Viviane Marques Lisboa Monteiro e outros x Andréa Costa Do Amaral e outros
Número do Processo:
0061344-14.2014.8.15.2001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPB
Classe:
USUCAPIãO
Grau:
1º Grau
Órgão:
17ª Vara Cível da Capital
Última atualização encontrada em
18 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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18/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 17ª Vara Cível da Capital | Classe: USUCAPIãOPoder Judiciário da Paraíba 17ª Vara Cível da Capital AÇÃO DE USUCAPIÃO / REINTEGRAÇÃO DE POSSE (0061344-14.2014.8.15.2001 e 0064970-41.2014.8.15.2001) Promovente da Ação de Reintegração de Posse / Promovido na Ação de Usucapião: ANTONIO DA SILVA RAMOS NETO Promovente da Ação de Usucapião / Promovido na Ação de Reintegração de Posse: FRANCISCO DE ASSIS SILVA SENTENÇA CONJUNTA Antonio da Silva Ramos Neto ajuizou ação de REINTEGRAÇÃO DE POSSE contra Francisco de Assis Silva, alegando ser proprietário do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado na Rua Norberto de Castro Nogueira, s/n, bairro Jardim Oceania, nesta Capital. Afirmou que, após a aquisição, murou o imóvel e instalou portão para evitar ocupação indevida. Relatou que, em 19 de setembro de 2014, sua esposa constatou a retirada do portão e a presença de construção no interior do lote, já ocupada por terceiro. Lavrou boletim de ocorrência e promoveu notificação extrajudicial, cumprida pelo Cartório Toscano de Brito, quando se confirmou a identidade do ocupante, Francisco de Assis Silva. Juntou contas da CAGEPA e da ENERGISA, emitidas entre agosto e outubro de 2014, com o intuito de demonstrar o que classificou como ‘’invasão’’. Requereu a concessão de liminar e, ao final, a procedência da ação para fins de reintegração na posse do imóvel. A liminar e a gratuidade da justiça foram deferidas (Id. 32183773). No Id. 32183773, o requerido apresentou petição na qual requereu a revogação da liminar concedida. Logo após, Francisco de Assis Silva apresentou contestação (Id. 32183774, págs. 98–116), na qual alegou, em preliminar, a inépcia da petição inicial, por suposta ausência de elementos indispensáveis à propositura da ação. Arguiu, ainda, carência de ação por falta de interesse processual, defendendo a improcedência da demanda sob o argumento de que não haveria esbulho, tampouco urgência, e que o autor não deteria posse a ser protegida. No mérito, alegou que reside no imóvel há mais de vinte anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com ciência e apoio dos vizinhos. Sustentou que o lote estava abandonado e tomado por entulhos, e que passou a ocupá-lo em 1994, após convite do proprietário de uma academia vizinha, onde trabalhava como auxiliar. Afirmou haver limpado a área, instalado portão e construído barraca, passando a cultivar árvores frutíferas e a criar animais no local, com o apoio de moradores próximos, entre eles, Maria de Lourdes Pessoa da Silva. Aduziu que o autor agiu com má-fé ao propor a ação, utilizando documentos recentes e omitindo a existência de ação de usucapião anteriormente ajuizada. Ao final, requereu a rejeição da ação e a revogação da liminar concedida. Fora apresentada réplica pelo requerente (Id. 32183774, págs. 52–60). Fora designada audiência de instrução (Id. 55016932), a qual foi posteriormente retirada de pauta por determinação judicial, em razão da existência da Ação de Usucapião n.º 0061344-14.2014.8.15.2001, que se encontrava pendente de julgamento de embargos de declaração (Id. 64391728). Determinou-se o apensamento dos autos para análise de eventual decisão conjunta por conexão. Em paralelo, Francisco de Assis Silva ajuizou ação de USUCAPIÃO (EXTRAORDINÁRIA) em desfavor de Antonio da Silva Ramos Neto, alegando exercer a posse do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado nesta Capital, há mais de vinte anos, regularmente. Alegou que nunca sofreu embaraços em sua condição de possuidor, a qual nunca fora contestada, tampouco sofrera ameaça ou oposição, arcando com os encargos incidentes sobre o imóvel, como taxas de água e energia, conforme documentação anexada. Fundamentou o pedido no artigo 1.242, parágrafo único, do Código Civil, e nos artigos 941 a 945 do Código de Processo Civil, pugnando pelo reconhecimento da aquisição da propriedade e pela expedição de sentença que sirva de título hábil à transcrição no registro de imóveis. Requereu a citação editalícia do réu, bem como a intimação dos confinantes identificados, da União, Estado e Município, além da intervenção do Ministério Público, para que, querendo, apresentassem contestação. Ao final, pediu a procedência da ação, com o reconhecimento do domínio sobre o imóvel usucapiendo. A gratuidade da justiça foi deferida a Francisco de Assis Silva (Id. 32184375, pág .64). O réu deduziu contestação (Id. 32184376, págs. 98–116), reiterando o pedido de revogação da medida liminar e ainda, os fundamentos insertos em sua manifestação inaugural. Sustentou, em preâmbulo, a inépcia da petição inicial, sob a alegação de ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação possessória, nos termos dos artigos 319, VI, 320 e 333, I, do CPC (1973). Arguiu, ainda, a carência de ação por ausência de interesse de agir, afirmando inexistir esbulho possessório e tampouco urgência apta a justificar o provimento liminar concedido. Alegou que não haveria posse legítima a ser protegida, uma vez que o autor jamais teria exercido a posse sobre o imóvel em questão. No mérito, afirmou exercer posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o bem desde o ano de 1994, com ciência da comunidade vizinha e sem qualquer oposição, razão pela qual reputa ser legítima a ocupação. Relatou que, à época, o imóvel encontrava-se abandonado e coberto por entulhos, tendo sido por ele limpo, cercado e aproveitado para construção de barraca, cultivo de árvores frutíferas e criação de pequenos animais, com o apoio de vizinhos como a Sra. Maria de Lourdes Pessoa da Silva. Defendeu que sua ocupação teria se dado com animus domini e que os documentos apresentados pelo autor — tais como contas de tarifas/consumo datadas de agosto a outubro de 2014 — não seriam aptos a demonstrar posse anterior ou legítima. Impugnou expressamente tais documentos, sustentando que o autor teria se valido de artifícios recentes para forjar a aparência de ocupação e que, inclusive, teria ajuizado a presente demanda após a ciência da existência da ação de usucapião proposta por ele. Requereu, por fim, a rejeição da presente ação de reintegração de posse, a revogação da medida liminar concedida e a condenação do autor