RÉU | : ARMANDO MAGALHAES NOVAES |
ADVOGADO(A) | : MARCELO MIGUEL REGETZ MONTEIRO (OAB ES022693) |
ADVOGADO(A) | : FRANKLYN DE SOUZA ALMEIDA (OAB ES024601) |
DESPACHO/DECISÃO
I
Cuida-se de ação penal deflagrada em face de Armando Magalhães Novaes, dada a prática, em tese, do delito de uso de documento público falso (artigo 304 c/c 297, do Código Penal).
A denúncia foi baseada em investigação oriunda de inquérito policial instaurado a partir da prisão em flagrante de Armando Magalhães Novaes, em virtude de ter apresentado CRLV falso a agentes da Polícia Rodoviária Federal.
Na ocasião, o juízo plantonista concedeu ao réu liberdade provisória cumulada com medidas cautelares diversas da prisão, quais sejam, "i) a cautelar de comparecimento mensal em Juízo, até o dia 10 de cada mês, e ii) a proibição de se ausentar do Estado do Rio de Janeiro, sem autorização judicial, durante o trâmite da investigação ou instrução (art. 319, I e IV, do CPP)".
Em 3/5/2018, este Juízo recebeu a denúncia (evento 66.67).
Em razão do não cumprimento da medida cautelar de comparecimento em juízo e da não localização do acusado para ser citado, o Ministério Público Federal requereu a revogação da liberdade provisória e imediata decretação da prisão preventiva do réu.
Em razão do descompromisso do acusado em cumprir as medidas cautelares diversas à prisão, somado à ausência de endereço certo, entendeu o juízo pela possibilidade concreta e real de que o réu viesse a frustrar a aplicação da lei penal e, no evento 128.1, decretou a prisão preventiva de Armando Magalhães Novaes com fulcro nos artigos 311; 312, parágrafo único; 313, I; e 282, § 4º, todos do Código de Processo Penal.
Mandado de prisão preventiva expedido no evento 134.1.
No evento 137.1, a Polícia Federal informou que realizou diligências no sentido de cumprir o mandado de prisão, porém não logrou localizar o acusado.
Posteriormente, o MPF requereu a citação por edital do acusado (evento 140.1), o que foi acolhido pelo juízo (evento 142.1).
No evento 154.1, certificou-se o decurso do prazo previsto no edital de citação sem que o acusado comparecesse ou constituísse advogado.
Após, o processo foi suspenso (11/2/2021) nos termos do art. 366 do CPP, em conformidade com a determinação judicial do evento 142.1.
Com o vencimento do prazo previsto no mandado de prisão, determinou-se nova expedição, tendo sido cumprido no evento 210.1.
Em 7/5/2025, o juízo plantonista da Comarca de São Mateus (ES) comunicou o cumprimento do mandado de prisão expedido por este juízo (evento 222.2), tendo sido realizada audiência de custódia em razão da captura do agente em flagrante delito.
Infere-se do auto de prisão em flagrante delito lavrado pela Delegacia de Polícia Civil no Espírito Santo que os policiais deram ordem de parada ao condutor do automóvel Toyota Corolla, placa RQN-6C80, em virtude de atitude suspeita do motorista, ocasião em que desceram do veículo Sâmila Sampaio de Oliveira e Douglas Cardoso de Souza Pereira, sendo localizada, junto a primeira, uma pistola Taurus, com 18 munições intactas, sem autorização de porte do armamento.
No departamento de Polícia Judiciária, com apoio da Polícia Federal e da inteligência da Polícia Penal, foi constatado que Douglas Cardoso de Souza Pereira teria se valido de falsa identidade, em outras ocasiões, com o fito de ludibriar as autoridades, fazendo-se passar por Armando Magalhães Novaes, em relação ao qual havia mandado de prisão pendente de cumprimento, expedido por este Juízo (evento 222.1, pp. 5/6).
Segundo a autoridade policial responsável pela lavratura do APF, tal fato pode ser constatado pela análise do BU48768340, de setembro de 2022, no qual consta que durante abordagem realizada pela Polícia Rodoviária Federal, Douglas Cardoso de Souza Pereira teria apresentado documento falso e se identificado inicialmente como sendo Armando Magalhães Novaes; porém, posteriormente teria revelado a sua verdadeira identidade.
Ainda de acordo com o despacho da autoridade policial, Douglas Cardoso de Souza Pereira é conhecido pela alcunha de "boca", encontra-se inscrito no CPF sob o nº 123.698.527.39, é titular do RG nº 3231241 e é filho de Izarildo Pereira e Denira Cardoso de Souza Pereira, tendo nascido em 18/3/1988 em Vitória (ES).
O preso foi encaminhado ao Presídio do Espírito Santo.
No evento 225.1, este Juízo determinou a intimação das partes para manifestação no prazo de cinco dias, ocasião em que determinou o cadastramento dos advogados que participaram da audiência de custódia para que informassem se iriam patrocinar os interesses do réu nesta ação penal.
