Processo nº 02003441320248060131
Número do Processo:
0200344-13.2024.8.06.0131
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Vara Única da Comarca de Mulungu
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Única da Comarca de Mulungu | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE MULUNGU JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL RUA ANTENOR FROTA WANDERLEY, S/N, CENTRO, MULUNGU/CE, CEP: 62764-000, FONE/WHATSAPP: (85) 3328-1192, E-mail: mulungu@tjce.jus.br SENTENÇA Classe: [Contratos Bancários, Práticas Abusivas] Processo: 0200344-13.2024.8.06.0131 Autor: MARIA SILVA FREITAS Requerido: BANCO BMG SA I - Relatório. Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito Consignado - RMC c/c Repetição de Indébito e Danos Morais com Pedido de Tutela Provisória de Urgência proposta por Maria Silva Freitas em desfavor de Banco BMG S/A, em razão de contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem (RMC), o qual alega não ter contratado ou, ao menos, não ter tido conhecimento adequado acerca de sua natureza e condições. Alega a autora que percebeu, ao longo do tempo, a redução progressiva do valor líquido recebido em sua conta bancária, sem compreender a origem dos descontos. Requer, com base nisso, a nulidade contratual, a devolução em dobro dos valores descontados e a condenação da instituição financeira ao pagamento de danos morais. Com a inicial foram apresentados os documentos indispensáveis em ids. 114265223 e seguintes. Em decisão inicial de id. 114265193, deferi a gratuidade judiciária em benefício da parte autora, indeferi o pedido liminar, bem como determinei a citação da parte requerida. O requerido apresentou contestação em id. 114265215, na qual sustenta a legalidade da contratação e a regularidade dos descontos efetuados. Defende que o produto denominado "BMG Card" foi contratado livre e validamente pelo autor, mediante assinatura de Termo de Adesão e outros documentos juntados aos autos, e que o desconto em folha de pagamento se deu com base na autorização legal prevista na Lei nº 10.820/2003, no regulamento do INSS e em cláusulas expressas do contrato. Destaca que o cartão de crédito consignado é produto expressamente permitido pela legislação, com regulamentação própria, não se confundindo com o empréstimo consignado tradicional. Alega, ainda, que o cliente tem acesso a todas as informações da fatura por diversos canais - inclusive atendimento presencial, digital e telefônico, e que, nos termos da boa-fé objetiva, é indevida qualquer presunção de ignorância quanto às condições contratuais livremente pactuadas. Por fim, afirma que não houve qualquer falha na prestação do serviço nem causa para indenização por danos morais. A parte autora apresentou réplica em id. 115664441, rechaçando os argumentos trazidos em sede de contestação. Intimadas sobre produção probatória, ambas as partes não se manifestarem nos autos (id. 154661799). Sendo assim, considero o feito maduro para sentença, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. É o breve relatório. Passo a decidir. II - Das preliminares. Quanto as preliminares aventadas na contestação, passo a análise. - Da decadência e prescrição. No que tange à alegação de decadência, sustentada com base no art. 178, II, do Código Civil, convém destacar que o fundamento da presente demanda não é propriamente a anulação de negócio jurídico com base em vício de vontade típico (erro, dolo, coação, etc.), mas sim a nulidade absoluta por ausência de consentimento válido, inexistência de relação jurídica e prática abusiva, situação que, inclusive, é compatível com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), por se tratar de relação consumerista. A jurisprudência tem reiteradamente afastado a aplicação da decadência nesses casos, reconhecendo a nulidade absoluta do contrato ou a inexistência da relação jurídica em hipóteses de ausência de contratação ou simulação, matéria que não se sujeita ao prazo de quatro anos previsto no artigo supracitado: No mesmo sentido, a tese da parte autora é de que jamais anuiu ao modelo contratual de RMC, tratando-se, portanto, de negócio jurídico simulado ou inexistente, situação que, nos termos do art. 169 e 167 do Código Civil, é nulo de pleno direito e não se sujeita a prazo decadencial. No que diz respeito à prescrição, também não há como acolher a tese da parte ré. O pleito veiculado nos autos possui natureza mista: (i) declaratória de nulidade/inexistência de relação jurídica, (ii) repetição de indébito e (iii) indenização por danos morais. O pedido declaratório não se sujeita a prazo prescricional (art. 205, CC), e quanto aos demais pedidos, deve ser analisado sob a ótica da teoria do trato sucessivo, que afasta a incidência de prescrição total. De igual modo, é pacífico que, nas relações de consumo bancário, envolvendo descontos mensais sucessivos em benefício previdenciário, a cada novo desconto nasce para a parte lesada uma nova pretensão, razão pela qual a prescrição alcança apenas as parcelas anteriores a cinco anos da propositura da ação, e não o direito como um todo. A propósito: "Nas ações em que se discute a validade de descontos mensais em folha de pagamento decorrentes de supostos contratos não reconhecidos pelo consumidor, a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas há mais de cinco anos, não havendo que se falar em prescrição total da pretensão." (TJ-SP - Apelação Cível: 1176468-84.2023.8.26.0100, Rel. Roberto Mac Cracken, j. 05/07/2024) No