Mary Anne Mendes Trovão - Delegada De Polícia Civil x Sigilo e outros

Número do Processo: 0606947-95.2024.8.04.5400

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJAM
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Grau: 1º Grau
Órgão: 1ª Vara da Comarca de Manacapuru - Criminal
Última atualização encontrada em 08 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 14/04/2025 - Intimação
    Órgão: 1ª Vara da Comarca de Manacapuru - Criminal | Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
    SENTENÇA     O Representante do Ministério Público nesta Comarca ofertou DENÚNCIA contra DHONE DE ARAUJO GOMES, devidamente qualificado nos autos, incurso nas sanções penais do art. 217-A do Código Penal Brasileiro, e, desfavor da vítima J. de S. F, aos 05/07/2024. A denúncia foi oferecida ao mov. 20.1 e recebida ao mov. 25.1, aos 02/08/2024. Citado pessoalmente (mov. 30.1), o réu ofereceu resposta à acusação, por meio de advogado constituído (mov. 46.1). Resposta à acusação apreciada ao mov. 57.1. AIJs realizadas aos movs. 88.1, 116.1 e 129.1, oportunidade em que foram ouvidas as testemunhas, a vítima e interrogado o réu. Em sede de memoriais, o Ministério Público pugnou pela absolvição do acusado (mov. 149.1). A defesa, de igual modo, também requereu a absolvição do acusado (mov. 154.1). É o breve relatório. Passo a decidir. Inicialmente, cumpre-me ressaltar que não foram arguidas questões preliminares ou prejudiciais de mérito a serem apreciadas, bem assim se verificou que o processo tramitou dentro dos procedimentos legais e constitucionais, motivo pelo qual se passa a análise meritória do caso em comento. Prima facie, SALIENTO que o juízo não está adstrito às alegações do Ministério Público dadas em sede de memoriais, de forma que mesmo diante de pedido de absolvição formulado pelo MPE em sede de memoriais, o juízo pode assim ainda prover decreto condenatório. Acerca disto, trago: HC 588036/SP. RELATORA: Ministra LAURITA VAZ. SEXTA TURMA. DATA DO JULGAMENTO: 22/03/2022. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE: DJe 28/03/2022. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ALEGAÇÃO DEFENSIVA SUSCITADA CONCOMITANTEMENTE NESTE FEITO E EM RECURSO DE COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECISÃO PRETÉRITA NÃO RESOLUTIVA DE MÉRITO. LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO EXAME DA CONTROVÉRSIA. ABSOLVIÇÃO REQUERIDA PELO PARQUET NAS ALEGAÇÕES FINAIS. MANIFESTAÇÃO QUE NÃO VINCULA O JUDICIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. PEDIDO DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PEDIDO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. [...] 2. A circunstância de o Ministério Público requerer a absolvição do Acusado, seja como custos legis, em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o Órgão Julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos arts. 155, caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 3. "Quando o Ministério Público pede a absolvição de um réu, não há, ineludivelmente, abandono ou disponibilidade da ação, como faz o promotor norte-americano, que simplesmente retira a acusação (decision on prosecution motion to withdraw counts) e vincula o posicionamento do juiz. Em nosso sistema, é vedada similar iniciativa do órgão de acusação, em face do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, ainda que, eventualmente, possa o agente ministerial posicionar-se de maneira diferente - ou mesmo oposta - do colega que, na denúncia, postulara a condenação do imputado" (STJ, REsp 1.521.239/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 9/3/2017, DJe de 16/3/2017). 4. Ad argumentandum, vale referir que o Legislador Ordinário, ao editar a Lei n. 13.964/2019, acrescentou ao Código de Processo Penal o art. 3.º-A, segundo o qual "[o] processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação". Todavia, qualquer interpretação que determine a vinculação do Julgador ao pedido absolutório do Ministério Público com fundamento, por si só, nessa regra, não tem legitimidade jurídica, pois o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida no dia 22/10/2020 pelo Ministro LUIZ FUX, "na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305", suspendeu, "sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, [?] da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal)". [...] 6. Pedido parcialmente conhecido e, nessa extensão, ordem de habeas corpus denegada. Ora, a persecução penal guia-se pela indisponibilidade, de forma que o pedido de absolvição não se convalida em dispor do processamento, apenas na formação da opinio delicti do órgao de acusação que, neste caso, entendeu que não havia elementos suficientes. Ademais, a manifestação final do juízo, neste caso, em sede de finalização de instrução, deverá guardar correlação com a exordial acusatória oferecida, de forma que, uma vez suscitado o provimento do juízo inicialmente, este está devidamente ciente das circunstâncias atinentes aos fatos, não havendo o que se falar, ainda, em indevido ativismo. Com isso, em sendo o caso, não há óbice à condenação mesmo que diante de pedido de absolvição pelo Ministério Público em sede de memoriais. Feitas estas considerações, sigo ao mérito. Para dar-se início, tem-se que seja autoria seja materialidade, estas devem ser extraídas dos depoimentos produzidos. Isto porque para a prática do ato alegado (estupro de vulnerável) teria sido praticado por meio de toques por cima da roupa que, embora sejam suficientes para a efetiva configuração do tipo, não deixam vestígios físicos periciáveis, em modo que a forma de restituição dos fatos é por meio da palavra da vítima e das testemunhas.  Nesta senda, a materialidade e a autoria do delito imputado ao acusado restou devidamente comprovada pelos depoimentos da vítima e das testemunhas, razão pela qual destaco o que foi produzido em audiência.  Primeiramente, ouvida a testemunha GELSON BAHIA DE SALES, policial militar, afirma que se recorda da ocorrência, narrando que foi uma ocorrência passada via linha direta, sendo informados pelo 190, dando conta que em um determinado local teria havido uma tentativa de estupro de vulnerável. Chegaram ao local e se depararam com a mãe da vítima muito nervosa. Indica que a vítima também teria dito que seu DHONES teria apalpado suas partes íntimas no dia anterior e também no dia dos fatos. Chegaram ao local e o réu estava dentro da casa, com muitos populares querendo agredi-lo. Fizeram contenção e, indagado, o réu negou tudo. Diante da cena, pediram reforço e tiraram o réu do local e o encaminharam à delegacia. Repete que seu primeiro contato foi com a mãe da vítima, fora da casa, a qual teria relatado o ocorrido: o réu teria passado a mão nas partes íntimas da vítima. No momento, a vítima também estava fora da casa, estando somente o acusado dentro da casa. Repete que a vítima confirmou os fatos, tendo dito que se deram no dia da prisão e também no dia anterior. Afirma que a vítima falou que o réu teria pegado na sua vagina, nos seios, e teria tentado beijá-la à força. Afirma que a vítima relatou que o réu teria tentado fazer o mesmo na noite anterior. Em seguida, foi ouvida a testemunha MARCOS SILVA DE SOUZA, POLICIAL MILITAR, policial militar, afirma que se recorda do acusado e que tem algumas recordações, narrando que sua viatura foi acionada através do CICOPOM dando conta de que no endereço citado estaria acontecendo o