AUTOR | : RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA |
ADVOGADO(A) | : CRISTIANE DELFINO RODRIGUES LINS (OAB TO002119) |
RÉU | : MASSA FALIDA DE FOCO AGRONEGOCIOS S/A |
ADVOGADO(A) | : LUCAS PEREIRA CARREIRO (OAB TO005244) |
ADVOGADO(A) | : THAYNARA FERREIRA DE MELO (OAB TO010048) |
ADVOGADO(A) | : DOBSON DEYNER VICENTINI LEMES (OAB GO028944) |
RÉU | : ADAMA BRASIL S/A |
ADVOGADO(A) | : FERNANDO HACKMANN RODRIGUES (OAB RS018660) |
SENTENÇA
RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA ajuizou a presente AÇÃO DECLARATORIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA E DANOS MORAIS em desfavor de FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA e ADAMA BRASIL S.A.
Narrou o autor que em 29/08/2018 realizou dois pedidos junto à FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA., os quais receberam os números 14242 e 14243, perfazendo os pedidos o valor total de R$ 166.726,00.
Relatou que, além desses pedidos realizou duas compras de produtos no valor total de R$ 2.400,00.
Asseverou que os produtos deveriam ser entregues pela FOCO AGRONÉCIOS LTDA na Fazenda Tucum Azul, localizada no município de Campos Lindos, tendo sido acordado que o pagamento da somatória dos produtos seria realizada em 30/05/2019, mediante depósito em moeda corrente nacional na conta bancária de titularidade desse pessoa jurídica.
Aduziu que, apesar de ter assinado uma confissão de dívida no valor de R$ 166.726,00, o valor total das compras feitas pelo autor remontam ao total de R$ 169.126,00.
Afirmou que a primeira remessa de entrega dos produtos ocorreu em 17/09/2018 e a última em 01/02/2019.
Asseverou que, apesar do somatório dos produtos ser o montante de R$ 169.126,00, a requerida lhe teria entregado apenas parte da aquisição, no total de R$ 131.326,00, de modo que restariam R$ 37.800,00 em produtos que não teriam sido entregues pela ré, concernentes a 108 litros do inseticida privilege ihara.
Afirmou que realizou os seguintes pagamentos à requerida FOCO AGRONÉCIOS LTDA:
"No dia 29/05/2019 o autor efetuou o depósito da importância de R$ 68.626,00 (sessenta e oito mil, seiscentos e vinte e seis reais) na conta bancária da Fidussia (CNPJ nº 18.392.964/0001-98), no Banco Itaú, agência 3083, conta corrente nº 99.111-1, conforme orientação da primeira requerida, Foco Agronegócios;
No dia 29/05/2019 o autor efetuou o pagamento do boleto bancário tendo como cedente a empresa Foco Agronegócios S/A no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais);
Efetuou a entrega de 2.335 sacas de milho no valor de R$ 63.940,17 (sessenta e três mil, novecentos e quarenta reais e dezessete centavos), através das notas fiscais de entrega nº 000461, 000464 e 000466".
Aduziu que, mesmo tendo efetuado a quitação de todos os produtos que lhe foram entregues pela requerida, foi surpreendido com a inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes pela empresa ADAMA BRASIL S/A, no valor de R$ 159.226,00, o qual corresponde à totalidade do valor dos produtos lançados no pedido nº 14242 realizado junto à empresa FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA, cujo total de produtos não teria sido entregue em sua fazenda.
Requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que as requeridas sejam compelidas à promoverem a imediata retirada do seu nome dos órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA), bem como se abstenha de protestar seu nome junto aos Cartórios de Protestos, Títulos e Documentos, e ainda se abstenha de promover qualquer ação de cobrança ou execução, até a decisão final da presente Ação Declaratória de Inexistência de Débitos.
No mérito, postulou a declaração de inexistência de débito, repetição do indébito em dobro e condenação das requeridas a pagarem indenização por danos morais.
A inicial foi deferida no evento 9.
No mesmo evento, a tutela provisória de urgência foi indeferida.
A tutela de urgência foi concedida pelo Tribunal de Justiça no agravo de instrumento nº 0033994-31.2019.8.27.0000, nos seguintes termos:
a Egrégia 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins decidiu, por unanimidade, dar provimento ao Agravo de Instrumento, confirmando a decisão monocrática constante do Evento 2, determinando que os agravados providenciem a imediata retirada do nome do agravante dos órgãos de proteção ao crédito, bem como se abstenham de protestá-lo ou de promover qualquer ação de cobrança ou execução, até o julgamento definitivo do mérito da ação de origem, nos termos do voto do(a) Relator(a).
