Nivaldo Da Silva Cruz x Camed Operadora De Plano De Saude Ltda e outros
Número do Processo:
0564748-73.2017.8.05.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
12ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 12ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 12ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 0564748-73.2017.8.05.0001 Órgão Julgador: 12ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR INTERESSADO: NIVALDO DA SILVA CRUZ Advogado(s): MARINEZ RODRIGUES MACEDO (OAB:BA36193), CELIA TERESA SANTOS (OAB:BA5558), MARIA DA SAUDE DE BRITO BOMFIM (OAB:BA19337) INTERESSADO: CAMED OPERADORA DE PLANO DE SAUDE LTDA e outros Advogado(s): THIAGO GIULLIO DE SALES GERMOGLIO (OAB:PB14370), DANNIEL ALLISSON DA SILVA COSTA (OAB:BA20892), ANTONIO FRANCISCO COSTA registrado(a) civilmente como ANTONIO FRANCISCO COSTA (OAB:BA491-A) SENTENÇA Trata-se de ação ordinária de obrigação de fazer c/c indenizatória, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por NIVALDO DA SILVA CRUZ, em representação de BEATRIZ MACEDO DA SILVA CRUZ e IZABEL REGINA MACEDO DA SILVA CRUZ, contra CAMED OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE LTDA e UNIMED NORTE NORDESTE - FEDERAÇÃO INTERFEDERATIVA DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS DE TRABALHO MÉDICO. Relata o autor, em síntese, que contratou plano de saúde junto à primeira ré para suas filhas menores em 08/04/2004 e 25/07/2005, respectivamente, denominado "BEM ESTAR ESPECIAL SEM OBSTETRÍCIA". Aduz que em 2014, a CAMED negociou sua carteira de clientes com a UNIMED NORTE/NORDESTE, sendo garantida pela primeira ré a manutenção da rede hospitalar pela segunda requerida. Sustenta que em 26/09/2017, quando a menor Beatriz necessitou de atendimento de emergência no Hospital São Rafael, foi informado que o atendimento do plano estava suspenso, sendo compelido a buscar atendimento em outra unidade médica de qualidade inferior e mais distante de sua residência. Requereu, liminarmente, a manutenção da rede hospitalar oferecida pela CAMED, especialmente o Hospital São Rafael, e, no mérito, a confirmação da liminar e condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 35.201,00. Foi deferida tutela antecipada determinando que a UNIMED NNE mantenha os serviços na rede hospitalar oferecida pela CAMED, especialmente o Hospital São Rafael, para atendimento das beneficiárias menores (ID 259773122). A UNIMED NORTE NORDESTE apresentou contestação (ID 259773132), alegando, preliminarmente, que não houve descredenciamento do Hospital São Rafael, mas sim divergência de critérios de auditoria que levou o hospital a suspender unilateralmente os atendimentos. No mérito, sustenta que possui rede credenciada apta a suprir as necessidades médicas das menores e que o contrato prevê a possibilidade de substituição da rede credenciada. Deferida a juntada de mídias pelo autor (IDS 259773260 e 259773264). A CAMED CONSULTORIA EM SAÚDE LTDA (atual denominação da extinta CAMED Operadora de Plano de Saúde) apresentou contestação (ID 407008352), alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva ad causam, pois a parte autora deixou de ser sua beneficiária desde setembro/2014, tendo o contrato migrado para a UNIMED em outubro/2014. No mérito, sustenta que a alienação da carteira foi autorizada pela ANS e que não possui mais qualquer vínculo jurídico com a parte autora. O autor apresentou réplicas (IDs 259773153 e 438775480), refutando as alegações das contestações e reiterando os pedidos iniciais. Anunciado o julgamento antecipado do mérito (ID 487348930). É o relatório. DECIDO. Registre-se, preliminarmente, que a peça apresentada pela UNIMED NORTE NORDESTE, embora mencione no cabeçalho "CONTESTAÇÃO c/c RECONVENÇÃO", na verdade constitui apenas contestação, uma vez que não formula pedido reconvencional específico, limitando-se a requerer a improcedência da ação. Ausente a formulação de pretensão autônoma do réu em face do autor, inexiste reconvenção propriamente dita, devendo a peça ser considerada exclusivamente como contestação, nos termos do art. 343 do Código de Processo Civil. