Processo nº 00159369620244058100
Número do Processo:
0015936-96.2024.4.05.8100
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF5
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
21ª Vara Federal CE
Última atualização encontrada em
06 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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06/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 21ª Vara Federal CE | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELPODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL NO CEARÁ 21ª Vara Federal – Juizado Especial Federal/JEF Av. Washington Soares, 1321, Campus da UNIFOR, Bloco Z, Edson Queiroz, Fortaleza/CE ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ S E N T E N Ç A Trata-se de ação cível, em trâmite nos JEFs, em que o(a) Autor(a) requer tutela jurisdicional que lhe assegure a concessão/restabelecimento do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência (BPC-LOAS-PcD), com efeitos vencidos e vincendos e os acessórios pertinentes. Dispensado o relatório, na forma dos arts. 38 da Lei 9.099/1995 e 1º da Lei 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS Da gratuidade judiciária A legislação não requer que estejam os beneficiários da gratuidade judiciária em situação de pobreza ou, muito menos, de absoluta miserabilidade. Apenas se exige que a parte não possua, sem prejuízo de seu sustento próprio ou de sua família, condições financeiras de suportar o custo econômico do processo. Sob pena de se infringir a cara garantia fundamental do acesso à justiça, insculpida no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, a concessão do benefício não deve ser pensada unicamente em favor dos estratos da população de baixa renda e em estado de miséria, pois também visa a amparar pessoas que porventura se encontrem, ainda que circunstancialmente, em situação de dificuldade financeira atual que impeça o pagamento das despesas processuais, à época da propositura da demanda ou no decorrer desta. Na espécie, como o(a)(s) Autor(a)(e)(s) postulou(aram) a concessão do benefício na forma dos arts. 98 e ss. do CPC, eventuais conjecturas contrapostas não figuram como prova suficiente de que ele(a)(s) há(ão) de ser diferenciado(a)(s) dos cidadãos que merecem a isenção judiciária, por ter(em) supostamente efetivas condições financeiras de arcar(em) com os encargos processuais sem comprometimento de seu sustento próprio ou de sua(s) família(s). Com efeito, não identifico, nos autos, elementos e maiores provas da inexistência ou o do desaparecimento dos requisitos materiais necessários à concessão ou à manutenção do benefício da gratuidade judiciária, o que justifica a sua concessão. Demais disso, ao disporem sobre a jurisdição no âmbito dos Juizados Especiais, os arts. 54 e 55 da Lei 9.099/1995 enunciam: Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas. Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Interesse de agir Conforme dispõe expressamente o art. 17 do CPC, para que se possa propor uma ação, necessário se faz que reste caracterizada legitimidade, bem como interesse processual em coeficiente minimamente expressivo que justifique a movimentação da máquina judiciária em face da pretensão deduzida em juízo. Na mesma linha normativa, preceitua o art. 330, incisos II e III, do CPC que a petição será indeferida “quando a parte for manifestação ilegítima” ou “quando o autor carecer de interesse processual”. Paralelamente, o art. 485, inc. VI, do CPC, prescreve particular hipótese de extinção do processo, sem resolução de mérito, quando se consumar o fenômeno processual da carência de ação, decorrente da ausência original ou superveniente de qualquer das condições da ação, entre as quais se insere o interesse de agir. A questão atinente à satisfação ou não dessas condições constitui, ademais, matéria de ordem pública, razão pela qual não se sujeita a nenhuma preclusão pro judicato e pode ser examinada oficiosamente pelo Juiz, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, nos termos do § 3º do art. 485 do CPC. Nesses casos, como não se está a dissolver o processo por conta dos requisitos previstos nos arts. 319 (requisitos da petição inicial) e 320 (documentos indispensáveis à propositura da ação) ou por defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, ou mesmo sob o fundamento da prescrição ou da decadência, não se aplicam os ditames dos arts. 317, 321 e 487, § único, do CPC, sendo, portanto, dispensável a prévia intimação do autor para que corrija vícios, emende ou complemente a exordial ou se manifeste, na esteira da legislação processual específica dos JEFs, informada pelos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, ex vi dos arts. 2º da Lei 9.099/1995 e 1º da Lei 10.259/2001. Por sinal, a esse respeito, o Enunciado 176 do FONAJEF [1] dispõe que “A previsão contida no art. 51, § 1º, da Lei 9.099/1995 afasta a aplicação do art. 317 do CPC/2015 no âmbito dos juizados especiais”. Para configurar-se e manter-se o interesse de agir no início e no curso do processo, é imprescindível, por sua vez, que confluam três subcondições: 1 – que exista necessidade de a parte ir a juízo ou permanecer em juízo para alcançar a tutela jurisdicional pretendida; 2 – que a tutela jurisdicional pretendida assegure alguma utilidade do ponto de vista prático; e 3 – que a via processual eleita seja capaz de conduzir à tutela jurisdicional postulada. Exige-se, pois, a satisfação da tríade composta pela associação do interesse-necessidade, do interesse-utilidade e do interesse-adequação. Como condição para que se justifique o cabimento da intervenção jurisdicional, a configuração do interesse processual nas vertentes necessidade e utilidade demanda a caracterização de uma lide ou litígio, isto é, de um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita, na clássica lição de Francesco Carnelutti [2]. No tocante às causas de natureza previdenciária ou assistencial, em que se postula a concessão, o restabelecimento, a manutenção ou a revisão de benefício a cargo do INSS, a exigência de prévio requerimento administrativo vem sendo reconhecida como condição indispensável ao regular acionamento do Poder Judiciário, já que, nesses casos, o INSS nem sequer apreciou a pretensão e não ofereceu resistência, de sorte que não há lide que justifique a instauração de uma relação jurídico-processual. Essa linha de orientação reflete, por sinal, o conteúdo do Enunciado 77/FONAJEF, segundo o qual “O ajuizamento da ação de concessão de benefício da seguridade social reclama prévio requerimento administrativo”. Em 2014, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) também firmou compreensão jurisdicional análoga quanto à exigibilidade do prévio requerimento administrativo no paradigmático julgamento do RE 631.240/MG, submetido ao regime da repercussão geral. Com efeito, nas palavras do Relator, Min. Luís Roberto Barroso: “Não há como caracterizar lesão ou ameaça de direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido”. Demais disso, pode-se inferir do julgado a compreensão de que, mesmo nos casos que envolvam pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, necessário será o prévio requerimento administrativo se a problemática depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração Previdenciária, tal como se verifica na espécie. Nessas situações, a simples comprovação de cessação de benefício anteriormente concedido não satisfaz, portanto, a exigência processual de demonstração da denegação administrativa de proteção previdenciária por parte do INSS. Não basta, de todo modo, a simples protocolização de requerimento administrativo