mesmo sentido, ainda que se admita a incidência do prazo do art. 27 do CDC, este deve ser contado do conhecimento efetivo do dano e de sua autoria, o que, conforme narrativa da inicial, só se evidenciou com clareza diante da reiteração automática dos descontos e da ausência de transparência sobre a dívida total, fato agravado pela condição de hipossuficiência da autora, pessoa idosa, múltipla pensionista, e presumivelmente vulnerável. É o que determina o art. 6º, VIII, do CDC, impondo interpretação mais protetiva ao consumidor, especialmente quando a obscuridade do contrato ou a má-fé na abordagem tornam impossível a ciência plena da lesão no momento da contratação. Portanto, não restou demonstrado que a parte autora teve ciência inequívoca da irregularidade desde o início dos descontos, tampouco que se operou a prescrição ou a decadência do direito vindicado. Passo a análise do mérito da demanda. III - Mérito. Cabível o julgamento antecipado do mérito porque os documentos trazidos para os autos dão suporte para análise e decisão das questões apresentadas pelas partes, sendo desnecessária a produção de prova oral. Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "o julgamento antecipado da lide justifica-se quando o juiz está convencido de que não há necessidade de qualquer outra prova para a formação de sua cognição sobre quem, autor ou réu, será tutelado pela atuação jurisdicional. Em termos mais técnicos, o julgamento antecipado da lide acaba por revelar a desnecessidade da realização da fase instrutória, suficientes as provas eventualmente já produzidas até então com apetição inicial, com a contestação e, bem assim, com as manifestações que, porventura, tenham sido apresentadas por força das providências preliminares, é dizer, ao ensejo da fase ordinatória" (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 2, t. 1, ed.Saraiva, p. 219). O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu, pelo voto da Ministra Maria Isabel Gallotti que inexiste cerceamento de defesa na hipótese em que se indefere a dilação probatória vez que desnecessária. A prova é endereçada ao julgador para que forme seu convencimento e está adstrita a sua utilidade, consagrando a legislação processual pátria, nos artigos 125, inc. II e 130 do CPC o dever do juiz de velar pela rápida solução do litígio e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (STJ - REsp. 919656/DF -j.04.11.2010). O juiz é o destinatário das provas e julgará a demanda norteado pelo princípio do livre convencimento fundamentado, insculpido no art. 371 do CPC, nas lições de Jônatas Luiz Moreira de Paula: (...) Princípio da Persuasão Racional ou Livre convencimento: é regra basilar no direito processual a independência intelectual do juiz ante sua interpretação dos fatos e das normas jurídicas, a fim de construir sua convicção jurídica. Essa independência é expressada pelo princípio enfocado e, segundo, José Frederico Marques, situa-se entre o sistema da certeza legal e o sistema do julgamento segundo a consciência íntima, exigindo-se do julgador pesar o valor das provas que lhe parece mais acertado, dentro de uma motivação lógica que deve ser exposto na decisão. (MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. Teoria Geral do Processo. Ed. Editora de Direito,2. ed. Leme, São Paulo: 2000, pp 291-292). Registre-se, ainda, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso concreto, ao qual também se submetem as instituições financeiras, conforme já pacificado pela Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O cerne da controvérsia consiste em verificar se a contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) pelo autor, mediante documento formalizado junto ao Banco BMG, foi realizada com observância das normas legais e do dever de informação, ou se houve vício de consentimento capaz de macular o negócio jurídico e ensejar os pedidos de devolução de valores e compensação por danos morais. Inicialmente, reconhece-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, sendo aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor. Também é inegável a condição de vulnerabilidade do autor, dada sua idade avançada e dependência exclusiva de benefício previdenciário. Entretanto, a vulnerabilidade do consumidor não pode ser interpretada como presunção absoluta de nulidade ou de ilicitude de toda contratação bancária que lhe envolva, sob pena de esvaziamento da autonomia privada e banalização da proteção legal. Nos autos, o requerido apresentou documentação idônea demonstrando a contratação do produto "BMG Card" pelo autor, com assinatura do Termo de Adesão e respectiva autorização para desconto de 5% (cinco por cento) de sua margem consignável, conforme previsto na legislação de regência (ids. 114265205/114265210). Tal produto é regulamentado pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008 e é permitido pelo ordenamento jurídico, conforme previsão do art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, que autoriza o desconto de prestações de cartão de crédito na folha de pagamento, até o limite de 5% (cinco por cento) da remuneração ou do benefício. Verifica-se, ainda, que o contrato não se trata de um empréstimo consignado, mas sim de um cartão de crédito com possibilidade de saque de valores e pagamento mediante desconto mínimo mensal em folha, restando facultado ao consumidor a quitação total do saldo remanescente diretamente com a instituição financeira. O fato de o consumidor, por iniciativa