APELANTE | : CRISTIANE FELISBERTO (EMBARGANTE) |
ADVOGADO(A) | : LUCIANA DAMINELLI (OAB SC033338) |
APELANTE | : ALICIA FELISBERTO PIROVANO (EMBARGANTE) |
ADVOGADO(A) | : LUCIANA DAMINELLI (OAB SC033338) |
APELANTE | : LETICIA FELISBERTO PIROVANO (EMBARGANTE) |
ADVOGADO(A) | : LUCIANA DAMINELLI (OAB SC033338) |
APELADO | : COOPERATIVA DE CREDITO LITORANEA (EMBARGADO) |
ADVOGADO(A) | : SUELEN DOS SANTOS PIVA (OAB SC060641) |
ADVOGADO(A) | : MARLON ANDRE ABATTI (OAB SC032319) |
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de apelação interposta por Alicia Felisberto Pirovano, Letícia Felisberto Pirovano e Cristiane Felisberto contra sentença do Juízo da Vara Estadual de Direito Bancário, proferida no autos dos embargos de terceiro opostos pelas apelantes contra Cooperativa de Crédito Litorânea, com o seguinte dispositivo (evento 60 - 1G):
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, III, "a", HOMOLOGO o reconhecimento do pedido, pondo fim à fase cognitiva do processo com resolução de mérito.
Determino o levantamento da penhora registrada sobre o bem objeto da lide.
Translade-se cópia da presente sentença para os autos de execução apensos.
Forte no princípio da causalidade, condeno a embargante ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados, consoante o grau de zelo do profissional, a baixa complexidade da causa e a inexistência de outros atos processuais, em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ex vi do prescrito no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Indefiro o benefício da gratuidade da justiça.
Argumentaram as recorrentes, em síntese, que: a) o direito à gratuidade judiciária detém natureza personalíssima e é notória incapacidade econômica de crianças, já que Alícia e Letícia são menores impúberes e estão representadas por sua genitora Cristiane; b) a situação financeira da representante legal das infantes se deteriorou, especialmente em razão de elevadas despesas mensais, o que compromete a manutenção das filhas e reforça a necessidade de concessão da gratuidade da justiça; e c) deve a sentença ser desconstituía por nulidade absoluta, nos termos do artigo 1.013, § 3º, inc. IV, do Código de Processo Civil, ou, subsidiariamente, reformada para conceder o benefício da gratuidade da justiça, ou, ao menos, fixar os honorários em valor condizente com a sua realidade financeira.
A apelada apresentou contrarrazões (evento 78).
Vieram os autos conclusos.
DECIDO
Inicialmente, registra-se a possibilidade de julgamento monocrático do recurso, em conformidade com o art. 132, inciso XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e com o art. 932, inciso V, do Código de Processo Civil.
A sentença recorrida homologou o reconhecimento do pedido formulado nos embargos de terceiro e, por conseguinte, extinguiu o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inc. III, alínea “a”, do Código de Processo Civil.
Embora o pronunciamento tenha determinado o levantamento da penhora lavrada sobre o imóvel de propriedade das apelantes, condenou-as ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais foram fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa. Ao desfecho da petição inicial, a ação foi valorada, ao final de 2017, em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), o que importa na sujeição das apelantes ao pagamento de mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
A Constituição da República de 1988, especificamente no inciso LXXIV do art. 5º, dispõe o seguinte: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".
Aliado a isso, o atual Código de Processo Civil preconiza, em seu art. 98, que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.".
À concessão da benesse, malgrado a lei regente preveja a necessidade, em relação às pessoas naturais, tão só da declaração de hipossuficiência, esta se reveste de presunção relativa, apenas, de veracidade (art. 98, § 3º, do CPC)
Com efeito, o art. 99, § 2º, do CPC assenta que a prerrogativa será indeferida "se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade".
Isso porque, "é de conhecimento comum não pressupor a concessão do benefício da Justiça Gratuita a miserabilidade absoluta, bastando a impossibilidade de manutenção do mínimo à subsistência própria e de sua família" (AC n. 0313083-54.2016.8.24.0018, de Chapecó, Sexta Câmara de Direito Civil, Rela. Desa. Denise Volpato, j. 9-6-2020).
É cediço, outrossim, que "o acesso à Justiça, como garantia constitucional, é direito personalíssimo e irrenunciável. Como tal, deve ser analisado sob enfoque individual, motivo por que, em regra, a hipossuficiência de uma pessoa independe da condição financeira de cônjuge ou parente próximo. Se não há evidências de que a pessoa que pede o auxílio possa, por seus próprios meios, arcar com as custas do processo, merece acolhida o pedido de concessão da benesse legal, ante a presunção estipulada em favor do requerente" (Agravo de Instrumento n. 0032376-40.2016.8.24.0000, de Tubarão, Segunda Câmara de Direito Civil, Rel. Sebastião César Evangelista, j. 30-11-2017).
Nesse contexto, não é imprescindível à concessão da gratuidade a absoluta ausência de recursos ou a comprovação de estado de miserabilidade acentuada. A lei não impõe, outrossim, como obstáculo ao deferimento da benesse, a existência de membro da família que aufere rendimentos acima da média populacional, uma vez que o direito é personalíssimo, conforme se deduz da interpretação do § 5º do art. 99 do CPC.
No caso, embora a representante legal das infantes não tenha juntado aos autos documentos comprobatórios de seus atuais rendimentos, qualificou-se na petição inicial como secretária. É fato notório que os ganhos do referido posto de trabalho não são expressivos, mormente se considerada a necessidade de sustento de duas crianças, as quais dependem exclusivamente do auxílio proveniente dos genitores para sobreviver.
A existência da propriedade imóvel, por si só, não é incompatível com a concessão da gratuidade judiciária, sobretudo quando o bem foi destinado às titulares em razão do desfazimento da união estável de seus genitores.
Conclui-se, pois, que as circunstâncias estampadas nos autos militam em favor das apelantes, na medida em que não se revela adequado impor sobre Cristiane a obrigação de pagamento de mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) quando o único intento da demanda foi proteger o patrimônio das filhas menores.
Ante o exposto, nos termos do art. 132, inciso XVI, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e do art. 932, inciso V, do Código de Processo Civil, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso para CONCEDER o benefício da gratuidade da justiça às apelantes e determinar a suspensão da exigibilidade dos ônus de sucumbência determinados na sentença.
Intimem-se.