Aldevania Ferreira Machado e outros x Moacir Coelho De Sousa Filho
Número do Processo:
0051111-70.2021.8.06.0090
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª Vara Cível da Comarca de Icó
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Icó | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL0051111-70.2021.8.06.0090 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) [Indenização por Dano Moral, Serviços de Saúde, Indenização por Dano Material] AUTOR: GERLANIO RODRIGUES DE SOUZA, ALDEVANIA FERREIRA MACHADO REU: MUNICIPIO DE ICO, MOACIR COELHO DE SOUSA FILHO I - RELATÓRIO: Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de erro médico com pedido de tutela provisória ajuizada por Aldevania Ferreira Machado e Gerlanio Rodrigues de Souza em face de Moacir Coelho de Sousa Filho e do Município de Icó. Aduzem os requerentes, em síntese, que a autora, Aldevania Ferreira Machado, gestante de alto risco devido à pré-eclâmpsia, no mês de maio de 2021, foi vítima de sucessivos erros médicos, no Hospital Regional de Icó, que implicaram a morte do nascituro em 12/05/2021. Os promoventes, pais do nascituro, imputam aos requeridos a responsabilidade pelo fato, alegando a ocorrência de diversos erros, como aplicação de medicação inadequada, indevida postergação do parto cesariano e transporte em ambulância imprópria na transferência da autora para o Hospital César Cals em Fortaleza/CE. A autora alega que desenvolveu graves complicações cardíacas (miocardiopatia periparto e insuficiência cardíaca) e transtornos psicológicos. Sendo assim, requerem a concessão de tutela de urgência para determinação de pagamento mensal de pensão e o custeio do tratamento da autora. Ao final, pugnam pela confirmação da tutela de urgência e a condenação dos requeridos em danos morais, no valor de R$ 150.000,00, danos materiais, na soma de R$ 2.000,00, dano estético, na quantia de R$ 20.000,00 e pensão vitalícia no valor de um salário mínimo. Instruem a pretensão os documentos de IDs 53635797 a 53635816. Decisão de ID 53635794 recebeu a inicial, deferiu o pedido de justiça gratuita e determinou a inversão do ônus da prova, com base no art. 373, § 1º, do CPC. Audiência de conciliação realizada no ID 53635792, sem êxito. O médico promovido contestou o feito no ID 53635771, alegando, preliminarmente, a inépcia da exordial e a impugnação ao valor da causa. No mérito, requereu a improcedência da demanda. Ente requerido não apresentou contestação. Réplica dos autores no ID 64883161. Após intimação para especificação de provas, as partes requereram a oitiva de testemunhas, o que foi deferido pelo despacho de ID 74435837. Termo de audiência de instrução no ID 142523526, na qual foram ouvidos o informante José Arimatéia Machado e a testemunha Gabriel Nascimento Leite, arrolados pelos autores, e as informantes Fabiana Nicolau de Freitas Alencar e Maria de Fátima Matias, arroladas pelo médico requerido. Alegações finais dos requerentes no ID 145095166. Alegações finais do médico requerido no ID 152570761. Alegações finais do ente promovido no ID 155493802. É o que importa relatar. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO: II.1 - DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO Os autores ingressaram com a presente ação em face do ente público responsável pelo Hospital Regional de Icó e do profissional que prestou atendimento médico à parte autora. Logo, é possível concluir que o médico, ao prestar serviços no hospital supracitado, exerceu a função de agente público, devendo ser resguardado pelo teor do art. 37, § 6º, CF/88, in verbis: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípio de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Nesse sentido, tem-se o Tema nº 940 do Supremo Tribunal Federal: "A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Portanto, o médico Moacir Coelho de Sousa Filho, que atuou como agente público, figura como parte ilegítima na presente demanda, devendo recair apenas sobre o ente público eventual dever de reparar, assegurado eventual direito de regresso da edilidade em face do agente. Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CIRURGIA EM HOSPITAL PÚBLICO. MATERIAL CIRÚRGICO ESQUECIDO NO INTERIOR DA PACIENTE. RISCO DE VIDA. ACOLHIDA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO CIRURGIÃO. INCIDÊNCIA DO TEMA 940 DO STF. (...) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO ACORDA a Turma Julgadora da Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso de Apelação Cível para dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Fortaleza, 26 de julho de 2023. TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES Relatora e Presidente do Órgão Julgador (TJ-CE, Apelação Cível - 0053306-63.2005.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) TEREZE NEUMANN DUARTE CHAVES, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 26/07/2023, data da publicação: 27/07/2023) ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES CÍVEIS. (...) REJEITADAS AS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO E DO HOSPITAL CONVENIADO. ACOLHIDA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE PÚBLICO (MÉDICO). INCIDÊNCIA DO TEMA 940 DA REPERCUSSÃO GERAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FALHA NO ATENDIMENTO DE HOSPITAL CREDENCIADO AO SUS QUE RESULTOU NO FALECIMENTO DE RECÉM-NASCIDA. (...) APELAÇÃO DO MÉDICO PROVIDA PARA ACOLHER A PRELIMINAR DE SUA ILEGITIMIDADE PASSIVA. (...) 