Processo nº 00339649420244058300
Número do Processo:
0033964-94.2024.4.05.8300
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF5
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
29ª Vara Federal PE
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 29ª Vara Federal PE | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELSENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de ação especial cível ajuizada em face do INSS e da ASSOCIACAO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS NACIONAL - AAPEN. De acordo com os fatos narrados na inicial, a parte autora impugna a realização de descontos em seu benefício previdenciário. Alega que nunca se filiou à instituição demandada e nega qualquer autorização para a realização dos citados descontos. Em sede de contestação, o INSS alega ilegitimidade passiva e pugna pela improcedência do pedido autoral. Citada, a entidade ré apresentou contestação e pugnou pela improcedência dos pedidos. É o relatório. Vieram-me os autos conclusos. II – FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARMENTE Da ilegitimidade passiva do INSS Suscita a autarquia previdenciária preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que a contratação em questão é feita diretamente com a entidade representativa, de sorte que não é possível imputar-lhe qualquer responsabilidade pela atuação eventualmente irregular de tais instituições. Da narrativa da inicial, verifica-se que a parte autora imputa ao INSS, assim como à instituição demandada, a responsabilidade pelos danos morais e materiais que alega suportar. Ora, se a parte autora, ao expor a pretensão na exordial, sustenta a responsabilidade do INSS pelos fatos supostamente lesivos, a apreciação acerca da existência, ou não, dessa responsabilidade, é matéria afeta ao mérito da lide e não às condições da ação. Por essa razão, rejeito a preliminar arguida. Da ausência de condição da ação Sustenta a parte ré que o(a) demandante não tem interesse de agir pois não tentou solucionar o problema na seara administrativa. Todavia, no caso concreto, o prévio requerimento administrativo não constitui requisito para a comprovação do interesse de agir, consoante o disposto no artigo 5º, inc. XXXV da Constituição da República, que resguarda o direito de ação, garantindo a todos o poder de deduzir pretensão em juízo para obtenção da tutela jurisdicional adequada. Outrossim, desnecessário tal requerimento visto que a parte demandada contestou a ação, caracterizando, portanto, a pretensão resistida. Da impugnação ao valor da causa Pediu a parte ré a adequação do valor da causa aos pedidos formulados, bem como o pagamento de custas complementares. Todavia, o valor atribuído à demanda na petição inicial contempla os pedidos formulados e, portanto, não há correção a ser feita. Por outro aspecto, não são devidas custas processuais (art. 55 da Lei nº 9.099/95). Rejeita-se a impugnação. Do pedido de gratuidade da justiça formulado pela parte autora Para efeito de concessão do benefício da gratuidade judicial, na linha de precedentes deste juízo, por medida de coerência – considerados os objetos das ações que tramitam perante esta unidade jurisdicional – e como parâmetro moralizador, tem sido adotado o montante correspondente ao teto dos benefícios vinculados ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS. No caso, aquele patamar não foi superado, de sorte que o deferimento da gratuidade processual se impõe. Ressalto, contudo, que, nos termos do disposto no art. 54 da Lei 9.099/95, em primeiro grau de jurisdição, o processo perante os Juizados Especiais Federais é isento de custas, taxas ou despesas, de modo que caberá ao douto juiz-relator a quem for distribuído eventual recurso inominado, o exame definitivo da questão. Do pedido de gratuidade da justiça formulado pela associação ré Quanto ao pedido de gratuidade da justiça, a associação ré, na qualidade de pessoa jurídica, deve comprovar sua hipossuficiência econômica para fazer jus à concessão da isenção. A referida matéria já se encontra com entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, a partir da edição da Súmula nº 481, que assim dispõe: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". No caso, não houve por parte da Associação comprovação acerca da suposta insuficiência de recursos, não fazendo jus, portanto, ao benefício. Nessa mesma linha, a jurisprudência do TRF da 5ª Região adota o entendimento segundo o qual é necessária a comprovação do estado de hipossuficiência da pessoa jurídica, para que esta faça jus ao benefício da justiça gratuita, não sendo suficiente o simples requerimento de concessão do benefício em tela. Precedentes: PROCESSO: 08106372920224050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 18/04/2023; PROCESSO: 08029523420234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADORA FEDERAL ISABELLE MARNE CAVALCANTI DE OLIVEIRA LIMA, 7ª TURMA, JULGAMENTO: 27/06/2023; PROCESSO: 