Amaury Zoccoli Junior e outros x Eduardo Rocha Gama e outros

Número do Processo: 0117325-81.2015.8.09.0183

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJGO
Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Grau: 1º Grau
Órgão: 3ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em 25 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 25/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  3. 25/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  4. 25/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  5. 25/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  6. 25/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  7. 24/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  8. 24/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  9. 24/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
    ARQUIVOS DIGITAIS INDISPONÍVEIS (NÃO SÃO DO TIPO PÚBLICO)
  10. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  11. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  12. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  13. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  14. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  15. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  16. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  17. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  18. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  19. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  20. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  21. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  22. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  23. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  24. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  25. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  26. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  27. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  28. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  29. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  30. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
  31. 16/07/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
      Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 3ª Câmara Cível Gabinete do Desembargador Fernando Braga Viggiano   APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   VOTO   Recurso próprio e tempestivo, dele conheço. Conforme relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Aruanã, Dr. Thiago Inácio de Oliveira, nos autos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis ajuizada por AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS contra EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS. Ressai dos autos que a aludida demanda foi ajuizada visando, em suma, a reivindicação de parcela do lote n. 12, da quadra 01, localizado no Loteamento Encontro dos Rios, cidade de Aruanã/GO, sob a alegação de que fora invadido pelos requeridos, a quem imputada a propriedade do lote vizinho (n. 13), bem como a condenação desses ao pagamento de aluguéis e de obrigações subjacentes oriundas do período da ocupação qualificada como indevida. Os requeridos, em contestação, arguiram exceção de usucapião extraordinária, alegando posse mansa, pacífica e ininterrupta desde 1985, tendo realizado benfeitorias no imóvel. A primeira sentença foi cassada pela ofensa ao princípio do contraditório, porquanto o acórdão de evento 133 determinou o regresso dos autos para que os autores manifestassem acerca da modalidade usucapião extraordinário ad laborem reconhecida na sentença pelo Juiz Primevo a favor dos requeridos, a fim de lhe garantirem o contraditório e afastar qualquer alegação de cerceamento de defesa. Retornaram os autos à origem e sobreveio a sentença nos seguintes termos: (evento 294) “(..) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos requeridos, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observada, se for o caso, eventual concessão de gratuidade da justiça.” Aclaratórios manejados por meio da petição de evento 306, que foram rejeitados consoante a decisão de evento 324. Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (evento 336), alegando, em síntese, erro na aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do Código Civil/2002, pois o juízo a quo teria incorretamente adicionado os dois anos ao prazo de 10 anos e iniciado a contagem desde 1985, concluindo pela ocorrência da usucapião em 1997, antes mesmo da entrada em vigor do aludido Código. Pois bem. A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, especificamente quanto ao cumprimento dos requisitos legais para sua configuração, com ênfase na interpretação e aplicação da regra de transição prevista no artigo 2.029 do Código Civil de 2002, bem como na análise dos efeitos do falecimento do proprietário, ocorrido antes da entrada em vigor do novo Código, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes. Inicialmente, registro