2. O ente público municipal possui legitimidade passiva nas ações de indenização por falha no atendimento médico ocorrida em hospital particular credenciado ao SUS, haja vista que o art. 18, inciso X, da Lei nº 8.080/1990, atribui aos municípios a prerrogativa de celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução. Precedente do STJ. Preliminar rejeitada. 3. Como o pleito indenizatório se fundamenta na suposta falha no serviço de atendimento médico ocorrida no hospital particular conveniado ao SUS, este é parte legítima para figurar no polo passivo. 4. Acolhe-se a preliminar de ilegitimidade passiva do médico que atendeu a de cujus no hospital particular por meio de convênio com o SUS, porquanto o STF fixou o tema 940 da repercussão geral, segundo o qual "A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". (STF, Plenário, RE 1027633/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019, Tema 940 da repercussão geral). (...) 12. Remessa necessária e apelações cíveis do Município e do hospital credenciado parcialmente providas. Apelação do médico (particular prestando serviço público) provida para acolher a preliminar de sua ilegitimidade passiva. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em julgamento de Turma, por unanimidade, em conhecer da remessa necessária e das apelações do Município e do hospital credenciado para dar-lhes parcial provimento e em conhecer do apelo do médico para dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 12 de dezembro de 2022. DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA Relator (TJ-CE, Apelação / Remessa Necessária - 0016468-29.2016.8.06.0101, Rel. Desembargador(a) FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA, 1ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 12/12/2022, data da publicação: 12/12/2022) Dessa forma, reconheço de ofício a ilegitimidade passiva do médico Moacir Coelho de Sousa Filho, devendo este ser excluído da lide, permanecendo no polo passivo apenas o Município de Icó. II.2 - DO MÉRITO Trata-se de pedido de indenização por danos morais e materiais em razão de suposto erro médico ocorrido no âmbito do Hospital Regional de Icó, de responsabilidade do ente requerido, em face dos autores. Ab initio, urge-se necessário esclarecer que a responsabilização civil da Administração Pública varia conforme se trate de ato comissivo ou omissivo. Na conduta comissiva, o ente público responde objetivamente; na omissiva, subjetivamente. Justifica-se a responsabilidade subjetiva sob o argumento de que nem toda omissão estatal dispara, automaticamente, dever de indenizar. Do contrário, seria a Administração Pública transformada em organismo segurador universal de todos contra tudo. Este entendimento acerca da responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é firme na jurisprudência pátria, conforme entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in litteris: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL E CULPA DA ADMINISTRAÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, com base nos elementos fáticos e nas provas constantes no processo, concluiu pela inexistência de comprovação tanto do nexo de causalidade entre o ilícito civil e os danos experimentados, quanto da má prestação de serviço público, por atuação culposa da Administração Pública. A revisão da questão demanda o reexame dos fatos e provas constantes nos autos, o que é vedado no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgInt no REsp 1.628.608/PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 26/6/2017; AgRg no REsp 1.345.620/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 2/12/2015; AgRg no AREsp 718.476/SP, Rel. Min, Herman Benjamin, Segunda Turmam, DJe 8/9/2015; AgInt no AREsp 1.000.816/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 13/03/2018. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1249851/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 26/09/2018) (grifou-se) Para além disso, mesmo quando se fala em danos causados pela Administração Pública por omissão, torna-se imperioso se distinguir a omissão específica da omissão genérica. A omissão é específica quando o ente público tem a obrigação de evitar o dano. No entanto, há situações que não há possibilidade de o ente público impedir, através de seus agentes, danos eventuais aos seus administrados. Assim sendo, quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF. Entretanto, em se tratando de omissões genéricas, a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, com necessidade de se aferir a culpa. Ademais, quando não se puder identificar o agente que causou o dano, há exigência de que a vítima comprove que não houve o serviço ou que este funcionou mal ou de forma ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. Logo, em se tratando de omissão genérica do serviço, ou, quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil da Administração é subjetiva, sendo equivocado se invocar a teoria objetiva do risco administrativo. Sobre o assunto, veja-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016) Deste modo, em caso de