ou agendamento perante o INSS para que o interesse processual necessário ao acionamento do Poder Judiciário reste configurado. De fato, para a consubstanciação do interesse processual, imperioso se faz que reste materializado indeferimento expresso por parte do INSS do requerimento administrativo previamente protocolizado ou demora demasiada e injustificável na sua apreciação por culpa exclusiva da Administração Pública (indeferimento tácito), conforme os arts. 41-A, § 5º, da Lei 8.213/1991 [3] e 174 do Decreto 3.048/1999 [4]. Nos casos de indeferimento, a causa da denegação deve, ademais, ser substancial, isto é, retratar a afirmação administrativa da inexistência de direito, de modo que não se justifica a movimentação institucional do Poder Judiciário se a rejeição do pleito decorreu de razões meramente formais imputáveis à negligência do próprio interessado no benefício, como, v.g., nas situações em que não cumpriu diligências probatórias requeridas pelo INSS ou não compareceu à perícia administrativa ou à entrevista rural designada, hipóteses em que deve formalizar novo requerimento administrativo e se submeter ao procedimento pertinente. Perfilhando essa linha de compreensão, o Enunciado 166/FONAJEF predica que “A conclusão do processo administrativo por não comparecimento injustificado à perícia ou à entrevista rural equivale à falta de requerimento administrativo”. Outra situação equivalente se dá quando o benefício previdenciário ou assistencial provido é suspenso ou cessado administrativamente pelo INSS por conta de inércia injustificável imputável ao próprio beneficiário, que não se desincumbe do que lhe cabe, apesar de devidamente notificado para cumprir diligências, comparecer ao posto de atendimento para prestar esclarecimentos, atualizar dados, submeter-se a reavaliações e exames médicos periódicos, participar de processo de reabilitação profissional etc, como previsto nos arts. 101 da Lei 8.213/1991 e 21 e 21-A da Lei 8.742/1993. Em casos desse tipo, deve o interessado se dirigir previamente ao INSS e tentar reativar o benefício, de forma que só se justifica o acionamento do Poder Judiciário na hipótese da eventual negativa de reativação. Nessas situações, o acesso direto ao Poder Judiciário para fins de aferição da existência ou não de direito subjetivo de natureza previdenciária ou assistencial sem prévio tratamento administrativo da pretensão pela instituição pública competente, no caso, pelo INSS, autarquia federal vinculada ao Poder Executivo da União, subverte a lógica institucional associada à cláusula constitucional da separação dos Poderes, positivada como princípio fundamental do Estado brasileiro e cláusula pétrea expressa nos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF/1988. De fato, a cognição de pretensão previdenciária ou assistencial pelo Poder Judiciário antes de qualquer tentativa de se obter o benefício junto ao INSS converte a Justiça em substitutivo da Administração, imputando-lhe, sem respaldo constitucional, função executiva que não lhe é típica. Ao se adotar a postura operacional de não admitir a tramitação judiciária de ações previdenciárias ou assistenciais sem prévia análise e irresignação administrativa por parte do INSS, não se está, de modo algum, a ofender a garantia constitucional fundamental da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, insculpida no art. 5º, XXXV, da CF/1988. Com efeito, não se configura, no caso, negativa de jurisdição, visto que o Poder Judiciário poderá ser acionado a qualquer tempo, caso restem atendidas as aludidas condições de acionamento; cenário em que, aí sim, restará evidenciada a consubstanciação de interesse processual no coeficiente necessário ao regular desempenho do exercício jurisdicional. [5] De todo modo, ainda que não tenham sido satisfeitas essas condições, caso o INSS ofereça, no curso do processo judicial, contestação de mérito, restará configurada resistência à pretensão e, portanto, interesse de agir. Da inexistência de obrigatoriedade jurídica da perícia por médico especialista A legislação relativa aos procedimentos periciais na seara judiciária não prescreve nenhuma exigência jurídica no sentido de que a perícia médica seja necessariamente desempenhada por especialista em determinada área da Medicina. Basta, pois, a habilitação médica geral, conforme se pode inferir dos arts. 156 e ss. do CPC e de Resoluções positivadas pelo Conselho Federal de Medicina – CFM. A respeito da designação de perícia por médico especialista, a TNU adota a compreensão jurisprudencial de que somente é necessária em casos especialíssimos e de maior complexidade, como nos de doenças raras, consoante ilustram os seguintes precedentes: [...] PREVIDENCIÁRIO – EXIGÊNCIA DE PERITO ESPECIALISTA NA DOENÇA [...] A jurisprudência desta TNU é no sentido de que a realização de perícia por médico especialista em sede de juizados especiais federais é exceção e não a regra. Neste sentido: [...] PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NULIDADE DA PROVA PERICIAL. INEXISTÊNCIA. MÉDICO ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. [...] 1. A realização de perícia por médico especialista só é necessária em casos especialíssimos e maior complexidade, como, por exemplo, no caso de doença rara, o que não é o caso dos autos. Precedentes da TNU (PEDILEF 200872510048413, 200872510018627, 200872510031462). [...] (PEDILEF 200972500071996, Juiz Federal Vladimir Santos Vitovsky, TNU, DOU 1/6/2012) PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PERÍCIA MÉDICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. PERÍCIA POR MÉDICO ESPECIALISTA. DESNECESSIDADE. [...] No particular, anoto que esta TNU consolidou entendimento segundo a qual a realização de perícia por médico especialista só é necessária em casos especialíssimos e de maior complexidade; doença rara, por exemplo (PEDILEF 200972500071996, JUIZ FEDERAL VLADIMIR SANTOS VITOVSKY, TNU, DOU 01/06/2012.), o que não é o caso dos autos. [...] (PEDILEF 201151670044278, Juiz Federal José Henrique Guaracy Rebêlo, TNU, DOU 9/10/2015) No mesmo sentido, o Enunciado 112 do FONAJEF predica que “Não se exige médico especialista para a realização de perícias judiciais, salvo casos excepcionais, a critério do juiz”. Na espécie, o quadro patológico discriminado na petição inicial não exige a necessária nomeação de perito especialista, haja vista não se tratar de caso especialíssimo e/ou de maior complexidade. Da idoneidade probatória do laudo pericial No curso da instrução processual, realizou-se pessoalmente uma análise pericial por Jusperito(a) equidistante das Partes, que, na qualidade de auxiliar designado(a) pelo Juízo, elaborou a(s) avaliação(ões) técnica(s) anexada(s). O(A) Jusperito(a) é profissional de nível universitário, com formação médica, qualificação técnica e experiência pericial, devidamente inscrito(a) no órgão de classe competente e credenciado para integrar o quadro de Médicos-Peritos habilitados pela Justiça Federal para o desempenho desse mister. Segundo penso, a(s) peça(s) pericial(is) produzida(s) se legitima(m) como prova técnica idônea, já que elucidou(aram) satisfatoriamente toda a matéria fática relevante submetida à apuração e ofereceu(ram) elementos de informação e de esclarecimento consistentes, coerentes e cientificamente bem embasados. Com efeito, o(a) Perito(a) a serviço do Juízo realizou anamnese dirigida, exame físico e mental, análise documental, discorreu sobre o histórico patológico e clínico e respondeu, de modo criterioso, harmônico e fundamentado, toda a quesitação colocada em perspectiva. Não identifiquei atecnia, lacuna, inconsistência ou contradição