crime. Feito o deslocamento, no local a equipe foi abordada pela mãe da vítima, que informou que SHONES teria assediado, tocado ou tentado tocar na sua filha. Afirma que a vítima estava ao lado de sua mãe, bastante assustada, do lado de fora da casa. Informa que a vítima teria dito que o réu a tocou ou teria tentado tocá-la. Depois da declaração, conversaram com o réu, que não demonstrou nenhuma reação, e o conduziram para procedimentos diante da quantidade de pessoas curiosas que tinha na rua. Após, foi ouvida a testemunha MAYRON DOS SANTOS SAMPAIO, policial militar, afirma que a ocorrência se tratava de tentativa de estupro com uma criança. Ao chegarem o local, identificaram o local por conta da quantidade de pessoas na rua. Afirma que foram recebidos pela vítima e sua mãe. Questionadas, a vítima teria falado que o companheiro de sua avó, que é o réu, teria pegado nas suas partes íntimas e teria tentado beijá-la à força. Afirma que a vítima estava junto da mãe, fora da residência, na rua, enquanto o réu estava dentro da casa. Informa que a vítima disse que na noite anterior o acusado teria tentado fazer o que fez no dia dos fatos (aliciá-la e beijá-la), mas não teve êxito. Mas no dia seguinte teria tentado novamente e conseguiu. Afirma que o acusado estava dentro da presidência da avó da vítima. Assim, entraram na casa e conduziram o acusado para os procedimentos cabíveis. Aponta que ao redor tinham muitas pessoas, mas a guarnição chegou a tempo de efetuar a prisão. Ato seguinte, foi ouvida a testemunha, DIANDRA DOS SANTOS FEITOSA, irmã da vítima, afirma que estava presente no dia do ocorrido. Afirma que bem antes a vítima teria lhe comunicado que queria muito conversar com ela, ao que respondeu que estaria trabalhando, mas que chegaria em casa para falar com a vítima, que disse que tinha algo muito sério a dizer antes de viajar. Informa que para viajar a vítima precisaria de autorização da mãe. Informa que quando chegou em casa a vítima lhe narrou que antes o réu teria passado a mão em sua “bunda” e ficou chamando a vítima de “gostosa”, que são palavras não bem ditas para a vítima. Afirma que o “antes” seria relativo ao dia anterior. Informa que avisou à vítima que falaria com sua mãe visto que isso não seria correto de se fazer dado que o réu “não é nada” para ela. Informa que disse para a vítima ir de volta para a casa de sua vó, de forma que se responsabilizou em falar com sua mãe. Afirma que sua avó ficou irritada. Informa que cerca de meia hora depois, estava saindo e a vítima  veio desesperada dizendo que foi deitar na rede do lado da avó e o réu teria amassado seus “peitos”, pegado em suas partes íntimas, teria lhe beijado e teria mostrado suas partes íntimas à vítima. Afirma que isso se deu no dia que a vítima foi conversar com ela: a vítima foi até sua casa, vítima e testemunha conversaram e em momento posterior ocorreu o segundo episódio. Informa que no segundo episódio a vítima estava em choque, quase não conseguindo falar, querendo chorar. Afirma que sua mãe teria visto e ficou muito nervosa, e “explodiu”. Informa que DHONE namora a avó da vítima, e na casa moram a vítima, DHONE, a avó e outra avó. Depois dos fatos, afirma que quando a vítima foi morar com sua irmã e mãe, demonstrava medo de um homem, provavelmente trauma, não querendo ficar muito próximo de homens. Dando seguimento ao ato, foi ouvida a testemunha, DIANA SANTOS DOS SANTOS, afirmou que estava na casa do pai de sua filha Riana, e passou umas horas na casa para fazer Riana dormir. Quando estava voltando já era em torno de uma ou duas horas. Quando veio subindo, viu DAINDRA, JOYCIANE e o tio delas, JEFERSON, que estava sentado na porta da casa da mãe dele. Assim, viu sua filha muito calada, chorando, mantendo o choro só para si. Nesse momento, ouviu quando o tio da vítima dizendo que não falasse nada para sua mãe até que se acalmasse. Em seguida, chegou ao fim da rua e sua filha lhe disse que teria “acontecido”. Ao perguntar o que aconteceu sua filha disse que o marido da Dona Marta teria “mexido com a J.”. Assim, voltou para sua casa e “ficou em si”. Em seguida, foi até o portão da Dona Marta e disse que começou a gritar. Afirma que o réu respondeu que ele era bandido, ao que respondeu que é evangélica e não tem nada a mentir, perguntando o que teria feito à sua filha, ao que o réu respondeu que não teria feito nada. Em seguida, o réu teria puxado o braço de J. para conversar com ela dentro de casa, mas não deixou o réu fazer isso, visto que uma mãe não pode aturar isso. Informa que J. lhe disse que teria acontecido uma coisa lá dentro. A vítima lhe disse que a sua avó saiu, oportunidade em que o réu teria entrado no quarto onde estava a vítima, teria começado a lhe dizer coisas e passar a mão em seus seios, partes íntimas, e lhe mostrou suas partes íntimas à vítima. Nesse momento, a vítima disse que o seu tio chegou, oportunidade em que o acusado teria se assustado e se escondido o banheiro. Informa que a vítima teria dito que o réu teria feito isso outra vez e que aquela seria a segunda vez, mas que não teria falado nada para o seu pai. Afirma que foi ela quem ligou para a polícia, e que quando a polícia chegou, estava com JOYCIANTE na porta da casa. Afirma que ela e a vítima foram colocadas dentro da viatura. Acrescenta que na rua tinha muita gente. Repete dizendo que da primeira vez a vítima não disse quando ocorreu da primeira vez, somente da segunda. Afirma que os eventos teriam acontecido no intervalo de um dia. Informa que notou mudança na sua filha que estava com muito calada, mesmo indo ao psicólogo. Informa que a vítima ala consigo mesma e se pergunta por que sua avó estaria contra ela. Informa que a vítima ficou muito “na sua”, muito calada, sem falar nada com ninguém, e não se abre às colegas. Adiante, foi ouvida a informante da defesa, MARIA LUIZA AGUSTIN DE SOUZA, sogra do réu, mãe de “Dona Marta” (companheira do réu), afirmou que estava no local dos fatos. Afirma que estava JOYCIANE estava com sua avó. Afirma que morava no Mutirão mas agora está com sua filha, porque está muito doente. Afirma que sua filha tinha ido comprar um remédio e que J. ficou com seu genro. Afirma que estava muito tonta e que precisava de alguém pra lhe segurar, tendo o réu ido lhe segurar. Afirma que J. levantou uma calúnia contra o réu, que é inocente, sendo negativo tudo o que J. falou. Informa que não viu nada acontecer. Informa que estava sentada na cama, e que o réu estava todo o tempo do seu lado porque não aguentava estar só, dado que sua filha teria deixado o réu cuidando dela enquanto ia na farmácia. Afirma que a vítima ficou vendo o celular e que o réu não fez nada do que a vítima falou. Informa que estava doente mas não estava cega, então nada do que a vítima disse é verdade. Repete que DHONE ficou cerca de meia hora deitado com ela, mas sua filha não demorou tudo isso na farmácia, pois tinha ido comprar só uma injeção para aplicar. Informa que estava muito doente, sendo por isso que sua filha deixou DHONE com ela. Repete dizendo que sua filha não demorou nem meia hora, tendo ido rapidinho na farmácia. Ao fim, o Ministério Público aponta que a vítima poderia estar olhando para alguém ao seu lado, o que comprometeria o depoimento. Em outra oportunidade, ouvida a vítima, J. de S. F., em sede de depoimento especial, com auxílio de profissional da psicologia, afirma que “esses fatos não aconteceu”. Indagada sobre quais fatos, disse que seriam “esses fatos aí”. Em seguida, a profissional seguiu perguntando sobre o dia a dia da vítima (rotina na escola, em casa, amizades, e afins). Afirma seguindo que não tem vínculos de amizades, mas que tem amizade com a mãe, e confia nela. Mas não confia em seu padrasto. Segue dizendo que tem irmãos e que confia neles. Afirma que não tem muito contato com seus irmãos. Afirma que conversa com sua mãe e que tudo o que acontece fala para ela. Afirma que o que acontece na escola fala para sua mãe. Afirma que não tem outra família além de sua avó e seus irmãos. Afirma que não tem nada que incomode ela e que dormiu bem. Ao ser questionada se estava feliz, anuiu com a cabeça, mas em seguida disse “feliz, não!”