suposta falha na conduta de hospital da rede pública de saúde, como é o caso dos autos, a responsabilidade é subjetiva, fundada na teoria da falta do serviço, sendo imprescindível a comprovação da conduta imprudente, negligente ou imperita capaz de ter ensejado o resultado aduzido pela parte autora. No caso dos autos, os autores alegam a existência de erro médico por parte do requerido, alegando a responsabilidade deste pela morte do filho dos requerentes ainda no ventre da autora. Conforme certidão de natimorto de ID 53635809, as causas da morte do feto foram anóxia intrauterina, descolamento prematuro de placenta e pré-eclâmpsia. A autora afirma que sua gravidez era de risco, em razão de pré-eclâmpsia. No dia 10/05/2021, após consulta de rotina de pré-natal, a promovente foi encaminhada para o Hospital Regional de Icó para realização imediata do parto, conforme ID 53635803, pág. 6. Todavia, aduzem os requerentes que o médico do Hospital Regional de Icó, Dr. Moacir, postergou indevidamente a realização do parto, orientando que a autora retornasse apenas no dia seguinte. Empós, no dia 11/05/2021, a autora alega ter sofrido crise de asma e elevação de pressão elevada, tendo retornado ao hospital, ocasião em que o médico anunciou que realizaria o parto, segundo relato dos promoventes. No entanto, a própria família dos requerentes suscitou situação de risco para a autora caso o parto fosse realizado no Hospital Regional de Icó, em razão de falta de estrutura adequada, de forma que não autorizaram a realização imediata do parto. Tal fato restou incontroverso nos autos, tendo sido confirmado pelo informante arrolado pelos autores, Sr. José Arimatéia Machado, e pelas informantes arroladas pelo médico requerido, Sra. Maria de Fátima Matias e Sra. Fabiana Nicolau de Freitas Alencar. Destarte, foi determinada pela equipe médica a transferência da autora para um hospital em Fortaleza/CE, com melhor estrutura. Os promoventes alegaram que não havia oxigênio suficiente no tanque disponibilizado no interior da ambulância, de forma que o oxigênio veio a acabar durante o percurso, quando o veículo transitava pelo Município de Chorozinho/CE. A falta de oxigênio durante o percurso da ambulância também foi fato incontroverso nos autos, uma vez que foi corroborado pela informante Fabiana Nicolau de Freitas Alencar, técnica de enfermagem do Município de Icó, a qual, frise-se, encontrava-se na ambulância acompanhando a promovente. Foi alegado pelos requerentes que ainda foi detectada vida fetal no primeiro atendimento da autora na chegada a Fortaleza. Todavia, quando foi realizado o ultrassom de preparação para a cirurgia cesárea, não se constataram mais batimentos cardíacos no filho dos promoventes. Nos termos do relatório médico de ID 53635808, pág. 1, às 03h29min do dia 12/05/2021, foi realizado o parto no Hospital Geral Dr. César Cals, com retirada do feto em morte aparente, conforme relatado a seguir: "(…) REFERE MOVIMENTAÇÃO FETAL ATIVA. (…) FOI REALIZADO INTERNAMENTO E INDICADO PARTO ABDOMINAL POR PRE ECLAMPSIA GRAVE E DESCOLAMENTO DE PLACENTA, O QUE OCORREU ÀS 03:29H DO DIA 12/05/2021, COM RETIRADA DE FETO EM MORTE APARENTE E VISUALIZADO VOLUMOSOS COÁGULOS RETROPLACENTÁRIOS E PRESENÇA DE ÚTERO EM COUVAILARE." Nessa toada, destaca-se novamente a certidão de natimorto de ID 53635809, indicando a causa da morte de anóxia intrauterina. Segundo anotações extraídas de site especializado1: "Também chamada de asfixia perinatal, a anóxia neonatal é a falta de oxigenação e de perfusão adequada nos tecidos durante o periparto, ao nascimento e nos primeiros minutos de vida. É um acontecimento que pode ser causado por inúmeras situações que coloquem o bebê em risco de baixa oxigenação, dentre elas, podemos citar a interrupção do fluxo umbilical por compressão ou obstrução do mesmo, insuficiente trocas de gases através da placenta (como ocorre em casos de descolamento placentário), perfusão materna inadequada (mães que sofreram com hipotensão grave, parada cardíaca ou hipoventilação durante a anestesia), relaxamento uterino para o enchimento placentário ineficaz devido à utilização de ocitocina em excesso, ao comprometimento do feto durante a gestação (quadros de retardo do crescimento intrauterino) e à incapacidade pulmonar de inflar logo após o nascimento." Do sítio eletrônico do Ministério da Saúde2, extrai-se explicação sucinta do evento: "A asfixia perinatal acontece quando o bebê fica sem oxigenação no momento próximo ao nascimento, podendo ocorrer antes, durante ou imediatamente após o parto." Dos elementos probatórios constantes dos autos, apesar de inexistir nos autos perícia médica conclusiva pela existência de negligência, imprudência ou imperícia por parte da equipe médica da rede pública municipal, é muito provável de se concluir que o município agiu de forma negligente ao disponibilizar para a autora ambulância com nível de oxigênio insuficiente para todo o percurso entre os municípios de Icó e Fortaleza, contribuindo para a asfixia e a consequente morte do filho dos promoventes. Nesse contexto, incumbe destacar a teoria da verossimilhança preponderante, desenvolvida pelo direito comparado, segundo a qual a parte que ostentar posição mais verossímil em relação à outra deve ser beneficiada pelo resultado do julgamento, bastando um grau mínimo de probabilidade da existência do direito alegado. Tal teoria é admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme julgados a seguir: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL, ESTÉTICO E PSICOLÓGICO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO. TEORIA DA VEROSSIMILHANÇA PREPONDERANTE. DIMENSÃO OBJETIVA DO ÔNUS DA PROVA. COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. REALIZAÇÃO DE SEGUNDA PERÍCIA. SÚMULA 7/STJ. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NÃO CONFIGURADO. PENSIONAMENTO VITALÍCIO. INCAPACIDADE PERMANENTE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. 1. Ação de obrigação de fazer c/c compensação por dano moral, estético e psicológico ajuizada em 03/07/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 18/03/2024 e concluso ao gabinete em 24/05/2024. 2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) o cerceamento de defesa; (iii) a necessidade de realização de segunda perícia; (iv) a comprovação do nexo causal; (v) o acordo extrajudicial celebrado entre as partes; e (vi) o enriquecimento sem causa da recorrida. (...) 6. A teoria da verossimilhança preponderante, desenvolvida pelo direito comparado e que propaga a ideia de que a parte que ostentar posição mais verossímil em relação à outra deve ser beneficiada pelo resultado do julgamento, é compatível com o ordenamento jurídico-processual brasileiro, desde que invocada para servir de lastro à superação do estado de dúvida do julgador. 7. Diante da fragilidade da prova técnica para revelar a verdade dos fatos - ou melhor, para confirmar, com juízo de certeza, o nexo causal entre o medicamento administrado e a doença desenvolvida - e do inafastável dever de julgar, mesmo nessa circunstância, o TJ/GO, considerando os demais elementos de prova que confirmam a verossimilhança das alegações da autora, imputou a ré o risco pelo mau êxito da perícia, fazendo-lhe, pois, arcar com as consequências desfavoráveis de não haver demonstrado a inexistência do nexo causal, que teria lhe aproveitado (dimensão objetiva do ônus da prova). (...) 14. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários. (STJ, REsp n. 2.145.132/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.) DIREITO EMPRESARIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DE AÇÃO INCIDENTAL DE CONHECIMENTO. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA INCIDENTES NO PROCEDIMENTO COMUM DA FASE DE CONHECIMENTO. ÔNUS DA PROVA. REGRA DE JULGAMENTO RESIDUAL. ASPECTO SUBJETIVO QUE APENAS TEM RELEVÂNCIA SE AUSENTE OU INSUFICIENTE A PROVA COLHIDA, COMO MEIO DE EVITAR O NON LIQUET. PREVALÊNCIA DO ASPECTO OBJETIVO. PROVA DE FATO RELATIVAMENTE NEGATIVO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PROVA IMPOSSÍVEL OU DIABÓLICA. POSSIBILIDADE DE PROVA DE FATOS POSITIVOS CORRESPONDENTES À DISPOSIÇÃO DA PARTE A QUEM CABIA A PROVA. INÉRCIA E OMISSÃO PROBATÓRIA. CONDUTA CENSURÁVEL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA COOPERAÇÃO E AO DEVER DE VERACIDADE. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. SUCESSÃO EMPRESARIAL SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA POR MEIO DE PROVAS INDIRETAS OU INDICIÁRIAS QUE, EXAMINADAS À LUZ DAS MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA, REVELARAM-SE APTAS A FORMAÇÃO DE JUÍZO DE VEROSSIMILHANÇA PREPONDERANTE. 1- Ação distribuída em 18/12/2013. Recurso especial interposto em 11/12/2015 e atribuídos à Relatora em 03/07/2017. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) a partir das regras de distribuição do ônus da prova, a quem caberia comprovar a existência de sucessão entre empresas, se ao autor ou ao réu dos embargos à execução; (ii) se é admissível, na hipótese em discussão que envolve a existência de sucessão empresarial, o julgamento com base em máximas de experiência e em prova indiciária, dispensando-se a produção da prova técnica. (...) 8- Embora a produção de prova pericial pudesse, em tese, qualificar o acervo probatório produzido, a sua não realização não acarreta modificação no julgado que reconheceu a existência de sucessão empresarial com base em verossimilhança preponderante, lastreado em suficientes provas indiciárias ou indiretas, examinadas à luz das máximas de experiência e que demonstram que a formação da convicção dos julgadores ocorreu mediante um incensurável juízo de probabilidade lógica. 9- Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ, REsp n. 1.698.696/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/8/2018, DJe de 17/8/2018.) Outrossim, a decisão inicial de ID 53635794 foi expressa em determinar a inversão do ônus da prova, com base no art. 373, § 1º, do CPC, diante da verossimilhança das alegações autorais e da maior facilidade do promovido em obter a prova. Assim, incumbia ao requerido comprovar que adotou os protocolos médicos cabíveis no tratamento da autora, bem como na logística de transferência da promovente para o Hospital Geral Dr. César Cals, em Fortaleza/CE. Todavia, além de não ter contestado o feito, os elementos probatórios constantes dos autos permitem concluir que o ente requerido foi negligente, no mínimo, ao disponibilizar ambulância à autora com nível de oxigênio insuficiente até a chegada da promovente a