própria ou por desorganização financeira, optar por não pagar o valor integral da fatura e deixar que o débito rotativo se acumule não pode, por si só, converter-se em mácula à contratação em si. O contrato prevê expressamente as condições do produto, sua natureza, encargos e formas de amortização da dívida, de modo que eventual desconhecimento por parte do autor, sem prova de vício de vontade, não pode ser presumido. Ademais, a simples alegação de não ter compreendido a operação, desacompanhada de qualquer demonstração concreta de coação, fraude, erro substancial ou omissão dolosa, não é suficiente para infirmar a validade de documento contratual regularmente assinado, com previsão legal e que guarda correspondência com as práticas bancárias autorizadas pelos órgãos reguladores. Cabe ao consumidor, ainda que hipossuficiente, diligenciar minimamente pela compreensão das obrigações assumidas, sobretudo em operações financeiras. Nesse cenário, impende ressaltar que o referido serviço (disponibilização de crédito para saque com cartão fornecido pelas instituições financeiras) tem a sua licitude reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, desde que atendidas as exigências dos artigos 6º e 5º da Lei nº 10.820/03, com redação alterada pela Lei nº 13.172/2015, estão regulados pelo artigo 15, inciso I, da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS/Previdência Social. Confira-se: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. CONSUMIDORA IDOSA, APOSENTADA E ANALFABETA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO DE REFORMA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA FRENTE AO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. MÉRITO: COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E DEMONSTRAÇÃO DO REPASSE DO VALOR SACADO PARA CONTA EM QUE A AUTORA RECEBE O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ATO ILÍCITO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. PRELIMINAR. É entendimento do C. STJ e dos Tribunais Pátrios que não há cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, sem a produção de provas requestadas pelas partes, quando o julgador entende suficiente o conjunto probatório já encartado nos autos e motiva sua decisão baseado nele. Precedentes. Em análise minuciosa do caderno processual, verifico que há correspondência entre as assinaturas constantes no contrato de cartão de crédito (fl. 107) e nos documentos apresentados pela própria autora (fls. 27, 30), assim, mostra-se prescindível a prova grafotécnica para o desato do litígio. Preliminar rejeitada. 2. DA INCIDÊNCIA DO CDC - A discussão acerca da validade de contrato de cartão de crédito consignado deve ser analisada à base das disposições do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, (artigos 2º e 3º), devendo-se assegurar a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). 3. DO CONJUNTO PROBATÓRIO - Inobstante a parte não ser obrigada a fazer prova negativa do seu direito, os documentos colacionados pela recorrente não comprovam, nem de forma diminuta, suas alegações. Em contrapartida, o recorrido se desincumbiu a contento do seu ônus probante (art. 373, II, CPC), produzindo prova robusta quanto à regularidade da contratação. O Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização Para Desconto em Folha de Pagamento (fls. 101-107) comprovou que, em 31/05/2016, a recorrente aderiu à contratação de cartão de crédito consignado, na qual houve expressa autorização para que o banco apelado realizasse o desconto de reserva de margem consignável - RMC diretamente em seu benefício previdenciário (cláusula 8.1, fl. 102), estando o referido contrato regularmente assinado pela mesma. Além disso, demonstrou o banco recorrido, pelo comprovante de transferência bancária (fl. 111), a efetiva disponibilização da importância de R$1.076,03 (um mil e setenta e seis reais e três centavos) em conta corrente da apelante, cuja importância a mesma não nega ter recebido. 4. Resta evidente a ausência de vício de consentimento, não se verificando nenhuma abusividade na realização dos descontos, que além de serem expressamente autorizados pelo artigo 6º, e 5º da Lei nº 10.820/03, com redação alterada pela Lei nº 13.172/2015, estão regulados pelo artigo 15, inciso I, da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS/Previdência Social, não havendo que se falar na imposição de venda casada. 5. Relativamente à contratação com pessoa que afirma ser semianalfabeta, é importante frisar que a simples condição de analfabetismo funcional não retira a capacidade para os atos da vida civil. Ademais, in casu, a autora rubricou cada página do contrato e o assinou ao final, assim como o fez com a procuração outorgada ao seu causídico e com a declaração de pobreza que acostam a inicial. 6. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. (TJCE. Apelação nº 0036907-15.2018.8.06.0029. Relator (a): MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO; Comarca: Acopiara; Órgão julgador: 2ª Vara da Comarca de Acopiara; Data do julgamento: 11/09/2019; Data de registro: 11/09/2019) Os documentos juntados pelo banco promovido permitem concluir que os débitos impostos ao requerente decorrem de relação contratual regularmente pactuada, não havendo indício de abusividade nas cobranças, mormente porque o contrato encontra-se acompanhado dos documentos pessoais da parte autora, além de conter em seu bojo todas as informações necessárias ao consumidor. Por conseguinte, reconheço que ao apresentar as provas acima descritas o demandado se desincumbiu do ônus que lhe é atribuído pelo artigo 373, II, do CPC. Colaciono, sobre o tema, mais um julgado do egrégio TJCE em apreciação a caso análogo ao presente: APELAÇÃO. SENTENÇA IMPROCEDENTE DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL, COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO SEM QUALQUER RESSONÂNCIA NOS AUTOS. EM ANÁLISE EXAURIENTE DOS DOCUMENTOS, PARTE A PARTE, AGITADOS, NÃO FOI EVIDENCIADA QUALQUER CONDUTA ILÍCITA PASSÍVEL DE REPARAÇÃO. ATESTADA A VALIDADE CONTRATUAL E A PLENA APTIDÃO PARA SURTIR OS EFEITOS JURÍDICOS QUE LHE SÃO INERENTES. PARADIGMAS DO EGRÉGIO TJCE. DESPROVIMENTO. 