APELANTE | : NELSON BELEGANTE (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : HIRLANDO JOSÉ GESSER (OAB SC026088) |
APELANTE | : ANDREI ROGGER BELEGANTE (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : HIRLANDO JOSÉ GESSER (OAB SC026088) |
APELADO | : ALLIANZ BRASIL SEGURADORA S.A. |
ADVOGADO(A) | : MARIA STELLA BARBOSA DE OLIVEIRA (OAB RJ145252) |
DESPACHO/DECISÃO
NELSON BELEGANTE e ANDREI ROGGER BELEGANTE interpuseram recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal (evento 54, RECESPEC1).
Quanto à primeira controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional, a parte alega violação ao art. 371 do Código de Processo Civil, no que concerne à "necessidade de revaloração dos documentos dos autos e da prova testemunhal como provas aptas e suficientes a evidenciar a versão dos fatos alegados pelos Recorrentes" (p. 14).
Quanto à segunda controvérsia, pela alínea "c" do permissivo constitucional, a parte alega divergência jurisprudencial no tocante à configuração da culpa concorrente no acidente de trânsito.
Quanto à terceira controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional, a parte alega violação aos arts. 369 e 373, I, do Código de Processo Civil e 5º, LV, da CF/88, no que concerne ao fato de que o acórdão recorrido ignorou "as provas materiais e testemunhal produzidas pelos Recorrentes, bem como a presunção de veracidade de cada uma delas" (p. 22).
Cumprida a fase do art. 1.030, caput, do Código de Processo Civil.
É o relatório.
Considerando que a exigência de demonstração da relevância das questões federais, nos termos do art. 105, § 2º, da Constituição Federal, ainda carece de regulamentação, e preenchidos os requisitos extrínsecos, passa-se à análise da admissibilidade recursal.
Quanto à primeira e terceira controvérsias, a admissão do apelo especial pela alínea "a" do permissivo constitucional esbarra no veto da Súmula 7 do STJ.
Sustenta a parte recorrente, em síntese, que "o Boletim de Ocorrência, apesar da sua importância, não é absoluto no conjunto probatório, que é formado por todas as provas levadas a juízo pelas partes com o objetivo de formar a convicção do magistrado. Sendo assim, o Juiz não está restrito ao Boletim de Ocorrência, mas sim deve analisar todo o conjunto probatório" (evento 54, RECESPEC1, p. 12); e que "o condutor do veículo Recorrente já havia ingressado na rua Guilherme e se encontrava trafegando nesta normalmente quando ocorreu o sinistro, tanto é verdade que a colisão foi frontal e não lateral. Tal fato pode ser claramente comprovado através das fotos dos veículos envolvidos no acidente (Evento 1, pág. 1 (veículo segurado pela parte recorrida) e do veículo ETIOS, bem como nos depoimentos das testemunhas dos Recorrentes, Sr. Alexandre de Aviz e Sr. Bruno Corrêa da Silva (ambas testemunhas dos Recorrentes), conforme consta no Evento 89 (fato incontroverso). Tal fato é prova suficiente da culpa da condutora do veículo segurado pela parte autora, ou no mínimo, da aplicação da culpa concorrente" (evento 54, RECESPEC1, p. 20).
Contudo, a análise da pretensão deduzida nas razões recursais, relacionada à alegada presunção de veracidade das provas produzidas pelo ora recorrente no acidente de trânsito, exigiria o revolvimento das premissas fático-probatórias delineadas pela Câmara, nos seguintes termos (evento 48, RELVOTO1):
A arguição de que o segundo réu não pode ser responsabilizado por sinistro do qual não teve participação, porquanto figura apenas como proprietário registral do veículo [evento 91, APEL.1, fl. 9], improcede. Afinal, "o proprietário do veículo que o empresta a terceiro responde solidariamente pelos danos causados por seu uso culposo. A sua culpa, nesses casos, configura-se em razão da escolha impertinente da pessoa a conduzir seu veículo ou da negligência em permitir que terceiros, sem sua autorização, o utilizem" [STJ, AgInt no AREsp n. 1.835.794/GO, rel.ª Min.ª Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 11-04-2022].