A requerida ADAMA BRASIL S/A foi citada no evento 22 e contestou no evento 40.
A requerida FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA foi citada nos eventos 38/127 e contestou nos eventos 119/128.
Tentativa infrutífera de conciliação no evento 125.
Réplica nos eventos 133, 134 e 135.
As partes RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA e ADAMA BRASIL S.A. se manifestaram quanto à produção adicional de provas nos eventos 141 e 148. FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA. deixou decorrer em branco o prazo concedido (evento 149).
Retificação do valor da causa no evento 153.
A parte autora recolheu as custas complementares (eventos 167, 180 e 188).
Decisão saneadora proferida no evento 182 e ratificada no evento 205, em sede de embargos de declaração.
No evento 225, o julgamento foi suspenso em razão de ter-se reconhecido a continência com a matéria versada nos embargos à execução nº 0025222-41.2021.8.27.2706.
Os embargos à execução foram regularmente processados e estão conclusos para o julgamento, razão pela qual a suspensão deste processo foi levantada no evento 238.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relato necessário.
Fundamento e decido.
1. QUESTÕES PROCESSUAIS PENDENTES
As questões processuais suscitadas pelas partes já foram analisadas e decididas nos eventos 153 e 182.
2. MÉRITO
Presentes as condições da ação e os pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, passo à análise do mérito.
A principal pretensão externalizada pelo autor RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA é a declaração de inexigibilidade do crédito que lhe está sendo cobrado por ADAMA BRASIL S/A.
Para contextualizar, tendo em vista o grau de complexidade da matéria, tem-se que RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA é produtor rural e adquiriu insumos agrícolas de FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA., materializados nos pedidos de nº 14.242 e 14.243 (evento 1, anexo 4).
O negócio jurídico referente ao pedido nº 14.242 ensejou o saque da duplicata nº 52 que foi devidamente aceita pelo ora autor, no valor de R$ 159.226,00. Além de aceitar a duplicata, assinou o comprovante de recebimento das mercadorias (evento 40, anexo 4).
O autor refere que, dentro desse pedido, constava um produto que nunca chegou a ser entregue, chamado Privilege Inseticida Hiara, no valor de R$ 37.800,00.
O negócio jurídico referente ao pedido nº 14.243 ensejou o saque das duplicatas nº 93 e 284, no valor total de R$ 7.500,00, conforme relatório e notas no evento 1, anexo 6.
Mesmo faltando esse produto (Privilege Inseticida Hiara), o autor quitou o débito integral junto à FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA., juntando, para tanto, os recibos que estão acoplados no evento 20 (anexo 2, p. 6-7 / anexo 3, p. 2), os quais fazem referência ao valor integral do pedido 14.242, referente à duplicata nº 52.
Ocorre que, pelo que se depreende dos autos, a FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA., antes mesmo do recebimento desses pagamentos, já havia endossado a duplicata de nº 52 para a ADAMA BRASIL S/A (evento 40, anexo 4), a qual, por sua vez, revestida dos direitos creditícios e munido da duplicata devidamente aceita pelo sacado, negativou o nome de RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA e ajuizou a execução de título extrajudicial nº 0025163-53.2021.8.27.2706.
Na sua contestação, a FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA aduziu que:
a) Endossou a duplicata para a ADAMA BRASIL S/A;
b) Não entregou o produto faturado no valor de R$ 37.800,00.
Ademais, pelos recibos acoplados no evento 20, restou demonstrado que a FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA recebeu de RICARDO ENDRIGO SGARBOSSAo pagamento pelo crédito que já havia sido endossado.
Logo, o autor sustenta que nada mais deve às requeridas, uma vez que já realizou o pagamento por aquilo que efetivamente adquiriu e recebeu.
A FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA também se diz parte ilegítima e nada deve porque endossou a duplicata e a responsável pela negativação foi exclusivamente a ADAMA BRASIL S/A.
A ADAMA BRASIL S/A por sua vez, invoca a autonomia e a literalidade do título em relação à qual é endossatária para justificar a legitimidade da cobrança que está sendo feita a RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA.