1. Inicialmente, percebe-se que o cerne da questão posta a desate consiste em conferir a verossimilhança das alegações recursais vertidas na existência de empréstimo consignado sem sua autorização e a sua revelia, porquanto, originado mediante fraude. A par disto, verificar-se-á a possibilidade de reparação. 2. De plano, vê-se que o Banco apresentou o respectivo contrato de mútuo, contendo a assinatura do Requerente, a qual, foi, inclusive, reconhecida, pelo próprio Apelante. O Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado encontra-se, às f. 162/168 e incontáveis faturas, às f. 91/161. 3. Ainda, o pacto está devidamente acompanhado dos documentos pessoais do Autor que instruíram a avença, a saber: RG, CPF e comprovante de residência. Tais elementos de identificação estão às f. 169/174. 4. Desta forma, a instituição financeira se desincumbiu do seu ônus probante de comprovar foto impeditivo do direito do Promovente. Realmente, o contrato está perfeito e acabado, daí porque atestada a validade, de modo a ostentar plena aptidão para surtir os efeitos jurídicos que lhe são inerentes. 5. Diante de tais evidências, a alegação de analfabetismo do Recorrente não tem o condão de reverter a potência das provas até porque a avença ostenta a assinatura de 2 (duas) testemunhas, aliás, como tem que ser neste caso específico de maior vulnerabilidade do contratante 6. DESPROVIMENTO ao Apelo, de vez que não constatado qualquer ilícito passível de reparação. (TJCE. Apelação nº 36910-67.2018.8.06.0029. Relator (a): FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO; Comarca: Acopiara; Órgão julgador: 2ª Vara; Data do julgamento: 05/06/2019; Data de registro: 05/06/2019) Destarte, não vislumbro a ocorrência de qualquer dano a ser reparado estando o contrato de cartão de crédito esta em plena vigência. Os artigos 927 e 186 do Código Civil dispõem que: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.(…) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O professor Caio Mário da Silva Pereira comenta que: "Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de "reparar o dano", explicando-o por meio de seu resultado, já que a idéia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação." (Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998). Para configuração do dever de reparar é necessária a demonstração do ato voluntário ou por negligência ou imprudência da parte autora, do prejuízo causado e do nexo de causalidade entre o ato e o dano. Importante observar que inexiste nos autos qualquer prova de que o autor tenha solicitado extrato, contestado formalmente os descontos ou tentado liquidar o saldo devedor antes de ingressar com a presente ação. Tampouco se vislumbra a prática de qualquer conduta abusiva por parte do banco, como omissão deliberada de faturas ou recusa de atendimento, sendo legítimo o envio de faturas por meios eletrônicos, físicos ou canais de autoatendimento, como previsto contratualmente. A alegação genérica de que os correspondentes bancários seriam desorganizados ou confusos não se traduz, por si só, em nulidade do contrato. Quanto à devolução em dobro dos valores descontados, esta só se impõe nos casos de cobrança indevida com má-fé, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC, o que não se verifica no caso concreto. A cobrança se deu com base em contrato formalizado e autorizado pelo INSS, sendo, portanto, indevida a restituição pleiteada, ainda que em valor simples. Por fim, no tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo que não restou configurada qualquer ofensa à honra, imagem ou dignidade da parte autora. A existência de descontos em benefício previdenciário, derivados de contrato legalmente celebrado e regularmente executado, não caracteriza, por si só, situação vexatória ou aflitiva que extrapole os meros dissabores da vida civil, não havendo nos autos comprovação de abalo emocional significativo que justifique compensação de ordem moral. Dessa forma, ausente qualquer vício na contratação ou ilicitude na conduta do réu, impõe-se a improcedência integral dos pedidos autorais. III - Dispositivo. Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora e, por sentença com resolução de mérito, extingo o presente processo, o que faço com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil. Condena a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser o autor beneficiário da justiça gratuita, que ora defiro nos autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Decorrido o prazo recursal sem insurgência, certifiquem-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Mulungu, data e hora pelo sistema. Daniel Gonçalves Gondim Juiz de Direito (Respondência) Vara Única da Comarca de Mulungu/CE