por litigância de má-fé. Pugnou, ainda, pela produção de prova testemunhal e tomada do depoimento pessoal da autora, além do chamamento ao processo da Sra. Avanide Isabel dos Santos, ex-cônjuge do Promovente, sob a alegação de que a posse exercida por ele teria ocorrido durante o casamento e, portanto, sob regime de comunhão de bens. O autor (Francisco) apresentou réplica à contestação (Id. 32184376, págs. 65–74). O promovente requereu a realização de audiência de justificação (Id. 32184377, pág.42), no que foi atendido. Por ocasião do ato, realizado em 15/07/2016, o juízo manteve a decisão liminar anteriormente concedida nos autos da ação reintegratória (Id. 32184377, pág. 43). Eventualmente, o juízo originário da ação usucapenda — 15ª Vara Cível — reconheceu a conexão entre as demandas e, em razão da prevenção da 17ª Vara Cível, declarando a sua incompetência para processar e julgar os feitos, e determinando a redistribuição de ambos os processos ao juízo prevento (esta unidade judiciária), conforme Id. 32184377, pág. 50. Em manifestação, o Ministério Público, por sua Promotoria de Justiça, devolveu os autos sem pronunciamento de mérito, por não identificar interesse público que justificasse sua atuação (Id. 32184377, págs. 81–82). Fora proferida sentença nos autos da ação de usucapião extraordinária, a qual julgou improcedente o pedido formulado por Francisco de Assis Silva, sob o fundamento de ausência de prova constitutiva da posse mansa, pacífica e ininterrupta por 20 anos (Id. 55597427). A sentença na ação de usucapião foi anulada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (Id. 98264924) por vício processual: deixou-se de realizar o julgamento conjunto com a ação de reintegração de posse, a ela conexa. Eis o relatório, decido. DA DENUNCIAÇÃO À LIDE (USUCAPIÃO) Francisco de Assis Silva, nos autos da ação de usucapião, requereu o chamamento ao processo de Avanide Isabel dos Santos, ex-cônjuge de Antonio da Silva Ramos Neto, sob a alegação de que a posse sobre o imóvel teria se iniciado durante a constância do casamento, então submetido ao regime de comunhão de bens. A pretensão, contudo, não encontra respaldo nos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Civil, porquanto não se cuida da hipótese de evicção, nem de responsabilidade regressiva juridicamente estabelecida. Além do mais, mostra-se desnecessária à solução da controvérsia, uma vez que o objeto do litígio limita-se à análise da posse e do domínio, não sendo imprescindível, para tanto, a inclusão da referida terceira pessoa na lide. Mais do que isso: além de não figurar como titular tabular do imóvel — sendo, portanto, pessoa juridicamente estranha à relação de direito material sub judice —, o ex-cônjuge não poderia ver reconhecidos, nesta via, eventuais efeitos retroativos (ex tunc) decorrentes da comunhão patrimonial. Isso porque a partilha de bens entre os cônjuges, mesmo quando não realizada, não opera automaticamente a transmissão de domínio, tampouco gera presunção de cotitularidade formal sobre bens não registrados em nome da parte. Cuida-se, em tais casos, de expectativa de direito sujeita à liquidação própria e posterior, o que reafirma a ausência de interesse processual ou relevância jurídica da intervenção pretendida. Por tais razões, AFASTO o pedido de denunciação à lide. DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL (REINTEGRAÇÃO DE POSSE) Nos termos do artigo 330 do Código de Processo Civil, considera-se inepta a petição inicial quando: a) lhe faltar pedido ou causa de pedir; b) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; c) o pedido for juridicamente impossível; ou d) contiver pedidos incompatíveis entre si. Nenhuma dessas hipóteses se verifica no caso concreto. A petição inicial, acompanhada da documentação indispensável, expõe os fatos com objetividade, identificando quantum satis o bem jurídico em disputa, a posse alegada pelo autor, a data do suposto esbulho e a descrição da conduta imputada ao réu. Neste sentido, convém ressaltar que o juízo de admissibilidade da petição inicial limita-se à análise formal e abstrata, conforme informando pelo princípio da asserção, não abrangendo o exame do conteúdo probatório ou da fidedignidade dos fatos alegados - questões estas, reservadas ao mérito da causa. Não se trata, pois, de hipótese de inépcia. REJEITO a preliminar. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL (REINTEGRAÇÃO DE POSSE) Também não prospera a alegação de carência de ação por ausência de interesse processual. O interesse de agir está presente quando demonstrada, de forma minimamente plausível, a necessidade de tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida. No caso, o autor afirma ter mantido posse sobre o imóvel e alega ter sido dele desapossado por conduta atribuída ao promovido – narrativa que, em tese, atende aos requisitos da ação possessória (demonstrando, assim, a pertinência subjetiva da demanda). Quanto ao interesse processual, a mera existência de controvérsia entre as partes – evidenciada pela resistência apresentada na contestação – já basta para caracterizá-lo, mostrando-se a via eleita adequada para o provimento jurisdicional pleiteado, como ensina Liebman. A alegação de que o autor jamais exerceu a posse ou que não houve esbulho não configura ausência de interesse processual, mas, sim, tese defensiva que também tangencia o mérito. REJEITO a preliminar e analiso o mérito. MÉRITO (JULGAMENTO CONJUNTO) As ações em exame — reintegração de posse e usucapião — referem-se ao mesmo imóvel urbano, identificado como lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, nesta Capital, e são promovidas, em sentido inverso, pelas partes que ocupam posições processuais alternadas. Por tais razões, analiso o mérito conjuntamente, de modo a evitar pronunciamentos conflitantes. De um lado, Antonio da Silva Ramos Neto afirma ser proprietário do imóvel, argumentando exercer posse sobre ele, inclusive com a adoção de medidas de preservação — como o cercamento e instalação de portão —, tendo sido desapossado injustamente. Em abono de suas alegações, anexou boletim de ocorrência, notificação extrajudicial e contas de consumo datadas de agosto a outubro de 2014, documentos que, em conjunto, demonstrariam, coerentemente, a detenção anterior e a alegada perda da posse em momento identificável. De outra banda, Francisco de Assis Silva afirma exercer a posse do imóvel há mais de vinte anos, com animus domini, de forma contínua, pacífica e pública, com o reconhecimento da comunidade local, requerendo, destarte, o reconhecimento do domínio pela via da usucapião