lógica que porventura comprometesse a integridade médico-probatória do estudo pericial. Como as apurações periciais se revestem de substancial qualidade técnica e são suficientemente conclusivas, o seu afastamento demandaria robustas razões e provas em sentido contrário, o que não restou verificado. Vale esclarecer que a constatação empírica de afetação(ões) patológica(s) não denota necessária configuração de um estado incapacitante ou de redução da capacidade funcional para o trabalho ou para as atividades habituais. Nesses termos, conquanto inexista adstrição judicial indeclinável às conclusões periciais, na forma do art. 479 do CPC, a meu ver, não há, nos autos, argumentos e provas que justifiquem a superação dos achados técnicos, a adoção de compreensão divergente ou a realização de diligências probatórias adicionais ou de nova perícia. Prescrição Consoante o art. 1º do Decreto 20.910/1932, “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram”. O art. 2º preceitua, por seu turno, que “prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças” e o art. 3º, que “quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações, à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto”. Ao interpretar essas disposições normativas, o STJ editou o Verbete Sumular 85, cujo enunciado é o seguinte: “nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”. O STF consolidou, por sua vez, o Enunciado 443, segundo o qual “a prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta”. Quanto aos efeitos financeiros pretéritos associados às diferenças ora postuladas, a pretensão só poderá ser contemplada naquilo que se refere ao quinquênio que antecedeu a propositura desta demanda judicial. DO MÉRITO Considerações jurídicas Da assistência à pessoa com deficiência (PcD) como direito constitucional O art. 6º da CF/1988 qualificou a assistência aos desamparados entre os direitos fundamentais sociais, nos seguintes termos: Art. 6º São direitos sociais [...] a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [com redação dada pela EC 90/2015] Por sua vez, a proteção assistencial à “pessoa portadora de deficiência” mediante a provisão de um benefício mensal no importe de um salário mínimo encontra fundamento constitucional no art. 203, V, da CF/1988, que preceitua: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Elaborada no âmbito das Nações Unidas e subscrita em Nova York em 30/3/2007, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (e o seu Protocolo Facultativo) foi aprovada pelo Congresso Nacional, nos termos do Decreto-Legislativo 186, de 9/7/2008, o que se deu conforme o procedimento especial delineado no § 3º do art. 5º da CF/1988 (“cláusula de equivalência”). Referido tratado internacional sobre direitos humanos foi, ademais, posteriormente ratificado e promulgado mediante o Decreto 6.949, de 25/8/2009, de modo que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional e integra, portanto, o bloco de constitucionalidade brasileiro. O art. 28 da Convenção predica que cabe ao Estado assegurar o direito a um padrão adequado de vida à pessoa com deficiência, inclusive, com a garantia do acesso a programas de proteção assistencial e previdenciária: Artigo 28 Padrão de vida e proteção social adequados 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: [...] b. Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza; c. Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira, abrigamento; [...] e. Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria. Da regulamentação infraconstitucional do BPC-LOAS-PcD À luz desses parâmetros normativos prescritos no bloco de constitucionalidade brasileiro, a Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), com as alterações posteriores, instituiu o benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência (BPC-LOAS-PcD), nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. [Redação dada pela Lei 12.435/2011, em vigor na data de sua publicação em 7/7/2011] O caput alterado dispunha o seguinte: “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.” No plano infralegal, a regulamentação da matéria foi feita pelo Decreto 6.214, de 26/9/2007, com as modificações posteriores, que dispõe: Art. 1º O Benefício de Prestação Continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, com idade de sessenta e cinco anos ou mais, que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. [...] § 2º O Benefício de Prestação Continuada é constitutivo da PNAS e integrado às demais políticas setoriais, e visa ao enfrentamento da pobreza, à garantia da proteção social, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais, nos moldes definidos no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.742, de 1993. Dos requisitos para a concessão e a manutenção do BPC-LOAS-PcD Conforme os arts. 203, V, da CF/1988, 20 da LOAS e 1º do Decreto 6.214/2007, independentemente de quaisquer contribuições, faz jus à concessão do amparo assistencial a “pessoa com deficiência” que “não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. O § 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019, enuncia ainda que, para a concessão, a manutenção e a revisão do BPC-LOAS, necessário se faz que haja inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. A legislação enuncia, portanto, 3 (três) requisitos cumulativos para a aquisição do direito subjetivo ao BPC-LOAS-PcD: 1) requisito cadastral: regularidade cadastral no CPF e no CadÚnico; 2) requisito biopsicossocial: enquadramento na categoria jurídica de pessoa com deficiência (PcD); e 3) requisito econômico: vulnerabilidade ou hipossuficiência econômica, nos termos dos marcos jurídicos pertinentes. Do requisito cadastral: CPF e CadÚnico Como assinalado, o § 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019, predica que, para a concessão, a manutenção e a revisão do BPC-LOAS, necessário se faz que haja inscrições no CPF e no CadÚnico, conforme previsto em regulamento. Em verdade, a exigência de inscrição no CPF para fins de concessão do BPC-LOAS já encontrava respaldo normativo na redação original do art. 12 do Decreto 6.214/2007, posteriormente revogada pelo Decreto 6.564/2008, e na redação conferida pelos Decretos 7.617/2011 e 8.805/2016. Por sua vez, a exigência de inscrição e de atualização do CadÚnico para fins de concessão, manutenção e revisão do PBC-LOAS foi originalmente introduzida no sistema jurídico pelo Decreto 8.805/2016, que agregou as seguintes disposições ao Anexo do Decreto 6.214/2007: Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. § 1º O beneficiário que não realizar a inscrição ou atualização no CadÚnico terá seu benefício suspenso após encerrado o prazo estabelecido na legislação. [Redação dada pelo Decreto 9.462/2018] § 2º O benefício será concedido ou mantido apenas quando o CadÚnico estiver atualizado e válido, de acordo com o disposto no Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. [Redação dada pelo Decreto 9.462/2018] A TNU fixou a tese da imprescindibilidade da regularidade cadastral no CadÚnico e da impossibilidade da substituição por perícia socioeconômica ou qualquer outra diligência judicial, nos seguintes termos: ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - LOAS. REGULAR INSCRIÇÃO NO CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS DO GOVERNO FEDERAL - CADÚNICO. REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A inscrição regular e atualizada no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CADÚNICO, para fins de concessão do benefício de prestação continuada - LOAS, é exigência prevista no § 12 do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, incluído pela Lei n.