Após cotejar todos os elementos de prova que foram apresentados, tenho que assiste razão à ADAMA BRASIL S/A.
A partir da análise da duplica no evento 40, anexo 4, podem-se realizar as seguintes inferências:
a) A duplicata nº 52, no valor correspondente ao pedido nº 14.242 e à nota fiscal nº 52 (R$ 159.226,00), foi sacada por FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. em 17/9/2018;
b) O devedor RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA aceitou a duplicata em 26/10/2018, aperfeiçoando-se a relação cambial neste momento;
c) O título de crédito foi endossado com aval para a ADAMA BRASIL S.A.em 29/10/2018, portanto, três dias depois. O endosso foi acompanhado de comprovante de recebimento das mercadorias (evento 40, anexo 4);
d) O devedor/sacado foi cientificado do endosso em 25/10/2018 (evento 40, anexo 4, p. 5);
e) A quitação dos débitos foi feito perante a FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. depois da ciência do devedor acerca do endesso, isto é, em dezembro/2018, março/2019 e junho/2019 (evento 20, anexo 2, p. 6-7; anexo 3, p. 2).
No ponto, vale ressaltar que o endosso acima assumiu a natureza translativa, por intermédio do qual o endossatário adquriu a posição exclusiva de credor, de maneira independente da relação jurídica primitiva estabelecida entre o devedor e o endossante.
Tanto é assim que sequer as exceções pessoais com o credor anterior podem ser opostas ao endossatário. Isto é o que determina o artigo 17 da Lei Uniforme de Genebra, aplicável às duplicatas por força da norma de extensão extraída do artigo 25 da Lei nº 5.474/1968:
Art. 17 - As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
Art . 25. Aplicam-se à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sôbre emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio.
RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA, por sua vez, ciente que o seu débito foi corporificado em um título de crédito autônomo e independente (a duplicata sacada e devidamente aceita), e ciente também acerca da transferência da titularidade através do endosso, não poderia ter realizado o pagamento a quem não era mais credor.
Nesse sentido, o artigo 9º da Lei nº 5.474/1968 é claro ao expressar que a prova de pagamento de uma duplicata é o recibo passado pelo legítimo portador ao sacado, no verso do próprio título ou em documento separado, mas que faça referência expressa à duplicata:
Art . 9º É lícito ao comprador resgatar a duplicata antes de aceitá-la ou antes da data do vencimento.
§ 1º A prova do pagamento é o recibo, passado pelo legítimo portador ou por seu representante com podêres especiais, no verso do próprio título ou em documento, em separado, com referência expressa à duplicata.
§ 2º Constituirá, igualmente, prova de pagamento, total ou parcial, da duplicata, a liquidação de cheque, a favor do estabelecimento endossatário, no qual conste, no verso, que seu valor se destina a amortização ou liquidação da duplicata nêle caracterizada.
Nada disso foi feito, pois, como dito, o sacado efetuou a quitação para pessoa jurídica que, sabidamente, não era a portadora do título.
Nessas circunstâncias, a atitude incauta do devedor não exclui os direitos creditícios do endossatário. A esse respeito, cito recente precedente do TJMG:
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL APELAÇÃO CÍVEL. DUPLICATAS. ENDOSSO TRANSLATIVO. PAGAMENTO AO CREDOR ORIGINAL, SEM QUE FOSSEM OS TÍTULOS APRESENTADOS AO DEVEDOR. AUTONOMIA E CARTULARIDADE. LEGITIMIDADE DO ENDOSSATÁRIO PARA A COBRANÇA. TITULARIDADE DO CRÉDITO. INOPONIBLIDADE DA QUITAÇÃO FEITA AO ENDOSSANTE. PROTESTO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. - O endosso translativo transfere a titularidade do crédito ao endossatário, tornando-o legítimo credor. - O pagamento realizado ao endossante, sem que lhe fossem apresentados os títulos, não tem eficácia perante o endossatário. - O protesto realizado por este configura exercício regular de um direito conferido ao credor, não podendo lhe ser opostas exceções pessoais do devedor. - O cancelamento do protesto, por decisão liminar, não impede o seu restabelecimento posterior, vez que se trata de mero procedimento administrativo. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.008666-7/001, Relator(a): Des.(a) Amorim Siqueira , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/04/2025, publicação da súmula em 07/05/2025).