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam arguida pela CAMED. A documentação acostada aos autos, mormente o comunicado não impugnado especificamente pelas rés (ID 259773115), demonstra inequivocamente que a CAMED garantiu expressamente que a rede hospitalar seria mantida pela segunda ré, quando da alienação voluntária da carteira. Tal compromisso público gera legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, ainda que subsidiariamente. Em situações análogas, a jurisprudência reconhece a legitimidade das empresas envolvidas na alienação de carteira: APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. ILEGITIMIDADE PASSIVA EM RAZÃO DA ALIENAÇÃO DA CARTEIRA DE CLIENTES. NÃO ACOLHIMENTO . NECESSIDADE DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE À EMPRESA ADQUIRENTE DA CARTEIRA DE CLIENTES. NÃO ACOLHIMENTO. DESCREDENCIAMENTO DE CLÍNICAS DA REDE DE ATENDIMENTO DO PLANO. DEVER DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA DECORRENTE DA BOA-FÉ OBJETIVA E DISPOSITIVO LEGAL EXPRESSO DA LEI 9 .656/98 (ART. 17). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA DE EXAME MATERIALIZADA PELA REALIZAÇÃO DE EXAME DIVERSO . DANO MORAL VERIFICADO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO NA ORIGEM. NEGA PROVIMENTO. 1 . A denunciação da lide à Unimed Norte-Nordeste, requerida pela apelante, não tem cabimento. Primeiro porque o ilícito supostamente cometido foi praticado pela CAMED e ocorreu antes mesmo da alienação da carteira do plano. Ainda que se cogite responsabilidade da adquirente da carteira do plano, em razão do CDC a responsabilidade das envolvidas na prestação do serviço é solidária, podendo o consumidor demandar qualquer delas separadamente. Ademais, a lógica do CDC é incompatível com a denunciação da lide em prejuízo do consumidor, o que não impede que o direito de regresso eventualmente existente em favor da apelante seja exercido em ação autônoma . 2. A alienação da carteira de clientes do plano de saúde não retira a legitimidade passiva da empresa que praticou o ato ilícito para figurar como ré pelo simples fato de a demanda ter sido ajuizada quando o serviço sequer ainda era prestado pela empresa adquirente da carteira de clientes. Preliminar rejeitada. 3 . A ausência de comunicação efetiva e prévia da alienação da carteira a outra prestadora de serviço viola a boa-fé objetiva e o dever legal expresso inequivocamente no art. 17 da Lei 9.656/98. No caso dos autos, a autora, que é idosa, foi submetida a cirurgia e passou a receber tratamento em clínica que veio a ser descredenciada da rede do plano sem a comprovação da comunicação prévia . Caso em que há dano moral. 4. A jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de que o rol de procedimentos previstos pela ANS é exemplificativo, cabendo ao médico definir a melhor terapêutica a ser implementada. 5 . A sentença impugnada arbitrou quantum indenizatório a título de reparação por danos morais em R$ 15.000,00. O apelo não ofereceu fundamentação direcionada à eventual necessidade de redução, apenas quanto a não caracterização do dano moral. A tese defendida, entretanto, foi rechaçada, devendo ser mantido a quantia arbitrada na origem (R$ 15 .000,00). 6. Recurso conhecido e não provido. (TJ-BA - APL: 05395861320168050001, Relator.: MÁRIO AUGUSTO ALBIANI ALVES JÚNIOR, PRIMEIRA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/10/2018) No mérito, a controvérsia cinge-se à validade da alteração da rede credenciada após a alienação voluntária da carteira de beneficiários da CAMED para a UNIMED NORTE NORDESTE, especificamente quanto ao descredenciamento do Hospital São Rafael. A alienação voluntária de carteira de planos de saúde é operação regulamentada pela Resolução Normativa nº 112/2005 da ANS e pelos arts. 8º e 17 da Lei nº 9.656/98. O art. 4º da referida resolução estabelece: "A operação de alienação de carteira voluntária, seja ela total ou parcial, deverá manter integralmente as condições vigentes dos contratos adquiridos sem restrições de