º 13.846/2019. 2. Dada a sua importância para todo o sistema de proteção social, a regular inscrição no CADÚNICO, bem como a manutenção dos dados atualizados, não podem ser substituídas pela perícia socioeconômica ou qualquer outra diligência judicial. 3. Tese fixada: "Para a concessão, manutenção e revisão do benefício de prestação continuada da assistência social, é indispensável a regular inscrição e atualização no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CADÚNICO, nos termos do § 12 do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, incluído pela Lei n.º 13.846/2019". 4. Incidente de Uniformização conhecido e provido. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0501636-96.2020.4.05.8105, Rel. Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa, j. 15/2/2022) A regulamentação do CadÚnico encontra atualmente disciplina no Decreto 11.016/2022, que revogou o Decreto 6.135/2007. De todo modo, em ambos os Decretos, há previsão de que as informações constantes do CadÚnico devem ser atualizadas ou revalidadas pela família a cada 2 (dois) anos, contados da data de inclusão ou da última atualização ou revalidação. Preenchidos os demais requisitos legais na data em que se der a regularização no CadÚnico, esta terá implicações importantes sobre a fixação judicial da DIB, que há de ser modulada conforme os seguintes parâmetros: MOMENTO DA REGULARIZAÇÃO DIB Antes da DER/DCB. DER/DCB+1 Depois da DER, mas antes do término do PA. Data da regularização. Depois do PA, mas antes da citação. Data da citação. Depois do PA, mas antes de uma nova DER anterior à citação. Data da nova DER. Depois da citação. Data da regularização. [Reafirmação da DER] Depois da DCB, mas antes da citação. Data da citação. Depois da DCB, mas antes de uma nova DER anterior à citação. Data da nova DER. Do requisito biopsicossocial: pessoa com deficiência (PcD) Embora prescreva que a “pessoa portadora de deficiência” faz jus à concessão do amparo quando “não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, o art. 203, V, da CF/1988 não definiu o significado da expressão “pessoa portadora de deficiência” para esse fim e incumbiu à legislação infraconstitucional de regulamentar a matéria ao prescrever que esse benefício deve ser provido “conforme dispuser a lei”. Ao adotar terminologia tecnicamente mais adequada e rejeitar o tradicional conceito de “incapacidade”, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência definiu “pessoa com deficiência” (PcD) nos seguintes termos: Artigo 1 [...] Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. O § 2º do art. 20 da LOAS define a categoria da PcD para efeito de percepção do BPC-LOAS-PcD com base nos seguintes elementos conceituais: Art. 20 [...] § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. [Redação dada pela Lei 13.146/2015] Nessa perspectiva, para fins de proteção assistencial, o enquadramento na categoria jurídica de pessoa com deficiência (PcD) demanda a existência de “impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”. Vale esclarecer que o simples diagnóstico de doenças não configura, de modo automático e necessário, impedimento. É perfeitamente possível que uma condição patológica evidenciada não induza concretamente implicações impeditivas significativas e não justifique, portanto, a qualificação como pessoa com deficiência (PcD), para efeito de PBC-LOAS. Incluído pela Lei 12.470/2011, o § 10 do art. 20 da LOAS define, por seu turno, que se considera impedimento de longo prazo, para fins de BPC-LOAS-PcD, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Não se exige, pois, que o impedimento seja de caráter permanente. Demais disso, a longa duração do impedimento não deve ser contada apenas de maneira prospectiva, tendo em perspectiva eventual prognose estimativa de recuperação porventura constante em documentos médicos ou feita pelo perito do INSS ou pelo perito judicial. Deve-se, em verdade, levar em consideração, à luz dos elementos informativos e probatórios dos autos, também o tempo pretérito no qual o postulante evidenciou o quadro impeditivo. Essa é a tese interpretativa firmada pela TNU: Súmula 48/TNU e Tema 173/TNU – Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação. A Turma Regional de Uniformização da 5ª Região – TRU5 fixou tese similar, nos seguintes termos: “Para fins de constatação da deficiência, o impedimento de longo prazo deve levar em consideração a data de início da incapacidade até o prazo estimado para a recuperação” (Proc. 0507439-33.2015.4.05.8300). Para que se faça jus à proteção assistencial, não se impõe igualmente a demonstração exata, precisa, cabal e inequívoca de que o impedimento perdurará necessária e irrefragavelmente por, no mínimo, 2 (dois) anos, sobretudo, naqueles casos em que a estimativa do período de impedimento é muito próxima e dista poucos meses de um biênio e a projeção futura do quadro impeditivo se funda em prognose que depende, em ponderável medida, da expectativa de resultado de procedimentos terapêuticos. De fato, embora o biênio legal figure como indicação objetiva da dimensão temporal da afecção obstativa, sua análise empírica há de ser feita de forma ponderada, cum grano salis, de modo que devem ser consideradas as peculiaridades envolvidas no caso concreto. Noutra senda, o enquadramento na categoria de pessoa com deficiência (PcD) demanda também que devam existir certas barreiras ou fatores de cunho pessoal e/ou socioambiental que possam, em interação com os referidos impedimentos de longo prazo, “obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. Em relação às crianças e aos adolescentes menores de 16 (dezesseis) anos de idade, nos termos do art. 4º, § 1º, do Decreto 6.214/2007, com redação dada pelo Decreto 7.617/2011, deve ser examinada a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade, de modo que não se mostra, portanto, apropriada avaliação quanto à sua aptidão pessoal para o exercício de funções laborativas. A esse respeito, a TNU firmou a seguinte compreensão jurisprudencial: Tema 299/TNU – A análise da deficiência em caso de menor 16 (dezesseis) anos de idade, não se restringe à limitação física, intelectual, sensorial ou mental sob o aspecto da capacidade laboral, devendo o exame abranger análise social do núcleo familiar. Por oportuno, ao instituir a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a Lei 12.764/2012 passou a dispor, no art. 1º, § 2º, que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. Isso não denota que, para fins de BPC-LOAS-PcD, não se mostra necessária a instrução probatória através de perícia médica e de avaliação social nesses casos. Em verdade, conquanto o transtorno de espectro autista seja uma condição permanente, pode evidenciar graus de deficiência e implicações muito variadas, de forma que impende que se apure concretamente o nível dos impedimentos e as condições pessoais e socioambientais associadas, para além dos demais requisitos legais. Do requisito econômico: vulnerabilidade ou hipossuficiência econômica Grupo familiar de referência Por conta do caráter subsidiário do PBC-LOAS, o caput do art. 20 da LOAS enuncia que o benefício assistencial é devido apenas aos que comprovem vivenciar uma situação de vulnerabilidade econômica decorrente da inexistência de “meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”. Por sua vez, o § 1º do art. 20 da LOAS, com redação dada pela Lei 12.435/2011, define que “Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”. Quanto à composição do grupo familiar para fins de aferição do critério objetivo da renda per capta, a TNU firmou a tese jurisprudencial de que o art. 20, § 1º, da LOAS deve ser