extraordinária. Alega que a sua ocupação remonta a 1994, obtida mediante permissão informal de terceiro, e que, desde então, teria edificado, cultivado e habitado o local com sua família. Ambas as pretensões são mutuamente excludentes: ou houve posse anterior e esbulho recente, nos termos sustentados por Antonio, ou houve posse contínua, autônoma e prolongada, apta a ensejar a aquisição ad usucapionem, como afirma Francisco. Incompatíveis ou antípodas as teses. Francisco de Assis Filho admite que ocupa o imóvel, mas sustenta que o faz desde o ano de 1994, de maneira contínua, pacífica e com animus domini. Relata que teria recebido permissão informal de um vizinho — proprietário de academia contígua — para utilizar o terreno, que então estaria abandonado e tomado por entulhos. Declara que, desde então, teria instalado barraca, cultivado árvores frutíferas, criado animais e feito uso residencial daquele lote. Contudo, a versão apresentada por Francisco não vem acompanhada de prova documental robusta que evidencie o alegado exercício possessório de longa duração. Examinando detidamente a petição inicial da ação de usucapião, constata-se que não é possível estabelecer um sólido encadeamento temporal da alegada posse. Todos os documentos apresentados datam do ano de 2014 — precisamente o período em que a ação foi ajuizada — e, portanto, são insuficientes para sustentar a existência de uma posse qualificada e duradoura. Não há nos autos registros de contas de consumo anteriores ao ano de 2014, tampouco carnês de imposto predial e territorial urbano, taxa e coleta de resíduos, declarações fiscais ou qualquer outro elemento que demonstre, objetivamente, uma posse qualificada por período igual ou superior a vinte anos. Os extratos da Cagepa (Id. 32184375, fl. 48 - usucapião), os documentos emitidos pela Energisa (Id. 32184375, fl. 47 - usucapião) e até mesmo a declaração subscrita pelo Cartório Eunápio Torres se limitam a demonstrar que havia, de fato, ocupação no ano de 2014 — ano do ajuizamento da demanda —, sem, contudo, conferir qualquer projeção retroativa que permita sustentar a alegada posse qualificada ao longo do tempo. Do mesmo modo, as fotografias anexadas aos autos apenas documentam o estado físico do imóvel no momento da propositura da ação, sem fornecer qualquer indicativo da temporalidade da ocupação. Mais importante, o Termo de Rescisão Contratual firmado entre Francisco de Assis Silva e Valberto Pessoa da Silva (Id. 32183774, pág. 35 - usucapião) compromete de forma decisiva a narrativa apresentada na petição inicial. Isso porque o documento sugere que a ocupação do imóvel teria se iniciado apenas após o encerramento do vínculo de trabalho — e não, durante sua vigência, como sustentado. Ao indicar o endereço do imóvel como referência no momento da rescisão, o termo aponta para a entrega ou utilização do bem como parte do acerto final entre empregador e empregado, sugerindo que a permanência no local decorreu justamente do fim da relação laboral. A ausência de prova formal torna-se ainda mais significativa diante da alegação de que a posse teria iniciado há mais de duas décadas, expectativa que naturalmente exigiria registros documentais minimamente consistentes e cronologicamente apresentados. Seria de supor que, em sendo verdadeiro o exercício da posse durante todo aquele tempo, tivesse deixado vestígios documentais, registros administrativos ou mesmo comunicações para e do poder público. Tais constatações conduzem a mais uma fragilidade no núcleo argumentativo da ação de usucapião: ao utilizar o termo de rescisão (20 de maio de 2014) como embrião de sua pretensão, o próprio requerente admite que sua ocupação teve início mediante autorização informal (irregular) de terceiro - este que comprometeria a autonomia da posse alegada e desnatura, desde a origem, o caráter autônomo exigido para a prescrição aquisitiva. Frustraria, também, qualquer hipótese de conversão da pretensão aquisitiva para a modalidade ordinária (art. 1.242, caput, do Código Civil), justamente pela ausência de justo título. O quadro que se desenha, portanto, seria o de uma permanência consentida, sustentada por vínculo pessoal preexistente e nunca convertida, de forma inequívoca, em exercício autônomo de domínio. Para que a detenção tolerada se transfigure em posse aquisitiva, exige-se um gesto claro de ruptura — um marco identificável em que a permanência deixa de ser mera permissão e se afirma como pretensão de titularidade (isto é, um indício de inversão da posse, nos termos do art. 1.208, do Código Civil). Nos autos, essa transição sequer se delineia com nitidez e, se existente, coincide com o encerramento do vínculo laboral, no ano de 2014 — circunstância que, por si só, fixa um marco temporal inteiramente incompatível com os requisitos cronológicos da usucapião extraordinária. Tanto é assim que, conforme ressaltado no depoimento colhido nos autos da ação reintegratória, o declarante José Severino da Silva afirmou que Francisco apenas construiu um “quartinho” no terreno discutido após sua ''demissão''; o que também ratifica a data de início do esbulho, como narrado por Antônio da Silva Ramos. Além disso, o termo firmado com o empregador, Valberto Pessoa da Silva, não possui qualquer força jurídica para os fins pretendidos. Trata-se de terceiro estranho à cadeia dominial, o qual sequer detinha legitimidade tabular para autorizar, permitir ou transmitir posse sobre o imóvel. Neste sentido, ainda que já fragilizado o requisito temporal específico para a usucapião extraordinária, impõe-se destacar que a resposta célere e determinada de Antonio da Silva Ramos Neto — ao deflagrar medidas extrajudiciais e judiciais tão-logo tomou ciência da ocupação — descortina a ruptura da suposta continuidade e serenidade da posse alegada por Francisco de Assis Silva, já fragilizada por um marco temporal negativo. Resta quebrada, portanto, a ideia de tolerância ou aquiescência e evidencia oposição real, incompatível com a pacificidade exigida. Outro aspecto relevante refere-se às declarações ''certidões testemunhais'' juntadas aos autos por Francisco de Assis Silva: são provas unilaterais, produzidas à margem do contraditório e, por isso mesmo, de valor probatório mitigado – seja pela ausência de confirmação por outros elementos de convicção, seja em razão das inconsistências e saltos argumentativos que permeiam seu conteúdo. Ainda que revelem impressões subjetivas sobre a ocupação do imóvel, não se prestam, isoladamente a comprovar posse com as características exigidas pela legislação. É que a análise sistêmica do conteúdo dos autos indica não a consolidação