Na mesma trilha intelectiva:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DUPLICATA - CESSÁO DO CRÉDITO - NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR - COMPROVAÇÃO - QUITAÇÃO MÚTUA COM O CREDOR PRIMITIVO - INEFICÁCIA - DÍVIDA EXIGÍVEL - PROTESTO - EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO. - A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita ( CC, art. 290)- O instrumento de quitação mútua firmado com o cedente após a ciência do devedor acerca da cessão de crédito não produz efeitos em relação ao cessionário. (TJ-MG - AC: 10024123002800001 MG, Relator.: Ramom Tácio, Data de Julgamento: 10/06/2020, Data de Publicação: 26/06/2020)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA - CONTRATO DE FATURIZAÇÃO E DUPLICATAS VENCIDAS - PAGAMENTO FEITO A ENDOSSANTE QUE NÃO PODE SER OPOSTO AO ENDOSSATÁRIO. A ação monitória é o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu direito; Hipótese em que o acervo probatório trazido com a exordial - contrato de faturização e duplicatas vencidas e endossadas, com anuência de sacador e sacado dos títulos - são aptos a demonstrar, razoavelmente, a existência do débito principal alegado na peça de ingresso, satisfazendo a regra do art. 1.102a do diploma processual de 1973 . Nos termos do art. 9º, § 1º, da Lei 5.474/68, só é eficaz em relação a outrem - como prova do pagamento da duplicata - o recibo passado pelo seu legítimo portador ou por seu representante com poderes especiais, no verso do próprio título, que deverá ser restituído a quem efetuar o pagamento; O devedor que paga a quem não é o detentor do título, e não exige a sua restituição, corre o risco de ter de pagar segunda vez ao legítimo portador: quem paga mal, paga duas vezes. (TJ-MG - AC: 10024133257865001 Belo Horizonte, Relator.: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 18/08/2016, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2016)
Aplica-se na hipótese, a regra extraída dos artigos 290 e 308 do Código Civil, a qual, em singelas palavras, pode ser traduzida na máxima "quem paga mal, paga duas vezes":
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.
No que se refere à alegação de que parte dos bens adquiridos não foram recebidos, a exceção de caráter pessoal não pode ser oposta ao endossatário, seja porque a nova relação cambial, como visto, é independente do negócio jurídico anterior, seja porque o devedor aceitou o saque da duplicata sem ressalvas, ou ainda porque esse mesmo sacado assinou o comprovante de recebimento onde a mercadoria está devidamente relacionada (evento 40, anexo 4, p. 3).
Logo, nota-se que a endossatária agiu de boa-fé durante a operação cambial e adotou todas as cautelas necessárias antes de se tornar credora, não podendo ser prejudicada em decorrência da relação jurídica anterior entre o sacador primitivo (FOCO AGRONEGÓCIOS) e o sacado (RICARDO ENDRIGO SGARBOSSA).
Necessário pontuar, ainda, que, em lide primitiva travada entre FOCO AGRONEGÓCIOS LTDA. e ADAMA BRASIL S.A. perante a 3ª Vara Cível de Londrina/PR, restou definitivamente assentada a validade do endosso, assim como sua natureza translativa em relação à endossatária.
Naquele processo, o Poder Judiciário, de maneira definitiva, reconheceu a validade do endosso realizado por apenas um dos direitores da endossante e rejeitou a tese de inexibilidade das duplicatas sob a alegação de que se trataria de endosso-caução (evento 213):
"[...] Por fim e em relação a tese de que o endosso não tem validade porque não assinado por dois diretores como prevê o estatuto da empresa autora, basta dizer, que, o direito não tolera o ato torpe como medida para o enriquecimento ilícito.
A duplicata e o endosso - por exemplo – do título de sequencial 1.3, demonstram que a própria autora não cumpria a regra de seu estatuto e a ela se socorre apenas para tentar não quitar obrigação perante um de seus principais credores. Para tanto basta pontuar que operação fatura 33, em que a empresa Foco Agronegocios S/A vendeu mercadorias para Adeo Julio Fritzen no valor de R$ 912.253,33, não apresenta no campo do emitente da duplicata duas assinaturas de diretores como previa o estatuto. Pelo contrário, lançou ali apenas uma assinatura de seu representante no negócio, diga-se, o mesmo que a continuou a lhe representar no endosso lançado no verso do mesmo título e cujo objetivo é expressamente declarado: “Transferimos todos os direitos sobre a presente Duplicata por endosso a aval Para: Adama Brasil S/A” i , sem, como se verifica, nenhuma conotação de que o intuito era simplesmente caucionar faturamento futuro". [...]