que é pacífico na jurisprudência o entendimento no sentido de que a usucapião pode ser alegada como matéria de defesa em ação reivindicatória, conforme preconiza a Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: "O usucapião pode ser arguido em defesa". Contudo, para que a alegação de usucapião seja acolhida, é necessário o preenchimento de todos os requisitos legais, notadamente o decurso do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei. No caso dos autos, a sentença reconheceu a usucapião extraordinária qualificada pelo trabalho, prevista no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece o prazo de 10 anos para aquisição da propriedade quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ocorre que, conforme delineado nos autos, a posse dos réus sobre o imóvel objeto da lide teria se iniciado em 1985, ou seja, na vigência do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11/01/2003, surgiram regras de transição para regular situações jurídicas em curso, dentre elas as regras específicas para a usucapião, previstas nos artigos 2.028 e 2.029 do novo diploma. O artigo 2.029 do Código Civil de 2002 estabelece: “Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior.” O dispositivo em questão constitui regra específica de transição para a usucapião qualificada pela posse-trabalho ou posse-moradia, prevista no parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil, que reduz o prazo da usucapião extraordinária para 10 anos quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Da leitura do artigo 2.029, extrai-se claramente que, nos dois primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002 (ou seja, de 11/01/2003 a 11/01/2005), o prazo para a usucapião qualificada seria de 12 anos (10 + 2), e não apenas 10 anos como previsto no parágrafo único do artigo 1.238. Esse acréscimo de dois anos tem por finalidade evitar surpresas aos proprietários diante da redução significativa do prazo de usucapião (de 20 anos no CC/1916 para 10 anos no CC/2002, quando qualificada). Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da regra de transição do artigo 2.029 não deve retroagir ao momento da posse, mas sim ser considerada a partir da entrada em vigor do novo Código. No voto condutor do REsp 1088082/RJ, citado pelo Ministro Marco Buzzi no inteiro teor do acórdão proferido no AgInt no AREsp 1300332, o Ministro Luis Felipe Salomão esclarece: "Nesse passo, verifica-se que o artigo tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, 'qualquer que seja o tempo transcorrido' na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. Com efeito, extrai-se também da primeira parte do dispositivo (da fórmula 'até dois anos após a entrada em vigor deste Código') que são exatamente dois anos o prazo de transição estabelecido pelo Código, de sorte que após esse interregno, ou seja, após 11.01.2005, o prazo será de 10 (dez anos), irrelevante também o tempo transcorrido anteriormente. Por exemplo, se da entrada em vigor do atual Código (11.01.2003), um possuidor tivesse exercido sua posse por 10 (dez) anos, restariam-lhe ainda mais 2 (dois) anos para o implemento da regra de transição, somando assim 12 (doze) anos de posse, que seriam aperfeiçoados em 11.01.2005. Privilegia-se, assim, o escopo normativo de se reduzir o prazo prescricional, e não se surpreende o proprietário inerte, uma vez que teve estes 2 (dois) anos para recobrar sua posse. A toda evidência, esses dois anos de acréscimo devem ser somados também às posses que superam 10 (dez) anos, sendo inadmissível - sob pena de retroação da lei - que se considere qualquer prazo como consumado em 11.01.2003, ou mesmo antes da entrada em vigor do Código. Nesse caso, a Lei estaria realmente a atingir somente fatos pretéritos, perdendo o proprietário o domínio do imóvel pela inércia praticada antes mesmo da lei nova. Ademais, a surpresa causada por essa mudança abrupta é incongruente com a própria existência de uma norma de transição. Assim, quem em 11.01.2003 contasse, por exemplo, com 13 (treze) anos de posse, deveria esperar mais 2 (dois) para adquirir a propriedade por usucapião extraordinário, em 11.01.2005." Segue a ementa do acórdão: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERIDOS. 1. As questões postas à discussão foram dirimidas pelo órgão julgador de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, portanto, deve ser afastada a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15. Precedentes. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, se aplica imediatamente às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do diploma anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição disposta no art. 2.029 do CC/02, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do estatuto civilista. 