de uma posse duradoura e autônoma, mas, sim, um esforço posterior de adequação fática a um fim jurídico específico, ao que postula na inicial aquisitória. Ainda que se admita o conhecimento, pela comunidade local, acerca da ocupação do imóvel, isso não se transmuta, por si só, em posse qualificada, mormente quando ausente qualquer demonstração de oposição clara à titularidade formal do bem. Isso se torna ainda mais evidente diante da própria narrativa do autor, que afirma ter trabalhado por mais de vinte anos em imóvel vizinho — o que, naturalmente, implica familiaridade com os moradores da área. DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE Dessa forma, à luz do conjunto probatório dos autos, a versão apresentada por Antonio da Silva Ramos Neto — pretensão reintegratória — se mostra mais plausível e juridicamente consistente. Explico. A posse por ele descrita, de natureza conservativa e respaldada por comportamento típico de proprietário, foi indevidamente perturbada, ensejando legítima pretensão possessória. O arcabouço probatório comprova não apenas o exercício da posse, mas também sua perda em circunstâncias bem delimitadas no tempo, conferindo ao autor respaldo jurídico para o pedido formulado, nos termos do art. 561, do Códigode Processo Civil. No presente caso, os documentos trazidos por Antonio — especialmente os termos de depoimento, notificações extrajudiciais e contas de consumo emitidas em seu nome antes e durante a controvérsia — evidenciam de forma clara a posse anterior e o exercício de atos típicos de domínio, voltados à conservação e controle do bem. A turbação, por sua vez, encontra suporte no relato coerente do ingresso indevido no imóvel e na supressão imediata do portão que o cercava, atitude materialmente incompatível com qualquer noção de tolerância. A linha temporal desse ato também se harmoniza com os demais elementos constantes dos autos. Em 2014, Antonio da Silva Ramos Neto, ao receber, em sede de rescisão contratual, um termo informal relacionado ao imóvel ocupado por Francisco de Assis Silva, dirige-se ao local e constata a ocupação indevida. Essa data — a da rescisão — configura, como já ressaltado, o marco do início do esbulho, evidenciando a perda recente da posse e afastando qualquer alegação de ocupação pacífica e prolongada. Neste sentido, desprovida de base probatória mínima, a narrativa de Francisco de Assis Silva não se ajusta aos pressupostos legais da extraordinária: ausente a comprovação de posse qualificada — contínua, pública, pacífica e exercida com animus domini —, resta inviável o acolhimento de sua pretensão aquisitiva pela via da usucapião. A procedência da ação de reintegração de posse, portanto, implica, por consequência lógica, na improcedência da ação de usucapião. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ Por fim, embora a conduta processual do autor (Francisco de Assis Silva) da ação de usucapião revele fragilidades argumentativas e certo grau de inverossimilhança na narrativa, não se vislumbra, nos autos, o dolo processual necessário à configuração da litigância de má-fé. Com efeito, a litigância de má-fé exige conduta objetivamente reprovável, marcada pela intenção consciente de alterar a verdade dos fatos, provocar incidentes infundados ou utilizar o processo com finalidade manifestamente ilícita. Penso que a irregularidade da tese deduzida em juízo é atenuada pelo próprio controle jurisdicional, que opera como limite natural àquilo que se postula. Não se vislumbra, na conduta do requerente, qualquer intento deliberado de subverter os fatos ou de comprometer a higidez do processo com afirmações sabidamente falsas ou distorcidas. O que se depreende, ao revés, é o esforço, ainda que juridicamente insuficiente, de conferir contornos possessórios a uma expectativa subjetiva moldada por um vínculo pessoal pretérito. Visualiza-se que Francisco de Assis Silva, idoso de aparente formação modesta, aparenta ter acreditado que, ao permanecer no imóvel após a rescisão de seu contrato de trabalho — rescisão esta firmada com terceiro sem qualquer domínio sobre o bem —, teria, por isso, consolidado algum direito de permanência. Ainda que não seja razoável supor que o homem médio acreditaria na validade jurídica de uma tal promessa, é forçoso reconhecer que Francisco de Assis Silva laborou por mais de vinte anos junto a empregador que sequer figura como parte neste processo e, diante de sua aparente condição socioeconômica e limitada formação, é plausível que tenha devotado confiança natural à palavra daquele, nos termos em que lhe foram apresentados. Essa percepção distorcida, embora juridicamente infundada, não autoriza, por si, a aplicação de reprimenda processual de natureza sancionatória. Assim, ausentes os requisitos previstos no artigo 80 do Código de Processo Civil, INDEFIRO o pedido de condenação por litigância de má-fé, formulado na contestação de Antonio da Silva Ramos Neto. DISPOSITIVO I – JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na Ação de Reintegração de Posse n.º 0064970-41.2014.8.15.2001, promovida por Antonio da Silva Ramos Neto, para confirmar a liminar concedida no Id. 32183773 e determinar a reintegração do autor na posse do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado nesta Capital, devendo o promovido, Francisco de Assis Silva, desocupar voluntariamente o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação pessoal desta sentença, sob pena de expedição de mandado de reintegração forçada; II – JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Francisco de Assis Silva na Ação de Usucapião n.º 0061344-14.2014.8.15.2001, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil; III – CONDENO Francisco de Assis Silva ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em ambas as ações ora apensadas, os quais fixo, com fundamento no art. 85, §2º, do CPC, em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspendendo-se, todavia, a exigibilidade de tais verbas, diante da gratuidade da justiça deferida e ora expressamente reconhecida relativamente a ambos os feitos; IV - EXTINGO AMBOS OS PROCESSOS, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Considere-se esta sentença publicada e registrada a partir de sua disponibilização no sistema PJe. Intimem-se as partes (DJEN). Trasladem-se cópias, se necessário. Com o trânsito em julgado da Ação de Usucapião, arquive-se o processo n.º 0061344-14.2014.8.15.2001. Quanto à Ação de Reintegração de Posse, intime-se pessoalmente o requerido Francisco de Assis Silva para a desocupação voluntária do imóvel no prazo acima estipulado. Decorrido o prazo sem cumprimento, expeça-se mandado de desocupação forçada. João Pessoa, data do registro. Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho - Juiz(a) de Direito