08016410820234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL EDVALDO BATISTA DA SILVA JÚNIOR, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 01/02/2024. Ante o exposto, indefiro o pedido de gratuidade da justiça formulado pela entidade demandada. Prejudicial de mérito: prescrição A teor da jurisprudência do STJ, pretendendo-se a declaração da inexistência de relação contratual referente a empréstimo consignado, o prazo prescricional, tem início apenas após o desconto da última parcela, o que ainda não ocorreu no caso dos autos. Conquanto não se trate, na espécie dos autos, de impugnação a empréstimo consignado, mas a descontos relativos a suposta filiação à entidade representativa demandada, há inegável similitude entre as hipóteses e as razões de decidir naqueles casos são em tudo aplicáveis ao presente. Ademais, cabe mencionar que a associação demandada, como fornecedora de serviço, submete-se ao Código de Defesa do Consumidor, ex vi do disposto no § 2º do artigo 3º da referida norma. Em razão disso, o prazo prescricional para ação buscando a anulação de negócio jurídico ou a declaração de inexistência de negócio jurídico cumulada com a repetição de indébito e reparação de danos por descontos indevidos em benefício previdenciário, é de cinco anos, por aplicação do disposto no art. 27 do CDC, e tem como termo inicial a data do último desconto indevido. Nesse sentido, cabe citar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende pela aplicação ao caso do prazo prescricional do art. 27 do CDC, bem como de que o termo inicial do prazo prescricional para pleitear a repetição do indébito com consequente indenização por danos morais, decorrente de descontos indevidos em benefício previdenciário, corresponde à data do último desconto: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. FATO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL APLICÁVEL À PRETENSÃO RESSARCITÓRIA ORIUNDA DE FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.720.909/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020) Aplica-se, portanto, a prescrição quinquenal do art. 27 do CDC à demandada. O mesmo prazo extintivo é aplicável à autarquia previdenciária, todavia, fundado no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. Nesse sentido, cumpre pronunciar a prescrição apenas dos valores descontados antes ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da demanda. DO MÉRITO Julga-se o processo no estado em que se encontra, conhecendo diretamente dos pedidos, na medida em que a questão de mérito, sendo de fato e de direito, prescinde da produção de outras provas. O cerne da demanda consiste em analisar a legitimidade dos descontos realizados pela entidade demandada. Consoante é possível observar no histórico de créditos da parte autora (id. 53219762), as cobranças foram efetivamente realizadas nos períodos indicados na exordial. Na hipótese dos autos, o postulante alega não ter autorizado que a parte ré procedesse a descontos em seu benefício previdenciário. Pois bem. A parte demandada não juntou aos autos prova de filiação da parte autora. Citada, a entidade ré limitou-se a apresentar contestação genérica, defendendo a legitimidade dos descontos e a possibilidade de desfiliação a qualquer tempo pelo associado. Dos fatos narrados e das provas coligidas, constato a irregularidade dos descontos no benefício previdenciário da parte autora, uma vez que não foi apresentada nos autos nenhuma prova documental que demonstre a filiação na associação em questão ou quaisquer autorizações da parte demandante para que se procedesse aos descontos realizados em seu benefício previdenciário. Nesta conformidade, deve ser imposto à parte ré o ônus de presunção de veracidade dos fatos narrados pela parte autora. Caberia àquela demonstrar a regularidade dos descontos. Tal prova, de natureza documental e a cargo da ré, não foi por ela produzida. Veja-se que os elementos constantes nos autos são suficientes para atestar a irregularidade dos descontos discutidos. Portanto, é de aplicar-se à espécie a responsabilidade objetiva, com fundamento no disposto no art. 932, inciso III, do Código Civil, sendo dispensável perquirir-se acerca de dolo ou culpa na conduta supostamente lesiva. Feitas essas considerações, comprovado que a parte autora não autorizou os referidos descontos em seu benefício previdenciário, resta evidenciada a falha no serviço prestado pelo(a) réu(ré), que devem, portanto, responder pelos danos causados pelo ilícito ora identificado. A responsabilidade do INSS, contudo, é apenas subsidiária, em conformidade com o tema 183 da TNU. Do dano material Reconhecida a inexistência da contratação e a ilegitimidade dos descontos, o dano material, no caso, consiste na diminuição patrimonial sofrida pela parte autora, que teve descontado de seu benefício parcelas, devendo ser devolvidas as quantias indevidamente pagas em decorrência do ilícito ora identificado. Outros danos materiais não restaram comprovados nos autos. No que tange à incidência do art. 42 do CDC ao caso, recentemente a Corte Especial do STJ, nos Embargos de Divergência 1.413.542, entendeu ser devida a devolução em dobro, independente de má-fé: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA (..) 