Determinou-se, ainda, a expedição de ofício ao magistrado plantonista da Comarca de São Mateus/ES para que encaminhe a este juízo, tão logo concluída pelas autoridades, a identificação criminal de Douglas Cardoso de Souza Pereira (Armando Magalhães Novaes).
Em seguida, a defesa constituída apresentou resposta à acusação no evento 229.1, em nome de Douglas Cardoso de Souza Pereira, ocasião na qual tomou ciência da denúncia, informou o seu endereço atual e requereu a retificação dos dados cadastrais do processo.
Segundo a defesa, Douglas Cardoso de Souza Pereira teria sido capturado de forma equivocada, tendo sido autuado por fato diverso e a sua prisão em flagrante convertida em preventiva. Requereu, diante disso, o recebimento da resposta à acusação, com a designação da audiência de custódia, e o posterior prosseguimento do feito, arrolando as mesmas testemunhas da acusação.
No evento 230.1, expediu-se ofício ao juízo da Comarca de São Mateus/ES.
No evento 231.2, a defesa anexou aos autos documentos pessoais do acusado, indicando como nome correto do réu Douglas Cardoso de Souza Pereira (evento 231.1).
Instado a se manifestar, pleiteou o Ministério Público Federal, no evento 235.1, após a confirmação da identidade do réu como sendo Douglas Cardoso de Souza Pereira, a retificação da denúncia para substituição do seu nome e a citação do réu no estabelecimento prisional onde se encontra custodiado, para prosseguimento da ação penal.
É o relato do necessário.
II
Nos termos da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, toda pessoa presa deve ser apresentada à autoridade judiciária competente no prazo de 24 horas, contados da comunicação da prisão em flagrante ao juiz competente, para que seja ouvida (art. 1º), devendo o mesmo procedimento ser observado em relação às pessoas presas em virtude de cumprimento de mandado de prisão cautelar ou definitiva (art. 13).
Aludida garantia, amparada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem por finalidade primeira viabilizar o exame da legalidade da custódia, isto é, se foram efetivamente respeitados os direitos e as garantias constitucionais da pessoa presa, coibindo-se eventuais abusos por parte do Estado.
No caso, constata-se que Douglas Cardoso de Souza Pereira foi preso em flagrante delito no dia 5/5/2025, na localidade de São Mateus (ES), pelo crime do art. 14 da Lei 10.826/2003, juntamente com sua esposa Sâmila Sampaio.
Em 7/5/2025, foi realizada audiência de custódia pelo juízo plantonista de São Mateus, no Espírito Santo, o qual analisou a regularidade do ato da prisão, sob a ótica da legalidade da atuação policial. Ao ensejo, converteu o flagrante em prisão preventiva, além de ter determinado a expedição de ofício a este juízo a comunicar o cumprimento, nas mesmas circunstâncias, de mandado de prisão expedido em desfavor de Armando Magalhães Novaes, nome falso utilizado por Douglas Cardoso de Souza Pereira.
Na ocasião, não foi aferido ou mesmo alegado – seja pelo preso, seja por sua defesa técnica – qualquer abuso, tortura ou maus-tratos, tendo sido chancelada a atuação policial. Ainda, foram adotadas as providências pertinentes à identificação criminal do agente e à sua condução ao presídio local.
Consoante se denota, a audiência de custódia foi realizada pelo juiz competente do local da captura e da formalização do auto de prisão em flagrante delito, em irrestrita observância ao artigo 310 do Código de Processo Penal, à supracitada resolução e ao entendimento jurisprudencial, considerando que a prisão se concretizou em local não albergado pela jurisdição deste Juízo.
Como tem decidido o e. Superior Tribunal de Justiça, "(...) a Resolução n.º 213 do CNJ é clara ao estabelecer que, no caso de cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do Juiz que a determinou, a apresentação do preso, para a audiência de custódia, deve ser feita à autoridade competente na localidade em que ocorreu a prisão, de acordo com a Lei de Organização Judiciária local (...)".
No mesmo julgamento, assentou-se que, "mormente nos casos de prisão preventiva, a audiência de custódia não tem por escopo principal aferir a presença dos requisitos da custódia cautelar ou mesmo substituí-la por outras medidas (...)", mas a adoção das "providências necessárias para resguardar a integridade da pessoa presa" (CC nº 168.522/PR. Rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 11/12/2019), o que, vale dizer, efetivamente concretizou-se no caso em estima.
Nessa trama, e assinalada a coexistência de títulos prisionais, afigura-se despicienda a repetição do ato solene, o qual, vale dizer, desserve aos fins almejados pela defesa técnica, para os quais já foram adotadas as medidas cabíveis, isto é, a identificação criminal do acusado, na forma da Lei nº 12.037/2009.