direitos ou prejuízos para os beneficiários". O parágrafo 2º do mesmo dispositivo determina que "a alteração da rede hospitalar credenciada ou referenciada deverá obedecer ao disposto no art. 17 da Lei nº 9.656, de 1998". Restou demonstrado documentalmente que o Hospital São Rafael integrava a rede credenciada tanto da CAMED quanto da UNIMED, contudo, em sua contestação, a Unimed afirma que "não houve descredenciamento, mas sim divergência de critérios de auditoria adotados pelo referido hospital, os quais conflitam e ensejam cobranças que esta Operadora Unimed considerou abusivas, por levar ao desequilíbrio econômico-financeiro da parceria". Ora, da documentação acostada aos autos, verifica-se que o guia médico da Unimed previa o atendimento no Hospital São Rafael, como asseverado pela autora, assim, entendo que, embora exista a previsão de manutenção da rede credenciada com a alienação de carteira de beneficiários, a CAMED não pode ser responsabilizada, ad aeternum, pela manutenção dos serviços pelo plano adquirente. Por outro lado, embora a autora não traga prova documental, junto à exordial, quanto à negativa do atendimento, entendo que houve confissão da Unimed quanto a tal assertiva, ao passo que a requerida inclusive explicita os motivos pelos quais se deu a interrupção de atendimento. Nesse sentido, não houve comunicação prévia aos consumidores sobre qualquer alteração na rede credenciada, em flagrante violação ao art. 17 da Lei nº 9.656/98. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme ao estabelecer os parâmetros para alteração da rede credenciada: "O descredenciamento de estabelecimento de saúde efetuado sem a observância dos requisitos legalmente previstos configura prática abusiva e atenta contra o princípio da boa-fé objetiva que deve guiar a elaboração e a execução de todos os contratos. O consumidor não é obrigado a tolerar a diminuição da qualidade dos serviços contratados e não deve ver frustrada sua legítima expectativa de poder contar, em caso de necessidade, com os serviços colocados à sua disposição no momento da celebração do contrato de assistência médica." (STJ, REsp 1119044/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi). Assim, procede o pedido de obrigação de fazer quanto à manutenção do Hospital São Rafael na rede credenciada da UNIMED NORTE NORDESTE, empresa atualmente responsável pela prestação dos serviços médico-hospitalares. Quanto à CAMED, embora tenha legitimidade para figurar no polo passivo em razão das garantias públicas prestadas quando da alienação, não possui mais ingerência sobre a rede credenciada, uma vez que alienou integralmente sua carteira em 2014, com autorização da ANS. A responsabilidade pela manutenção das condições contratuais transferiu-se definitivamente para a UNIMED NORTE NORDESTE, razão pela qual o pedido em face da CAMED não pode prosperar. Quanto aos danos morais, a pretensão merece acolhimento. O descredenciamento do Hospital São Rafael sem a devida comunicação prévia aos beneficiários configura ato ilícito que ultrapassa o mero inadimplemento contratual, caracterizando verdadeira violação ao direito à informação e, ainda, aos direitos da personalidade dos consumidores. A situação vivenciada pelo autor e suas filhas é emblemática da vulnerabilidade do consumidor de planos de saúde. Ao necessitar de atendimento de urgência, depararam-se com a negativa inesperada de cobertura no hospital de referência, sendo obrigados a buscar alternativa em unidade médica diversa e mais distante da residência familiar, sem terem sido previamente comunicados do descredenciamento. Tal situação gera angústia, transtorno e abalo psicológico que transcendem o mero aborrecimento cotidiano, caracterizando efetivo dano moral indenizável. O direito à saúde, constitucionalmente assegurado, não pode ser tratado como mera mercadoria, estando sujeito aos caprichos contratuais das operadoras. Ademais, houve descumprimento inicial da liminar, conforme arquivos de áudio juntados pelo autor em mídias e descritos na petição de ID 259773156 (fatos não impugnados