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30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Única da Comarca de Mulungu | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO COMARCA DE MULUNGU JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL RUA ANTENOR FROTA WANDERLEY, S/N, CENTRO, MULUNGU/CE, CEP: 62764-000, FONE/WHATSAPP: (85) 3328-1192, E-mail: mulungu@tjce.jus.br SENTENÇA Classe: [Contratos Bancários, Práticas Abusivas] Processo: 0200344-13.2024.8.06.0131 Autor: MARIA SILVA FREITAS Requerido: BANCO BMG SA I - Relatório. Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade de Cartão de Crédito Consignado - RMC c/c Repetição de Indébito e Danos Morais com Pedido de Tutela Provisória de Urgência proposta por Maria Silva Freitas em desfavor de Banco BMG S/A, em razão de contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem (RMC), o qual alega não ter contratado ou, ao menos, não ter tido conhecimento adequado acerca de sua natureza e condições. Alega a autora que percebeu, ao longo do tempo, a redução progressiva do valor líquido recebido em sua conta bancária, sem compreender a origem dos descontos. Requer, com base nisso, a nulidade contratual, a devolução em dobro dos valores descontados e a condenação da instituição financeira ao pagamento de danos morais. Com a inicial foram apresentados os documentos indispensáveis em ids. 114265223 e seguintes. Em decisão inicial de id. 114265193, deferi a gratuidade judiciária em benefício da parte autora, indeferi o pedido liminar, bem como determinei a citação da parte requerida. O requerido apresentou contestação em id. 114265215, na qual sustenta a legalidade da contratação e a regularidade dos descontos efetuados. Defende que o produto denominado "BMG Card" foi contratado livre e validamente pelo autor, mediante assinatura de Termo de Adesão e outros documentos juntados aos autos, e que o desconto em folha de pagamento se deu com base na autorização legal prevista na Lei nº 10.820/2003, no regulamento do INSS e em cláusulas expressas do contrato. Destaca que o cartão de crédito consignado é produto expressamente permitido pela legislação, com regulamentação própria, não se confundindo com o empréstimo consignado tradicional. Alega, ainda, que o cliente tem acesso a todas as informações da fatura por diversos canais - inclusive atendimento presencial, digital e telefônico, e que, nos termos da boa-fé objetiva, é indevida qualquer presunção de ignorância quanto às condições contratuais livremente pactuadas. Por fim, afirma que não houve qualquer falha na prestação do serviço nem causa para indenização por danos morais. A parte autora apresentou réplica em id. 115664441, rechaçando os argumentos trazidos em sede de contestação. Intimadas sobre produção probatória, ambas as partes não se manifestarem nos autos (id. 154661799). Sendo assim, considero o feito maduro para sentença, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. É o breve relatório. Passo a decidir. II - Das preliminares. Quanto as preliminares aventadas na contestação, passo a análise. - Da decadência e prescrição. No que tange à alegação de decadência, sustentada com base no art. 178, II, do Código Civil, convém destacar que o fundamento da presente demanda não é propriamente a anulação de negócio jurídico com base em vício de vontade típico (erro, dolo, coação, etc.), mas sim a nulidade absoluta por ausência de consentimento válido, inexistência de relação jurídica e prática abusiva, situação que, inclusive, é compatível com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), por se tratar de relação consumerista. A jurisprudência tem reiteradamente afastado a aplicação da decadência nesses casos, reconhecendo a nulidade absoluta do contrato ou a inexistência da relação jurídica em hipóteses de ausência de contratação ou simulação, matéria que não se sujeita ao prazo de quatro anos previsto no artigo supracitado: No mesmo sentido, a tese da parte autora é de que jamais anuiu ao modelo contratual de RMC, tratando-se, portanto, de negócio jurídico simulado ou inexistente, situação que, nos termos do art. 169 e 167 do Código Civil, é nulo de pleno direito e não se sujeita a prazo decadencial. No que diz respeito à prescrição, também não há como acolher a tese da parte ré. O pleito veiculado nos autos possui natureza mista: (i) declaratória de nulidade/inexistência de relação jurídica, (ii) repetição de indébito e (iii) indenização por danos morais. O pedido declaratório não se sujeita a prazo prescricional (art. 205, CC), e quanto aos demais pedidos, deve ser analisado sob a ótica da teoria do trato sucessivo, que afasta a incidência de prescrição total. De igual modo, é pacífico que, nas relações de consumo bancário, envolvendo descontos mensais sucessivos em benefício previdenciário, a cada novo desconto nasce para a parte lesada uma nova pretensão, razão pela qual a prescrição alcança apenas as parcelas anteriores a cinco anos da propositura da ação, e não o direito como um todo. A propósito: "Nas ações em que se discute a validade de descontos mensais em folha de pagamento decorrentes de supostos contratos não reconhecidos pelo consumidor, a prescrição atinge apenas as parcelas vencidas há mais de cinco anos, não havendo que se falar em prescrição total da pretensão." (TJ-SP - Apelação Cível: 1176468-84.2023.8.26.0100, Rel. Roberto Mac Cracken, j. 05/07/2024) No mesmo sentido, ainda que se admita a incidência do prazo do art. 27 do CDC, este deve ser contado do conhecimento efetivo do dano e de sua autoria, o