. Perguntada se entendia o que era felicidade, disse que não sabia o que era felicidade. Disse que sentia tristeza no dia da audiência. Segue dizendo que às vezes lhe dá depressão. Perguntada o que é depressão, disse que entendia ser um sentimento de se matar. Perguntada se já teve esse sentimento, disse que sim. Disse que teve vontade de fugir e de se matar, e de ninguém saber disso. Afirma que não sabe o porquê teve esse pensamento e que teve esse pensamento, não havendo ninguém nem vozes que tenham lhe dito isso. Afirma que não lhe aconteceu nada e nenhum fato que ensejasse esse pensamento. Acrescenta que não sabe por que não é feliz. Afirma que não sabe o que é depressão, mas afirmou que tem depressão porque tem uma tristeza. Segue dizendo que não está sentindo depressão. Quanto ao pensamento de se matar, afirma que já o sentiu outras vezes, quando estava na escola estudando. Informa que não chora e que estava tranquila quando o pensamento veio. Afirma que não teve nada em sua casa que se lembre para que fique triste. Perguntada se aconteceu algo na rua para que fique triste, a vítima respondeu que “na rua, não”. Perguntada se tem alguma lembrança que a fazia ficar triste, respondeu que “sim”. Perguntada qual era a memória, afirma que era sobre sua avó, que teria falecido há um mês. Afirma que quando lembra de sua avó, chora. Era a sua bisavó. Informa que conhece seu pai e que fica feliz quando o vê. Perguntada sobre o que é certo e é errado, afirma que não sabe diferenciar. Afirmar que certo é fazer as coisas direito e errado é não fazer as coisas direito e não obedecer. Afirma que sabe que mentir é errado, mas que ninguém lhe ensinou, aprendeu, talvez na escola. Afirma que sua mãe lhe ensinou o que é certo e o que é errado. Quanto aos fatos em si, disse que estava disposta a responder. Diz que não foi verdade que a pessoa lhe tocou. Diz que inventou isso porque não queria o casamento dele com sua avó. Ele era marido de sua avó. Diz que não foi a responsável pela denúncia, mas não sabe quem denunciou. Afirma que na hora da denúncia mentiu na reportagem, mentindo que ele teria lhe tocado, tapado sua boca e lhe beijado. Informa que não viu algo parecido com isso. Perguntado “de onde tirou isso”, a vítima foi reticente e disse que inventou porque ao queria que sua vó casasse com ele e que não gosta dele. Informa que foi uma ideia que veio na sua cabeça. Nega que alguém tenha lhe dito para fazer isso. Informa que acha que fez uma coisa errada e nega que alguém já tenha lhe tocado. Em seguida, lhe foi dito que no teor da denúncia constava informação de que teriam sido várias vezes. A psicóloga perguntou: “alguma das vezes foi verdade”; a vítima: “dele [sobre o réu]”?; a psicóloga “sim [respondendo que tinha feito uma pergunta referindo-se ao réu]”; a vítima: “não [indicando que quanto ao réu não seria verdade]”. Perguntada sobre o porquê não gosta dele, informa que ele é bom com ele e legal, mas “não gostou da cara dele”. Não sabe explicar por que, mas que quando olha pra cara dele sente ódio. Perguntado sobre o motivo, diz não ser nenhum motivo. Informa que ninguém lhe pediu para falar que teria mentido. Informa que convivia com o réu, mas não sabe a quanto tempo. Informa que ele era namorado de sua avó, mas não lembra há quanto tempo namoravam. Informa que somente uma vez aconteceu de se desentenderem mas não lhe pôs de castigo. Afirma que a discussão se deu porque ele teria matado seu gatinho. Informa que não aconteceu nada, apenas discutiram. Informa que não foi uma discussão feia e que só teria dito a ele que parasse com aquilo e que parasse de maltratar animais. Informa que não falou pra ninguém o que aconteceu. Afirma que teria contado pra sua irmã, pra quem teria dito que ele teria lhe beijado. Assim, afirma que sua irmã falou pra sua mãe, mas não sabe se foi sua mãe que foi à delegacia. Depois de ter falado pra sua irmã, informa que não foi chamada em nenhum lugar, e reafirma que não falou mais pra ninguém, e não sabe pra mais quem sua irmã contou. Informa que foi chamada pra ser ouvida na delegacia, onde teria dito que o réu levantou sua roupa e lhe beijou, e teria feito outras coisas, tendo dito que foi só um dia. Perguntada se mentiu sobre os outros dias, aparentou não entender a pergunta e não respondeu. Afirma que DHONES lhe chamava de “menina” ou “garota”, mas não lhe chamava pelo seu nome. Afirma que se sentia incomodada por esse vocativo e que não gostava. Informa que depois de te falado pra sua irmã, afirma que as pessoas lhe tratavam bem em sua casa, e que lhe perguntavam por que teria feito aquilo. Diz que respondia à sua avó que não queria seu casamento com ele, porque não gostava muito da cara dele. Alega que acha que sua avó teria ficado chateada com ela, mas que hoje em dia sua avó lhe trata bem. Informa que ninguém nunca lhe disse que estaria prejudicando o réu. Quanto ao seu padrasto, afirma que não sabe como ele reagiu, dado que quando ocorreu a polícia foi logo lá para prender ele [“ele”, se referindo ao réu]. Afirma que ele ficou com raiva, mas não disse nada à vítima. Informa que sua mãe acreditou, mas não sabe quem foi na delegacia denunciar. Informa que o réu já lhe chamou de “gatinha” e que dizia pra ele que não gostava disso, tendo o réu parado. Afirma que se esqueceu disso quando lhe foi perguntado como o réu lhe chamava. Informa que o réu não lhe disse nada quando foi preso, mas afirma que o réu não falou nada. Repete que o réu não lhe falou nada. Informa que não sente nada quando ele se aproxima dela. Afirma que não tem medo dele e que, da sua família, só tem medo de seu pai. Afirma que seu pai não falou nada sobre tudo isso. Informa que seu pai perguntou se era verdade, ao que teria respondido que sim, dizendo ao seu pai dizendo que estaria falado a verdade. Afirma que depois dos fatos sua vida está mais ou menos, porque estava doente, no hospital, onde teve que fazer exames, porque estava com infecção urinária. Informa que está bem na escola, mas não está indo à escola porque estava com infecção. Aponta que não tinha dormido bem na noite anterior. Afirma que quando não dorme não pensa em nada. Alega que dorme muito durante o dia. Informa que tinha faltado muito a escola porque estava para a estrada com seu pai, mas que estava recuperando suas notas. Informa que hoje está arrependida, porque fez uma coisa errada. Afirma que fez uma coisa errada porque não queria [incompreensível] com sua avó. Informa que nunca fez acompanhamento psicológico, mas que gostaria de fazer. Afirma que não sabe por que gostaria de fazer. Perguntado, diz que não teria nada a dizer à psicóloga. Por fim, interrogado, o réu DHONE DE ARAUJO GOMES negou a autoria dos fatos. Afirma que isso teria acontecido quando sua