interpretado restritivamente, nos seguintes termos: Tema 73/TNU – O grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original. Limites da renda familiar per capita Mesmo depois de sucessivas reformas legais, o art. 20, § 3º, da LOAS considerava como incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência a família cuja renda mensal per capita fosse “inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”. Em 2013, no julgamento conjunto do RE 567.985/MT-RG e da Rcl 4.374/PE (reafirmados em diversas decisões posteriores), o Supremo Tribunal Federal – STF declarou a inconstitucionalidade material parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da LOAS. Encampou, para tanto, a tese jurídica de que o referido critério legal de renda familiar mensal per capita de ¼ (um quarto) do salário mínimo se encontra demasiadamente defasado, de maneira que teria experimentado um processo de gradativa inconstitucionalização. Sob essa perspectiva, a referida disposição normativa não excluiria a possibilidade de aferição circunstanciada, mediante prova idônea, da hipossuficiência econômica dos postulantes de benefício assistencial à luz de outros elementos métricos da vulnerabilidade, mesmo que a renda per capita fosse eventualmente superior ao aludido patamar legal.[6] Na esteira desses precedentes, o STF consolidou, em 2015, a seguinte tese: Tema 27/STF – É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição. Nessa mesma linha de entendimento jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou a seguinte tese: Tema 185/STJ – A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. A Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no art. 20 da LOAS, que preceitua que “Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. Com o advento da Lei 13.981, de 23/3/2020, em vigor em 24/3/2020 (DOU), o § 3º do art. 20 da LOAS passou a dispor que se considerava incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita fosse inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. Essa redação foi logo alterada pela Lei 13.982, de 2/4/2020, que passou a tratar da matéria com base nos seguintes padrões: Art. 20 [...] § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja: I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; [...] Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo. § 1º A ampliação de que trata o caput ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento, de acordo com os seguintes fatores, combinados entre si ou isoladamente: I - o grau da deficiência; II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; III - as circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos e familiares que podem reduzir a funcionalidade e a plena participação social da pessoa com deficiência candidata ou do idoso; IV - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 exclusivamente com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (Suas), desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 2º O grau da deficiência e o nível de perda de autonomia, representado pela dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, de que tratam, respectivamente, os incisos I e II do § 1º deste artigo, serão aferidos, para a pessoa com deficiência, por meio de índices e instrumentos de avaliação funcional a serem desenvolvidos e adaptados para a realidade brasileira, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. § 3º As circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos de que trata o inciso III do § 1º deste artigo levarão em consideração, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, entre outros aspectos: I - o grau de instrução e o nível educacional e cultural do candidato ao benefício; II - a acessibilidade e a adequação do local de residência à limitação funcional, as condições de moradia e habitabilidade, o saneamento básico e o entorno familiar e domiciliar; III - a existência e a disponibilidade de transporte público e de serviços públicos de saúde e de assistência social no local de residência do candidato ao benefício; IV - a dependência do candidato ao benefício em relação ao uso de tecnologias assistivas; e V - o número de pessoas que convivem com o candidato ao benefício e a coabitação com outro idoso ou pessoa com deficiência dependente de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, de que trata o inciso IV do § 1º deste artigo, será definido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, conforme critérios definidos em regulamento, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, nos termos do referido regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. A MP 1.023, de 31/12/2020, retomou o critério legal de renda familiar mensal per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Mais recentemente, a matéria passou a ser tratada pela Lei 14.176/2021 (resultante da conversão, com alterações, da MP 1.023/2020), que introduziu na LOAS novos parâmetros de elegibilidade, para além do critério legal de renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, nos seguintes moldes: Art. 20 [...] § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. [...] § 11-A O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. Art. 20-B Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. O art. 6º da Lei 14.176/2021 também fixou as seguintes predicações: Art. 6º Esta Lei entra em vigor: I – em 1º de janeiro de 2022, quanto ao art. 1º, parte que acrescenta o § 11-A no art. 20 e o art. 20-B na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; [...] Parágrafo único. A ampliação do limite de renda mensal de 1/4 (um quarto) para até 1/2 (meio) salário-mínimo mensal, de que trata o § 11-A do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mediante a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do grupo familiar, na forma do art. 20-B da referida Lei, fica condicionada a decreto regulamentador do Poder Executivo, em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento aos requisitos fiscais. À luz do deliberado pelo STF no 567.985/MT-RG, passou-se a adotar uma presunção jurisprudencial de hipossuficiência econômica quando a renda familiar mensal per capita fosse inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. Por conta dessas alterações normativas promovidas pela Lei 14.176/2021, a contar de 1º/1/2022, essa presunção se dá apenas quando a renda familiar mensal per capita for igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Quando a renda familiar mensal exceder esse patamar, mas for igual ou inferior a 1/2 (um meio) do salário-mínimo, as circunstâncias relativas ao grau da deficiência, à dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária ou aos gastos extraordinários devem ser concretamente comprovadas mediante prova idônea, nos termos do art. 20-B da LOAS. Exclusões da renda familiar per capita Para fins de aferição da renda familiar per capita, devem, em princípio, ser desconsideradas pessoas que não se enquadrem no rol do art. 20, § 1º, da LOAS, mesmo que residam sob o mesmo teto, bem como devem ser excluídas as rendas que lhes forem associadas. A legislação predica, outrossim, que alguns rendimentos são excluídos do cômputo da renda familiar per capita, nos seguintes termos: Lei 8.742/1993 Art. 20 [...] § 9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei 13.146/2015) Decreto 6.214/2007 (com alterações decorrentes dos Decretos 7.617/2011, 8.805/2016) Art. 4º [...] VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore , outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19. [...] § 2º Para fins do disposto no inciso VI do caput , não serão computados como renda mensal bruta familiar: I – benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária; II – valores oriundos de programas sociais de transferência de renda; III – bolsas de estágio supervisionado; IV – pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme disposto no art. 5º; V – rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e VI – rendimentos decorrentes de contrato de aprendizagem. Em 2013, no julgamento do RE 580.963/PR-RG, o STF declarou a inconstitucionalidade material parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, § único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Nesse sentido, adotou a compreensão de que devem ser excluídos do cômputo da renda per capita não só o benefício assistencial já concedido a membro idoso da família, previsto no art. 34, § único, da Lei 10.741/2003, como também os benefícios assistenciais recebidos por pessoas com deficiência, mesmo que não sejam idosos, e os benefícios previdenciários no valor de até 1 (um) salário mínimo, percebido por idosos. Reconheceu, para tanto, que inexistiria justificativa plausível para a discriminação das pessoas com deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até 1 (um) salário mínimo. [7] Sobre o assunto, o STF ainda consolidou o seguinte enunciado: Tema 312/STF – É inconstitucional, por omissão parcial, o parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Nessa mesma perspectiva, o STJ firmou a seguinte tese jurisprudencial: Tema 640/STJ – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. Nessa esteira, a Lei 13.982/2020 introduziu o § 14 no art. 20 da LOAS, que dispõe: Art. 20 [...] § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. A Portaria Conjunta MC/MTP/INSS 14, de 7/10/2021, fixou que certas despesas com tratamento da saúde de natureza contínua e não disponibilizado pelo SUS podem ser deduzidas da renda mensal bruta familiar, conforme a seguinte tabela:[8] CATEGORIA DE GASTO DEDUTÍVEL (SUS) VALOR DEDUTÍVEL POR CATEGORIA (EM R$) Medicamentos 40 Consultas e tratamentos médicos 81 Fraldas 89 Alimentação especial 109 Subsidiariedade O atendimento do critério objetivo da renda familiar per capita não gera, de todo modo, uma presunção absoluta de vulnerabilidade econômica e pode, portanto, ser afastado por outros meios idôneos de prova, conforme entendimento jurisprudencial consolidado pela TNU, nos seguintes termos: Tema 122/TNU – O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova. A TNU tem, ademais, reconhecido que, a despeito da satisfação do critério objetivo de renda familiar per capita, não é devido o BPC-LOAS se restar demonstrado que o interessado evidencia outros meios de provisão de sua subsistência, à luz do princípio da subsidiariedade da atuação assistencial estatal, consoante ilustram as seguintes ementas: [...] LOAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE DA AÇÃO ESTATAL. Existência de ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, em condições de prover o sustento. precedentes da TNU. Incidente conhecido e improvido. (TNU, PEDILEF 0000061-14.2020.4.90.0000, Rel. Juiz Federal Luís Eduardo Bianchi Cerqueira, j. 1/6/2020). ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO – LOAS. A ANÁLISE DO REQUISITO SOCIOECONÔMICO NÃO SE LIMITA AO CÁLCULO DA RENDA PER CAPTA. SUBSIDIARIDADE DA ATUAÇÃO ESTATAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. [...] 3. O benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção, em atenção ao princípio da subsidiariedade da atuação estatal (TNU, PEDILEF 0517397-48.2012.4.05.8300, Relator Juiz Federal Fábio Cesar dos Santos Oliveira, j. 23.02.2017). [...] 5. Incidente de Uniformização conhecido e provido. (TNU, PEDILEF 1003267-61.2020.4.01.3600, Rel. Juiz Federal Gustavo Melo Barbosa, j. 23/6/2022). Dos parâmetros probatórios O reconhecimento da existência de direito subjetivo à concessão do benefício assistencial de prestação continuada em prol de pessoa com deficiência demanda não só uma avaliação acerca do seu estado de saúde, como também um exame de cunho socioeconômico. Deve-se, portanto, cotejar as conclusões médicas com as condições pessoais e/ou socioambientais que envolvem a vida do postulante (faixa etária, condição familiar, nível de instrução, profissão, lugar em que reside, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho local, exclusão social, estigmatização etc). Só assim se pode aferir se há efetivamente barreiras existenciais que porventura possam “obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” e inserir a pessoa numa situação de vulnerabilidade ou precarização econômica que justifique juridicamente a concessão da proteção assistencial almejada. É sob essa nova ótica que deve ser interpretado o conceito de “incapacidade”, definido pelo art. 4º, III, do Decreto 6.214/2007 como “fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social”. A respeito dessa matéria, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNUJEF (TNU) editou alguns Enunciados Sumulares, que versam, inclusive, sob aspectos de ordem probatória, nos seguintes termos: Súmula 22/TNU – Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial. Súmula 29/TNU – Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento. Súmula 77/TNU – O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual. Súmula 78/TNU – Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. Súmula 79/TNU – Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal. Súmula 80/TNU – Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente. Cabe ressaltar que os Verbetes Sumulares 79 e 80 da TNU não implicam a inarredável ou absoluta necessidade de realização de perícia social, feita por assistente social, em todos os processos judiciais referentes a pedidos de benefício assistencial. Com efeito, apesar de essa prova se afirmar como recomendável na grande generalidade dos casos concretos, o Juiz pode reconhecer a existência ou não do direito postulado com base na valoração das demais evidências empíricas concretamente sublimadas nos autos, na forma do princípio do convencimento judicial motivado previsto nos arts. 369 e 371 do CPC. Destaco que os arts. 5º e 6º da Lei 9.099/1995 predicam, respectivamente, que “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica” e que “O juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”. Por sinal, o art. 15, § 5º, do Decreto 6.214/2007, incluído pelo Decreto 8.805, de 7/7/2016 (DOU de 8/7/2016), estabelece, no que tange a requerimentos administrativos protocolizados a partir do início da vigência dessa nova redação, em 7/11/2016, uma presunção de que o requisito econômico restou reconhecido administrativamente pelo INSS quando indefere o benefício sob o fundamento da ausência de deficiência ao dispor que, “Na hipótese de ser verificado que a renda familiar mensal per capita não atende aos requisitos de concessão do benefício, o pedido deverá ser indeferido pelo INSS, sendo desnecessária a avaliação da deficiência”. Instada a se pronunciar a respeito da necessidade ou não da realização de nova avaliação social em juízo, para os fins dos §§ 3º e 6º do art. 20 da LOAS, nas hipóteses em que a referida avaliação foi favorável ao requerente na esfera administrativa, a TNU firmou a seguinte tese jurisprudencial: Tema 187/TNU – (i) Para os requerimentos administrativos formulados a partir de 07 de novembro de 2016 (Decreto n. 8.805/16), em que o indeferimento do Benefício da Prestação Continuada pelo INSS ocorrer em virtude do não reconhecimento da deficiência, é desnecessária a produção em juízo da prova da miserabilidade, salvo nos casos de impugnação específica e fundamentada da autarquia previdenciária ou decurso de prazo superior a 2 (dois) anos