados; já aconteceu de ter dias trabalhados sem anotação; a recarga é opcional, mas os supervisores ficavam apertando para fazer recarga, mas se não quisesse não fazia; geralmente avisavam que iam almoçar; para fazer entrega demorava entre 40 minutos e 1 hora e pouco; a empresa ligava para monitorar; haviam cerca de 20 motoristas/ajudantes na “sala” do depoente; haviam 5 salas; a maioria das vezes o motorista tinha ajudante fixo, mas saia com todos os motoristas da sala; já fez recarga com o reclamante. Por sua vez, a testemunha inquirida a favor da reclamada, Everton Carlos Lima, relatou: faz de 10 a 11 recargas por mês; quando faz recarga registra o fim da jornada ao final da recarga; não havia orientação para não registrar a recarga; às vezes fazia o intervalo e às vezes não; o intervalo era registrado no prolog; a própria equipe definia o tempo de intervalo; acontecia de acabar a rota mais cedo, casos em que não fazia intervalo, ia embora direto; fazia intervalo 2 vezes por semana, sendo que nos demais dias não fazia para acabar a rota mais cedo e ir embora, por decisão própria; nunca saiu em rota com o reclamante, nem fez entregas com ele; o depoente é da sala “raça”; o supervisor é William; nunca almoçou com o reclamante; uma entrega demorava de 15 a 20 minutos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos confirma que os horários de entrada e de saída registrados estão corretos, exceto nos dias em que fazia recarga, quando anotava o ponto e depois procedia à recarga, o que durava 04/05 horas. Segundo a mesma testemunha, fazia recarga 04/05 vezes por mês. Embora a testemunha Everton Carlos Lima tenha afirmado que o tempo de recarga estava inserido na jornada registrada, os cartões de ponto juntados pela reclamada não estão assinados pelo autor, recaindo o ônus probatório acerca da jornada registrada e praticada sobre a reclamada, que dele se desonerou parcialmente, tendo em vista a divergência dos depoimentos colhidos em audiência. Portanto, considero que o reclamante, em 03 dias por mês (conforme aduzido na inicial, princípio da adstrição), realizou recargas, com tempo despendido de 05 horas em cada recarga, que não foram registradas. Quanto ao intervalo, com base nos depoimentos supratranscritos, pode-se concluir que o autor usufruía intervalo em apenas 15 minutos por dia, tendo em vista o depoimento da testemunha Leandro Pereira dos Santos. A informação prestada pela testemunha Everton Carlos Lima, de gozo de intervalo de 01 hora em dois dias na semana, não beneficia a reclamada, já que, repita-se, pertencia à demandada o encargo probatório. No que se refere à frequência registrada, a testemunha Leandro Pereira dos Santos disse que já aconteceu de ter dias trabalhados sem anotação. Compulsando-se os registros de jornada, identifica-se, por exemplo, dias em que consta a rubrica “Af.Previdencia”. As fichas financeiras demonstram que esses dias foram remunerados a título e “Atestado Médico” (dias 07 a 11/01/2022, 04 a 05/10/2022 e 23 a 25/02/2023, a título de amostragem). O mesmo se observa em relação às faltas injustificadas, que foram descontadas do salário do reclamante (dias 03/07/2021 e 147/10/2022). O autor não alegou nem comprovou que de fato laborou nos dias em que não constam registros de jornada. Incontroverso, no caso, que a reclamada adotava compensação de jornada por meio de banco de horas. As normas coletivas da categoria do autor previram a jornada flexível de trabalho visando à formação do banco de horas, com prazo de compensação estipulado em 75 (setenta e cinco) dias, de modo a permitir que as empresas ajustem o potencial da mão de obra à demanda do mercado consumidor (por exemplo, cláusula 25ª, CCT 2021/2022, ID 9358d34). Os mesmos instrumentos normativos estabeleceram que serão lançadas a título de hora crédito do empregado 50,0% das horas trabalhadas excedentes à 44ª hora semanal e os 50,0% das restantes serão pagas na forma da lei, da Convenção, Adendo ou Acordo Coletivo de Trabalho. Os registros de jornada evidenciam compensações de horas. Os comprovantes de pagamento juntados pela defesa registram pagamento de horas extras mensalmente, o que demonstra que parte das horas extras foram compensadas e parte quitadas, não tendo o autor demonstrado que a ré descumpriu a previsão de pagamento de 50% das horas excedentes a 44ª. A prática de horas extras é inerente à aplicação do banco de horas. Assim diz a CLT: Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas. (grifei) Dessa forma, a atual redação da CLT afasta a aplicação da Súmula 85, IV, do TST, que é de 2016. Noutro vértice, determina a CLT que o acréscimo de horas extras não pode exceder duas horas por dia (art. 59), sendo que este regional tem Tese Jurídica Prevalecente de que a extrapolação do limite de dez horas diárias de trabalho invalida o regime de compensação de jornada na modalidade de banco de horas, que não pode ser convalidado nem mesmo por previsão diversa em ACT ou CCT (TJP n. 22). No caso, identificam-se nos registros de jornada dias que o reclamante ultrapassou a jornada de 10 horas, como nos dias 05/09/2020, 11/09/2020, 08/10/2020, 18/02/2022, 28/02/2022, 04/03/2022, 23/03/2022, 08/04/2022, 20/04/2022 e 19/05/2022 (ID 2c3bdb3). Além disso, conforme exposto anteriormente, a reclamada desconsiderava o tempo de recarga e não considerava na jornada o tempo de intervalo intrajornada não usufruído. Por conseguinte, considero