Portanto, fixadas todas essas premissas, considero válida e legítima a pretensão executória da endossatária/credora do título de crédito devidamente aceito pelo devedor, seja pela via judicial (através da execução da duplicata), ou extrajudicial (mediante protesto e negativação).
Logo, considerando que o crédito de ADAMA BRASIL S/A está lastreado em título hábil, não há que se falar em declaração de inexistência do débito, e menos ainda em dever de repetir valores pagos ou indenizar o autor por danos morais, sendo que eventual relação societária entre as duas pessoas jurídicas (a ADAMA e a FOCO AGRONEGÓCIOS), mesmo que existente, não afetaria o regime jurídico aplicável às operações cambiais entre as duas pessoas jurídicas que, a rigor, têm personalidades jurídicas distintas.
DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO EM RELAÇÃO À FOCO AGRONEGÓCIOS S/A E REPETIÇÃO DO INDÉBITO
Cabe, agora, volver a análise à responsabilidade civil da FOCO AGRONEGÓCIOS S.A.
Por toda a exposição fática já feita nas linhas anteriores, não é difícil concluir que a endossante FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. recebeu créditos que sabia não serem seus, ou seja, aceitou o pagamento feito pelo sacado em relação título de crédito já endossado a terceira pessoa jurídica.
Ao assim agir, a mencionada requerida causou prejuízos tanto ao sacado, que pagou mal e agora deverá responder pela dívida perante o legítimo credor, quanto ao endossatário, que ainda permanece com seu crédito inadimplido.
O dolo e a má-fé da requerida são evidentes e há, portanto, a configuração do pressuposto legal para indenizar, isto é, devolver ao sacado tudo aquilo que foi pago indevidamente.
A reparação do prejuízo material, contudo, deve ocorrer na forma simples, uma vez que o pagamento ocorreu voluntariamente e de forma extrajudicial, e portanto, não há pressuposto para repetição em dobro, conforme interpretação conferida pela jurisprudência ao artigo 940 do Código Civil:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA COM FULCRO NO ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL - PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DO JUÍZO NATURAL - AFASMENTO - COBRANÇA JUDICIAL INDEVIDA - ART. 940 DO CC - APLICABILIDADE - NECESSIDADE DE DEMONSTRACAO DE MÁ-FÉ - AUSENCIA DE PROVA - SENTENÇA MANTIDA. - A jurisprudência fixou requisitos para a aplicação do art . 940 do Código Civil, quais sejam, a) a cobrança deve ter ocorrido por via judicial e b) que tenha sido comprovada a má-fé do demandante - Não restando comprovada tais circunstâncias, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido inicial - Recurso improvido. (TJ-MG - Apelação Cível: 5000761-80.2022.8 .13.0116 1.0000.22 .124599-6/002, Relator.: Des.(a) Lílian Maciel, Data de Julgamento: 10/06/2024, 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/06/2024).
Portanto, é cabível a condenação da FOCO AGRONEGÓCIOS S.A.à devolução integral do que recebeu indevidamente do autor.
Essa devolução do valor pago deve se referir apenas à duplicata nº 52, referente ao pedido 14.242, pois apenas essa foi endossada e paga de forma equivocada ao credor primitivo.
Com relação às duplicatas 93 e 284, referente ao pedido 14.243, o pagamento foi feito ao credor correto, estando extinta a obrigação pelo pagamento voluntário.
DANOS MORAIS EM RELAÇÃO A FOCO AGRONEGÓCIOS S/A
No que se refere à indenização por danos morais, prevista nos artigos 927 e 186 do Código Civil, sabe-se que o dano passível de reparação é aquele capaz de abalar a estrutura psíquica e emocional do homem médio, ou seja, aquele que goza de toda a sua capacidade de percepção da realidade e é capaz de suportar os transtornos da vida moderna.
Assim, o dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual, bem como os direitos da personalidade da vítima.
A meu ver, o comportamento abusivo da credora primita/endossante trouxe diversos prejuízos à imagem da parte autora, a qual, tendo efetuado o pagamento a quem não devia, foi obrigado a suportar negativação do seu CPF nos cadastros de proteção ao crédito.