do indeferimento administrativo; e (ii) Para os requerimentos administrativos anteriores a 07 de novembro de 2016 (Decreto n. 8.805/16), em que o indeferimento pelo INSS do Benefício da Prestação Continuada ocorrer em virtude de não constatação da deficiência, é dispensável a realização em juízo da prova da miserabilidade quando tiver ocorrido o seu reconhecimento na via administrativa, desde que inexista impugnação específica e fundamentada da autarquia previdenciária e não tenha decorrido prazo superior a 2 (dois) anos do indeferimento administrativo. Da jurisprudência Além dos enunciados jurisprudenciais já transcritos, vale destacar, pela pertinência com a matéria, os seguintes: Tema 217/TNU [Fungibilidade] – Em relação ao benefício assistencial e aos benefícios por incapacidade, é possível conhecer de um deles em juízo, ainda que não seja o especificamente requerido na via administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais, observando-se o contraditório e o disposto no artigo 9º e 10 do CPC. Tema 253/TNU – É inacumulável o benefício de prestação continuada - BPC/LOAS com o auxílio-acidente, na forma do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/1993, sendo facultado ao beneficiário, quando preenchidos os requisitos legais de ambos os benefícios, a opção pelo mais vantajoso. Tema 284/TNU – Os dependentes que recebem ou que têm direito à cota de pensão por morte podem renunciar a esse direito para o fim de receber benefício assistencial de prestação continuada, uma vez preenchidos os requisitos da Lei 8.742/1993. Tema 692/STJ – A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago. Tema 799/STF – A questão acerca da devolução de valores recebidos em virtude de concessão de antecipação de tutela posteriormente revogada tem natureza infraconstitucional e a ela atribuem-se os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE 584.608, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/3/2009. Caso concreto Elementos da causa Trata-se de demanda proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, referente a BPC-LOAS-PcD, em que o(a) Autor(a) requer: PRETENSÃO DER/DCB CONCESSÃO 31/03/2020 RESTABELECIMENTO Requisito biopsicossocial: pessoa com deficiência (PcD) Perícia médica No decorrer da instrução processual, realizou-se uma perícia médica, por profissional habilitado e equidistante das Partes, que, na qualidade de auxiliar do Juízo, elaborou peça(s) técnica(s), da(s) qual(is) se pode inferir, quanto ao requisito atinente ao impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que obstrui efetivamente a sua capacidade plena e efetiva de participação na sociedade em igualdade de condições (ILP), o seguinte: IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO NÃO SIM DII x Vale destacar o(s) seguinte(s) trecho(s) da(s) manifestação(ões) pericial(is): LAUDO MÉDICO PERICIAL "[...] 4. CONCLUSÃO PERICIAL: Periciando apresenta retardo mental moderado (Cid 10: F71.1) e transtornos hipercinéticos (Cid 10: F90). Não foi evidenciado alterações em exame psiquiátrico do autor, nem evidência de prejuízo funcional para realização de suas atividades habituais. Participa em atividades sociais com os demais colegas, informa que conversa com colegas em sala de aula, brinca de esconde esconde, não gosta de estudar, não realiza atividades escolares, tem boa socialização, comunica-se com boa linguagem verbal e não verbal. Não está em acompanhamento multidisciplinar. Apenas faz uso de risperidona. Conclui-se, portanto, com esta perícia médica, que periciado não apresenta impedimento que lhe coloque em condições de desigualdade com as demais pessoas da sociedade. Quesitos – Perícia Médica – 21ª Vara - Amparo Social (LOAS) QUESITOS DO(A) JUIZ(A) 1. Qual a documentação de identificação apresentada pelo(a) periciando(a) para realização da perícia? Cédula de identidade. 2 O (A) senhor (a) perito (a) judicial já atendeu/receitou/forneceu atestado para o periciando(a) ou tem com ele(a) alguma relação de proximidade? Não. 3. Qual(is) a(s) atividade(s) que o periciando(a) afirmou exercer? Estudante. 4. O(a) periciando(a) é, ou já foi, portador(a) de doença, deficiência ou sequela? (informar a CID ou descrevê-la). Qual a data do início da doença, deficiência ou sequela (data precisa ou pelo menos aproximada)? Atenção nos quesitos 4 e 6: não confundir a data de início da própria doença/deficiência com a data de início da incapacidade que a mesma pode acarretar ao portador(a). - Sim. Retardo mental moderado (Cid 10: F71.1) e transtornos hipercinéticos (Cid 10: F90). - Data do início da doença: desde os 4 anos, segundo anamnese. 5. Em caso afirmativo, essa doença, deficiência ou sequela atualmente o(a) incapacita para a atividade laborativa que ele(a) afirmou exercer? E já o(a) incapacitou anteriormente? (informar em que se baseou para chegar a essa conclusão). Não. Periciado não preenche critérios Médico-Periciais que o classifiquem como portador de incapacidade atual ou anteriormente. Perícia médica baseada em anamnese, documentação médica comprobatória anexada aos autos, exame físico e propedêutica médica. 6. Caso a doença, deficiência ou sequela acarrete a incapacidade laborativa, qual a data do início da incapacidade? (data precisa ou pelo menos aproximada). Não se aplica. O periciado não apresenta incapacidade para suas atividades habituais compatíveis com a idade. 7) Caso o(a) periciando(a) esteja incapacitado(a), tal incapacidade é temporária (ou indefinida), ou seja, há, em tese, a possibilidade de cessação de tal incapacidade para que ele volte a exercer atividade laborativa; ou definitiva, quer dizer, de acordo com a evolução atual dos conhecimentos médicos, não há possibilidade de cessação de tal incapacidade? Não se aplica. Periciado não apresenta incapacidade. 7.1. Em caso de incapacidade temporária, é possível fixar, ainda que por estimativa, uma previsão de data para a recuperação da capacidade laborativa? Não se aplica. 8. Considerando apenas a situação médica do(a) periciando(a), sua incapacidade pode ser considerada total, ou seja, para toda e qualquer atividade; ou parcial, quer dizer, apenas para algumas atividades laborativas? (neste último caso especificar quais). Não se aplica. 9. Caso o periciando(a) esteja incapacidado(a), a doença por si só já o(a) tornava incapaz para o trabalho ou tal incapacidade somente aconteceu após a progressão ou agravamento da enfermidade? Se a incapacidade resultou da progressão ou do agravamento, é possível definir a data de tal progressão/agravamento? (data precisa ou pelo menos aproximada). Não se aplica. Periciado não apresenta incapacidade para suas atividades habituais. 10. Com relação às atividades da vida diária (assear-se, alimentar-se, locomover-se), o(a) autor(a) apresenta alterações em virtude das quais necessite de acompanhamento permanente de outra pessoa? Não. 11) A enfermidade que acomete a parte autora gera impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas? Não. A enfermidade não gera impedimentos. 12) Tal impedimento, se existente, é considerado, ou não, de longo prazo, isto é, produz efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos? Não. A enfermidade não gera impedimentos. 13. Caso o(a) periciando(a) seja criança ou adolescente, até dezesseis anos de idade, há limitação de desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade (estudar, brincar, interagir, passear,etc)? Não. Periciando não apresenta limitação de desempenho de atividade ou restrição da participação social, compatível com a idade.