Fortaleza, contribuindo para a falta de oxigenação do feto e a consequente morte deste. O município não apresentou quaisquer provas que pudessem afastar tal conclusão. Destarte, entendo que os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil do Município de Icó se encontram presentes no caso concreto, o que enseja o dever de indenizar. É legítimo que os autores sejam compensados com importe que, se não remunera ou ilide a dor, seja apto a lhe conferir um mínimo de compensação decorrente da perda que sofreram. A mensuração da contrapartida pecuniária devida ao atingido por ofensas de natureza moral, conquanto permeada por critérios de caráter eminentemente subjetivo ante o fato de que os direitos da personalidade não são tarifados, deve considerar o método bifásico, sendo este o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano. Relativamente ao referido método estabelecido pelo STJ, como bem explanado no voto da eminente Ministra Regina Helena Costa nos autos do AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1.063.319/SP, entende-se que: "(...) para a reparação dos danos extrapatrimoniais e a correspondente quantificação da indenização devem ser percorridas duas etapas para o arbitramento. Na primeira etapa, estabelece-se um valor básico para a indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, com base em precedentes desta Corte. E, na segunda, ponderam-se as circunstâncias do caso, para a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz." Sob esse enfoque, entendo, primeiramente, que deve ser estabelecida uma distinção entre os montantes indenizatórios devidos à autora e ao autor. Justifica-se tal distinção em razão do grau maior de sofrimento e angústia sofrido pela genitora, por ter carregado consigo no ventre o filho perdido, bem como por ter vivenciado diretamente o sofrimento decorrente da negligência do ente demandado. No tocante ao genitor, o dano moral se dá in re ipsa, uma vez que prescinde de comprovação o sentimento de angústia e tristeza pelo qual, certamente, sofreu em razão da perda de um filho. Sendo assim, atento às peculiaridades da situação e da gravidade do dano, arbitro o quantum indenizatório por danos morais em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a autora e em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para o autor, totalizando R$ 70.000,00 (setenta mil reais) para os promoventes. Frise-se que tal montante encontra supedâneo na jurisprudência dos tribunais pátrios firmada em casos análogos, em especial, do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Veja-se: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES CÍVEIS EM AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DO CEARÁ E DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA (ART . 37, § 6º, CF/88). FETO NATIMORTO. DEMORA NA REALIZAÇÃO DE EXAME E DE CONDUTA MÉDICA INDICADOS EM AVALIAÇÕES ANTERIORES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA . REQUISITOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADOS. TESE DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE NÃO COMPROVADA. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. APELAÇÃO DO MUNICÍPIO DE FORTALEZA CONHECIDA E DESPROVIDA . APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS. 1 . À luz do princípio da dialeticidade, constitui ônus da parte recorrente expor a motivação ou as razões de fato e de direito de seu inconformismo. A Apelação da parte autora não deve ser conhecida na parte em que pugna a reforma da sentença para condenação dos entes em danos materiais por falta desse elemento de regularidade formal. 2. Afasta-se a tese de ilegitimidade passiva trazida pelo Estado do Ceará . Isso porque para o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam basta que os argumentos deduzidos na inicial possibilitem a inferência, ainda que abstratamente, de que o réu possa ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo invocado pelo autor. 3. Verifica-se não haver elementos suficientes para caracterizar suposta responsabilidade civil por parte do Estado do Ceará, notadamente a ausência de comprovação de nexo causal entre o atendimento ofertado no equipamento público de saúde estadual e o resultado danoso. 4 . Presente a responsabilidade civil do Município de Fortaleza. A conduta ilícita do ente está caracterizada na não oferta do exame indicado, que cerceou a possibilidade de obtenção de uma assistência capaz de talvez ter ofertado aos profissionais de saúde informações indispensáveis a tomada de providências clínicas correlatas, assim como em razão do lapso temporal transcorrido sem a realização do procedimento indicado previamente na admissão. 5. Em que pese o esforço argumentativo do Município de Fortaleza no sentido de aduzir que ¿a margem de 1h e 30 minutos referida pela sentença não pode ter, sequer por hipótese, o condão de configurar o nexo de causalidade necessário à imputação de responsabilidade civil pelo evento adverso¿, melhor sorte não lhe assiste . Isso porque a demora de 1h30min demonstra ter havido atraso na prestação do serviço adequado, não havendo por parte do ente federado comprovação de razoabilidade no retardamento. 