É dizer: o comportamento ilícito da requerida FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. está diretamente relacionado ao prejuízo moral suportado pela parte autora, sendo aquele a sua única e suficiente causa (evento 1, anexo 18).
Assim, configurado o dano moral, a fixação de valores a título de indenização a favor da autora deve atender aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade para que a medida não represente enriquecimento ilícito, mas ao mesmo tempo seja capaz de coibir a prática reiterada da conduta lesiva pelo seu causador, levando-se em conta as dimensões do dano suportado e as condições econômicas das partes envolvidas.
Diante das circunstâncias específicas do caso concreto, especialmente da condição socioeconômica dos envolvidos, do bem jurídico ofendido, grau e extensão da lesão imaterial, desgaste da autora e culpa do litigante, mostra-se razoável e proporcional à fixação da verba indenizatória a título de danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Certo é que o referido valor atende à dupla finalidade da indenização, que é servir de lenitivo ao dissabor suportado pela parte requerente com a cobrança indevida, e servir de intimidação para que a parte requerida passe a adotar os cuidados objetivos necessários em sua prestação de serviços.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos inaugurais, RESOLVO O MÉRITO e julgo extinto o processo, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Como consequência:
a) DECLARO a inexistência do débito descrito na exordial exclusivamente em relação à pessoa jurídica FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. (pedidos 14.242 e 14.243, representados pelas NFs 52, 93 e 284);
b) Mantenho preservados todos os direitos de credor atribuídos à ADAMA BRASIL S.A.na qualidade de endossatária da duplicata nº 52, sacada contra o autor e aceita no valor no valor de R$ 159.226,00;
c) CONDENO a requerida FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. a devolver ao autor, na forma simples, os valores recebidos como forma de pagamento da referida duplicata de nº 52 (item b), corrigidos monetariamente pelo IPCA (a partir do recebimento dos pagamentos) e acrescidos de juros moratórios pela taxa SELIC (desde a citação – 21/2/2020), devendo ser deduzido do cálculo dos juros moratórios o índice de atualização monetária (IPCA), conforme artigos 389 e 406, § 1º, do Código Civil
d) CONDENO a requerida FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. a PAGAR, a título de danos morais, o valor de R$ 15.000,00, (quinze mil reais), os quais serão corrigido monetariamente pelo IPCA a partir do arbitramento, e acrescidos de juros moratórios pela taxa SELIC desde o evento danoso (data dos pagamentos), devendo ser deduzido do cálculo dos juros moratórios o índice de atualização monetária (IPCA).
Em razão da sucumbência recíproca, CONDENO a parte autora e a requerida FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. ao pagamento das custas, despesas processuais e taxa judiciária, pro rata.
CONDENO a parte autora a pagar, aos advogados da parte requerida ADAMA BRASIL S.A., honorários advocatícios que ARBITRO em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, artigo 85, §2º).
CONDENO a parte requerida FOCO AGRONEGÓCIOS S.A. a pagar, aos advogados da parte autora, honorários advocatícios que ARBITRO em 10% sobre o valor atualizado da condenação (CPC, artigo 85, §2º).
Considerando a tutela concedida no agravo de instrumento nº 0033994-31.2019.8.27.0000, aguarde-se o trânsito em julgado da presente sentença ou o recebimento de recurso sem efeito suspensivo. Após, traslade-se cópia desta sentença para a execução de título extrajudicial nº 0025163-53.2021.8.27.2706 e conclusos para prosseguimento.
PROVIDÊNCIAS DA SECRETARIA
Oferecido recurso de apelação, INTIME-SE a parte recorrida/apelada para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer contrarrazões. Após, com ou sem resposta, e não havendo preliminar(es) de apelação e/ou apelação adesiva PROCEDA-SE conforme CPC, artigo 1.010, § 3º.
Nas contrarrazões, havendo preliminar(es) de apelação e/ou apelação adesiva, suscitada(s) pelo recorrido(a)/apelado(a), INTIME-SE a parte apelante/recorrente para, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se/apresentar contrarrazões e, após, PROCEDA-SE conforme CPC, art. 1.010, § 3º.
Com o trânsito em julgado, CUMPRA-SE o provimento 2/2023 da CGJUS/TO.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Araguaína, 18 de junho de 2025.
FRANCISCO VIEIRA FILHO
Juiz de direito titular