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18/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 17ª Vara Cível da Capital | Classe: USUCAPIãOPoder Judiciário da Paraíba 17ª Vara Cível da Capital AÇÃO DE USUCAPIÃO / REINTEGRAÇÃO DE POSSE (0061344-14.2014.8.15.2001 e 0064970-41.2014.8.15.2001) Promovente da Ação de Reintegração de Posse / Promovido na Ação de Usucapião: ANTONIO DA SILVA RAMOS NETO Promovente da Ação de Usucapião / Promovido na Ação de Reintegração de Posse: FRANCISCO DE ASSIS SILVA SENTENÇA CONJUNTA Antonio da Silva Ramos Neto ajuizou ação de REINTEGRAÇÃO DE POSSE contra Francisco de Assis Silva, alegando ser proprietário do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado na Rua Norberto de Castro Nogueira, s/n, bairro Jardim Oceania, nesta Capital. Afirmou que, após a aquisição, murou o imóvel e instalou portão para evitar ocupação indevida. Relatou que, em 19 de setembro de 2014, sua esposa constatou a retirada do portão e a presença de construção no interior do lote, já ocupada por terceiro. Lavrou boletim de ocorrência e promoveu notificação extrajudicial, cumprida pelo Cartório Toscano de Brito, quando se confirmou a identidade do ocupante, Francisco de Assis Silva. Juntou contas da CAGEPA e da ENERGISA, emitidas entre agosto e outubro de 2014, com o intuito de demonstrar o que classificou como ‘’invasão’’. Requereu a concessão de liminar e, ao final, a procedência da ação para fins de reintegração na posse do imóvel. A liminar e a gratuidade da justiça foram deferidas (Id. 32183773). No Id. 32183773, o requerido apresentou petição na qual requereu a revogação da liminar concedida. Logo após, Francisco de Assis Silva apresentou contestação (Id. 32183774, págs. 98–116), na qual alegou, em preliminar, a inépcia da petição inicial, por suposta ausência de elementos indispensáveis à propositura da ação. Arguiu, ainda, carência de ação por falta de interesse processual, defendendo a improcedência da demanda sob o argumento de que não haveria esbulho, tampouco urgência, e que o autor não deteria posse a ser protegida. No mérito, alegou que reside no imóvel há mais de vinte anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com ciência e apoio dos vizinhos. Sustentou que o lote estava abandonado e tomado por entulhos, e que passou a ocupá-lo em 1994, após convite do proprietário de uma academia vizinha, onde trabalhava como auxiliar. Afirmou haver limpado a área, instalado portão e construído barraca, passando a cultivar árvores frutíferas e a criar animais no local, com o apoio de moradores próximos, entre eles, Maria de Lourdes Pessoa da Silva. Aduziu que o autor agiu com má-fé ao propor a ação, utilizando documentos recentes e omitindo a existência de ação de usucapião anteriormente ajuizada. Ao final, requereu a rejeição da ação e a revogação da liminar concedida. Fora apresentada réplica pelo requerente (Id. 32183774, págs. 52–60). Fora designada audiência de instrução (Id. 55016932), a qual foi posteriormente retirada de pauta por determinação judicial, em razão da existência da Ação de Usucapião n.º 0061344-14.2014.8.15.2001, que se encontrava pendente de julgamento de embargos de declaração (Id. 64391728). Determinou-se o apensamento dos autos para análise de eventual decisão conjunta por conexão. Em paralelo, Francisco de Assis Silva ajuizou ação de USUCAPIÃO (EXTRAORDINÁRIA) em desfavor de Antonio da Silva Ramos Neto, alegando exercer a posse do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado nesta Capital, há mais de vinte anos, regularmente. Alegou que nunca sofreu embaraços em sua condição de possuidor, a qual nunca fora contestada, tampouco sofrera ameaça ou oposição, arcando com os encargos incidentes sobre o imóvel, como taxas de água e energia, conforme documentação anexada. Fundamentou o pedido no artigo 1.242, parágrafo único, do Código Civil, e nos artigos 941 a 945 do Código de Processo Civil, pugnando pelo reconhecimento da aquisição da propriedade e pela expedição de sentença que sirva de título hábil à transcrição no registro de imóveis. Requereu a citação editalícia do réu, bem como a intimação dos confinantes identificados, da União, Estado e Município, além da intervenção do Ministério Público, para que, querendo, apresentassem contestação. Ao final, pediu a procedência da ação, com o reconhecimento do domínio sobre o imóvel usucapiendo. A gratuidade da justiça foi deferida a Francisco de Assis Silva (Id. 32184375, pág .64). O réu deduziu contestação (Id. 32184376, págs. 98–116), reiterando o pedido de revogação da medida liminar e ainda, os fundamentos insertos em sua manifestação inaugural. Sustentou, em preâmbulo, a inépcia da petição inicial, sob a alegação de ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação possessória, nos termos dos artigos 319, VI, 320 e 333, I, do CPC (1973). Arguiu, ainda, a carência de ação por ausência de interesse de agir, afirmando inexistir esbulho possessório e tampouco urgência apta a justificar o provimento liminar concedido. Alegou que não haveria posse legítima a ser protegida, uma vez que o autor jamais teria exercido a posse sobre o imóvel em questão. No mérito, afirmou exercer posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o bem desde o ano de 1994, com ciência da comunidade vizinha e sem qualquer oposição, razão pela qual reputa ser legítima a ocupação. Relatou que, à época, o imóvel encontrava-se abandonado e coberto por entulhos, tendo sido por ele limpo, cercado e aproveitado para construção de barraca, cultivo de árvores frutíferas e criação de pequenos animais, com o apoio de vizinhos como a Sra. Maria de Lourdes Pessoa da Silva. Defendeu que sua ocupação teria se dado com animus domini e que os documentos apresentados pelo autor — tais como contas de tarifas/consumo datadas de agosto a outubro de 2014 — não seriam aptos a demonstrar posse anterior ou legítima. Impugnou expressamente tais documentos, sustentando que o autor teria se valido de artifícios recentes para forjar a aparência de ocupação e que, inclusive, teria ajuizado a presente demanda após a ciência da existência da ação de usucapião proposta por ele. Requereu, por fim, a rejeição da presente ação de reintegração de posse, a revogação da medida liminar concedida e a condenação do autor por litigância de má-fé. Pugnou, ainda, pela produção de prova testemunhal e tomada do depoimento pessoal da autora, além do chamamento ao processo da Sra. Avanide