que, conforme narrativa da inicial, só se evidenciou com clareza diante da reiteração automática dos descontos e da ausência de transparência sobre a dívida total, fato agravado pela condição de hipossuficiência da autora, pessoa idosa, múltipla pensionista, e presumivelmente vulnerável. É o que determina o art. 6º, VIII, do CDC, impondo interpretação mais protetiva ao consumidor, especialmente quando a obscuridade do contrato ou a má-fé na abordagem tornam impossível a ciência plena da lesão no momento da contratação. Portanto, não restou demonstrado que a parte autora teve ciência inequívoca da irregularidade desde o início dos descontos, tampouco que se operou a prescrição ou a decadência do direito vindicado. Passo a análise do mérito da demanda. III - Mérito. Cabível o julgamento antecipado do mérito porque os documentos trazidos para os autos dão suporte para análise e decisão das questões apresentadas pelas partes, sendo desnecessária a produção de prova oral. Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "o julgamento antecipado da lide justifica-se quando o juiz está convencido de que não há necessidade de qualquer outra prova para a formação de sua cognição sobre quem, autor ou réu, será tutelado pela atuação jurisdicional. Em termos mais técnicos, o julgamento antecipado da lide acaba por revelar a desnecessidade da realização da fase instrutória, suficientes as provas eventualmente já produzidas até então com apetição inicial, com a contestação e, bem assim, com as manifestações que, porventura, tenham sido apresentadas por força das providências preliminares, é dizer, ao ensejo da fase ordinatória" (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, v. 2, t. 1, ed.Saraiva, p. 219). O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu, pelo voto da Ministra Maria Isabel Gallotti que inexiste cerceamento de defesa na hipótese em que se indefere a dilação probatória vez que desnecessária. A prova é endereçada ao julgador para que forme seu convencimento e está adstrita a sua utilidade, consagrando a legislação processual pátria, nos artigos 125, inc. II e 130 do CPC o dever do juiz de velar pela rápida solução do litígio e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (STJ - REsp. 919656/DF -j.04.11.2010). O juiz é o destinatário das provas e julgará a demanda norteado pelo princípio do livre convencimento fundamentado, insculpido no art. 371 do CPC, nas lições de Jônatas Luiz Moreira de Paula: (...) Princípio da Persuasão Racional ou Livre convencimento: é regra basilar no direito processual a independência intelectual do juiz ante sua interpretação dos fatos e das normas jurídicas, a fim de construir sua convicção jurídica. Essa independência é expressada pelo princípio enfocado e, segundo, José Frederico Marques, situa-se entre o sistema da certeza legal e o sistema do julgamento segundo a consciência íntima, exigindo-se do julgador pesar o valor das provas que lhe parece mais acertado, dentro de uma motivação lógica que deve ser exposto na decisão. (MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. Teoria Geral do Processo. Ed. Editora de Direito,2. ed. Leme, São Paulo: 2000, pp 291-292). Registre-se, ainda, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso concreto, ao qual também se submetem as instituições financeiras, conforme já pacificado pela Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O cerne da controvérsia consiste em verificar se a contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC) pelo autor, mediante documento formalizado junto ao Banco BMG, foi realizada com observância das normas legais e do dever de informação, ou se houve vício de consentimento capaz de macular o negócio jurídico e ensejar os pedidos de devolução de valores e compensação por danos morais. Inicialmente, reconhece-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, sendo aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor. Também é inegável a condição de vulnerabilidade do autor, dada sua idade avançada e dependência exclusiva de benefício previdenciário. Entretanto, a vulnerabilidade do consumidor não pode ser interpretada como presunção absoluta de nulidade ou de ilicitude de toda contratação bancária que lhe envolva, sob pena de esvaziamento da autonomia privada e banalização da proteção legal. Nos autos, o requerido apresentou documentação idônea demonstrando a contratação do produto "BMG Card" pelo autor, com assinatura do Termo de Adesão e respectiva autorização para desconto de 5% (cinco por cento) de sua margem consignável, conforme previsto na legislação de regência (ids. 114265205/114265210). Tal produto é regulamentado pela Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008 e é permitido pelo ordenamento jurídico, conforme previsão do art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, que autoriza o desconto de prestações de cartão de crédito na folha de pagamento, até o limite de 5% (cinco por cento) da remuneração ou do benefício. Verifica-se, ainda, que o contrato não se trata de um empréstimo consignado, mas sim de um cartão de crédito com possibilidade de saque de valores e pagamento mediante desconto mínimo mensal em folha, restando facultado ao consumidor a quitação total do saldo remanescente diretamente com a instituição financeira. O fato de o consumidor, por iniciativa própria ou por desorganização financeira, optar por não pagar o valor integral da fatura e deixar que o débito rotativo se acumule não pode, por si