inválido o banco de horas. Descabe a aplicação da Súmula 85, IV, do TST (pagamento apenas do adicional por labor extraordinário), ante o que estatui o inciso V do mesmo verbete jurisprudencial. Dessa feita, conclui-se que as horas extras prestadas não foram integralmente quitadas. Por esses fundamentos, defiro ao reclamante o pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária e 44ª semanal, o que for mais benéfico, de forma não cumulativa, com acréscimo do adicional convencional e reflexos em DSRs (domingos e feriado), férias acrescidas de 1/3 e 13º salários e, com todos, em FGTS. E mais. Como o reclamante trabalhava mais de seis horas por dia, seu intervalo deveria ser de, no mínimo uma hora, conforme art. 71 da CLT, o que não ocorria, como se vê dos cartões de ponto. O art. 71, §4º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, dispõe que: § 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. Tal dispositivo, entretanto, é manifestamente inconstitucional, desconexo de uma leitura orgânica da CLT e dos princípios constitucionais e do direito do trabalho que garantem a proteção ao salário e o direito à saúde do trabalhador, o que impede sua aplicação, senão vejamos. Ao estabelecer que no caso de descumprimento do intervalo intrajornada deverá haver apenas o pagamento do período suprimido, ele se torna redundante com o art. 59 da CLT, pois se o empregado trabalha durante o intervalo, irá naturalmente exceder a jornada contratual prevista. Assim, a previsão de pagamento apenas do período suprimido, como se fosse uma hora extra comum, implica na negação do direito ao intervalo intrajornada, norma de segurança e medicina do trabalho. Ilustrando: se um empregado tem jornada contratual de 8 horas e um dia trabalha durante 9 horas, não fará nenhuma diferença se trabalhar 9 horas seguidas (sem nenhum intervalo) ou 9 horas com uma hora de intervalo. A consequência econômica para o empregador, a princípio, é a mesma: o pagamento de uma hora extra, o que equivale dizer que não houve nenhuma sanção pelo descumprimento da norma que estabelece o direito ao intervalo. Mas o dispositivo vai além: estabelece que o pagamento terá natureza indenizatória, o que apresenta dois problemas, um de ordem lógica e outro de ordem econômica. Do ponto de vista lógico, é certo que o salário é pago pela prestação de serviços, que é exatamente o que acontece quando o horário de intervalo é suprimido: o empregado trabalha durante o intervalo. Ora, se o empregado irá receber valor por trabalhar, esse valor necessariamente deve ter caráter salarial – ele não sofreu qualquer dano a ser indenizado. Do ponto de vista econômico, a estipulação de caráter indenizatório do pagamento configura verdadeiro incentivo para o empregador fraudar o direito ao intervalo. Voltando em nosso exemplo, se um trabalhador trabalhar durante 9 horas seguidas (com a supressão do intervalo intrajornada), nos termos do §4º do art. 71 da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, ele terá direito a receber apenas a hora extra com caráter indenizatório, ou seja, sem reflexos nas demais verbas contratuais. Se o empregador respeitar o intervalo intrajornada, mas fizer o empregado trabalhar as mesmas 9 horas, terá que pagar a hora extra com caráter salarial e consequentes reflexos, ou seja, dada a mesma jornada de 9 horas, a concessão do intervalo lhe terá sido mais onerosa do que o trabalho em uma hora extra comum, neste último caso sem violação de nenhum direito do trabalhador! Imperioso, portanto, se reconhecer o caráter salarial do pagamento da hora extra pela supressão do intervalo intrajornada. Conclui-se, portanto, que o art. 71, §4º, da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/17, é inconstitucional, violando diversos dispositivos constitucionais: a) o art. 196, pois prejudica o direito à saúde do trabalhador; b) o art. 200, VIII, porque prejudica a salubridade do meio ambiente de trabalho, ao promover jornadas sem o descanso necessário, c) o art. 7º, caput, uma vez que a edição de tal dispositivo constitui retrocesso social em relação à norma anteriormente vigente; d) o art. 7º, VI, eis que a atribuição de caráter indenizatório ao pagamento implica na diminuição do salário do trabalhador; e) o art. 7º, X, pois ao atribuir caráter indenizatório ao pagamento desprotege o salário; e f) o art. 7º, XXII, porque a norma promove insegurança no trabalho, na medida em que o trabalhador não tem sua fisiologia recomposta pelo descanso, com maior risco de acidentes do trabalho, e prejudica a saúde do trabalhador; g) o art. 113 do ADCT, o qual estipula que a proposição que enseje renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. Ora, ao alterar a natureza jurídica da parcela de salarial para indenizatória houve verdadeira renúncia de receita pelo Estado, uma vez que não mais serão recolhidos os tributos devidos nem sequer as contribuições previdenciárias, sendo notório que inexistiu prévio estudo de impacto orçamentário e financeiro, o que se faz imprescindível, notadamente em tempos em que tanto se discute o alegado déficit previdenciário. Assim, declaro incidentalmente inconstitucional o §4º do art. 71 da CLT. Reconhecida a inconstitucionalidade, permanece incólume a aplicação Súmula 437 do TST. O art. 71, caput, da CLT determina que o intervalo mínimo para jornadas acima de 6:00 horas deve ser de 1:00 hora. Assim, pausas inferiores