Isabel dos Santos, ex-cônjuge do Promovente, sob a alegação de que a posse exercida por ele teria ocorrido durante o casamento e, portanto, sob regime de comunhão de bens. O autor (Francisco) apresentou réplica à contestação (Id. 32184376, págs. 65–74). O promovente requereu a realização de audiência de justificação (Id. 32184377, pág.42), no que foi atendido. Por ocasião do ato, realizado em 15/07/2016, o juízo manteve a decisão liminar anteriormente concedida nos autos da ação reintegratória (Id. 32184377, pág. 43). Eventualmente, o juízo originário da ação usucapenda — 15ª Vara Cível — reconheceu a conexão entre as demandas e, em razão da prevenção da 17ª Vara Cível, declarando a sua incompetência para processar e julgar os feitos, e determinando a redistribuição de ambos os processos ao juízo prevento (esta unidade judiciária), conforme Id. 32184377, pág. 50. Em manifestação, o Ministério Público, por sua Promotoria de Justiça, devolveu os autos sem pronunciamento de mérito, por não identificar interesse público que justificasse sua atuação (Id. 32184377, págs. 81–82). Fora proferida sentença nos autos da ação de usucapião extraordinária, a qual julgou improcedente o pedido formulado por Francisco de Assis Silva, sob o fundamento de ausência de prova constitutiva da posse mansa, pacífica e ininterrupta por 20 anos (Id. 55597427). A sentença na ação de usucapião foi anulada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (Id. 98264924) por vício processual: deixou-se de realizar o julgamento conjunto com a ação de reintegração de posse, a ela conexa. Eis o relatório, decido. DA DENUNCIAÇÃO À LIDE (USUCAPIÃO) Francisco de Assis Silva, nos autos da ação de usucapião, requereu o chamamento ao processo de Avanide Isabel dos Santos, ex-cônjuge de Antonio da Silva Ramos Neto, sob a alegação de que a posse sobre o imóvel teria se iniciado durante a constância do casamento, então submetido ao regime de comunhão de bens. A pretensão, contudo, não encontra respaldo nos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Civil, porquanto não se cuida da hipótese de evicção, nem de responsabilidade regressiva juridicamente estabelecida. Além do mais, mostra-se desnecessária à solução da controvérsia, uma vez que o objeto do litígio limita-se à análise da posse e do domínio, não sendo imprescindível, para tanto, a inclusão da referida terceira pessoa na lide. Mais do que isso: além de não figurar como titular tabular do imóvel — sendo, portanto, pessoa juridicamente estranha à relação de direito material sub judice —, o ex-cônjuge não poderia ver reconhecidos, nesta via, eventuais efeitos retroativos (ex tunc) decorrentes da comunhão patrimonial. Isso porque a partilha de bens entre os cônjuges, mesmo quando não realizada, não opera automaticamente a transmissão de domínio, tampouco gera presunção de cotitularidade formal sobre bens não registrados em nome da parte. Cuida-se, em tais casos, de expectativa de direito sujeita à liquidação própria e posterior, o que reafirma a ausência de interesse processual ou relevância jurídica da intervenção pretendida. Por tais razões, AFASTO o pedido de denunciação à lide. DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL (REINTEGRAÇÃO DE POSSE) Nos termos do artigo 330 do Código de Processo Civil, considera-se inepta a petição inicial quando: a) lhe faltar pedido ou causa de pedir; b) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; c) o pedido for juridicamente impossível; ou d) contiver pedidos incompatíveis entre si. Nenhuma dessas hipóteses se verifica no caso concreto. A petição inicial, acompanhada da documentação indispensável, expõe os fatos com objetividade, identificando quantum satis o bem jurídico em disputa, a posse alegada pelo autor, a data do suposto esbulho e a descrição da conduta imputada ao réu. Neste sentido, convém ressaltar que o juízo de admissibilidade da petição inicial limita-se à análise formal e abstrata, conforme informando pelo princípio da asserção, não abrangendo o exame do conteúdo probatório ou da fidedignidade dos fatos alegados - questões estas, reservadas ao mérito da causa. Não se trata, pois, de hipótese de inépcia. REJEITO a preliminar. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL (REINTEGRAÇÃO DE POSSE) Também não prospera a alegação de carência de ação por ausência de interesse processual. O interesse de agir está presente quando demonstrada, de forma minimamente plausível, a necessidade de tutela jurisdicional diante de uma pretensão resistida. No caso, o autor afirma ter mantido posse sobre o imóvel e alega ter sido dele desapossado por conduta atribuída ao promovido – narrativa que, em tese, atende aos requisitos da ação possessória (demonstrando, assim, a pertinência subjetiva da demanda). Quanto ao interesse processual, a mera existência de controvérsia entre as partes – evidenciada pela resistência apresentada na contestação – já basta para caracterizá-lo, mostrando-se a via eleita adequada para o provimento jurisdicional pleiteado, como ensina Liebman. A alegação de que o autor jamais exerceu a posse ou que não houve esbulho não configura ausência de interesse processual, mas, sim, tese defensiva que também tangencia o mérito. REJEITO a preliminar e analiso o mérito. MÉRITO (JULGAMENTO CONJUNTO) As ações em exame — reintegração de posse e usucapião — referem-se ao mesmo imóvel urbano, identificado como lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, nesta Capital, e são promovidas, em sentido inverso, pelas partes que ocupam posições processuais alternadas. Por tais razões, analiso o mérito conjuntamente, de modo a evitar pronunciamentos conflitantes. De um lado, Antonio da Silva Ramos Neto afirma ser proprietário do imóvel, argumentando exercer posse sobre ele, inclusive com a adoção de medidas de preservação — como o cercamento e instalação de portão —, tendo sido desapossado injustamente. Em abono de suas alegações, anexou boletim de ocorrência, notificação extrajudicial e contas de consumo datadas de agosto a outubro de 2014, documentos que, em conjunto, demonstrariam, coerentemente, a detenção anterior e a alegada perda da posse em momento identificável. De outra banda, Francisco de Assis Silva afirma exercer a posse do imóvel há mais de vinte anos, com animus domini, de forma contínua, pacífica e pública, com o reconhecimento da comunidade local, requerendo, destarte, o reconhecimento do domínio pela via da usucapião extraordinária. Alega que a sua ocupação remonta a 1994, obtida mediante permissão informal de terceiro, e que, desde então, teria edificado, cultivado e habitado o local com sua