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. Como se pode perceber, essa decisão teve seus efeitos modulados para aplicar-se somente a cobranças realizadas a partir de 30/03/21 (desde que não envolvam serviços públicos), de modo que, no caso dos autos, é o caso de deferir-se este pleito da parte autora para assentar que os valores correspondentes aos descontos devem ser devolvidos de modo simples se realizados antes desta data e ressarcidos em dobro se realizados após tal data. Do dano moral Por outro lado, tendo a parte autora alegado que experimentou danos de ordem extrapatrimonial, há de se ter em conta que, diversamente do que se verifica com o dano material, que exige prova cabal de existência, o dano moral, segundo entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência pátrias, prescinde, para sua configuração, da prova dos transtornos sofridos, o que, se exigido, praticamente inviabilizaria a reparação. Por ser de ordem subjetiva, o dano é presumido diante da própria existência do fato, limitando-se a sua repercussão, muitas vezes à intimidade do indivíduo. Assentada a existência do ato ilícito e do dano, necessária se faz a sua quantificação. Na situação relatada nos autos, há evidente prejuízo à parte autora, que teve parcelas de seu benefício suprimidas em razão dos descontos indevidos, privando-a de verba de caráter alimentar. Apesar do alto grau de subjetivismo que circunda a fixação do dano moral, três fatores contribuem decisivamente para que ela se dê de forma ponderada, adequada e, sobretudo, justa: capacidade econômica e situação pessoal das partes, gravidade e repercussão do dano e nível de reprovação do ato culposo. Os parâmetros aludidos denotam que a indenização do dano moral deve ser orientada por dois sentidos: reparação do dano e punição ao lesante. A reparação visa a restaurar a integridade patrimonial da vítima, não obstante a natureza peculiar do dano, ao passo que a punição visa a coibir a repetição de atos incondizentes com a vida em sociedade. É bom lembrar que, na indenização por danos morais há de se levar em conta a razoabilidade e a proporcionalidade. Deveras, há de ser razoável para que não seja de pequena monta, a ponto de não reparar e compensar, nem elevada demais, de todo jeito iníqua; há de ser proporcional, aí inserido o caráter pedagógico, para que o custo da indenização realmente leve o ofensor a tomar medidas concretas para evitar que novas situações se repitam. É que possuem eles (os danos morais) dupla função, quais sejam, a compensatória e a punitiva. Por conseguinte, o valor indenizatório deve servir não só para compensar o sofrimento injustamente causado por outrem, como também para sancionar o causador, funcionando como forma de desestímulo à prática de novas condutas similares. Nesse toar, a fixação do valor da indenização pelo Poder Judiciário deve manter como paradigmas o grau de culpa, o porte econômico das partes, dentre outros elementos razoáveis, sempre mantendo a coerência com a realidade. Assim, diante das peculiaridades do caso concreto, entendo que o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) seja o suficiente para dar à indenização esse duplo caráter compensatório e punitivo. De tal maneira, é medida que se impõe a procedência dos pedidos. III - DISPOSITIVO Este o quadro, julgo procedente o pedido para: 1) declarar a inexistência da contratação/filiação objeto dos autos e determinar a imediata suspensão dos descontos das respectivas prestações mensais; 2) condenar a entidade ré, e subsidiariamente o INSS, ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de indenização pelos danos morais, com juros de mora de 1% ao mês desde o primeiro desconto (Súmula 54, STJ), até a data da sentença, a partir de quanto incidirá apenas a taxa Selic, que já contempla correção monetária e juros de mora (Súmula 362, STJ); 3) condenar a entidade ré, e subsidiariamente o INSS, a restituir os valores descontados do benefício da parte autora em razão do convênio ora discutido, a título de danos materiais, sobre os quais incidirá taxa Selic a partir do desconto de cada parcela. A restituição deve ser dar de modo simples quanto aos descontos realizados até 30/03/2021, e em dobro a partir de tal data. Sem custas. Sem honorários (art. 55 da Lei 9.099/95). Intimações na forma da Lei nº 10.259/01. Interposto recurso inominado, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, movimentando-se, em seguida, estes autos virtuais para uma das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco. Jaboatão dos Guararapes (PE), data da assinatura eletrônica. FLÁVIA TAVARES DANTAS Juíza Federal