E. G. A. x P. M. G.

Número do Processo: 0200858-60.2022.8.06.0090

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJCE
Classe: Guarda de Família
Grau: 1º Grau
Órgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Icó
Última atualização encontrada em 27 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 27/06/2025 - Intimação
    Órgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Icó | Classe: Guarda de Família
    0200858-60.2022.8.06.0090 GUARDA DE FAMÍLIA (14671) [Guarda] REQUERENTE: E. G. A. REQUERIDO: P. M. G.   SENTENÇA     1- RELATÓRIO   Trata-se de ação de guarda judicial com tutela de urgência ajuizada por E. G. A. em face de P. M. G., objetivando a guarda de Pedro Levy Gurgel Guedes.   Narra a exordial que o requerente e a requerida conviveram em união estável de 2006 a 2022, advindo dessa relação o menor Pedro Levy Gurgel Guedes. Relata que, em 06/05/2022, a requerida teria viajado para Fortaleza levando consigo o filho e todos os seus documentos, sob o pretexto de visitar a mãe e realizar manutenção em aparelho auditivo. Contudo, ao chegar à capital, teria bloqueado o autor e comunicado, por terceiros, que não retornaria mais. O autor sustenta que, preocupado com a integridade física e psicológica do filho, deslocou-se até Fortaleza e, ao buscar o menor na residência da avó materna, deparou-se com ambiente insalubre e a criança apresentando diversos ferimentos, supostamente decorrentes de picadas de insetos, conforme documentação fotográfica acostada.   Aduz que, desde o retorno do menor à sua companhia, a requerida não teria mais mantido contato com o filho, caracterizando, segundo o autor, abandono afetivo e material. Ressalta, ainda, episódios em que a requerida teria negligenciado cuidados básicos com o menor, inclusive em situações de enfermidade, bem como ameaças proferidas por familiares da genitora. Fundamenta seu pedido no melhor interesse da criança, alegando possuir plenas condições de prover o necessário ao desenvolvimento do filho, e requer a concessão da guarda judicial, com tutela de urgência, em seu favor.   A exordial veio instruída com os documentos de IDs 139354846 a 139351911.   Decisão de ID 139351914 recebeu a petição inicial, concedida a gratuidade da justiça e indeferiu a tutela de urgência.   A audiência de conciliação restou infrutífera (ID 139354240).   A requerida, intimada, ofereceu contestação no ID 139354242, impugnando os fatos narrados na inicial. Em reconvenção, a requerida imputa ao autor a prática de alienação parental, sustentando que este teria promovido obstáculos ao exercício do poder familiar materno e instigado o menor a rejeitar o convívio com a genitora, requerendo, em contrapartida, a concessão da guarda compartilhada.   Intimada, a parte autora apresentou réplica à contestação no ID 139354250 e reiterou os pedidos autorais.   Estudo Social no ID 139354263.   Parecer ministerial ao ID 157700350, manifestando-se pela procedência do pedido de guarda unilateral formulado pelo genitor e regulamentação do direito de visitas em favor da genitora.   É o relatório. Decido.   2- FUNDAMENTAÇÃO   2.1- DO MÉRITO   Inicialmente, em sede de réplica (ID 139354250), o autor suscita preliminar de revelia, sustentando que a contestação foi apresentada intempestivamente, vez que a audiência de conciliação realizou-se em 13/12/2022 e a peça defensiva foi protocolada apenas em 15/02/2023, quando o prazo para contestar seria de 15 dias úteis após a audiência, conforme mandado de citação (ID 139354229).   A questão demanda análise cuidadosa dos prazos processuais e das circunstâncias do caso.   No caso dos autos, verifica-se que a audiência de conciliação foi realizada em 13/12/2022 (ID 139354240) e considerando o período de suspensão dos prazos processuais (20/12/2022 a 20/01/2023), o termo final para apresentação da contestação foi em 06/02/2023, motivo que reconheço que a contestação protocolada em 15/02/2023 (ID 139354242), é extemporânea.   Entretanto, ainda que se reconheça a intempestividade da contestação, os efeitos da revelia não se aplicam ao caso em tela, por se tratar de direito indisponível, conforme estabelece o art. 345, II do CPC.   Ademais, verifico que o feito prosseguiu regularmente, com a juntada da contestação, apresentação de réplica e realização de instrução probatória, sem que houvesse manifestação judicial expressa sobre a questão. Dessa forma, reconheço a revelia da parte requerida mas sem aplicação dos seus efeitos.   O processo encontra-se instruído com as provas suficientes para o convencimento deste Juízo, razão pela qual passo ao exame do mérito.   O instituto da guarda, previsto no art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/90), volta-se à regularização de situação de fato, em que um indivíduo, por se encontrar no exercício de prestações materiais e morais em favor de um menor, inclusive lhe assumindo a responsabilidade, pleiteia a formalização de tal estado fático, com vistas a facilitar a atuação em prol do infante e/ou adolescente interessado(s).   