só, converter-se em mácula à contratação em si. O contrato prevê expressamente as condições do produto, sua natureza, encargos e formas de amortização da dívida, de modo que eventual desconhecimento por parte do autor, sem prova de vício de vontade, não pode ser presumido. Ademais, a simples alegação de não ter compreendido a operação, desacompanhada de qualquer demonstração concreta de coação, fraude, erro substancial ou omissão dolosa, não é suficiente para infirmar a validade de documento contratual regularmente assinado, com previsão legal e que guarda correspondência com as práticas bancárias autorizadas pelos órgãos reguladores. Cabe ao consumidor, ainda que hipossuficiente, diligenciar minimamente pela compreensão das obrigações assumidas, sobretudo em operações financeiras. Nesse cenário, impende ressaltar que o referido serviço (disponibilização de crédito para saque com cartão fornecido pelas instituições financeiras) tem a sua licitude reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, desde que atendidas as exigências dos artigos 6º e 5º da Lei nº 10.820/03, com redação alterada pela Lei nº 13.172/2015, estão regulados pelo artigo 15, inciso I, da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS/Previdência Social. Confira-se: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. CONSUMIDORA IDOSA, APOSENTADA E ANALFABETA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO DE REFORMA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA FRENTE AO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. MÉRITO: COMPROVAÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E DEMONSTRAÇÃO DO REPASSE DO VALOR SACADO PARA CONTA EM QUE A AUTORA RECEBE O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ATO ILÍCITO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. PRELIMINAR. É entendimento do C. STJ e dos Tribunais Pátrios que não há cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, sem a produção de provas requestadas pelas partes, quando o julgador entende suficiente o conjunto probatório já encartado nos autos e motiva sua decisão baseado nele. Precedentes. Em análise minuciosa do caderno processual, verifico que há correspondência entre as assinaturas constantes no contrato de cartão de crédito (fl. 107) e nos documentos apresentados pela própria autora (fls. 27, 30), assim, mostra-se prescindível a prova grafotécnica para o desato do litígio. Preliminar rejeitada. 2. DA INCIDÊNCIA DO CDC - A discussão acerca da validade de contrato de cartão de crédito consignado deve ser analisada à base das disposições do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, (artigos 2º e 3º), devendo-se assegurar a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). 3. DO CONJUNTO PROBATÓRIO - Inobstante a parte não ser obrigada a fazer prova negativa do seu direito, os documentos colacionados pela recorrente não comprovam, nem de forma diminuta, suas alegações. Em contrapartida, o recorrido se desincumbiu a contento do seu ônus probante (art. 373, II, CPC), produzindo prova robusta quanto à regularidade da contratação. O Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização Para Desconto em Folha de Pagamento (fls. 101-107) comprovou que, em 31/05/2016, a recorrente aderiu à contratação de cartão de crédito consignado, na qual houve expressa autorização para que o banco apelado realizasse o desconto de reserva de margem consignável - RMC diretamente em seu benefício previdenciário (cláusula 8.1, fl. 102), estando o referido contrato regularmente assinado pela mesma. Além disso, demonstrou o banco recorrido, pelo comprovante de transferência bancária (fl. 111), a efetiva disponibilização da importância de R$1.076,03 (um mil e setenta e seis reais e três centavos) em conta corrente da apelante, cuja importância a mesma não nega ter recebido. 4. Resta evidente a ausência de vício de consentimento, não se verificando nenhuma abusividade na realização dos descontos, que além de serem expressamente autorizados pelo artigo 6º, e 5º da Lei nº 10.820/03, com redação alterada pela Lei nº 13.172/2015, estão regulados pelo artigo 15, inciso I, da Instrução Normativa nº 28/2008 do INSS/Previdência Social, não havendo que se falar na imposição de venda casada. 5. Relativamente à contratação com pessoa que afirma ser semianalfabeta, é importante frisar que a simples condição de analfabetismo funcional não retira a capacidade para os atos da vida civil. Ademais, in casu, a autora rubricou cada página do contrato e o assinou ao final, assim como o fez com a procuração outorgada ao seu causídico e com a declaração de pobreza que acostam a inicial. 6. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. (TJCE. Apelação nº 0036907-15.2018.8.06.0029. Relator (a): MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO; Comarca: Acopiara; Órgão julgador: 2ª Vara da Comarca de Acopiara; Data do julgamento: 11/09/2019; Data de registro: 11/09/2019) Os documentos juntados pelo banco promovido permitem concluir que os débitos impostos ao requerente decorrem de relação contratual regularmente pactuada, não havendo indício de abusividade nas cobranças, mormente porque o contrato encontra-se acompanhado dos documentos pessoais da parte autora, além de conter em seu bojo todas as informações necessárias ao consumidor. Por conseguinte, reconheço que ao apresentar as provas acima descritas o demandado se desincumbiu do ônus que lhe é atribuído pelo artigo 373, II, do CPC. Colaciono, sobre o tema, mais um julgado do egrégio TJCE em apreciação a caso análogo ao presente: APELAÇÃO. SENTENÇA IMPROCEDENTE DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL, COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO SEM QUALQUER RESSONÂNCIA NOS AUTOS. EM ANÁLISE EXAURIENTE DOS DOCUMENTOS, PARTE A PARTE, AGITADOS, NÃO FOI EVIDENCIADA QUALQUER CONDUTA ILÍCITA PASSÍVEL DE REPARAÇÃO. ATESTADA A VALIDADE CONTRATUAL E A PLENA APTIDÃO PARA SURTIR OS EFEITOS JURÍDICOS QUE LHE SÃO INERENTES. PARADIGMAS DO EGRÉGIO TJCE. DESPROVIMENTO. 