não configuram verdadeiro intervalo, posto que inaptas à consecução do escopo de recomposição física e mental do trabalhador, sem a qual o segundo turno transcorre com maior dificuldade, menor produtividade e agravamento do risco de acidentes. A ausência total do intervalo ou sua concessão inferior ao mínimo de lei constitui infração que torna o obreiro credor do pagamento integral do período como hora extraordinária, sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. Adoto a súmula 437 do c.TST - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Destarte, julgo procedente o pedido de pagamento de 1 hora extra pela não fruição do intervalo para refeição e descanso, sem prejuízo do cômputo do período trabalhado no intervalo para cálculo das horas extras, com reflexos em DSRs (domingos e feriado), e, com a soma destes, em férias acrescidas de 1/3 e 13º salários e, com todos, em FGTS. Na apuração das horas extras serão considerados: a) frequência e registros de entrada e de saída constantes nos cartões ponto, considerando-se usufruído intervalo de 15 minutos bem como acrescentando-se 5 horas além da jornada registrada em um dia na semana em 03 semanas de cada mês; b) base de cálculo nos termos da Súmula 264 do TST; c) divisor 220; d) adicional normativo e, na sua falta, o adicional de 50%, consoante previsão constitucional; e) a dedução de parcelas comprovadamente quitadas sob os mesmos títulos nos termos da OJ 415 da SDI-1 do C. TST. Sobre a remuneração variável, será devido apenas o adicional e o divisor será o número de horas trabalhadas, conforme dispõe a Súmula 340 do TST e OJ 397 da SDI-1. A Súmula 340 do TST não se aplica ao intervalo intrajornada, em que é devida a hora mais o adicional. Logo, o divisor a ser observado em relação às horas extras intervalares é o 220. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Remuneração Variável. Prêmio Caixaria. Segundo o reclamante, a 1ª reclamada realizava pagamento de comissão (caixaria), no valor de R$0,12 por cada caixa ou produto “mix” entregue ao dia, caso saísse com motorista e mais um ajudante ou de R$0,24, caso saísse para as entregas com apenas com motorista. Também havia pagamento de R$0,60 por cada caixa ou produto “mix” entregue ao dia, quando havia recarga, o que ocorria em cerca de 3 dias por mês. Realizava média de entrega de 250 a 420 caixas por dia e, em dias de recarga, fazia a entrega de mais 250 a 420 caixas. As entregas eram realizadas apenas pelo autor e o motorista. Deveria receber uma média de R$2.717,52 mensais a título de comissão mais R$783,90 mensais a título de recarga. A 1ª reclamada alega o correto pagamento das comissões e do bônus, apresentando os critérios de pagamento na contestação, os quais afirmam também serem informados aos empregados, que tinham meios de acompanhar e de conferir os resultados e os pagamentos. Ao reconhecer a existência de pagamento de prêmio, comprovado está o fato constitutivo do direito do autor, devendo a reclamada comprovar o fato impeditivo (não preenchimento dos requisitos) ou extintivo (pagamento) do direito do reclamante, conforme distribuição do ônus da prova. Pois bem. A testemunha do reclamante prestou as seguintes informações: o caminhão pequeno tinha 250 caixas e o grande 420; pelo mapa de rota sabiam quantas caixas tinham; a maioria das vezes o pagamento vinha errado, não batia com o rascunho que anotavam; estima que tomava prejuízo de 1000 a 1200 reais por mês; fez reclamação na reclamada, o reclamante também; recebia R$0,18 por caixa entregue e R$0,48 na recarga; para o motorista era R$0,24 e recarga R$0,60; mostrado o documento de id 7a30ba8, disse que era um mapa de rota; mostrado o documento ead6700, disse que não reconhece o documento; na recarga entregavam 420 caixas aproximadamente; Prolog era um aplicativo para marcar o horário de almoço; não era possível ver a quantidade de caixas entregue; conhece Biz, que não serve para ver a quantidade de caixas, mas sim para ver a rota; não recebeu treinamento sobre remuneração variável; conforme faziam as entregas marcavam no Biz delivery; acontecia de não saírem para rota, ficando trabalhando internamente; no mapa de rota costumava sair o nome do motorista; era decidido na hora qual ajudante ia sair com qual motorista. A testemunha da reclamada declarou: ao final do mês recebem extrato das caixas entregues; se não estiver certo tem a liberdade de procurar a pessoa responsável e passar o que está errado; ao final da jornada jogava o mapa de rota fora; durante a rota usa o aplicativo BIZ delivery, no qual consta a rota, o estabelecimento onde tem que entregar, a quantidade de caixas entregue e a forma de pagamento; Prolog serve para ver a variável e bater horário de almoço; finaliza a entrega pelo aplicativo; no mapa de rota não consta conversão de medidas como fardos para caixas; recebeu treinamento sobre caixaria e recarga; entrega por volta de 360 a 400 caixas por dia; no extrato consta essa quantidade. Os holerites anexados à defesa apontam o pagamento de “REMUNERAÇÃO VARIÁVEL” e “RDSR SOBRE REM. VARIÁVEL” (ID d93163b). Com a defesa, vieram os seguintes documentos: Prolog (ID 1c1e35a), Relatório de Entregas Detalhada (ID 5a01317) e Extrato de Remuneração Variável (ID 4a2cbe3). Foi proferido despacho determinando à 1ª reclamada juntar os mapas de rota e as notas fiscais (ID a8c49bc). A 1ª reclamada então juntou documentos intitulados “Mapas de Rota” e “Planilha de conversão” (Ids ead6700, 468d93e, 5c1d829 e ca2a4be). Após manifestação do reclamante acerca dos documentos (ID de784ff), foi proferido novo despacho, determinando-se à 1ª reclamada juntar aos autos os mapas de rota, como requerido pelo autor, sob pena de aplicação do artigo 400 do CPC (ID 6e64974). A 1ª reclamada manifestou-se tecendo a seguinte argumentação (ID 1c81aa4): - o mapa de rota é entregue ao empregado no início de sua jornada, onde constam os produtos acomodados no baú do caminhão e que serão entregues no decorrer do dia; - o mapa de rota é fornecido pelo cliente AMBEV ao motorista do caminhão, com a finalidade de apresentar um resumo da carga e auxiliar na realização da conferência antes de iniciarem a jornada; - as informações sobre as entregas realizadas pelas equipes é monitorada em tempo real pelos próprios empregados em um aplicativo de última geração chamado PROLOG; - o documento não era devolvido à empresa no final dia, ficam em posse do motorista e não são de guarda obrigatória pela empresa; - a reclamada já trouxe aos autos toda a documentação correspondente à produtividade do reclamante, inclusive demonstrando a forma de calculá-la; - o requerimento de exibição dos mapas de rota é frequentemente utilizado pelos patronos do reclamante, mesmo cientes de que os documentos ficam em posse de seus clientes e não são armazenados pela empresa, visando a aplicação de confissão à empresa; - mesmo de posse da documentação, o reclamante não traz, sequer por amostragem, diferenças que entende como devidas. Não foi juntado o normativo da empresa, ou documento semelhante, que regula o pagamento da remuneração variável, com a ciência do reclamante quanto à forma de cálculo apresentada na defesa, o que gera incerteza aos empregados, que não sabem como calcular seus prêmios. Os comprovantes de treinamentos do reclamante anexados pela reclamada não indicam 2c615ad treinamentos acerca da remuneração variável. A argumentação da 1ª reclamada no sentido de que os mapas de rota não são documentos de guarda obrigatória não se sustenta. Ainda que fossem emitidos pela 2ª reclamada, uma vez que a remuneração variável era apurada a partir dos dados contidos no mapa, a 1ª reclamada deveria guardá-los, já que se trata de documento referente ao pacto laboral. Acrescenta-se que os documentos apresentados pela 1ª reclamada não são de fácil compreensão e foram produzidos unilateralmente, sem o conhecimento do reclamante, não havendo assinatura do autor para confirmar que ele teve acesso a esses documentos e que eles refletiam a realidade. Ainda, por amostragem, o autor, em sua impugnação à contestação, logrou êxito em demonstrar incorreções nos lançamentos de entregas com base nos extratos de remuneração variável, assim como nos cartões de ponto anexados aos autos. Cita-se, por exemplo, o apontamento realizado no dia 06/10/2020, quando o autor laborou por 08 horas e 54 minutos no dia (ID 2c3bdb3), mas não há registro de qualquer entrega realizada nesta data (ID 5a01317), o que não parece crível. Cumpre registrar que, embora a testemunha do reclamante tenha afirmado que por vezes laborou internamente, não há indicação nos registros de jornada ou em outros documentos de quando isso ocorreu, não sendo meramente presumido pela ausência de pagamento de remuneração variável. Assim, diante de todo o conjunto probatório, reconheço que a primeira ré não comprovou o correto pagamento da remuneração variável ao autor, ônus que lhe cabia, diante do princípio da aptidão para a prova. Pelo exposto, julgo procedente o pedido de pagamentos das diferenças a título de remuneração variável (prêmio caixaria), com base nos seguintes critérios que ora arbitro, com base nas informações inicial em cotejo com a prova oral produzida: valor normal por caixa ou produtos ‘mix’ entregue: R$0,24, sendo 250 caixas por dia efetivamente trabalhado em metade do mês e 420 caixas por dia efetivamente trabalhado na outra metade do mês; R$0,60 para caixa ou produto ‘mix’ entregue como recarga, sendo 3 recargas por mês. Os pagamentos feitos pelo empregador, de maneira habitual, canalizam-se para a natureza salarial no contexto de uma relação de emprego, ainda que não fosse essa a ideia inicial ou que não tenha sido a vontade das partes. A natureza salarial possui como alicerce o caráter repetitivo, constante dos pagamentos, que gera no empregado a expectativa de receber tais haveres, bem como se tratar de pagamento em razão da prestação de serviços, como é o caso dos autos. Dessa forma, defiro o pedido de integração da remuneração variável (prêmio caixaria), com reflexos em DSRs (domingos e feriados) e, com a soma destes, em horas extras, férias +1/3, 13° salário e, de todos, em FGTS. Os reflexos em horas extras deverão observar o disposto na Súmula 340 e na OJ 397 da SDI 1, ambos do TST. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Bônus. Narra o autor que a 1ª reclamada se comprometeu a realizar o pagamento mensal de bônus no valor de 75,00 “se a devolução de nota fiscal for menor ou igual a 3,5% e se tiver produzido 15 ou mais mapas de rota por mês”. A partir de 02/2023, aumentou a empresa tal valor para R$300,00 mensais. Pede o pagamento de R$75,00/R$300,00 por mês e sua integração ao salário. A testemunha do autor asseverou: a maioria das vezes batia a meta bônus, mas não recebia o bônus; reclamavam na reclamada, mas nunca era resolvido; a meta era 4% de devolução ou abaixo; vinha muito erro de armazém ou falta de mercadoria; em uma semana acontecia devolução 04/03 vezes; tinham que conferir a carga antes de sair, mas era pouco tempo e praticamente não conseguiam conferir, só passavam o olho; no aplicativo registravam a devolução. A testemunha da reclamada, por sua vez, informou: tem que bater a meta de 4% de devolução; acontece dos clientes devolverem mercadoria no dia a dia; cerca de 1x por semana, o que impacta no bônus; é mais comum bater a meta do que não bater; assinalam no aplicativo a devolução. Os holerites juntados com a defesa registram pagamento de bônus de R$80,00 em 12/2022, de R$200,00 em 09/2022, de R$240,00 em 12/2022, de R$80,00 em 01/2023, de R$80,00 em 02/2023, bem como de prêmio por devolução de R$300,00 em 09/2023. Contudo, a 1ª reclamada não forneceu a documentação necessária para demonstrar o efetivo número de devoluções de mercadorias ocorridas em cada mês. Assim, julgo procedente o pedido para condenar a 1ª reclamada a pagar R$75,00, por mês, até janeiro de 2023 e R$300,00 a partir de fevereiro de 2023 a título de bônus, mensalmente, bem como reflexos em horas extras, férias +1/3, 13° salário e, de todos, em FGTS. Não existem reflexos em DSR’s, pois o pagamento é mensal. Os reflexos em aviso prévio, na multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias serão examinados quando da análise do pedido de rescisão indireta. Restituição de Descontos. Afirma o Autor que a 1ª Ré efetuou vários descontos em sua remuneração, sob as rubricas “vale físico”, “dif. Acerto de caixa” “dif. acerto de valores”, “artigo 462, §1º da CLT”, dentre outros, os quais correspondiam à média de R$200,00/R$300,00 mensais e, ainda valores superiores em contracheques, como no mês 07/2023, que teve o desconto no valor de R$307,06. Diz não reconhecer os descontos de parcelas de R$485,00, referentes ao valor total de R$19.000,00, que diz a reclamada ser oriundo de suposto dano no caminhão baú. Pleiteia a restituição dos descontos efetuados. A 1ª reclamada admite terem sido efetuados descontos a título de “vale físico”, “quando comprovada sua culpa em relação ao sumiço de produtos, avarias nas entregas, etc”. Diz que “vale financeiro” se refere a diferença encontrada no pagamento de cliente durante a prestação de contas. Informa que o autor jamais sofreu qualquer desconto a título de “dif. Acerto de caixa” e “dif. acerto de valores”. Acrescenta que o “autor se envolveu em incidente de trânsito e bateu o baú do caminhão em uma árvore, cujo conserto do veículo ficou em R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), conforme relato em anexo escrito em próprio punho em anexo.” As normas coletivas juntados com a defesa autorizam descontos nos salários em caso de danos culposamente causados contra o patrimônio do empregador ou de terceiros, fazendo referência ao “vale físico” em caso de avarias e de desvio de mercadorias (cláusula 7ª, ACT 2022/2023, por exemplo). Consta previsão no contrato de trabalho acerca da possibilidade de descontos por danos causados pelo empregado em caso de dolo ou culpa, na forma do art. 462, da CLT (cláusula XII). Com a defesa, vieram os documentos intitulados “Pendências e Descontos” (ID cf0a7b8), nos quais constam na descrição do motivo “diferença de prestação física”, tipo do vale “físico” ou “financeiro” e os respectivos valores. Os documentos estão assinados pelo autor. Em que pese a autorização normativa e contatual para os descontos, a 1ª reclamada não comprovou ter realizado qualquer procedimento administrativo ratificador de culpa ou dolo do reclamante a fim de comprovar a regularidade dos descontos efetuados. A prova oral também não foi capaz de assegurar a validade dos descontos. A testemunha Leandro Pereira dos Santos descreveu: havia desconto por nota falsa e vasilhame que faltasse; já aconteceu de ter buraco no meio das caixas, aí não era possível conferir; também não era possível desmontar tudo para conferir; por mês tinha desconto de R$ 300,00 a R$ 400,00; não havia análise sobre de quem era a responsabilidade, pelo o que sabe; falavam que iam resolver, mas não resolviam; o supervisor tentava resolver o desconto, mas não conseguia e havia o desconto; se o cliente devolvesse por falta de produto era descontado; não recebiam caneta para detecção de nota falsa. Por sua vez, a testemunha Everton Carlos Lima informou: vale financeiro pode ser entrega de produto a mais ou esquecimento de produto; vale físico é falta de numerário; a reclamada pergunta o motivo da falta; nunca teve vale abonado; a responsabilidade do dinheiro e da carga é do motorista; há cofre no caminhão, que é aberto por uma pessoa específica na reclamada; a conferência do dinheiro é feita na frente do motorista; é possível conferir a mercadoria no caminhão; o vale físico vem em valor superior ao do produto, o dobro ou triplo; TML é um prazo de 30 minutos para conferir o caminhão. A prova oral confirmou que não foram assegurados nenhum dos dois aspectos necessários para a regularidade dos descontos. O que se observa que nem motoristas nem ajudantes dispunham de tempo e das condições necessárias para efetuar a conferência adequada das cargas que vão transportar no dia. Destarte, defiro a restituição dos valores descontados sob as rubricas “vale físico”, “vale financeiro” e “desconto do artigo 462, §1º da CLT” (R$ 155,67, 01/2022) identificados