Nesse viés, conceitua-se a guarda como o ato jurídico, de cunho solene, por meio do qual, atendendo-se às formalidades legais, estabelece-se um vínculo entre o infante e o guardião, no sentido de que este tenha sobre aquelas obrigações equivalentes às existentes entre pais e filhos, quais sejam, a prestação de assistência moral, material e educacional, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.   A guarda não pressupõe a prévia suspensão ou destituição do poder familiar, e a análise do pleito deve se nortear pelo bem-estar da criança e sua proteção no ambiente familiar.   Ainda sobre a guarda, disciplina o Código Civil:   Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.  § 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) II - saúde e segurança; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) III - educação. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). III - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) § 3 o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) § 4º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.     No caso dos autos, o autor relata ser genitor da menor, hoje com 10 anos de idade, sendo este fruto do relacionamento do requerente com a requerida P. M. G., conforme certidão de nascimento de ID 139354844.   Pelos elementos de prova constantes nos autos, verifica-se que a guarda de fato do infante Pedro Levy Gurgel Guedes já é exercido com exclusividade por seu genitor.   O estudo social realizado (ID 139354263) constitui elemento probatório fundamental para o deslinde da controvérsia. O laudo técnico, elaborado com base em visita domiciliar, entrevistas e observações técnicas, apresentou a seguinte conclusão técnica: "Levando em consideração os impactos psicológicos e emocionais que a mudança de guardião poderia ter sobre a criança, acredita-se, neste momento, ser o pai, o senhor E. G. A., o melhor guardião para o menino Pedro Levy Gurgel Guedes" (ID 139354263).  Ademais, a parte requerida declarou no estudo que reconhece que o genitor sempre cuidou bem do filho, acreditando que, nesse momento, o pai é o melhor guardião para o filho.   A Constituição Federal, em seu art. 227, estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Este mandamento constitucional materializa-se no princípio do melhor interesse da criança, positivado no art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança e reiterado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal princípio deve nortear toda e qualquer decisão judicial que envolva menores, sobrepondo-se aos interesses dos genitores. No caso concreto, a aplicação deste princípio conduz inexoravelmente à manutenção da guarda com o genitor, considerando: (i) a estabilidade emocional e material proporcionada; (ii) os vínculos afetivos consolidados; (iii) a rede de apoio familiar presente (avós paternos e tia/madrinha); (iv) a própria vontade manifestada pela criança; (v) o reconhecimento da genitora quanto à adequação dos cuidados paternos. O art. 1.584, §2º, do Código Civil estabelece que "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor". Não obstante a preferência legal pela guarda compartilhada, o próprio dispositivo comporta exceções quando as circunstâncias fáticas assim recomendarem. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a guarda compartilhada não deve ser imposta quando houver elementos que demonstrem sua inadequação ao melhor interesse da criança. No presente caso, múltiplos fatores convergem para a inadequação da guarda compartilhada: (i) a distância geográfica entre as residências dos genitores (Icó e Fortaleza); (ii) a resistência manifestada pelo menor em manter contato com a genitora; (iii) a fragilização do vínculo materno-filial constatada no estudo social; (iv) o reconhecimento da própria mãe de que o melhor para o filho é permanecer com o pai. Ademais, a guarda compartilhada pressupõe capacidade de diálogo e cooperação entre os genitores, elementos ausentes na dinâmica conflituosa retratada nos autos, com acusações recíprocas de impedimento de contato e alienação parental. Embora a guarda deva permanecer com o genitor, é fundamental preservar e fomentar o vínculo materno-filial, direito fundamental tanto da mãe quanto do filho. O próprio estudo social recomenda que "o contato seja reintroduzido de forma gradual, respeitando o tempo e os limites do menor". O direito de visitas, previsto no art. 1.589 do Código Civil, constitui desdobramento natural do poder familiar e não pode ser obstaculizado sem justa causa. A resistência atual do menor não pode servir como impedimento absoluto e permanente ao contato materno, devendo-se buscar mecanismos para superar gradualmente essa dificuldade. A regulamentação das visitas deve considerar: (i) a necessidade de reconstrução gradual do vínculo; (ii) o respeito aos limites emocionais da