pelo réu) sendo em que um dos arquivos contém ligação para o Hospital São Rafael e a atendente afirma que não foi recepcionada autorização para atendimento da filha do autor, Beatriz. A jurisprudência é pacífica no reconhecimento do dano moral em casos similares: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DESCREDENCIAMENTO DE CLÍNICA - AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO BENEFICIÁRIO DO PLANO DE SAÚDE - ATO ILÍCITO COMPROVADO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS. A alteração da rede credenciada pela operadora é possível, desde que o consumidor seja comunicado previamente, com no mínimo 30 dias, devendo tal comunicação ser feita individualmente. A negativa de atendimento médico na clinica onde os autores vinham fazendo seu tratamento, em razão de descredenciamento, gera dano moral passível de indenização. (TJ-MG - Apelação Cível: 50050949420228130433 1 .0000.23.331304-8/001, Relator.: Des.(a) José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 18/07/2024, 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/07/2024) Para a fixação do quantum indenizatório, devem ser observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando-se a gravidade da conduta da operadora; a extensão do dano experimentado; a condição socioeconômica das partes; o caráter pedagógico-punitivo da condenação; e a vedação ao enriquecimento sem causa. Nesse sentido, fixo a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), ressaltando que o arbitramento em valor inferior ao pleiteado não enseja sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ). No que pertine à correção monetária, a Lei 14.905, embora formalmente válida, revela-se materialmente inconstitucional quando analisada à luz do artigo 5º, XXXII da Constituição Federal, que estabelece como dever do Estado a proteção do consumidor, princípio este reafirmado no artigo 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs 4357 e 4425, que declararam a inconstitucionalidade da utilização da TR (Taxa Referencial) como índice de correção monetária por não refletir a perda do poder aquisitivo da moeda, verifica-se que a Lei 14.905/24 incorre em semelhante vício ao adotar mecanismo que prejudica o consumidor em desacordo com a proteção constitucional que lhe é garantida. O STF, ao julgar as referidas ADIs, estabeleceu que índices de atualização que não preservam o valor real das obrigações violam o direito de propriedade e o princípio da segurança jurídica, raciocínio este plenamente aplicável ao caso em tela. Deste modo, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei 14.905/24, afastando sua aplicação ao caso concreto, sem prejuízo de sua validade formal no ordenamento jurídico, até pronunciamento definitivo da Suprema Corte em sede de controle concentrado. Ante o exposto: 1. JULGO PROCEDENTES os pedidos contra UNIMED NORTE NORDESTE, confirmando a tutela antecipada concedida, para determinar que a ré mantenha os serviços na rede hospitalar oferecida pela CAMED, especialmente o Hospital São Rafael, para atendimento das beneficiárias BEATRIZ MACEDO DA SILVA CRUZ e IZABEL REGINA MACEDO DA SILVA CRUZ, sem qualquer limitação, exclusão ou restrição, desde que devidamente pagas as prestações mensais do plano e condenar a ré ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais, com correção monetária pelo INPC desde esta data e juros de mora de 1% ao mês desde a citação. 2. JULGO IMPROCEDENTE o pedido em face da CAMED CONSULTORIA EM SAÚDE LTDA. CONDENO a ré UNIMED NORTE NORDESTE ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor da parte autora, que fixo em 10% do valor da condenação. CONDENO a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios da CAMED CONSULTORIA EM SAÚDE LTDA, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, §8º, do Código de Processo Civil, observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade da justiça já deferida. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. SALVADOR - REGIÃO METROPOLITANA/BA, 03 de junho de 2025. Elke Figueiredo Schuster Juíza de Direito