[...]". Quanto às conclusões periciais: APRECIAÇÃO DO LAUDO X RATIFICAÇÃO – Embora não esteja indeclinavelmente adstrito ao laudo (art. 479 do CPC), segundo penso, a(s) peça(s) pericial(is) produzida(s) na espécie se legitima(m) como prova técnica idônea, já que elucidou(aram) satisfatoriamente a matéria fática relevante submetida a exame e ofereceu(ram) respostas consistentes, coerentes e bem embasadas aos quesitos formulados. Conquanto um mesmo quadro patológico possa ser objeto de diferentes posicionamentos médicos, com distintos ângulos de abordagem clínica, a meu ver, não há, nos autos, argumentos, impugnações e contraprovas materiais que comprometam a integridade técnica dos achados periciais e legitimem o seu afastamento, total ou parcial, conforme, inclusive, explicitado no tópico referente à idoneidade probatória do laudo pericial. SUPERAÇÃO – Apesar das conclusões periciais, penso, à luz do princípio do convencimento judicial motivado (art. 371 do CPC), que é possível deduzir dos autos compreensão diversa. Relatórios (escolar/psicopedagógico, fonoaudiológico, psicológico, terapêutico-ocupacional etc) RELATÓRIO(S) Não houve a apresentação de relatório(s). O(s) relatório(s) apresentado(s) não evidencia(m) nenhuma limitação cognitiva, comportamental, socioafetiva e/ou psicomotora significativa. x Conquanto descreva(m) certas limitações ou dificuldades, o(s) relatório(s) denota(m) que se trata de uma criança/adolescente com desenvolvimento global satisfatório. O(s) relatório(s) evidencia(m) limitações cognitivas, comportamentais, socioafetivas e/ou psicomotoras significativas. Conquanto o relatório escolar tenha atestado dificuldades cognitivas e de relacionamentos, foi realizado perícia social (id. 67006275) que trouxe a seguinte informação: " Conforme relatado, Camilo Lucivaldo consegue manter relações sociais, aproximações com afeto nos relacionamentos, conseguindo interagir com outras crianças. Salientando que a criança vem apresentando sono tranquilo com uso de medicação e alimentação equilibrada. No que se refere ao colégio, permanece na sala de aula e não tem Auxiliar Pedagógico". PcD PCD Agregadas às apurações da avaliação social, conforme será adiante explorado, essas evidências revelam impedimento(s) e barreira(s) que justificam a qualificação do(a) Autor(a) como PcD, para efeito de BPC-LOAS. Essas evidências revelam impedimento(s) e barreira(s) que justificam a qualificação do(a) Autor(a) como PcD, para efeito de BPC-LOAS. X Não se justifica a qualificação do(a) Autor(a) como PcD, para efeito de BPC-LOAS. Direito subjetivo Existência ou não Pelas análises empreendidas, conclui-se que: DIREITO SUBJETIVO Há direito subjetivo à concessão/restabelecimento do BPC-LOAS-PcD, em razão do preenchimento de todos os requisitos legais. X Não há direito subjetivo à concessão/restabelecimento do BPC-LOAS-PcD, pela não satisfação do(s) seguinte(s) requisito(s): REQUISITO CADASTRAL X REQUISITO BIOPSICOSSOCIAL REQUISITO ECONÔMICO Resolução O caso é, portanto, de resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, pela: RESOLUÇÃO MERITÓRIA PROCEDÊNCIA PROCEDÊNCIA PARCIAL IMPROCEDÊNCIA X DA TUTELA DE URGÊNCIA O art. 300 do CPC define os requisitos necessários à concessão de tutela de urgência, conforme as seguintes disposições normativas: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Necessário se faz, portanto, que sejam evidenciados 2 (dois) requisitos cumulativos: 1) probabilidade do direito alegado (fumus boni juris); e 2) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). No caso, não restou evidenciada a probabilidade do direito postulado, conforme aduzido no tópico precedente. Não se justifica, portanto, a concessão da tutela de urgência. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo improcedente o pedido e denego a tutela de urgência. Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei 10.259/2001). P. R. I. Sem reexame necessário. Se interposto recurso inominado, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, na sequência, encaminhem-se os autos virtuais para a Turma Recursal, independentemente de juízo prévio de admissibilidade. No momento oportuno, arquive-se. Expedientes necessários. Fortaleza/CE, data supra. Juiz Federal [Assinatura Eletrônica] * * * [1] FONAJEF – Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais. [2] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de diritto processuale civile. Padova: Milano, 1936, vol. I, p. 394 e 444. [3] Art. 41-A [...] § 5º O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão. [4] Art. 174. O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária à sua concessão. Caput com redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 30.12.2008, DOU de 31.12.2008, Edição Extra, em vigor na data de sua publicação. O caput alterado dispunha o seguinte: “Art. 174. O primeiro pagamento da renda mensal do benefício será efetuado em até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária à sua concessão.” Parágrafo único. O prazo fixado no caput fica prejudicado nos casos de justificação administrativa ou outras providências a cargo do segurado, que demandem a sua dilatação, iniciando-se essa contagem a partir da data da conclusão das mesmas. [5] Nesse sentido, cf. Recurso Inominado nº 0177707-65.2016.4.02.5152/01, 7ª Turma Recursal do Rio de Janeiro/JEF da 2ª Região, Rel. Caroline Medeiros e Silva. j. 19.04.2017; Recurso Inominado nº 0071767-03.2014.4.03.6301, 4ª Turma Recursal de São Paulo/JEF da 3ª Região, Rel. Flavia Pellegrino Soares Millani. j. 23.06.2017, e-DJF3 07.07.2017; Recurso Inominado nº 0002417-03.2016.4.03.6318, 5ª Turma Recursal de São Paulo/JEF da 3ª Região, Rel. Kyu Soon Lee. j. 27.10.2017, e-DJF3 14.11.2017; Recurso Inominado nº 0005028-94.2014.4.03.6318, 11ª Turma Recursal de São Paulo/JEF da 3ª Região, Rel. Maira Felipe Lourenço. j. 20.10.2017, e-DJF3 06.11.2017; Recurso Inominado nº 0003253-44.2014.4.03.6318, 11ª Turma Recursal de São Paulo/JEF da 3ª Região, Rel. Maira Felipe Lourenço. j. 20.10.2017, e-DJF3 06.11.2017 etc. [6] Pela relevância, vale transcrever o inteiro teor da ementa do julgamento proferido pelo STF no RE 567.985/MT: “EMENTA: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567.985/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Ac. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18/4/2013, maioria, DJe 3/10/2013). [7] A ementa do julgado proferido pelo STF no RE 580.963/PR restou deduzida nos seguintes termos: “Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 580.963/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18/4/2013, maioria, DJe 14/11/2013). [gn] [8] Art. 1º A Portaria Conjunta MDS/INSS nº 3, de 21 de setembro de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 8º [...] III – [...] f) serão deduzidos da renda mensal bruta familiar exclusivamente os gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (SUAS), desde que de natureza contínua e comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. [...] § 4º Os descontos, a que se referem a alínea f do inciso III do caput, ficarão condicionados à apresentação, no ato do requerimento, de: I - documentação médica que afirme a natureza contínua do tratamento e a comprovação de sua não disponibilização gratuita ou de sua negativa de disponibilização, no caso de desconto referente a tratamento não disponibilizado pelo SUS; ou II - documentação que demonstre a necessidade do requerente de utilização do Serviço de Proteção Especial para idosos, Pessoas com Deficiência e suas famílias (Centro-Dia) e de sua não disponibilização, no caso de desconto referente a serviço não prestado pelo SUAS. § 5º O desconto de que trata o § 4º será realizada para cada categoria uma única vez no valor médio do respectivo gasto previsto no Anexo III. [...]