esposa teria saído para comprar remédio para sua sogra, momento em que ficou junto com sua sogra e a vítima no mesmo quarto, de forma que quando sua esposa para casa é que se deu sua prisão. Afirma que estava mexendo no seu telefone e a vítima estava na rede também mexendo no celular. Informa que responde por outros processos, mas esta imputação é falsa. Informa que a avó da vítima era sua esposa, e os fatos se deram 3 dias depois de chegar. Afirma que saiu do sistema do Puraquequara e se mudou para a casa da sua esposa. Informa que não chamava a vítima por nenhum apelido. Informa que por conta da idade de sua esposa e por ter antecedentes, a família não aceitava que tivesse uma relação com a vítima, a qual já não gostava do réu. Afirma que antes de sair do presídio já sabia que a mãe da vítima falava mal dele (porque sua esposa teria lhe dito isso) e que os fatos foram fruto de algo que a mãe da vítima teria colocado “na cabeça” da vítima. Informa que não teve briga ne discussão, mas só via que a família não aceitava o relacionamento. Alega que sabia desta insatisfação da família por conta de muitas fofocas que aconteciam diariamente, de forma que, por ser um bairro pequeno, muitas pessoas lhe diziam o que acontecia. Informa que a sua esposa tem uma filha, Nina, que de início não gostava do réu, mas que hoje vive em harmonia com o réu. Informa que quando sua esposa voltou da padaria já se deparou com uma multidão e duas viaturas da polícia. Afirma que as pessoas estavam querendo entrar em sua residência e que sua integridade estava em risco. Assim, a polícia entrou em sua casa e efetuou a prisão, momento em que disse para a vítima e para a mãe da vítima que não fizessem aquilo, dado que isto colocaria sua vida em risco. Informa que a mãe da vítima tinha interesses pessoais em afastar o réu de sua esposa, por “olho gordo” em uma situação que não convem à mãe da vítima, mas somente à sua esposa. Afirma que DIANA registrou uma ocorrência dizendo que o réu estaria usando drogas na frente de JOYCIANE, tendo inclusive sido ouvido em delegacia. Ressalta que seu maior problema era DIANA, que usou sua filha para acusá-lo de algo que não fez. É inegável que a vítima negou os fatos. Mas também é inegável que o depoimento da vítima demonstra que no momento da audiência e em relação aos fatos dos autos, esta estava constantemente buscando esconder, se não em partes, toda a reconstrução dos fatos. E isto fica demonstrado se se tem em conta o depoimento das testemunhas. Diante desses fatos o depoimento da vítima deve ser valutado não de forma que seu conteúdo em si reconstrua a verdade, mas o depoimento da vítima é valutado sabendo-se que foi um depoimento produzido ao interno de um cenário de trauma e sofrimento suportado pela ação do réu e que, muitas vezes pelo sentimento de vergonha carregado pela própria vítima, o conteúdo do depoimento da vítima é afetado no sentido de esconder a verdade como resistência à re-exposição ao sofrimento. Não se pode trascurar inclusive o fato de que, enquanto indivíduo ainda em formação ao interno de seu grupo familiar, as vítimas menores de 14 anos podem também sentir-se responsabilizadas pela eventual condenação do réu e por conta disso também tendencialmente podem suprimir a verdade como forma de evitar mais sofrimentos ainda (o desmantelamento do núcleo familiar após a condenação do réu, para além do sofrimento já suportado no ato de violência), e este raciocínio se encontra em plena harmonia com a Lei nº 14.241/2021, que prevê rito processual que leve em consideração o sofrimento também psicológico suportado pelas vítimas mulheres no curso de processos criminais sobretudo de crimes sexuais. E justamente por fazer parte de um sistema de versões dos fatos (seja para a condenação seja para a absolvição) é que o depoimento da vítima deve encontrar ressonância com o que as demais oitivas trouxeram para a instrução criminal. E, in casu, os demais depoimentos trazem à tona o entendimento pela responsabilização do réu, de forma que a tese da supressão da verdade pela vítima deve guiar a valutação das provas produzidas. O depoimento demonstra seu estado de fragilidade, estado este que é revelado após ser questionada sobre os fatos narrados. Este é um estado também revelado quando a vítima passa a narrar que sente uma tristeza e se sente possivelmente deprimida e que não se sente feliz. A vítima também narra que não gostava "da cara do réu", mesmo não dizendo qual seria o motivo pelo qual não gostava, atribuindo isso a um sentimento sem uma causa específica. Acrescenta, ainda, que o réu teria matado o seu gatinho e que se sentia desconfortável pelos vocativos que o réu utilizava, dentre eles, o de "gatinha". Se pode recriar, então, a partir do depoimento da própria vítima, uma relação de natureza conflitual e tendencialmente autoritária entre réu e vítima, de forma que a vítima carregava em si o sentimento de desapreço pelo réu sem que tivesse dado causa a este sentimento. Na verdade, a própria vítima tenta aliviar esta possibilidade quando afirma que o réu seria "legal", e, dentro deste cenário, se confirma mais uma vez a possibilidade de que a vítima estaria suprimindo a verdade no intuito de arrefecer possíveis consequências ainda mais devastantes à esfera familiar para além do já suportado após o ato de violência (algo semelhante ao que se vê repetidamente em com contextos de violência doméstica, em que mulheres optam por permanecerem caladas diante do juízo na tentativa de poupar o seu companheiro/réu de suportar as consequências da condenação crimnial). Em ambos os casos, a condição de "vulnerável" da vítima é central para a compreensão real dos fatos. Portanto, é nestes termos em que o depoimento da vítima permanece sendo central para a condenação, mas não central no sentido de ser o depoimento responsável por reconstruir os fatos com exatidão, mas por ser o depoimento que demonstra que a partir da violência sexual empregada pelo réu a vítima suportou sofrimento que, dentro do contexto da revitimização e da revivência do trauma lhe fizeram suprimir a verdade. Não é como se nos autos tivéssemos uma vítima clara e direta acerca da negativa dos fatos. Na verdade, a própria vítima informa ter contato à irmã que o réu teria lhe beijado e informa ter confirmado ao seu pai que os referidos fatos seriam verdade. Em contrapartida, quanto à alegação de que teria sido uma história inventada, a vítima diz que teria sido por conta de não querer o relacionamento entre sua avó o réu, mas também diz que foi uma ideia que veio à sua cabeça, de forma que não teria visto algo parecido em nenhum lugar. Portanto, tem-se que a vítima, por mais que tenha tentado suprimir a verdade (por quaisquer que sejam suas motivações sobretudo psicológicas e pós-traumáticas), forneceu ao juízo elementos que permitiram concluir que a violência sexual cuja autoria é imputada ao réu foi o ato responsável a submeter a vítima a este estado de aparente contradição. E, se se tem em consideração o depoimento das testemunhas, sobretudo da mãe da vítima, estas alegam a mudança de comportamento da vítima (a mãe da vítima diz que esta estava muito calada e guardava o choro pra si) e alegam que a vítima teria chegado voluntariamente e comunicado os fatos ocorridos. Ainda, as testemunhas no momento da prisão do réu informam que a vítima estava muito assustada. Em contrapartida a informante da defesa fornece depoimento que não contribui em muito para a reconstrução dos fatos, de forma que serve mais evidentemente como um testemunha da boa conduta do réu. Portanto, além das considerações que se fazem sobre a forma de valutação do depoimento da vítima, os depoimentos das demais testemunhas sustentam a imputação. É neste contexto então que se dá valutação ao depoimento da vítima dentro do universo dos demais depoimentos produzidos em sede de audiência.  