1. Inicialmente, percebe-se que o cerne da questão posta a desate consiste em conferir a verossimilhança das alegações recursais vertidas na existência de empréstimo consignado sem sua autorização e a sua revelia, porquanto, originado mediante fraude. A par disto, verificar-se-á a possibilidade de reparação. 2. De plano, vê-se que o Banco apresentou o respectivo contrato de mútuo, contendo a assinatura do Requerente, a qual, foi, inclusive, reconhecida, pelo próprio Apelante. O Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado encontra-se, às f. 162/168 e incontáveis faturas, às f. 91/161. 3. Ainda, o pacto está devidamente acompanhado dos documentos pessoais do Autor que instruíram a avença, a saber: RG, CPF e comprovante de residência. Tais elementos de identificação estão às f. 169/174. 4. Desta forma, a instituição financeira se desincumbiu do seu ônus probante de comprovar foto impeditivo do direito do Promovente. Realmente, o contrato está perfeito e acabado, daí porque atestada a validade, de modo a ostentar plena aptidão para surtir os efeitos jurídicos que lhe são inerentes. 5. Diante de tais evidências, a alegação de analfabetismo do Recorrente não tem o condão de reverter a potência das provas até porque a avença ostenta a assinatura de 2 (duas) testemunhas, aliás, como tem que ser neste caso específico de maior vulnerabilidade do contratante 6. DESPROVIMENTO ao Apelo, de vez que não constatado qualquer ilícito passível de reparação. (TJCE. Apelação nº 36910-67.2018.8.06.0029. Relator (a): FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO; Comarca: Acopiara; Órgão julgador: 2ª Vara; Data do julgamento: 05/06/2019; Data de registro: 05/06/2019) Destarte, não vislumbro a ocorrência de qualquer dano a ser reparado estando o contrato de cartão de crédito esta em plena vigência. Os artigos 927 e 186 do Código Civil dispõem que: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.(…) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O professor Caio Mário da Silva Pereira comenta que: "Embora a doutrina não seja uniforme na conceituação da responsabilidade civil, é unânime na afirmação de que este instituto jurídico firma-se no dever de "reparar o dano", explicando-o por meio de seu resultado, já que a idéia de reparação tem maior amplitude do que a de ato ilícito, por conter hipóteses de ressarcimento de prejuízo sem que se cogite da ilicitude da ação." (Responsabilidade civil, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998). Para configuração do dever de reparar é necessária a demonstração do ato voluntário ou por negligência ou imprudência da parte autora, do prejuízo causado e do nexo de causalidade entre o ato e o dano. Importante observar que inexiste nos autos qualquer prova de que o autor tenha solicitado extrato, contestado formalmente os descontos ou tentado liquidar o saldo devedor antes de ingressar com a presente ação. Tampouco se vislumbra a prática de qualquer conduta abusiva por parte do banco, como omissão deliberada de faturas ou recusa de atendimento, sendo legítimo o envio de faturas por meios eletrônicos, físicos ou canais de autoatendimento, como previsto contratualmente. A alegação genérica de que os correspondentes bancários seriam desorganizados ou confusos não se traduz, por si só, em nulidade do contrato. Quanto à devolução em dobro dos valores descontados, esta só se impõe nos casos de cobrança indevida com má-fé, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do CDC, o que não se verifica no caso concreto. A cobrança se deu com base em contrato formalizado e autorizado pelo INSS, sendo, portanto, indevida a restituição pleiteada, ainda que em valor simples. Por fim, no tocante ao pedido de indenização por danos morais, entendo que não restou configurada qualquer ofensa à honra, imagem ou dignidade da parte autora. A existência de descontos em benefício previdenciário, derivados de contrato legalmente celebrado e regularmente executado, não caracteriza, por si só, situação vexatória ou aflitiva que extrapole os meros dissabores da vida civil, não havendo nos autos comprovação de abalo emocional significativo que justifique compensação de ordem moral. Dessa forma, ausente qualquer vício na contratação ou ilicitude na conduta do réu, impõe-se a improcedência integral dos pedidos autorais. III - Dispositivo. Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora e, por sentença com resolução de mérito, extingo o presente processo, o que faço com fulcro no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil. Condena a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser o autor beneficiário da justiça gratuita, que ora defiro nos autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Decorrido o prazo recursal sem insurgência, certifiquem-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. Mulungu, data e hora pelo sistema. Daniel Gonçalves Gondim Juiz de Direito (Respondência) Vara Única da Comarca de Mulungu/CE