6. Embora o Município de Fortaleza apresente tese de excludentes de responsabilidade ao apontar que o falecimento do nascituro decorreu ¿das condições clínicas e de saúde da requerente e do próprio recém-nascido¿, não faz prova de suas alegações. Malgrado o relatório apresentado tenha exposto circunstâncias que supostamente teriam contribuído para a morte do feto, a Direção do Hospital da Mulher não afirmou que o evento decorreu de tais condições, já que expressamente consignou que ¿Foi solicitado e informado a requerente a importância de enviar o natimorto para verificação do óbito por autópsia no intuito de termos pistas que elucidasse as possíveis causas do óbito e aconselhamento familiar em relação a esse mesmo risco em gestações futuras¿ . 7. A indenização a título de danos morais arbitrada pelo Juízo de primeiro grau no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) se encontra em consonância com o os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e as peculiaridades do caso concreto. 8 . Apelação da parte autora parcialmente conhecida, e, nesta parte, desprovida. Apelação do Município de Fortaleza conhecida e desprovida. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos das Apelações Cíveis nº. 0223751-55.2021.8.06.0001, em que são partes as acima relacionadas, acordam os Desembargadores que compõem a 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do Recurso Apelatório do Município de Fortaleza, mas para negar-lhe provimento, e em conhecer parcialmente do Recurso de Apelação da parte autora, e na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos do voto da eminente Relatora, parte integrante deste. Fortaleza/CE, 02 de Outubro de 2023. (TJ-CE 0223751-55.2021.8.06.0001 Fortaleza, Relator.: LISETE DE SOUSA GADELHA, Data de Julgamento: 02/10/2023, 1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 03/10/2023) Apelação. Ação indenizatória. Retardamento de parto em maternidade municipal. Ausência de leito . Óbito intrauterino. Serviço defeituoso. Responsabilidade civil do município. Reconhecimento . Pensionamento. Conformação aos precedentes do STJ. Pagamento de uma só vez. Impossibilidade . Dano moral. Majoração. Necessidade. Desprovido o recurso do município e provido o dos autores . Para configuração do dever de indenizar, em se tratando de responsabilidade objetiva do ente público, indispensável a constatação do nexo de causalidade havido entre a ação/omissão e o evento danoso, sem o qual não há que se falar em dever de indenização. Comprovada a ausência de disponibilização de leito em maternidade municipal para realização imediata de parto cesariano, bem como a ausência de monitoramento cardíaco do nascituro no tempo prescrito, resultando no retardamento do parto e, consequentemente, no óbito do feto, configura-se a responsabilidade civil do município e o dever de indenizar o dano material e moral experimentado pelos genitores. A pensão mensal, no caso, estabelecida em 2/3 do salário mínimo dos 16 até os 25 anos do menor, e, a partir de então, reduzida para 1/3 do salário-mínimo, até a data correspondente à expectativa média de vida da vítima, segundo tabela do IBGE na data do óbito ou até o falecimento dos beneficiários, o que ocorrer primeiro, está em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ, o qual considera que a dependência econômica dos pais em relação ao filho menor falecido é presumida, mormente em se tratando de família de baixa renda. Ressalte-se, no ponto, que apesar de a jurisprudência admitir a pensão já a partir dos 14 anos, não houve insurgência dos autores quanto ao capítulo da sentença que adotou o termo inicial aos 16 anos . Segundo o STJ, o pagamento da pensão de uma só vez aplica-se tão somente aos casos em que há redução da capacidade laborativa, não se estendendo às hipóteses de falecimento. Quanto ao valor do dano moral, a quantia a ser arbitrada não deve ser irrisória, tampouco fonte de enriquecimento. Devem ser observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O valor mensurado, deve, ainda, "ressarcir" a parte afetada pelo mal sofrido, assumindo a indenização caráter compensatório para a vítima, e, de outro lado, punitivo para o ofensor . Embora não haja critério específico para a fixação do dano moral, devem ser sopesados pelo julgador: a intensidade do dano sofrido, o grau de culpa ou dolo perpetrado pelo ofensor, a maior ou menor compreensão do ilícito, a capacidade econômica do autor do fato, a duração da ofensa, as condições econômicas das partes, a repercussão do fato, a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. No caso, considerando a extensão do dano suportado pelos autores, consistente no óbito intrauterino de seu filho, com 9 meses de gestação, mostra-se razoável e proporcional sua fixação em R$ 70.000,00 (setenta mil reais), a título de dano moral aos autores, pai e mãe. (TJ-RO - APL: 00131281320148220001 RO 0013128-13 .2014.822.0001, Data de Julgamento: 11/04/2018, Data de Publicação: 08/05/2018) Além da indenização por danos extrapatrimoniais, os autores pleiteiam a condenação do promovido ao pagamento de pensão vitalícia em seu favor. Conforme entendimento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de famílias de baixa renda, existe presunção relativa de dependência econômica entre os membros, sendo cabível a fixação de pensão mensal a título de indenização por dano material nos casos de falecimento de membro familiar, ainda que não comprovada a atividade remunerada do de cujus prévia ao falecimento, até mesmo no caso de criança, recém-nascido falecido logo após o parto ou natimorto. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO, DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. NEGLIGÊNCIA MÉDICA. NATIMORTO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PENSÃO VITALÍCIA. I - Na origem, trata-se de ação de indenização por danos morais em desfavor do Distrito Federal, objetivando reparação pecuniária em decorrência da conduta de agente público que implicou o parto de natimorto de sua filha após quarenta semanas normais de gravidez. Na sentença o pedido foi julgado parcialmente procedente, condenando o ente federado ao pagamento de danos morais e materiais e decotando dos pedidos de pretensão a pensão mensal vitalícia. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada, incluindo a pensão vitalícia na condenação. II - O STJ também coaduna da tese de existência de presunção legal de dependência econômica dos pais em relação ao filho menor falecido, ou mesmo natimorto. III - Confira-se o seguinte precedente: REsp n. 1.654.108 - SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Julgamento em 13 de março de 2019, Dje 15/3/2019. IV - Quanto aos dissídios jurisprudenciais suscitados, a insurgência do recorrente também não prospera, a uma, pela falta de interesse recursal do recorrente, a duas, porque o REsp n. 1.654.108 - SP, usado como paradigma para afastar o pensionamento mensal, diversamente do inferido no apelo nobre, entende como devida a pensão mensal no caso de natimorto. V - Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no AREsp n. 1.905.617/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 11/5/2022.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. REVISÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. PRESUNÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO NO SUSTENTO DA FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. REEXAME DE PROVAS. PRECEDENTES. 1. Rever o entendimento da instância ordinária, no tocante ao valor fixado a título de indenização, implica o imprescindível reexame das provas constantes dos autos, o que é defeso em recurso especial devido ao que preceitua a Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." 2. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que "é devida a indenização de dano material consistente em pensionamento mensal aos genitores de menor falecido, ainda que este não exerça atividade remunerada, posto que se presume ajuda mútua entre os integrantes de famílias de baixa renda" (AgRg no REsp 1.228.184/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 5/9/2012). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no AREsp n. 1.198.316/AC, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 17/5/2018, DJe de 25/5/2018.) O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em caso semelhante, entendeu devida a seguinte estipulação da pensão mensal: REMESSA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR MORTE DE NASCITURO. NEGLIGÊNCIA. POR DANO MORAL CONFIGURADO. PENSIONAMENTO AOS GENITORES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ENTE PROMOVIDO. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. Cuida-se de Remessa nos autos da Indenização por Dano Material e Moral, buscando a reforma da sentença que julgou em parte procedente o pedido exordial, no sentido de condenar a Fundação de Saúde Pública de Iguatu - FUSPI ao pagamento de indenização por dano moral (...), bem como de pensão mensal em favor dos autores no patamar de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo, inclusive gratificação natalina, a partir do dia em que o nascituro completaria 14 (quatorze) anos até a data em que atingisse 25 (vinte e cinco) anos de idade, quando seria reduzida para 1/3 (um terço) do salário-mínimo sendo pago até o óbito do beneficiário da pensão ou da data que a vítima atingisse 65 (sessenta e cinco) anos de idade. (...) 5. Fixação de pensão mensal em favor dos autores conforme parâmetro da Corte Superior. 6. Remessa conhecida e desprovida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer da Remessa, mas negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora. Fortaleza, dia e hora registrados no sistema. MARIA IRANEIDE MOURA SILVA Presidente do Órgão Julgador e Relatora (TJ-CE, Remessa Necessária Cível - 0050163-04.2016.8.06.0091, Rel. Desembargador(a) MARIA IRANEIDE MOURA SILVA, 2ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 02/02/2022, data da publicação: 02/02/2022) Destarte, entendo cabível condenar o ente promovido ao pagamento de pensão mensal aos autores, solidariamente, no patamar de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo, inclusive gratificação natalina, a partir do dia em que o nascituro completaria 14 (quatorze) anos até a data em que atingiria 25 (vinte e cinco) anos de idade, quando será reduzida para 1/3 (um terço) do salário-mínimo, sendo pago até os óbitos dos autores ou da data em que o nascituro atingiria 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Por fim, quanto ao pleito de condenação do requerido ao pagamento de danos materiais e de danos estéticos, todavia, entendo que estes não merecem