Não se pode dizer que a consideração sopra é fruto de especulações e de arbitrarismo. Na verdade, o que o juízo faz e deve fazer é analisar o resultado natural do crimes imputado e supostamente praticado. O que ocorre é que em crimes sexuais contra indivíduos ainda em fase de formação psicológica, a exposição a este tipo de violência é capaz de afetar diretamente a forma como se comportam na sociedade. E isto é um fato verificável, e que, enquanto fato naturalístico resultado de uma conduta criminosa deve também ser levado em consideração na concepção da responsabilidade penal. Em crimes sexuais contra crianças e adolescentes o resultado naturalístico da conduta não é meramente a conjunção carnal em si ou o ato libidinoso praticado. Na verdade o resultado naturalístico praticamente sempre vem acompanhado da alteração real das condições psicológicas da vítima. E aqui, enquanto uma operação do Direito, o que se faz não é uma avaliação psíquica das motivações do estado de alteração psicológico ou comportamental; o que se faz na verdade é notar esta alteração e, considerando esta alteração como também resultado naturalístico, ligar esta alteração à conduta do réu por meio do depoimento das testemunhas. E aqui o que se entende por "resultado naturalístico" é o que se defende do forma clássica e sedimentada na doutrina de Direito Penal: a alteração fática da realidade; a mudança real no mundo exterior. E esta mudança é percebida em alguns casos por meio de prova pericial, mas é uma mudança também percebida através de comportamentos e versões narrativas que desviam da normalidade. Desta maneira, o juízo não pode apenas fazer uma valutação meramente linguística e gramatical daquilo que a vítima traz, como se a reconstrução do ato criminoso fosse uma simples reordenação de eventos a fim de construir uma narrativa. Em se tratando de um crime com consequências tão profundas, ignorar os efeitos psicológicos e a mudança comportamental seria na verdade ir de encontro à proteção da Lei nº 14.241/2021 e ignorar o próprio resultado naturalístico do crime. Em um crime que, na forma como foi praticado (apalpar e tocar), não deixa vestígios periciáveis, apegar-se a uma reconstrução dos fatos sem levar em consideração os efeitos da violência resultaria em uma análise insuficientes dos próprios fatos. É isto o que realmente significa empregar teratologicamente a normativa da Lei nº 14.241/2021: compreender os fatos a partir também do sofrimento da vítima, que vai além de meramente "contar uma história", mas que certamente passa pela componente do sofrimento pós-traumático que, ainda que não seja algo de que se ocupa o Direito, certamente é um fenômeno verificável através de instrumentos básicos de percepção da realidade. E importa salientar que o próprio ordenamento jurídico no seu art. 59, do CP permite ao julgador a valutação do sofrimento psicológico como consequência agravadora da pena-base, então esta é uma consideração que não é inventada, mas sim permitida. Assim, em se tratando de violência sexual, a prova subsumida nas palavras da vítima revela-se como a tônica, já que tais infrações são, na sua quase totalidade, praticadas no interior da residência dos envolvidos ou em local ou circunstâncias que impossibilitem que outras pessoas possam presenciá-la, de tal sorte que a palavra da vítima passa a ganhar maior destaque e relevância, principalmente se a versão apresentada possui arrimo nas demais provas produzidas. A propósito, nesse pormenor, admitindo as palavras da vítima, desde que em harmonia com o contexto probatório contido nos autos e verificada a inviabilidade de se admitir a versão apresentada pela defesa, como prova assaz para a prolação de decreto condenatório, colaciona-se, a título de ilustração, as seguintes decisões extraídas do repertório de jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, a seguir, transcritas: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVANTE IMPORTÂNCIA. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. O Tribunal local, ao analisar os elementos constantes nos autos, entendeu pela ratificação da decisão de primeira instância que condenou o ora agravante pelo crime de estupro de vulnerável em continuidade delitiva. 2. A pretensão de desconstituir o julgado por suposta contrariedade à lei federal, pugnando pela absolvição ou a readequação típica da conduta, não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material probante, o que é vedado a esta Corte Superior de Justiça, a teor do disposto na Súmula n. 7/STJ. 3. Este Sodalício há muito firmou jurisprudência no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância, desde que verossímil e coerente com os demais elementos de prova. 4. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 1695526 / SP. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, 17.05.2018, DJe 04.06.2018). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO  ESPECIAL.  ESTUPRO DE VULNERÁVEL.    PLEITO    DE    ABSOLVIÇÃO.    REEXAME   DE   PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 1. Para a análise da tese recursal, de que  o agravante não teria cometido o delito de estupro  de vulnerável, mostra-se, no caso, imprescindível o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, o que é defeso em âmbito de  recurso  especial,  em  virtude do disposto na Súmula n. 7 desta Corte. Precedentes. 2.  Outrossim,  a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é a de  que,  nos  crimes de natureza sexual, os quais nem sempre deixam vestígios,  a  palavra  da  vítima  tem valor probante diferenciado. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no AREsp 1268926 / PR;  AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL .2018/0068075-6. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, 24.04.2018. DJe 02.05.2018). No caso, são vastos os elementos de prova que apontam para a autoria do denunciado. É de se destacar que na vasta maioria dos crimes de estupro, normalmente cometidos sem a presença de outros indivíduos, à clandestinidade, há dificuldade na produção probatória, de modo que o acervo constante dos autos deve ser analisado com especial atenção. Desta feita, não havendo prova de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, estando provada a imputação ministerial, verificando-se a inexistência de quaisquer obstáculos relacionados à punibilidade do agente, o reconhecimento da procedência do pedido de condenação contido na peça de ingresso é medida de rigor. Por fim, quanto à causa de aumento sustentada pelo MPE na denúncia, a do art. 61, II, "f", do aumento da pena pelo abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica, tem-se que é manifesta a condição de coabitação, dado que pelo depoimento de todos (sobretudo da própria vítima) se pode entender que réu e vítima coabiatavam, na casa da avó da vítima que era esposa do réu, devidamente demonstrado assim o acesso de forma facilitada que o réu teria à esfera privada da vítima. Diante de todo o exposto, e tendo por supedâneo as razões