Logo, no atual enredo, é desnecessária a apresentação de Douglas Cardoso de Souza Pereira perante este Juízo, pelo que indefiro o pedido formulado.
III
Doravante, passo a reapreciar a necessidade de manutenção da constrição cautelar da liberdade do réu, ex officio (evento 128.1).
Como se sabe, a imposição da segregação provisória e das medidas cautelares alternativas ao cárcere condicionam-se à análise de três elementos: cabimento (art. 313 do CPP), necessidade (art. 312 do CPP) e adequação (art. 282, § 6º, e art. 319 do CPP), sendo certo que a prisão processual, singularizada como a ultima ratio dentre as restrições à liberdade pessoal, pressupõe a insuficiência do emprego das medidas cautelares de menor gravidade.
Na esteira dos fundamentos retro expostos (evento 128.1), constata-se que os elementos cognitivos angariados ilustram o fumus comissi delicti, tendo em estima a presença de provas da materialidade e indícios de autoria, uma vez que o acusado, em tese, foi surpreendido enquanto trafegava na BR-101 e, ao ser abordado por policiais rodoviários federais, apresentou CRLV cuja falsidade foi atestada por meio de perícia técnica.
Em relação ao periculum libertatis, vê-se que, logo após a concessão da liberdade provisória cumulada com medidas cautelares diversas da prisão, o acusado praticou diversos atos incompatíveis com o compromisso firmado por ocasião de sua soltura, capazes de pôr em risco a aplicação da lei penal (art. 312, caput, do CPP), uma vez que deixou de comparecer em juízo para justificar as suas atividades desde janeiro de 2018, pouquíssimo tempo após a sua soltura, e não foi localizado para sua citação pessoal no endereço por ele próprio fornecido.
Após ter sido determinada sua prisão preventiva com fulcro nos artigos 311, 312, parágrafo único, 313, I c/c 282, §4º, todos do Código de Processo Penal e determinada sua citação por edital, o réu permaneceu foragido por mais de cinco anos, sendo apenas localizado no Estado do Espírito Santo, recentemente, em situação configuradora de flagrante delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003.
Por outro lado, a liberdade do acusado representa fundado risco à ordem pública (art. 312, caput, do CPP), dada a reiteração criminosa observada, extraída de fatos contemporâneos.
Do relatório da situação processual executória do réu (evento 222.1, pp. 61-65) se depreende que ele se encontrava, no momento de sua prisão em flagrante, em situação de livramento condicional deferido desde 19/12/2024, em virtude de condenação pelo crime de latrocínio, além de também haver sido definitivamente condenado pela prática de crime talhado no art. 14 do Estatuto do Desarmamento.
Acresça-se, ainda, o fato de que o réu responde à Ação Penal nº 0004132-33.2018.8.08.0047, em virtude da suposta prática dos delitos previstos nos artigos 33, caput ,e 35, caput, ambos da Lei 11.343/2006 (evento 222.1, p. 99).
Não bastasse, há indicativos de que, ao tempo do fato apurado nesta ação penal, fez ele uso de nome falso, ao se apresentar, inclusive documentalmente, como "Armando Magalhães Novaes", o que traduz nova prática delitiva.
A inaugurar terceiro fundamento a amparar a prisão, tem-se que há dúvida sobre sua identidade civil (art. 313, § 1º, do CPP), encontrando-se pendente a sua identificação criminal, já determinada pelo juízo.
Tal cenário traduz a insuficiência da aplicação das medidas cautelares de menor gravidade (art. 282, CPP), as quais já foram adotadas e não lograram neutralizar os riscos advindos da liberdade do réu.
Há, portanto, dados concretos a recomendarem, nessa quadra processual, a manutenção da prisão preventiva, visando à identificação criminal do acusado, à garantia da ordem pública e ao resguardo da futura aplicação da lei penal, à luz do art. 312, caput e § 2º, 313, § 1º e 282, § 6º, todos do Código de Processo Penal.
IV
Considerando a expedição de ofício ao Juízo de São Mateus (ES), determino à Secretaria que consulte o referido juízo, solicitando-lhe informações sobre o cumprimento da diligência de identificação criminal de Douglas Cardoso de Souza Pereira, rogando-lhe para que seja enviada a este juízo, com a máxima urgência.
Caso se verifique que o verdadeiro nome do réu é Douglas Cardoso de Souza Pereira, determino a retificação dos seus dados, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes, na forma do art. 259 do CPP.
Ao ensejo, deverão ser retificados os dados constantes do sistema eProc e no sistema do BNMP 3.0, no tocante ao mandado de prisão expedido, com posterior emissão da certidão de cumprimento do mandado de prisão.
Após, cite-se o réu no estabelecimento prisional onde estiver recolhido.
Em seguida, considerando a apresentação de resposta à acusação por parte da defesa técnica no evento 229, retornem os autos conclusos para aplicação dos artigos 397 e 399 do CPP.
Intimem-se.