2.1. Inaplicabilidade da regra de transição em comento ao caso em tela, no qual a usucapião somente se ultimou após o referido lapso de dois anos. 2.2. Derruir as conclusões a que chegou o Tribunal local acerca dos termos inicial e final para a usucapião demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator MINISTRO MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019.) Portanto, no caso em apreço, mesmo que se considere que os apelados exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel desde 1985, a usucapião não poderia ter se consumado em 1997, como entendeu o juízo de primeiro grau. Ao aplicar o prazo decenal previsto no Código Civil de 2002 à posse iniciada em 1985, o Magistrado incorreu em clara retroatividade da lei nova, o que viola princípios basilares do direito intertemporal, além de contrariar o próprio objetivo da regra de transição, que é justamente evitar surpresas jurídicas. Ademais, ao reconhecer a usucapião, o dirigente do feito desconsiderou um elemento crucial: a suspensão do prazo prescricional. Conforme consta dos autos, o proprietário do imóvel faleceu em 31/01/2002, transmitindo a herança aos seus herdeiros, que eram absolutamente incapazes (nascidos em 2000 e 2001, conforme reconhecido na própria sentença). De acordo com o artigo 198, inciso I, do CC/2002 (correspondente ao artigo 169, inciso I, do CC/1916), não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Esse entendimento, aliás, é pacífico na jurisprudência deste Tribunal: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROVA DA POSSE. OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. HERDEIROS MENORES. 1 - Na usucapião há de ser permitida a produção de prova testemunhal, de molde a demonstrar a existência de posse anterior e possibilitar eventual acessio possessionis. 2 - Falecendo a proprietária do imóvel usucapiendo e havendo sucessão por herdeiras absolutamente incapazes, deve ser suspenso o curso da prescrição, voltando a contar quando as menores completarem  dezesseis anos de idade.  3 - Apelo provido, sentença cassada. (TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016) (negritei) Assim, quando da morte do proprietário, em 31/01/2002, a prescrição aquisitiva foi suspensa, momento em que os réus contavam com aproximadamente 17 anos de posse (considerando o início em 1985, como alegado). Faltariam, portanto, 3 anos para completar o prazo vintenário previsto no CC/1916. Todavia, a sentença concluiu que, em 2002, os réus já teriam consumado a usucapião da área, tendo exercido a posse por tempo suficiente desde 1985. Contudo, tal conclusão está equivocada. Em 2002, os réus não haviam completado os 20 anos de posse exigidos pelo CC/1916 e tampouco poderiam se beneficiar do prazo reduzido previsto no CC/2002, que só entrou em vigor em 11/01/2003, além de estar sujeito à regra de transição do artigo 2.029. Em outras palavras, a posse dos réus não poderia ser considerada apta a gerar a usucapião extraordinária antes da entrada em vigor do CC/2002, pois não havia transcorrido o prazo vintenário. Com a vigência do novo Código, o prazo reduzido de 10 anos para a usucapião qualificada pela posse-trabalho somente poderia ser aplicado observando-se a regra de transição do artigo 2.029, que determina o acréscimo de 2 anos até 11/01/2005. No entanto, em 11/01/2005, a prescrição aquisitiva já estava suspensa em razão da incapacidade dos herdeiros (desde 31/01/2002), não tendo sido retomada sua fluência, uma vez que, posteriormente, com o ajuizamento da ação reivindicatória (06/04/2015), verificou-se nova causa impeditiva da prescrição. Nesse contexto, ao contrário do que concluiu a sentença, o requisito temporal para a configuração da usucapião extraordinária, seja na modalidade comum, seja na qualificada, não foi atendido no caso em tela, em razão da suspensão do prazo prescricional pela incapacidade dos herdeiros e pelo ajuizamento da ação reivindicatória. Dito isso, considerando que os requeridos não negam a ocupação de parte do lote, a procedência do pedido reivindicatório é medida que se impõe. No que tange ao pagamento pelo tempo de fruição do imóvel, é imperativo que os recorridos sejam condenados ao pagamento de indenização pela ocupação indevida do bem. Conforme consta nos autos, às fls. 269 a 290 do evento 3, foi produzida prova pericial que apurou o valor mensal devido, tendo o perito contabilizado a quantia até a data de 19/07/2019. Contudo, é necessário que o valor apurado seja atualizado e acrescido dos meses subsequentes até a efetiva desocupação do imóvel, considerando que a posse irregular se manteve após essa data. Inclusive, a condenação ao pagamento de tais valores deve também levar em conta o prazo prescricional anterior à abertura da sucessão, dado que a contagem dos prazos foi suspensa em razão da existência de herdeiros incapazes, conforme já mencionado. Outrossim, a condenação deve englobar quaisquer despesas incidentes sobre o imóvel, como o IPTU, água e energia elétrica, visto que tais encargos decorrem diretamente do exercício