sobreditas, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva exposta na denúncia para CONDENAR o acusado DHONE DE ARAUJO GOMES nas penas do art. 217-A do Código Penal Brasileiro. Atendendo aos preceitos esculpidos nos arts. 59 e 68 do estatuto penal repressivo, passo e dosar e individualizar a pena. Considerando que as circunstâncias são comuns a ambos os delitos, efetuo a dosimetria única com a finalidade de evitar repetições desnecessárias. A culpabilidade, como juízo de reprovação social que recai sobre a conduta típica e ilícita e também sobre o agente, será valorada de forma neutra, na medida que não há elementos suficientes nos autos capazes de elevar a reprovabilidade da conduta, além daqueles que são inerentes ao tipo. Os antecedentes deverão ser valorados na segunda fase ante a reincidência. Não constam parâmetros nos autos para a análise da conduta social do acusado. A personalidade deve ser valorada de forma neutra. A personalidade é circunstância que deve ser apreciada à luz dos princípios relacionados à psicologia e à psiquiatria, uma vez que nela se deve analisar muito mais o conteúdo do ser humano do que a embalagem que lhe foi impressa pela sociedade. Destarte, ante a inexistência de elementos mínimos de convicção, entendo não demonstrar ele personalidade que possa ser valorada em seu desfavor. Os motivos devem ser valorados de forma neutra, posto que não extrapolam os próprios do tipo penal. As circunstâncias serão valoradas de forma neutra, na forma que o ardil utilizado já se encontra no âmbito do próprio desvalor da conduta punida. As consequências do crime foram significativas, conforme se verificou e se valutou nos autos, sobretudo ante as alegações da vítima de que suportaria estado de depressão e desejo de morte, razão pela qual serão valoradas de forma negativas. A vítima não contribuiu para o resultado, de forma que não pode ser utilizada para aumentar a pena imposta ao réu. STJ. 6ª Turma. HC 217819-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/11/2013 (Info 532). Para a fixação da pena-base, eleva-se a pena em 1/8 (um oitavo) em cima do mínimo legal, razão pela qual, diante de 1 (uma) circunstância judicial desfavorável, fixo a pena-base em 09:00:00 (nove anos) de reclusão. Não há circunstância atenuante. Reconheço a agravante previstas no art. 61, II, “f”, uma vez que o cometimento do crime ocorrera a partir da facilidade decorrente da relação doméstica, de coabitação, entre autor e vítima. Reconheço também a reincidência pena condenação nos autos de nº 0000113-22.2020.8.04.5900. Assim, agravo a pena anteriormente fixada em 2x1/6 (duas vezes um sexto) da pena-base, resultando em 12:00:00 (doze anos) de reclusão. Não há causas de diminuição ou de aumento, razão pela qual fixo a pena em 12:00:00 (doze anos) de reclusão, fixando o regime inicial de cumprimento de pena no FECHADO, tendo em vista o quantum da pena aplicada, consoante o disposto no artigo 33, §2º, alínea "a", do Código Penal. O réu poderá apelar em liberdade, como já se encontra, pois não restaram caracterizados os motivos que indiquem a necessidade de custódia cautelar, conforme artigo 312, do Código de Processo Penal.                                                                              Não cabe ao acusado a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma preconizada nos artigos 43 e 44, ambos do Código Penal, tendo em vista o crime em comento ter sido cometido mediante violência ou grave ameaça. O acusado não faz jus ao benefício da suspensão condicional da pena, em razão de não preencher os pressupostos dispostos no art. 77 do Código Penal. Condeno o réu ao pagamento de custas processuais.  O artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, determina que o juiz, ao proferir a Sentença Condenatória, deverá fixar valor mínimo para a reparação do dano e dos prejuízos causados à vítima. Ocorre que a instrução criminal não auferiu parâmetros para a fixação do valor mínimo do dano, razão pela qual deixo de fixar valor mínimo pelos danos causados pela presente infração. Passadas as determinações da condenação, dê-se publicidade ao ato na forma que requer a lei. Proceda-se à intimação pessoal do réu, na forma do art. 392, e incisos, do CPP. Intime-se o Ministério Público e a Defesa da sentença. Havendo recurso, façam-se os autos conclusos para proceder-se ao juízo de admissibilidade e demais determinações procedimentais. Decorrido o prazo, sem recurso, certifique-se o trânsito em julgado expeça-se mandado de prisão no regime FECHADO, para início de cumprimento de pena, expedindo-se após o cumprimento da ordem a devida guia de recolhimento. Com o trânsito, lance-se o nome do réu no rol dos culpados, informando o Tribunal Regional Eleitoral acerca da condenação. P.R.I.C. Manacapuru, 08 de Abril de 2025. Bárbara Marinho Nogueira Juíza de Direito
  3. 14/04/2025 - Intimação
    Órgão: 1ª Vara da Comarca de Manacapuru - Criminal | Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
    SENTENÇA     O Representante do Ministério Público nesta Comarca ofertou DENÚNCIA contra DHONE DE ARAUJO GOMES, devidamente qualificado nos autos, incurso nas sanções penais do art. 217-A do Código Penal Brasileiro, e, desfavor da vítima J. de S. F, aos 05/07/2024. A denúncia foi oferecida ao mov. 20.1 e recebida ao mov. 25.1, aos 02/08/2024. Citado pessoalmente (mov. 30.1), o réu ofereceu resposta à acusação, por meio de advogado constituído (mov. 46.1). Resposta à acusação apreciada ao mov. 57.1. AIJs realizadas aos movs. 88.1, 116.1 e 129.1, oportunidade em que foram ouvidas as testemunhas, a vítima e interrogado o réu. Em sede de memoriais, o Ministério Público pugnou pela absolvição do acusado (mov. 149.1). A defesa, de igual modo, também requereu a absolvição do acusado (mov. 154.1). É o breve relatório. Passo a decidir. Inicialmente, cumpre-me ressaltar que não foram arguidas questões preliminares ou prejudiciais de mérito a serem apreciadas, bem assim se verificou que o processo tramitou dentro dos procedimentos legais e constitucionais, motivo pelo qual se passa a análise meritória do caso em comento. Prima facie, SALIENTO que o juízo não está adstrito às alegações do Ministério Público dadas em sede de memoriais, de forma que mesmo diante de pedido de absolvição formulado pelo MPE em sede de memoriais, o juízo pode assim ainda prover decreto condenatório. Acerca disto, trago: HC 588036/SP. RELATORA: Ministra LAURITA VAZ. SEXTA TURMA. DATA DO JULGAMENTO: 22/03/2022. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE: DJe 28/03/2022. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ALEGAÇÃO DEFENSIVA SUSCITADA CONCOMITANTEMENTE NESTE FEITO E EM RECURSO DE COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECISÃO PRETÉRITA NÃO RESOLUTIVA DE MÉRITO. LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO EXAME DA CONTROVÉRSIA. ABSOLVIÇÃO REQUERIDA PELO PARQUET NAS ALEGAÇÕES FINAIS. MANIFESTAÇÃO QUE NÃO VINCULA O JUDICIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. PEDIDO DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PEDIDO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. [...] 