família. Ambas as pretensões são mutuamente excludentes: ou houve posse anterior e esbulho recente, nos termos sustentados por Antonio, ou houve posse contínua, autônoma e prolongada, apta a ensejar a aquisição ad usucapionem, como afirma Francisco. Incompatíveis ou antípodas as teses. Francisco de Assis Filho admite que ocupa o imóvel, mas sustenta que o faz desde o ano de 1994, de maneira contínua, pacífica e com animus domini. Relata que teria recebido permissão informal de um vizinho — proprietário de academia contígua — para utilizar o terreno, que então estaria abandonado e tomado por entulhos. Declara que, desde então, teria instalado barraca, cultivado árvores frutíferas, criado animais e feito uso residencial daquele lote. Contudo, a versão apresentada por Francisco não vem acompanhada de prova documental robusta que evidencie o alegado exercício possessório de longa duração. Examinando detidamente a petição inicial da ação de usucapião, constata-se que não é possível estabelecer um sólido encadeamento temporal da alegada posse. Todos os documentos apresentados datam do ano de 2014 — precisamente o período em que a ação foi ajuizada — e, portanto, são insuficientes para sustentar a existência de uma posse qualificada e duradoura. Não há nos autos registros de contas de consumo anteriores ao ano de 2014, tampouco carnês de imposto predial e territorial urbano, taxa e coleta de resíduos, declarações fiscais ou qualquer outro elemento que demonstre, objetivamente, uma posse qualificada por período igual ou superior a vinte anos. Os extratos da Cagepa (Id. 32184375, fl. 48 - usucapião), os documentos emitidos pela Energisa (Id. 32184375, fl. 47 - usucapião) e até mesmo a declaração subscrita pelo Cartório Eunápio Torres se limitam a demonstrar que havia, de fato, ocupação no ano de 2014 — ano do ajuizamento da demanda —, sem, contudo, conferir qualquer projeção retroativa que permita sustentar a alegada posse qualificada ao longo do tempo. Do mesmo modo, as fotografias anexadas aos autos apenas documentam o estado físico do imóvel no momento da propositura da ação, sem fornecer qualquer indicativo da temporalidade da ocupação. Mais importante, o Termo de Rescisão Contratual firmado entre Francisco de Assis Silva e Valberto Pessoa da Silva (Id. 32183774, pág. 35 - usucapião) compromete de forma decisiva a narrativa apresentada na petição inicial. Isso porque o documento sugere que a ocupação do imóvel teria se iniciado apenas após o encerramento do vínculo de trabalho — e não, durante sua vigência, como sustentado. Ao indicar o endereço do imóvel como referência no momento da rescisão, o termo aponta para a entrega ou utilização do bem como parte do acerto final entre empregador e empregado, sugerindo que a permanência no local decorreu justamente do fim da relação laboral. A ausência de prova formal torna-se ainda mais significativa diante da alegação de que a posse teria iniciado há mais de duas décadas, expectativa que naturalmente exigiria registros documentais minimamente consistentes e cronologicamente apresentados. Seria de supor que, em sendo verdadeiro o exercício da posse durante todo aquele tempo, tivesse deixado vestígios documentais, registros administrativos ou mesmo comunicações para e do poder público. Tais constatações conduzem a mais uma fragilidade no núcleo argumentativo da ação de usucapião: ao utilizar o termo de rescisão (20 de maio de 2014) como embrião de sua pretensão, o próprio requerente admite que sua ocupação teve início mediante autorização informal (irregular) de terceiro - este que comprometeria a autonomia da posse alegada e desnatura, desde a origem, o caráter autônomo exigido para a prescrição aquisitiva. Frustraria, também, qualquer hipótese de conversão da pretensão aquisitiva para a modalidade ordinária (art. 1.242, caput, do Código Civil), justamente pela ausência de justo título. O quadro que se desenha, portanto, seria o de uma permanência consentida, sustentada por vínculo pessoal preexistente e nunca convertida, de forma inequívoca, em exercício autônomo de domínio. Para que a detenção tolerada se transfigure em posse aquisitiva, exige-se um gesto claro de ruptura — um marco identificável em que a permanência deixa de ser mera permissão e se afirma como pretensão de titularidade (isto é, um indício de inversão da posse, nos termos do art. 1.208, do Código Civil). Nos autos, essa transição sequer se delineia com nitidez e, se existente, coincide com o encerramento do vínculo laboral, no ano de 2014 — circunstância que, por si só, fixa um marco temporal inteiramente incompatível com os requisitos cronológicos da usucapião extraordinária. Tanto é assim que, conforme ressaltado no depoimento colhido nos autos da ação reintegratória, o declarante José Severino da Silva afirmou que Francisco apenas construiu um “quartinho” no terreno discutido após sua ''demissão''; o que também ratifica a data de início do esbulho, como narrado por Antônio da Silva Ramos. Além disso, o termo firmado com o empregador, Valberto Pessoa da Silva, não possui qualquer força jurídica para os fins pretendidos. Trata-se de terceiro estranho à cadeia dominial, o qual sequer detinha legitimidade tabular para autorizar, permitir ou transmitir posse sobre o imóvel. Neste sentido, ainda que já fragilizado o requisito temporal específico para a usucapião extraordinária, impõe-se destacar que a resposta célere e determinada de Antonio da Silva Ramos Neto — ao deflagrar medidas extrajudiciais e judiciais tão-logo tomou ciência da ocupação — descortina a ruptura da suposta continuidade e serenidade da posse alegada por Francisco de Assis Silva, já fragilizada por um marco temporal negativo. Resta quebrada, portanto, a ideia de tolerância ou aquiescência e evidencia oposição real, incompatível com a pacificidade exigida. Outro aspecto relevante refere-se às declarações ''certidões testemunhais'' juntadas aos autos por Francisco de Assis Silva: são provas unilaterais, produzidas à margem do contraditório e, por isso mesmo, de valor probatório mitigado – seja pela ausência de confirmação por outros elementos de convicção, seja em razão das inconsistências e saltos argumentativos que permeiam seu conteúdo. Ainda que revelem impressões subjetivas sobre a ocupação do imóvel, não se prestam, isoladamente a comprovar posse com as características exigidas pela legislação. É que a análise sistêmica do conteúdo dos autos indica não a consolidação de uma posse duradoura e autônoma, mas, sim, um esforço posterior de adequação fática a um fim jurídico específico, ao que postula na inicial aquisitória. Ainda que se