acolhimento. No tocante aos danos materiais, os autores não comprovaram as alegadas despesas arcadas com o tratamento da requerente, não anexando notas fiscais ou recibos que comprovassem os valores despendidos. Assim, descabe a fixação de danos materiais por mera estipulação. No que se refere aos danos estéticos, aduzem seu cabimento em razão dos problemas cardíacos sofridos pela autora após o parto, como insuficiência cardíaca e cardiomiopatia periparto, conforme documentos médicos de IDs 53635812 a 53635815. Entretanto, conforme os elementos probatórios constantes dos autos, não é possível concluir que tal quadro decorreu da negligência médica apurada nestes autos. Primeiramente, cabe destacar que a testemunha Gabriel Nascimento Leite, arrolada pelos próprios autores, confirmou que a requerente já padecia de problema de asma desde muitos anos antes de sua gravidez. Por sua vez, o informante José Arimatéia Machado, também arrolado pelos promoventes, afirmou que a gravidez da autora se tornou de risco em razão de seu problema de asma. Destarte, é possível se concluir que o quadro de saúde preexistente da autora, muito provavelmente, contribuiu para os problemas cardíacos por ela enfrentados após o parto. Outrossim, não se vislumbra nexo de causalidade direto entre a falta de oxigênio ocorrida na ambulância, durante a transferência da autora a Fortaleza, e os referidos problemas cardíacos. Sendo assim, os pedidos autorais merecem acolhimento parcial. III - DISPOSITIVO: Diante do exposto e à luz das demais regras e princípios atinentes à espécie, julgo o presente feito EXTINTO sem resolução de mérito em face do requerido MOACIR COELHO DE SOUSA FILHO, na forma do artigo 485, VI, do CPC, por ser parte ilegítima para figurar no feito. No tocante ao requerido MUNICÍPIO DE ICÓ, julgo os pedidos autorais PARCIALMENTE PROCEDENTES, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, para: a) condenar o ente requerido ao pagamento de danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor da autora ALDEVANIA FERREIRA MACHADO e no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em favor do promovente GERLANIO RODRIGUES DE SOUZA, incidindo correção monetária a contar do arbitramento, com base no índice IPCA-E, e juros de mora a partir do evento danoso, pelo índice oficial aplicado à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei nº 9.494/97), conforme Tema nº 905 do STJ, com a ressalva de que, a partir da data de 09/12/2021, os juros moratórios e a correção monetária obedecerão apenas à taxa SELIC, acumulada mensalmente, de acordo com a EC nº 113/2021; b) condenar o ente requerido ao pagamento de pensão vitalícia em favor dos autores, solidariamente, no patamar de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo, inclusive gratificação natalina, a partir do dia em que o nascituro completaria 14 (quatorze) anos de idade até a data em que atingiria 25 (vinte e cinco) anos de idade, quando será reduzida para 1/3 (um terço) do salário-mínimo, sendo pago até a data em que o nascituro atingiria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, ou até o óbito de ambos os autores, o que ocorrer primeiro; e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de danos materiais e estéticos, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC. Diante da sucumbência em face do promovido Moacir Coelho de Sousa Filho, condeno os autores ao pagamento de 50% (cinquenta por centos) das custas e das despesas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos causídicos do médico requerido, os quais fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ficando a obrigação suspensa, contudo, em virtude de se tratar de beneficiários da justiça gratuita, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC. Considerando que os autores sucumbiram em parte mínima dos pedidos em face do ente requerido, condeno o Município de Icó ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos causídicos da parte autora, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação por danos morais, conforme art. 85, § 3º, I, do CPC, vez que os valores relativos à pensão vitalícia não poderão ser aferidos nesta fase. Deixo de condenar o ente promovido ao pagamento das custas e das despesas processuais, em razão da isenção conferida pela Lei Estadual nº 15.834/2015. Na hipótese de oposição de embargos de declaração, intime-se a parte contrária para manifestação, no prazo de 5 (cinco) dias, na forma do art. 1.023, § 2º, do CPC. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo a quo (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária, caso possua advogado, para oferecer resposta, no prazo de 15 (quinze) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos à Superior Instância, para apreciação do recurso de apelação. Sentença sujeita à remessa necessária, dada a condenação do Município de Icó em quantia ilíquida (art. 496, I, do CPC). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Expedientes necessários. Icó/CE, data da assinatura eletrônica. 1Disponível em: https://sanarmed.com/anoxia-neonatal-tudo-o-que-voce-precisa-saber-colunistas/ 2Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/dezembro/asfixia-perinatal-e-a-terceira-causa-de-morte-neonatal-no-mundo Juiz Assinado eletronicamente