2. A circunstância de o Ministério Público requerer a absolvição do Acusado, seja como custos legis, em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o Órgão Julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos arts. 155, caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 3. "Quando o Ministério Público pede a absolvição de um réu, não há, ineludivelmente, abandono ou disponibilidade da ação, como faz o promotor norte-americano, que simplesmente retira a acusação (decision on prosecution motion to withdraw counts) e vincula o posicionamento do juiz. Em nosso sistema, é vedada similar iniciativa do órgão de acusação, em face do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, ainda que, eventualmente, possa o agente ministerial posicionar-se de maneira diferente - ou mesmo oposta - do colega que, na denúncia, postulara a condenação do imputado" (STJ, REsp 1.521.239/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 9/3/2017, DJe de 16/3/2017). 4. Ad argumentandum, vale referir que o Legislador Ordinário, ao editar a Lei n. 13.964/2019, acrescentou ao Código de Processo Penal o art. 3.º-A, segundo o qual "[o] processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação". Todavia, qualquer interpretação que determine a vinculação do Julgador ao pedido absolutório do Ministério Público com fundamento, por si só, nessa regra, não tem legitimidade jurídica, pois o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida no dia 22/10/2020 pelo Ministro LUIZ FUX, "na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305", suspendeu, "sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, [?] da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal)". [...] 6. Pedido parcialmente conhecido e, nessa extensão, ordem de habeas corpus denegada. Ora, a persecução penal guia-se pela indisponibilidade, de forma que o pedido de absolvição não se convalida em dispor do processamento, apenas na formação da opinio delicti do órgao de acusação que, neste caso, entendeu que não havia elementos suficientes. Ademais, a manifestação final do juízo, neste caso, em sede de finalização de instrução, deverá guardar correlação com a exordial acusatória oferecida, de forma que, uma vez suscitado o provimento do juízo inicialmente, este está devidamente ciente das circunstâncias atinentes aos fatos, não havendo o que se falar, ainda, em indevido ativismo. Com isso, em sendo o caso, não há óbice à condenação mesmo que diante de pedido de absolvição pelo Ministério Público em sede de memoriais. Feitas estas considerações, sigo ao mérito. Para dar-se início, tem-se que seja autoria seja materialidade, estas devem ser extraídas dos depoimentos produzidos. Isto porque para a prática do ato alegado (estupro de vulnerável) teria sido praticado por meio de toques por cima da roupa que, embora sejam suficientes para a efetiva configuração do tipo, não deixam vestígios físicos periciáveis, em modo que a forma de restituição dos fatos é por meio da palavra da vítima e das testemunhas.  Nesta senda, a materialidade e a autoria do delito imputado ao acusado restou devidamente comprovada pelos depoimentos da vítima e das testemunhas, razão pela qual destaco o que foi produzido em audiência.  Primeiramente, ouvida a testemunha GELSON BAHIA DE SALES, policial militar, afirma que se recorda da ocorrência, narrando que foi uma ocorrência passada via linha direta, sendo informados pelo 190, dando conta que em um determinado local teria havido uma tentativa de estupro de vulnerável. Chegaram ao local e se depararam com a mãe da vítima muito nervosa. Indica que a vítima também teria dito que seu DHONES teria apalpado suas partes íntimas no dia anterior e também no dia dos fatos. Chegaram ao local e o réu estava dentro da casa, com muitos populares querendo agredi-lo. Fizeram contenção e, indagado, o réu negou tudo. Diante da cena, pediram reforço e tiraram o réu do local e o encaminharam à delegacia. Repete que seu primeiro contato foi com a mãe da vítima, fora da casa, a qual teria relatado o ocorrido: o réu teria passado a mão nas partes íntimas da vítima. No momento, a vítima também estava fora da casa, estando somente o acusado dentro da casa. Repete que a vítima confirmou os fatos, tendo dito que se deram no dia da prisão e também no dia anterior. Afirma que a vítima falou que o réu teria pegado na sua vagina, nos seios, e teria tentado beijá-la à força. Afirma que a vítima relatou que o réu teria tentado fazer o mesmo na noite anterior. Em seguida, foi ouvida a testemunha MARCOS SILVA DE SOUZA, POLICIAL MILITAR, policial militar, afirma que se recorda do acusado e que tem algumas recordações, narrando que sua viatura foi acionada através do CICOPOM dando conta de que no endereço citado estaria acontecendo o crime. Feito o deslocamento, no local a equipe foi abordada pela mãe da vítima, que informou que SHONES teria assediado, tocado ou tentado tocar na sua filha. Afirma que a vítima estava ao lado de sua mãe, bastante assustada, do lado de fora da casa. Informa que a vítima teria dito que o réu a tocou ou teria tentado tocá-la. Depois da declaração, conversaram com o réu, que não demonstrou nenhuma reação, e o conduziram para procedimentos diante da quantidade de pessoas curiosas que tinha na rua. Após, foi ouvida a testemunha MAYRON DOS SANTOS SAMPAIO, policial militar, afirma que a ocorrência se tratava de tentativa de estupro com uma criança. Ao chegarem o local, identificaram o local por conta da quantidade de pessoas na rua. Afirma que foram recebidos pela vítima e sua mãe. Questionadas, a vítima teria falado que o companheiro de sua avó, que é o réu, teria pegado nas suas partes íntimas e teria tentado beijá-la à força. Afirma que a vítima estava junto da mãe, fora da residência, na rua, enquanto o réu estava dentro da casa. Informa que a vítima disse que na noite anterior o acusado teria tentado fazer o que fez no dia dos fatos (aliciá-la e beijá-la), mas não teve êxito. Mas no dia seguinte teria tentado novamente e conseguiu. Afirma que o acusado estava dentro da presidência da avó da vítima. Assim, entraram na casa e conduziram o acusado para os procedimentos cabíveis. Aponta que ao redor tinham muitas pessoas, mas a guarnição chegou a tempo de efetuar a prisão. Ato seguinte, foi ouvida a testemunha, DIANDRA DOS SANTOS FEITOSA, irmã da vítima, afirma que estava presente no dia do ocorrido. Afirma que bem antes a vítima teria lhe comunicado que queria muito conversar com ela, ao que respondeu que estaria trabalhando, mas que chegaria em casa para falar com a vítima, que disse que tinha algo muito sério a dizer antes de viajar. Informa que para viajar a vítima precisaria de autorização da mãe. Informa que quando chegou em casa a vítima lhe narrou que antes o réu teria passado a mão em sua “bunda” e ficou chamando a vítima de “gostosa”, que são palavras não bem ditas para a vítima. Afirma que o “antes” seria relativo ao dia anterior. Informa que avisou à vítima que falaria com sua mãe visto que isso não seria correto de se fazer dado que o réu “não é nada” para ela. Informa que disse para a vítima ir de volta para a casa de sua vó, de forma que se responsabilizou em falar com sua mãe. Afirma que sua avó ficou irritada. Informa que cerca de meia hora depois, estava saindo e a vítima  veio desesperada dizendo que foi deitar na rede do lado da avó e o réu teria amassado seus “peitos”, pegado em suas partes íntimas, teria lhe beijado e teria mostrado suas partes íntimas à vítima. Afirma que isso se deu no dia que a vítima foi conversar com ela: a vítima foi até sua casa, vítima e testemunha conversaram e em momento posterior ocorreu o segundo episódio. Informa que no segundo episódio a vítima estava em choque, quase não conseguindo falar, querendo chorar. Afirma que sua mãe teria visto e ficou muito nervosa, e “explodiu”. Informa que DHONE namora a avó da vítima, e na casa moram a vítima, DHONE, a avó e outra avó. Depois dos fatos, afirma que quando a vítima foi morar com sua irmã e mãe, demonstrava medo de um homem, provavelmente trauma, não querendo ficar muito próximo de homens. Dando seguimento ao ato, foi ouvida a testemunha, DIANA SANTOS DOS SANTOS, afirmou que estava na casa do pai de sua filha Riana, e passou umas horas na casa para fazer Riana dormir. Quando estava voltando já era em torno de uma ou duas horas. Quando veio subindo, viu DAINDRA, JOYCIANE e o tio delas, JEFERSON, que estava sentado na porta da casa da mãe dele. Assim, viu sua filha muito calada, chorando, mantendo o choro só para si. Nesse momento, ouviu quando o tio da vítima dizendo que não falasse nada para sua mãe até que se acalmasse. Em seguida, chegou ao fim da rua e sua filha lhe disse que teria “acontecido”. Ao perguntar o que aconteceu sua filha disse que o marido da Dona Marta teria “mexido com a J.”