Consta da petição inicial que, em 05-04-2016, a segurada Carmem Lucia Duarte do Valle Pereira trafegava com o seu veículo Renault Megane Gtour Dyna 1.6 Flex [placa MIP-8055] pela Rua Guilherme Costa e Silva, em Joinville/SC, quando o veículo Toyota Etios SD XLS [placa MLI-9693] conduzido pelo primeiro réu — e de propriedade do segundo réu —, que transitava pela Rua Carlos Willy Boehm, desrespeitou a sinalização de "pare" e invadiu a via preferencial, ocasionando a colisão com o automóvel segurado [evento 1, PET.INI.1, fl. 4].
A culpa exclusiva dos demandados pelo acidente de trânsito que envolveu o veículo segurado está bem evidenciada no próprio relato do primeiro réu registrado no boletim de ocorrência, do qual se infere que ele, condutor do veículo Toyota Etios SD XLS [placa MLI-9693], estava no final da Rua Carlos Willy Boehm, ou seja, num cruzamento sinalizado com placa de "pare" voltada para si, quando iniciou o ingresso na via preferencial e acabou colidindo com o automóvel da segurada [Renault Megane Gtour Dyna 1.6 Flex, placa MIP-8055]. Ademais, a imagem anexada à peça inaugural atesta a existência do cruzamento e da sinalização no fim da Rua Carlos Willy Boehm. Confira-se [evento 1, INF.8]:
Embora os réus sustentem que o sinistro aconteceu em virtude da segurada transitar na "contramão de direção, ao forçar uma ultrapassagem" [evento 33, CONT.42, fl. 2], e as testemunhas Alexandre de Aviz [colega de trabalho do primeiro réu] e Bruno Corrêa da Silva [terceiro que trafegava naquele local] tenham afirmado em juízo que o veículo segurado vinha na contramão de direção [evento 89, VID.2], o primeiro réu não apresentou nenhuma justificativa plausível para a modificação da versão dos fatos registrada no boletim de ocorrência, a qual se presume ser verdadeira, e as testemunhas sequer estavam no momento em que a autoridade policial chegou ao local, o que levanta dúvida, inclusive, a respeito da presença delas no instante do impacto.
Não bastasse, em casos de colisão em cruzamento sinalizado, a presunção de culpa recai sobre aquele que não observou o sinal de parada.
Cumpre enfatizar que "o recurso especial não se destina ao rejulgamento da causa, mas à interpretação e uniformização da lei federal, não sendo terceira instância revisora" (AREsp n. 2.637.949/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 17-12-2024).
Em relação ao art. 5º, LV, da CF/88, veda-se a admissão do recurso especial, dada a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, III, da Carta Magna. Desse modo, "não compete ao STJ a análise de violação de dispositivo ou princípio constitucional" (REsp n. 2.153.459/SP, relª. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 11-2-2025).
Quanto à segunda controvérsia, o apelo especial não reúne condições de ascender à superior instância pela alínea "c" do permissivo constitucional, por força da Súmula 284 do STF, por analogia. A parte recorrente não indicou os dispositivos de lei em torno dos quais teria havido interpretação divergente por outros Tribunais, circunstância que obsta o trâmite do inconformismo.
Constata-se, ainda, que a parte recorrente não realizou o necessário cotejo analítico, isto é, não confrontou excertos do corpo da decisão hostilizada com trechos dos julgados paradigmas, impossibilitando, assim, a comparação entre as situações fáticas que culminaram nas decisões ditas divergentes.
Decidiu o STJ:
Consoante firme jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, a interposição de recurso especial tanto pela alínea a quanto pela alínea c não dispensa a indicação direta e específica do dispositivo de lei federal ao qual o Tribunal a quo teria dado interpretação divergente daquela firmada por outros tribunais e exige a comprovação do devido cotejo analítico (1.029, § 1º, do CPC/2015 e do art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ). Situação que atrai o óbice da Súmula 284 do STF. (AgInt no AREsp n. 2.585.626/SP, rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 9-9-2024).
Em adição, observa-se que descortinar as premissas utilizadas pela Câmara acerca da aventada configuração de culpa concorrente no acidente de trânsito exigiria a incursão no arcabouço fático-probatório encartado nos autos, providência vedada na via excepcional, a teor do disposto na Súmula 7 do STJ.
Cumpre enfatizar que "o recurso especial não se destina ao rejulgamento da causa, mas à interpretação e uniformização da lei federal, não sendo terceira instância revisora" (AREsp n. 2.637.949/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 17-12-2024).
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do Código de Processo Civil, NÃO ADMITO o recurso especial do evento 54, RECESPEC1.
Intimem-se.