da posse, sendo de responsabilidade de quem usufruiu do bem no período em questão. Assim, com fulcro no artigo 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil, condeno os recorridos ao pagamento do valor do aluguel apurado na prova pericial para todo o período de ocupação do imóvel, bem como responsabilizá-los pelos encargos incidentes sobre o imóvel durante o mesmo período. Ante o exposto, CONHEÇO DO RECURSO e DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a sentença e julgar procedente a ação reivindicatória, determinando a reintegração dos autores na posse do imóvel objeto da lide, bem como condenando os réus ao pagamento de aluguéis pelo período em que estiveram na posse do bem, cujo valor deverá ser apurado em liquidação de sentença, com base na prova pericial já produzida, devidamente atualizada, além dos encargos incidentes sobre o imóvel (IPTU, água e energia elétrica) durante o período de ocupação. Considerando que a sentença é ilíquida, os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento de sentença. Diante do provimento do recurso, não há falar em honorários recursais. É o voto. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator 2 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183 COMARCA               :   ARUANÃ RELATOR                :   DESEMBARGADOR FERNANDO BRAGA VIGGIANO APELANTES            :   AMAURY ZOCCOLI JÚNIOR E OUTROS APELADOS             :   EDUARDO ROCHA GAMA E OUTROS   DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.      ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 0117325-81.2015.8.09.0183. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Terceira Câmara Cível, por unanimidade de votos, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E PROVÊ-LO, tudo nos termos do voto do Relator. Fizeram sustentações orais os Advogados Doutor Lucas Yuri Coutinho Toledo e Doutor Gustavo Luiz de S. C. Domingues, respectivamente, pelas partes apelantes e apelada. Votaram, além do Relator Desembargador Fernando Braga Viggiano, o Desembargador Gilberto Marques Filho e o Desembargador Murilo Vieira de Faria. Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Murilo Vieira de Faria. Esteve presente à sessão o representante da Procuradoria-Geral de Justiça, Doutor Fernando Aurvalle Krebs. Goiânia, datado e assinado digitalmente. Fernando Braga Viggiano Desembargador Relator   Av. Assis Chateaubriand, Nº 195, Setor Oeste, CEP:74130-011, Fone: (62) 3216-2254 gab.fbviggiano@tjgo.jus.br DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 2.029 DO CC/2002. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis, em razão do reconhecimento da usucapião extraordinária em favor dos réus. A ação objetivava a reintegração de posse de parte de um lote e a cobrança de aluguéis. Os réus alegaram usucapião extraordinária, com posse desde 1985. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão são: (i) a correta aplicação da regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 ao prazo de usucapião; e (ii) os efeitos da morte do proprietário, ocorrida antes da vigência do CC/2002, sobre a contagem do prazo prescricional, considerando a existência de herdeiros absolutamente incapazes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Juiz de primeiro grau se equivocou ao aplicar retroativamente o artigo 2.029 do CC/2002, adicionando dois anos ao prazo de dez anos a partir do início da posse em 1985. A jurisprudência do STJ determina que o acréscimo de dois anos previsto no artigo 2.029 deve ser computado a partir da entrada em vigor do novo Código (11/01/2003). 4. A morte do proprietário em 31/01/2002, com a existência de herdeiros absolutamente incapazes, causou a suspensão do prazo prescricional, conforme artigo 198, inciso I, do CC/2002. Essa suspensão impedia a consumação da usucapião em 1997, como entendeu a sentença. O prazo prescricional só voltou a correr após a maioridade dos herdeiros, em data posterior ao ajuizamento da ação. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso provido. Sentença reformada para julgar a ação reivindicatória procedente. Tese de julgamento: "1. A regra de transição do artigo 2.029 do CC/2002 não se aplica retroativamente ao início da posse, devendo o acréscimo de dois anos ser considerado a partir de 11/01/2003. 2. A morte do proprietário, com herdeiros absolutamente incapazes, suspendeu o prazo prescricional, impedindo a configuração da usucapião." Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 1.238, parágrafo único; 2.029; 198, I. Jurisprudências relevantes citadas: Súmula 237 do STF; AgInt no AREsp n. 1.300.332/MS, relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 29/10/2019, DJe de 5/11/2019; TJGO, Apelação Cível 312107-62.2012.8.09.0064, Relator Doutor FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 3ª Câmara Cível, julgado em 11/10/2016, DJe 2137 de 26/10/2016.
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