nos holerites (ID d93163b). Em relação ao desconto em virtude do dano ocorrido no caminhão da reclamada (artigo 462, §1º da CLT, R$19.000,00, parcelas de R$485,00), consta nos autos o relato de próprio punho anexado tanto pelo autor, no qual o reclamante descreveu o ocorrido (ID afe56d9). Em se tratando de danos no veículo, cabia à reclamada comprovar que os mesmos foram causados pelo reclamante, bem como a modalidade em que se constou a culpa, a fim de possibilitar a aplicação da regra contida no artigo 462, §2º, da CLT, ônus do qual ela se desvencilhou. O relato feito pelo autor, por si só, não contém confissão de culpa do autor nem é capaz de revelar que a reclamada procedeu à apuração de eventual culpa do autor pelos danos causados ao veículo. Além disso, os documentos anexados pela reclamada no ID 04d98d2 e no ID df970a0 não contém elementos capazes de comprovar que se trata de orçamento e nota fiscal de serviços de conserto do caminhão que o autor dirigia (ID 04d98d2). Nesse contexto, defiro a restituição dos valores descontados sob a rubrica “artigo 462, §1º da CLT”, no valor de R$485,00. Indenização Substitutiva do Lanche. O autor postula o pagamento de indenização substitutiva do lanche não fornecido quando da realização de horas extras. As normas coletivas da categoria do reclamante dispõem que (IDs 5b457e8, 7f3429e, a61c651 e 4acb10f): “CLÁUSULA DÉCIMA - ADICIONAL DE HORAS EXTRAS A remuneração do serviço extraordinário será acrescida de 50,0% (cinquenta por cento) sobre a hora normal, conforme determina a CLT. Parágrafo primeiro – Quando o empregado trabalhar mais de 2 (duas) horas extras por dia, nos casos de força maior, a empresa lhe assegurará um lanche gratuito composto de, no mínimo, pão com manteiga e café com leite. A jornada de trabalho dos motoristas é regida pela Lei nº13.103/15.” Os extratos apresentados pela 1ª Ré (ID 2a837b1) não especificam o pagamento referente ao lanche em caso de sobrejornada de mais de 2 horas diárias, mas tão somente o fornecimento de auxílio-alimentação, composto por tíquete alimentação, café da manhã e cesta básica. Portanto, julgo procedente o pedido para condenar a reclamada ao pagamento de indenização pelo não fornecimento do lanche, no valor de R$8,00 por dia em que o autor trabalhou acima de duas horas extras, durante todo o contrato de trabalho. Multas Convencionais. O reclamante postula recebimento de multas normativas, apontando as infrações às cláusulas que tratam de horas extras e fornecimento de lanche. Constatadas as infrações apontadas, nos limites do pedido, defiro uma multa prevista na cláusula 37ª da CCT 2020/2021, uma multa prevista na cláusula 37ª da CCT 2021/2022, uma multa prevista na cláusula 58ª do ACT 2022/2023 e uma multa prevista na cláusula 57ª do ACT 2023/2024, no importe de 5% do salário de ingresso em cada ACT. Indenização por Danos Morais. Transporte de Valores. A testemunha do autor afirmou que: recebia valores em espécie, e já recebeu 15/20/25 mil reais e até mais; rodavam em áreas de risco; não havia escolta; e além do dinheiro era possível pagamento em boleto, depois foi possível pix, mas a maioria dos pagamentos eram em dinheiro; a responsabilidade pelo recebimento era do motorista, mas o ajudante costuma ajudar; o dinheiro era entregue para a 1ª reclamada. A testemunha da reclamada, por sua vez, disse que: na época do reclamante os pagamentos eram em dinheiro, boleto e cheque; o dinheiro era fracionado de 1000 em 1000 para colocar no cofre; tem gente que tem rota fixa e gente que tem rota variada; os motoristas recebem caneta para identificação de nota falsa; não se recorda se entrou em local perigoso, não sabendo quanto ao reclamante; Note-se, portanto, que os valores em espécie transportados são significativos. Destaque-se que o autor corria risco diário de ser vítima de crimes, mormente porque não contava com nenhuma segurança, não era treinado pela função, além de, pelo fato de o transporte ser diário, haver maior exposição, possibilitando, inclusive, uma ação planejada por parte de criminosos, que poderiam mapear a rotina de entrega de valores pelo autor. O fato de o caminhão possuir cofre não afasta o risco a que estava sujeito o autor. O TST definiu Tese Vinculante segundo a qual "o transporte de valores por trabalhador não especializado configura situação de risco a ensejar reparação civil por dano moral in re ipsa, independentemente da atividade econômica do empregador” (Processo: RR-0011574-55.2023.5.18.0012). Ao fixar a indenização, o juiz deve se ater à questão, às influências que isso proporcionou ao lesado, arbitrando-a de maneira equitativa, prudente, razoável e não abusiva, atentando-se para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes. Os prejuízos causados ao reclamante estarão minorados, sob o ponto de vista moral, com o pagamento de valor que arbitro em R$10.000,00. Rescisão Indireta. Com base nos descumprimentos contratuais alegados nos tópicos anteriores, requer o autor a rescisão indireta do seu contrato de trabalho, com a consequente condenação da reclamada ao cumprimento das obrigações de fazer e pagar respectivas. A 1ª Ré, em contestação, argumenta que o autor foi demitido imotivadamente em 16/10/2023 e que, por isso, houve perda do objeto do pedido de rescisão indireta. Com a defesa, foram juntados telegramas convocando o autor para retorno ao trabalho e informando acerca da rescisão