admita o conhecimento, pela comunidade local, acerca da ocupação do imóvel, isso não se transmuta, por si só, em posse qualificada, mormente quando ausente qualquer demonstração de oposição clara à titularidade formal do bem. Isso se torna ainda mais evidente diante da própria narrativa do autor, que afirma ter trabalhado por mais de vinte anos em imóvel vizinho — o que, naturalmente, implica familiaridade com os moradores da área. DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE Dessa forma, à luz do conjunto probatório dos autos, a versão apresentada por Antonio da Silva Ramos Neto — pretensão reintegratória — se mostra mais plausível e juridicamente consistente. Explico. A posse por ele descrita, de natureza conservativa e respaldada por comportamento típico de proprietário, foi indevidamente perturbada, ensejando legítima pretensão possessória. O arcabouço probatório comprova não apenas o exercício da posse, mas também sua perda em circunstâncias bem delimitadas no tempo, conferindo ao autor respaldo jurídico para o pedido formulado, nos termos do art. 561, do Códigode Processo Civil. No presente caso, os documentos trazidos por Antonio — especialmente os termos de depoimento, notificações extrajudiciais e contas de consumo emitidas em seu nome antes e durante a controvérsia — evidenciam de forma clara a posse anterior e o exercício de atos típicos de domínio, voltados à conservação e controle do bem. A turbação, por sua vez, encontra suporte no relato coerente do ingresso indevido no imóvel e na supressão imediata do portão que o cercava, atitude materialmente incompatível com qualquer noção de tolerância. A linha temporal desse ato também se harmoniza com os demais elementos constantes dos autos. Em 2014, Antonio da Silva Ramos Neto, ao receber, em sede de rescisão contratual, um termo informal relacionado ao imóvel ocupado por Francisco de Assis Silva, dirige-se ao local e constata a ocupação indevida. Essa data — a da rescisão — configura, como já ressaltado, o marco do início do esbulho, evidenciando a perda recente da posse e afastando qualquer alegação de ocupação pacífica e prolongada. Neste sentido, desprovida de base probatória mínima, a narrativa de Francisco de Assis Silva não se ajusta aos pressupostos legais da extraordinária: ausente a comprovação de posse qualificada — contínua, pública, pacífica e exercida com animus domini —, resta inviável o acolhimento de sua pretensão aquisitiva pela via da usucapião. A procedência da ação de reintegração de posse, portanto, implica, por consequência lógica, na improcedência da ação de usucapião. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ Por fim, embora a conduta processual do autor (Francisco de Assis Silva) da ação de usucapião revele fragilidades argumentativas e certo grau de inverossimilhança na narrativa, não se vislumbra, nos autos, o dolo processual necessário à configuração da litigância de má-fé. Com efeito, a litigância de má-fé exige conduta objetivamente reprovável, marcada pela intenção consciente de alterar a verdade dos fatos, provocar incidentes infundados ou utilizar o processo com finalidade manifestamente ilícita. Penso que a irregularidade da tese deduzida em juízo é atenuada pelo próprio controle jurisdicional, que opera como limite natural àquilo que se postula. Não se vislumbra, na conduta do requerente, qualquer intento deliberado de subverter os fatos ou de comprometer a higidez do processo com afirmações sabidamente falsas ou distorcidas. O que se depreende, ao revés, é o esforço, ainda que juridicamente insuficiente, de conferir contornos possessórios a uma expectativa subjetiva moldada por um vínculo pessoal pretérito. Visualiza-se que Francisco de Assis Silva, idoso de aparente formação modesta, aparenta ter acreditado que, ao permanecer no imóvel após a rescisão de seu contrato de trabalho — rescisão esta firmada com terceiro sem qualquer domínio sobre o bem —, teria, por isso, consolidado algum direito de permanência. Ainda que não seja razoável supor que o homem médio acreditaria na validade jurídica de uma tal promessa, é forçoso reconhecer que Francisco de Assis Silva laborou por mais de vinte anos junto a empregador que sequer figura como parte neste processo e, diante de sua aparente condição socioeconômica e limitada formação, é plausível que tenha devotado confiança natural à palavra daquele, nos termos em que lhe foram apresentados. Essa percepção distorcida, embora juridicamente infundada, não autoriza, por si, a aplicação de reprimenda processual de natureza sancionatória. Assim, ausentes os requisitos previstos no artigo 80 do Código de Processo Civil, INDEFIRO o pedido de condenação por litigância de má-fé, formulado na contestação de Antonio da Silva Ramos Neto. DISPOSITIVO I – JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na Ação de Reintegração de Posse n.º 0064970-41.2014.8.15.2001, promovida por Antonio da Silva Ramos Neto, para confirmar a liminar concedida no Id. 32183773 e determinar a reintegração do autor na posse do lote n.º 123, quadra 512, do Loteamento Jardim Oceania IV, situado nesta Capital, devendo o promovido, Francisco de Assis Silva, desocupar voluntariamente o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação pessoal desta sentença, sob pena de expedição de mandado de reintegração forçada; II – JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Francisco de Assis Silva na Ação de Usucapião n.º 0061344-14.2014.8.15.2001, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil; III – CONDENO Francisco de Assis Silva ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em ambas as ações ora apensadas, os quais fixo, com fundamento no art. 85, §2º, do CPC, em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspendendo-se, todavia, a exigibilidade de tais verbas, diante da gratuidade da justiça deferida e ora expressamente reconhecida relativamente a ambos os feitos; IV - EXTINGO AMBOS OS PROCESSOS, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Considere-se esta sentença publicada e registrada a partir de sua disponibilização no sistema PJe. Intimem-se as partes (DJEN). Trasladem-se cópias, se necessário. Com o trânsito em julgado da Ação de Usucapião, arquive-se o processo n.º 0061344-14.2014.8.15.2001. Quanto à Ação de Reintegração de Posse, intime-se pessoalmente o requerido Francisco de Assis Silva para a desocupação voluntária do imóvel no prazo acima estipulado. Decorrido o prazo sem cumprimento, expeça-se mandado de desocupação forçada. João Pessoa, data do registro. Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho - Juiz(a) de Direito