Thiago Fabricio Lira Maia e outros x Igor Macedo Faco e outros
Número do Processo:
0247844-77.2024.8.06.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
36ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 36ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA 36ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FORTALEZA Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Setor Verde, Nível 3, sala 310, Edson Queiroz, Fortaleza/CE, CEP 60811-690 - (85) 3108-0872 - for.36civel@tjce.jus.br 0247844-77.2024.8.06.0001 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) [Serviços de Saúde] AUTOR: LUCILANE VIANA MACIEL REU: HAPVIDA SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de tutela de urgência, ajuizada por Lara Viana Maciel, representada por sua genitora, Lucilane Viana Maciel, em face de Hapvida Assistência Médica S.A., distribuída e processada neste Juízo. Em petição inicial de ID 124126524, a parte autora, Lucilane Viana Maciel, alega ser beneficiária de plano de saúde junto à requerida, sob o n. 484252199, com cobertura ambulatorial e hospitalar, incluindo parto, com adesão em 20/05/2021, e que tem como dependente sua filha, a menor Lara Viana Maciel, a qual se encontra acometida por severos sintomas relacionados a uma formação cística ovariana de volume expressivo. Aduz que a menor foi conduzida ao Hospital Antônio Prudente, sendo constatado que o estado de saúde da autora é grave, necessitando de urgente internação cirúrgica, havendo encaminhamento para o centro cirúrgico, mas, para sua surpresa, foi informado que, por seu plano ainda se encontrar em período de carência, não seria possível a internação cirúrgica com a cobertura do plano. Requer a concessão da tutela de urgência para determinar que a parte promovida autorize imediatamente, com a urgência que o caso requer, todos os procedimentos que se fizerem necessários para a recuperação da Promovente, sejam eles de caráter cirúrgico, realização de exames, administração de medicamentos, internações, transferências etc., conforme entender necessária a equipe médica, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), além de reparação por danos morais no valor não inferior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Decisão interlocutória constante do ID 124126492, deferindo a liminar para que se providencie a internação imediata da autora para o tratamento da enfermidade referida, mediante a cobertura integral de todos os gastos e despesas que venham a incidir em razão da urgência, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), limitada a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Posteriormente, a requerida informou a interposição de agravo de instrumento, por meio da petição de ID 124126507, cujo recibo de protocolo consta no ID 124126505. Contestação apresentada no ID 124126516, a parte ré sustenta, em síntese, que a contratação do plano de saúde da menor se deu em 07/03/2024, sendo-lhe negada a autorização sob o fundamento de carência contratual, tendo apenas 117 (cento e dezessete) dias de vigência na data do indeferimento, não possuindo a quantidade de dias necessária para requerer o expediente almejado. Além disso, aduz que, em nenhum momento, a menor esteve desassistida, não lhe sendo tolhido qualquer tipo de procedimento incluso na cobertura aderida. Por fim, pugna pela improcedência da demanda. Réplica em ID 135421963, a parte autora alega que "a ré nada traz em sua defesa que comprove a legalidade em sua conduta, quanto a negativa da realização do procedimento cirúrgico de URGÊNCIA/EMERGÊNCIA para retirada parcial ou total do ovário (OOFORECTOMIA UNI OU BILATERAL OU OOFOROPLASTIA UNI OU BILATERAL - 31305016) solicitado pelo próprio médico da empresa demandada, Dr. Álvaro M. Oliveira CRM 21167, como podemos ver nos doc. id. 124126523 dos autos". Informa ainda, que na data da negativa em 02/07/2024, a menor possuía 117 (cento e dezessete) dias como beneficiária do plano, em que a genitora é titular desde 20/06/2021. No mérito, reitera que seja julgado procedente o pleito formulado na exordial. Intimadas as partes para manifestar se há interesse na produção de provas, conforme ID 136178115, foi requerido julgamento antecipado. Por fim, vieram-me os autos conclusos a julgamento. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO Ab initio, anuncio o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I do CPC/2015, eis que a matéria posta a deslinde trata-se exclusivamente de direito e a prova documental é suficiente para a resolução do litígio. O cerne da controvérsia consiste em analisar se há obrigatoriedade de cobertura pela operadora de saúde para realizar "internação para realização de procedimento cirúrgico para remoção de formação cística." A legislação que deverá nortear o julgamento da lide é o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que tanto a parte autora quanto a demandada se enquadram, respectivamente, nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, previstos nos arts. 2º e 3º do CDC. Reforça-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso com base no teor da Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". Conforme relatado, a autora se encontra acometida de severos sintomas relacionados a uma formação cística ovariana de volume expressivo, sendo consignado pelo médico que a acompanha, em laudo médico de ID 124126490, a necessidade de internação em caráter de urgência, com indicação para realização de procedimento cirúrgico. No entanto, após solicitar internação cirúrgica, a demandada concluiu pelo indeferimento do procedimento cirúrgico da autora, com base na ausência de previsão de cobertura obrigatória devido ao período de carência correspondente a 180 (cento e oitenta) dias, quando, na verdade, há previsão expressa sobre o prazo de carência de 24 (vinte e quatro) horas em hipótese de urgência e emergência, nos termos do art. 12, V, "c" da Lei n. 9.656/98, senão, vejamos: Art.12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] V - quando fixar períodos de carência: c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; Dessa forma, o quadro clínico sensível que acomete a autora indicava, nos termos da legislação regente acima mencionada, prazo de carência diverso daquele informado pela parte promovida, de modo que a negativa desta em realizar o procedimento cirúrgico de urgência configura patente falha na prestação do serviço. Nesse sentido, colaciona-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto (destacou-se): DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. PRAZO DE CARÊNCIA. AFASTAMENTO. ATENDIMENTO DE URGÊNCIA/EMERGÊNCIA. ACÓRDÃO ESTADUAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A "cláusula contratual que prevê prazo de carência para utilização dos serviços prestados pelo plano de saúde não é considerada abusiva, desde que não obste a cobertura do segurado em casos de emergência ou urgência" (AgInt no REsp 1.815.543/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 6/11/2019). Incidência da Súmula 83 do STJ. 2. "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado" (Súmula 302/STJ). 3. "A recusa indevida de cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou aflição psicológica do beneficiário, ante a situação vulnerável em que se encontra" (AgInt no REsp 2.025.038/SP, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, julgado em 4/9/2023, DJe de 8/9/2023). 4. No caso, mostra-se razoável o quantum fixado pela instância ordinária, a título de danos morais, correspondente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), não havendo que se falar em condenação desproporcional com relação à extensão dos danos sofridos pela parte recorrida, que, conforme mencionado pelas instâncias ordinárias, suportou a negativa indevida de internação para tratamento de pneumonia pós-covid, em situação de emergência, por parte do plano de saúde. 5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. (STJ - AgInt no AREsp: 2483628 BA 2023/0374562-9, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 08/04/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2024). A propósito, colaciona-se também o entendimento deste Tribunal de Justiça, no qual se reconhece o dever da operadora de saúde em realizar o procedimento cirúrgico em casos assemelhados, conforme se observa: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE URGÊNCIA. FUNDAMENTO EM CLÁUSULA DE CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 12, V, C, E ART. 35-C DA LEI Nº 9.656/98. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR ARBITRADO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL PARA INDENIZAÇÃO POR DANO ESTÉTICO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelações interpostas por HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA S/A e por VANÁGELA FERREIRA COSTA, EMANUEL BRAGA DE SOUSA e ARTHUR MIGUEL FERREIRA BRAGA contra sentença que reconheceu a abusividade da negativa de cobertura de procedimento cirúrgico de urgência e condenou a operadora de saúde ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 ao menor Arthur Miguel e R$ 5.000,00 a cada um de seus genitores. 2. A operadora de saúde defende a legalidade da negativa de cobertura, alegando não cumprimento do prazo de carência contratual. Alternativamente, requer a exclusão da condenação por danos morais ou a redução do valor arbitrado. 3. Os autores, em apelação adesiva, pleiteiam majoração do valor da indenização por danos morais, fixação de indenização por dano estético e majoração dos honorários sucumbenciais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. Há três questões em discussão: (i) verificar a legalidade da negativa de cobertura do procedimento cirúrgico com base em cláusula de carência, frente ao caráter emergencial do quadro clínico do menor; (ii) analisar a caracterização do dano moral e a adequação do valor arbitrado; (iii) examinar a existência de nexo causal para indenização por dano estético. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. O contrato de plano de saúde é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 608 do STJ. A cláusula de carência não pode ser aplicada em situações de urgência e emergência, nos termos do art. 12, V, ¿c¿, e art. 35-C da Lei nº 9.656/98, que estabelecem prazo máximo de 24 horas para cobertura nesses casos. 