criança; (iii) a distância geográfica entre as cidades; (iv) a idade e rotina escolar do menor; (v) a disponibilidade e condições da genitora. Dessa forma, resta evidenciado que a manutenção da guarda unilateral com o genitor atende ao melhor interesse da criança, considerando a estabilidade emocional, os vínculos afetivos consolidados, as condições materiais adequadas e a própria manifestação de vontade do menor, corroborada pelo parecer técnico favorável. Por fim, o direito de visita deve ser exercido de forma livre pela genitora, mediante prévio agendamento, de modo a garantir a convivência saudável e contínua entre mãe e filho. Ressalta-se que o fortalecimento do vínculo materno-filial é fundamental para o desenvolvimento emocional e social da criança, sendo imprescindível que as visitas ocorram em ambiente harmonioso e colaborativo, sempre priorizando o melhor interesse do menor. O prévio agendamento visa assegurar a previsibilidade e a organização das visitas, evitando conflitos e promovendo o bem-estar de todos os envolvidos.   2.2- DA RECONVENÇÃO   Ressalte-se que, embora a reconvenção apresentada pela parte requerida seja manifestamente intempestiva e, por isso, não possa ser conhecida como pedido autônomo, os elementos nela trazidos são analisados como manifestação de defesa e contribuíram para a formação do convencimento do Juízo, sobretudo diante da natureza indisponível da matéria em debate.    A requerida, em sede de reconvenção (ID 139354242), alega a prática de alienação parental pelo genitor, sustentando que este criaria empecilhos para o contato materno-filial, configurando as condutas tipificadas no art. 2º, III, IV e VII da Lei 12.318/2010.   A alienação parental caracteriza-se pela interferência na formação psicológica da criança, promovida por um dos genitores, para que repudie o outro genitor ou cause prejuízo ao estabelecimento ou manutenção de vínculos. Trata-se de conduta grave que demanda comprovação robusta, não bastando meras alegações ou suposições.   Analisando o conjunto probatório, não se verifica a caracterização da alienação parental, conforme alegado pela requerida em sede de reconvenção. O estudo social não identificou condutas alienadoras por parte do genitor. Ao contrário, constatou-se que a resistência do menor decorre de suas próprias percepções e sentimentos, não de manipulação paterna.   A própria genitora, em contato telefônico com a assistente social (ID 139354268), relatou não compreender os motivos da resistência do filho, mas não apresentou elementos concretos que demonstrassem interferência maliciosa do genitor. As dificuldades de contato narradas inserem-se mais no contexto de um relacionamento parental conflituoso pós-separação do que propriamente em um quadro de alienação parental.   Importante destacar que o mero exercício da guarda de fato ou eventual resistência da criança não configuram, por si só, alienação parental. Necessária seria a demonstração de atos concretos e deliberados de desqualificação da figura materna, manipulação psicológica ou criação de falsas memórias, elementos não comprovados nos autos.   3- DO DISPOSITIVO     Ante o exposto, e por entender ser desnecessário tecer outras considerações, em consonância com o opinativo ministerial, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para conceder a guarda unilateral do menor Pedro Levy Gurgel Guedes ao promovente E. G. A., regularizando a situação fática já existente, com direito de visitas livres da genitora, mediante prévio agendamento, e por conseguinte, extingo o presente feito com julgamento de mérito, nos moldes do artigo 487, inciso I, do código de Processo Civil.   Deixo de conhecer a reconvenção apresentada pela parte requerida por ser intempestiva, nos termos do art. 343, §6º, do CPC. Ainda assim, considerando tratar-se de direito indisponível, os elementos nela contidos foram analisados como subsídio probatório, sem, contudo, infirmar a conclusão adotada.    Condeno a parte requerida no pagamento nas custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez) por cento) sobre o valor da causa, com sua exigibilidade suspensa em razão da gratuidade judiciária que agora concedo.   Ciência ao Ministério Público.   Publique-se. Registre-se. Intime-se.   Na hipótese de oposição de embargos de declaração, intime-se a parte contrária para manifestação, no prazo de 5 dias, na forma do art. 1.023, §2º do CPC.   Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo a quo (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária, caso possua advogado, para oferecer resposta, no prazo de 15 (quinze) dias. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos à Superior Instância, para apreciação do recurso de apelação.   Após o trânsito em julgado da sentença, proceda-se à baixa do feito no sistema processual e remetam-se os autos ao arquivo.   Expedientes necessários.    Icó/CE, data da assinatura eletrônica. Juiz Assinado eletronicamente