contratual, reputada a pedido do reclamante, por ter ajuizado ação com pedido de rescisão indireta. Não se trata de hipótese de abandono de emprego, pois em caso de descumprimento contratual o art. 483, parágrafo 1º, da CLT autoriza o empregado a cessar a prestação dos serviços. O reclamante comprovou descumprimentos contratuais graves, dentre eles ausência de registro de toda a jornada, intervalo parcialmente usufruído, pagamento a menor de remuneração variável e de bônus, ausência de fornecimento de lanche em horas extras superiores a duas. Os descumprimentos contratuais constatados anteriormente são suficientes para justificar a rescisão contratual por culpa do empregador, nos termos do art. 483, alínea "d", da CLT. Logo, declaro a rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo como último dia trabalhado 19/09/2023 (ID 2c3bdb3). Via de consequência e considerada a admissão em 29/08/2020 (ID bbbab6e) e a projeção do aviso prévio indenizado (OJ 82 da SBDI1 do TST), condeno a reclamada ao pagamento das seguintes parcelas, observados os limites dos pedidos: - aviso prévio indenizado (39 dias); - 10/12 de 13o salário proporcional; - férias + 1/3 integrais do período aquisitivo 2022/2023 - 01/12 de férias proporcionais + 1/3: - indenização compensatória de 40% do FGTS. Para a apuração das parcelas deferidas deverão ser considerados os valores constantes nos contracheques apresentados com a defesa acrescidos das parcelas deferidas na presente reclamação a título de horas extras mais reflexos em DSRs, remuneração variável mais reflexos em DSRs e bônus. Determino que a 1ª reclamada forneça ao reclamante as guias TRCT e chave de conectividade para levantamento do FGTS, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitado ao valor do FGTS (art. 412 do Código Civil), além das guias CD/SD para levantamento do seguro-desemprego, corretamente preenchidas, no prazo de cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de indenização substitutiva. A 1ª reclamada deverá, também, a anotar a baixa na CTPS do reclamante, com data de saída em 28/10/2023, considerada a projeção do aviso prévio (OJ 82/SBDI-1/TST), em cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitada a 30 dias. Transcorrido tal prazo, a Secretaria da vara procederá à anotação, sem prejuízo da multa. Responsabilidade Solidária/Subsidiária. Restou incontroverso nos autos que a 2ª reclamada foi tomadora de serviços do reclamante. Assim, em atenção ao decidido na ADPF 324 e ao contido no art. 5º-A, §5º da Lei 6.019/1974, a 2ª reclamada é subsidiariamente responsável pelos direitos reconhecidos ao reclamante nesta sentença, por todo o período contratual, exceto multas diárias pelo eventual descumprimento de obrigações de fazer, eis que personalíssimas do empregador. Nos termos do item IV da Súmula 331 do C. TST e da OJ 18 das Turmas do E. TRT da 3ª Região, esclareço desde já que não se executarão necessariamente os sócios do empregador antes de se direcionarem os atos contra a 2ª reclamada, procedimento conhecido como “responsabilidade subsidiária em terceiro grau”. Justiça Gratuita. A parte autora apresentou declaração de hipossuficiência financeira e requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Consoante dispõe o artigo o artigo 99, parágrafo 3º, do CPC, e o artigo 1º da Lei 7.115/83 - aplicáveis a todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado (artigo 769 da CLT e 15 do CPC/2015 e Súmula 463 do C. TST), inclusive aos litigantes da Justiça do Trabalho, em sua maioria trabalhadores, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da CF), caso prevaleça entendimento diverso -, a declaração do obreiro é dotada de presunção de veracidade, que não foi rechaçada por evidência em sentido contrário. Defiro, pois, os benefícios da Justiça Gratuita. Honorários Advocatícios. Na linha do que este magistrado já vinha decidindo desde o primeiro dia de vigência da Lei 13.467/17, no dia 20.10.2021 o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do julgamento da Ação Direta Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.766, declarou inconstitucionais os arts. 790-B, §§ 4º e 791-A, § 4º da CLT, incluídos pela Lei nº 13.467/2017. A Corte Suprema decidiu, destarte, pela inconstitucionalidade das normas que estipulavam o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais pelo trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita. Nesta toada, considerando o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade e considerando, ainda, que a Corte Suprema não modulou os efeitos da decisão, deixa de subsistir no ordenamento jurídico norma que autorize a cobrança de honorários advocatícios sucumbenciais em face do trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita, como é o caso dos autos. Assim, fixo os honorários advocatícios sucumbenciais em favor do reclamante em 10% do valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, com fundamento no art. 791-A da CLT, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários (OJ 348 da SBDI I, do TST). Por fim, fixo honorários sucumbenciais de 10% sobre o valor da reconvenção para os patronos do reconvindo. Correção Monetária e Juros. Os juros e correção monetária deverão ser apurados na forma da decisão da SDI do TST (E-ED-RR 0000713-03.2010.5.04.0029): "... impõe-se o provimento dos embargos, a fim de aplicar, para fins de correção dos débitos trabalhistas: a) o IPCA-E na fase pré-judicial acrescido dos juros de mora (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991); b) a partir do ajuizamento da ação até 29/08/2024, a taxa SELIC, ressalvados os valores eventualmente pagos, nos termos da primeira parte do item "i" da modulação do STF, vedada a dedução ou compensação de eventuais diferenças pelo critério de cálculo anterior; c) a partir de 30/08/2024, no cálculo da atualização monetária, será utilizado o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil); os juros de mora corresponderão ao resultado da subtração SELIC - IPCA (art. 406, parágrafo único, do Código Civil), com a possibilidade de não incidência (taxa 0), nos termos do § 3º do artigo 406. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido" (E-ED-RR-713-03.2010.5.04.0029, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 25/10/2024). (grifei) Compensação/Dedução. As reclamadas não comprovaram serem credoras de dívida trabalhista líquida, vencida e fungível (art. 369 do CC) da parte autora, não havendo, portanto, valores a serem compensados. De modo a evitar enriquecimento sem causa, autorizo a dedução dos valores pagos sob idêntico título e fundamento das verbas deferidas. Desoneração. Folha de Pagamento. Revendo posicionamento anterior, passo a adotar o entendimento jurisprudencial dominante no TST no sentido de que o regime de desoneração previdenciária, instituído pela Lei 12.546/2011, é aplicável também às contribuições previdenciárias patronais decorrentes de sentenças e acordos homologados pela Justiça do Trabalho, desde que seja observada a coincidência entre o período em que a empresa esteve submetida ao regime de contribuição sobre a receita bruta e a data da prestação de serviços, fato gerador da contribuição previdenciária, a partir de 05/03/2009. Todavia, os documentos anexados no ID 08f98c3 não são suficientes para comprovar que a 1ª reclamada foi beneficiária da desoneração da folha de pagamento no período abrangido pela sentença, já que apenas comprovam os valores de arrecadação das contribuições, sem especificar se elas incidiram sobre a receita bruta ou não. Sem a comprovação da coincidência entre o período em que a empresa esteve submetida ao regime de contribuição sobre a receita bruta e a data da prestação de serviços, não cabe a exclusão da contribuição previdenciária, cota parte empregador. Indefiro. DISPOSITIVO DO EXPOSTO: EXTINGO a reconvenção sem resolução de mérito, por inépcia (art. 330, § 1º, I e II, do CPC), nos termos do art. 485, I e IV, do CPC; REJEITO as preliminares arguidas; julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para: Condenar as reclamadas, a segunda subsidiariamente, a pagarem ao reclamante, observados os parâmetros da fundamentação, com juros e correção monetária, descontados os valores pagos sob o mesmo título: - horas extras com reflexos em DSRs (domingos e feriados), e, com a soma destes, em aviso prévio, férias +1/3, 13° salário e, com todos, em FGTS + 40%; - diferenças a título de remuneração variável (prêmio caixaria), com reflexos em DSRs (domingos e feriados), e, com a soma destes, em horas extras, aviso prévio, férias +1/3, 13° salário e, com todos, em FGTS + 40%; - bônus de R$75,00, por mês, até janeiro de 2023, e de R$300,00 a partir de fevereiro de 2023; - restituição dos valores descontados sob as rubricas “vale físico”, “vale financeiro” e “desconto do artigo 462, §1º da CLT”; - indenização do lanche não fornecido; - multas normativas; - indenização por danos morais; - aviso prévio indenizado (39 dias); - 10/12 de 13o salário proporcional; - férias + 1/3 integrais do período aquisitivo 2022/2023; - 01/12 de férias proporcionais + 1/3: - indenização compensatória de 40% do FGTS. Determino que a 1ª reclamada forneça ao reclamante as guias TRCT e chave de conectividade para levantamento do FGTS, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitado ao valor do FGTS (art. 412 do Código Civil), além das guias CD/SD para levantamento do seguro-desemprego, corretamente preenchidas, no prazo de cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de indenização substitutiva. A 1ª reclamada deverá, também, a anotar a baixa na CTPS do reclamante, com data de saída em 28/10/2023, considerada a projeção do aviso prévio (OJ 82/SBDI-1/TST), em cinco dias contados do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa diária de R$200,00 (art. 536 §1º c/c art. 537, ambos do CPC), limitada a 30 dias. Transcorrido tal prazo, a Secretaria da vara procederá à anotação, sem prejuízo da multa. Honorários advocatícios conforme fundamentação. Possuem natureza indenizatória: juros de mora (OJ 400 da SDI-1 do TST), honorários advocatícios, principal e reflexos em férias + 1/3 indenizadas, reflexos em FGTS + 40%, bônus, restituição de descontos, indenização do lanche não fornecido, multas convencionais, indenização por danos morais. Descontos previdenciários e fiscais conforme Súmulas 368 do c. TST e 45 deste TRT da 3ª Região. Custas pelas reclamadas no importe de R$1.600,00, calculadas pelo valor da condenação, ora fixado em R$80.000,00. Custas pela 1ª reclamada na reconvenção, no valor de R$199,01, calculadas sobre 5% (R$9.950,30) do valor da causa da reclamatória (R$199.006,00). Intimem-se as partes. BELO HORIZONTE/MG, 21 de maio de 2025. VITOR MARTINS POMBO Juiz do Trabalho Substituto
Intimado(s) / Citado(s)
- JOSE APARECIDO MARTINS DOS SANTOS