6. Restou comprovado nos autos que o menor apresentava quadro de apendicite aguda, com indicação expressa de cirurgia de urgência, conforme laudo médico e relatório hospitalar. Dessa forma, a negativa de cobertura se revela abusiva e ilícita. 7. A conduta da parte ré ultrapassou o mero inadimplemento contratual, pois impôs à criança sofrimento desnecessário, submetendo-a a demora no atendimento e risco à sua saúde, circunstâncias que configuram violação aos direitos da personalidade e gera dano de ordem extrapatrimonial ao paciente e, por via reflexa, aos seus genitores. 8. O valor da indenização fixado em R$ 10.000,00 para a criança e R$ 5.000,00 para cada um dos genitores se revela adequado, considerando a gravidade da conduta da operadora, a repercussão do dano e os parâmetros jurisprudenciais para casos similares. 9. No tocante ao pedido de indenização por dano estético, não há comprovação de que a cicatriz resultante do procedimento cirúrgico tenha sido diretamente causada pela negativa da operadora, tampouco de que a cirurgia, caso realizada pela ré, seria necessariamente por videolaparoscopia, técnica que poderia reduzir a extensão da cicatriz. Assim, ausente nexo causal entre a conduta da operadora e o alegado dano estético, não há fundamento para a condenação. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recursos desprovidos. Sentença mantida em sua integralidade. Tese de julgamento: 1. A cláusula de carência não pode ser invocada para negar cobertura de procedimentos médicos em casos de urgência e emergência, nos termos do art. 12, V, ¿c¿, e art. 35-C da Lei nº 9.656/98. 2. O arbitramento do valor da indenização por danos morais deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade, considerando a gravidade da conduta ilícita, a repercussão do dano e os parâmetros jurisprudenciais. 3. A indenização por dano estético exige a demonstração de nexo causal entre a conduta ilícita do réu e a alteração estética alegada, o que não se verificou no caso concreto. (Apelação Cível- 0206726-35.2022.8.06.0117, Rel. Desembargador(a) FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 18/03/2025, data da publicação: 18/03/2025). Logo, não assiste razão à operadora do plano de saúde para negar a cobertura do procedimento cirúrgico à requerente com fundamento na vigência do prazo de carência contratual de 180 (cento e oitenta) dias, tendo em vista que o procedimento cirúrgico a ser realizado pela autora está caracterizado como urgente, e a legislação aplicável estabelece prazo de carência reduzido, o qual, no caso em análise, já foi devidamente cumprido. Dessa forma, evidencia-se o erro da operadora de saúde, apto a caracterizar defeito na prestação do serviço. Quanto ao pleito de reparação por danos morais pugnados pela autora, observo que houve violação aos direitos da personalidade dela, visto que necessitava de procedimento médico de urgência para tratar doença no ovário, a qual lhe causava dor por período superior a 1 (um) ano. Destarte, é inegável o abalo à esfera psíquica e física da autora, justificando a indenização por dano moral. Para quantificar o referido dano de natureza existencial a ser reparado, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas ao afirmar que deve ser levado em consideração alguns critérios, dentre eles: a) a capacidade econômica do autor do dano e da vítima; b) a natureza da lesão e suas consequências; c) as condições em que se deu o dano. Tais parâmetros servem, sobretudo, para fazer jus a função compensatória da responsabilidade civil, a qual prevê que a indenização concedida deve alcançar o todo o dano a fim de reparar integralmente a vítima. De igual modo, tais parâmetros servem ainda para evitar o enriquecimento ilícito por parte do prejudicado, bem como para que não seja estipulado valor ínfimo capaz de estimular novas ofensas por parte do agente causador do dano. Assim, sopesando esses critérios e aplicando-os ao caso concreto, afigura-se razoável a fixação do quantum indenizatório no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). III - DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, extingo o processo com resolução de mérito, confirmando a tutela de urgência deferida em ID 124126492, e julgo PROCEDENTE a ação para: a) CONDENAR a promovida a fornecer o procedimento cirúrgico solicitado, nos termos do relatório médico de ID 124126490; b) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária pela taxa Selic a partir do arbitramento, na forma da súmula 362 do STJ, e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação até o arbitramento, aplicando-se, posteriormente, somente a taxa Selic. CONDENO a parte requerida ao pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º do CPC/2015. Cumpra-se com os expedientes necessários. Fortaleza/CE, data da assinatura eletrônica. LEILA REGINA CORADO LOBATOJuíza de Direito
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27/06/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)