. Assim, voltou para sua casa e “ficou em si”. Em seguida, foi até o portão da Dona Marta e disse que começou a gritar. Afirma que o réu respondeu que ele era bandido, ao que respondeu que é evangélica e não tem nada a mentir, perguntando o que teria feito à sua filha, ao que o réu respondeu que não teria feito nada. Em seguida, o réu teria puxado o braço de J. para conversar com ela dentro de casa, mas não deixou o réu fazer isso, visto que uma mãe não pode aturar isso. Informa que J. lhe disse que teria acontecido uma coisa lá dentro. A vítima lhe disse que a sua avó saiu, oportunidade em que o réu teria entrado no quarto onde estava a vítima, teria começado a lhe dizer coisas e passar a mão em seus seios, partes íntimas, e lhe mostrou suas partes íntimas à vítima. Nesse momento, a vítima disse que o seu tio chegou, oportunidade em que o acusado teria se assustado e se escondido o banheiro. Informa que a vítima teria dito que o réu teria feito isso outra vez e que aquela seria a segunda vez, mas que não teria falado nada para o seu pai. Afirma que foi ela quem ligou para a polícia, e que quando a polícia chegou, estava com JOYCIANTE na porta da casa. Afirma que ela e a vítima foram colocadas dentro da viatura. Acrescenta que na rua tinha muita gente. Repete dizendo que da primeira vez a vítima não disse quando ocorreu da primeira vez, somente da segunda. Afirma que os eventos teriam acontecido no intervalo de um dia. Informa que notou mudança na sua filha que estava com muito calada, mesmo indo ao psicólogo. Informa que a vítima ala consigo mesma e se pergunta por que sua avó estaria contra ela. Informa que a vítima ficou muito “na sua”, muito calada, sem falar nada com ninguém, e não se abre às colegas. Adiante, foi ouvida a informante da defesa, MARIA LUIZA AGUSTIN DE SOUZA, sogra do réu, mãe de “Dona Marta” (companheira do réu), afirmou que estava no local dos fatos. Afirma que estava JOYCIANE estava com sua avó. Afirma que morava no Mutirão mas agora está com sua filha, porque está muito doente. Afirma que sua filha tinha ido comprar um remédio e que J. ficou com seu genro. Afirma que estava muito tonta e que precisava de alguém pra lhe segurar, tendo o réu ido lhe segurar. Afirma que J. levantou uma calúnia contra o réu, que é inocente, sendo negativo tudo o que J. falou. Informa que não viu nada acontecer. Informa que estava sentada na cama, e que o réu estava todo o tempo do seu lado porque não aguentava estar só, dado que sua filha teria deixado o réu cuidando dela enquanto ia na farmácia. Afirma que a vítima ficou vendo o celular e que o réu não fez nada do que a vítima falou. Informa que estava doente mas não estava cega, então nada do que a vítima disse é verdade. Repete que DHONE ficou cerca de meia hora deitado com ela, mas sua filha não demorou tudo isso na farmácia, pois tinha ido comprar só uma injeção para aplicar. Informa que estava muito doente, sendo por isso que sua filha deixou DHONE com ela. Repete dizendo que sua filha não demorou nem meia hora, tendo ido rapidinho na farmácia. Ao fim, o Ministério Público aponta que a vítima poderia estar olhando para alguém ao seu lado, o que comprometeria o depoimento. Em outra oportunidade, ouvida a vítima, J. de S. F., em sede de depoimento especial, com auxílio de profissional da psicologia, afirma que “esses fatos não aconteceu”. Indagada sobre quais fatos, disse que seriam “esses fatos aí”. Em seguida, a profissional seguiu perguntando sobre o dia a dia da vítima (rotina na escola, em casa, amizades, e afins). Afirma seguindo que não tem vínculos de amizades, mas que tem amizade com a mãe, e confia nela. Mas não confia em seu padrasto. Segue dizendo que tem irmãos e que confia neles. Afirma que não tem muito contato com seus irmãos. Afirma que conversa com sua mãe e que tudo o que acontece fala para ela. Afirma que o que acontece na escola fala para sua mãe. Afirma que não tem outra família além de sua avó e seus irmãos. Afirma que não tem nada que incomode ela e que dormiu bem. Ao ser questionada se estava feliz, anuiu com a cabeça, mas em seguida disse “feliz, não!”. Perguntada se entendia o que era felicidade, disse que não sabia o que era felicidade. Disse que sentia tristeza no dia da audiência. Segue dizendo que às vezes lhe dá depressão. Perguntada o que é depressão, disse que entendia ser um sentimento de se matar. Perguntada se já teve esse sentimento, disse que sim. Disse que teve vontade de fugir e de se matar, e de ninguém saber disso. Afirma que não sabe o porquê teve esse pensamento e que teve esse pensamento, não havendo ninguém nem vozes que tenham lhe dito isso. Afirma que não lhe aconteceu nada e nenhum fato que ensejasse esse pensamento. Acrescenta que não sabe por que não é feliz. Afirma que não sabe o que é depressão, mas afirmou que tem depressão porque tem uma tristeza. Segue dizendo que não está sentindo depressão. Quanto ao pensamento de se matar, afirma que já o sentiu outras vezes, quando estava na escola estudando. Informa que não chora e que estava tranquila quando o pensamento veio. Afirma que não teve nada em sua casa que se lembre para que fique triste. Perguntada se aconteceu algo na rua para que fique triste, a vítima respondeu que “na rua, não”. Perguntada se tem alguma lembrança que a fazia ficar triste, respondeu que “sim”. Perguntada qual era a memória, afirma que era sobre sua avó, que teria falecido há um mês. Afirma que quando lembra de sua avó, chora. Era a sua bisavó. Informa que conhece seu pai e que fica feliz quando o vê. Perguntada sobre o que é certo e é errado, afirma que não sabe diferenciar. Afirmar que certo é fazer as coisas direito e errado é não fazer as coisas direito e não obedecer. Afirma que sabe que mentir é errado, mas que ninguém lhe ensinou, aprendeu, talvez na escola. Afirma que sua mãe lhe ensinou o que é certo e o que é errado. Quanto aos fatos em si, disse que estava disposta a responder. Diz que não foi verdade que a pessoa lhe tocou. Diz que inventou isso porque não queria o casamento dele com sua avó. Ele era marido de sua avó. Diz que não foi a responsável pela denúncia, mas não sabe quem denunciou. Afirma que na hora da denúncia mentiu na reportagem, mentindo que ele teria lhe tocado, tapado sua boca e lhe beijado. Informa que não viu algo parecido com isso. Perguntado “de onde tirou isso”, a vítima foi reticente e disse que inventou porque ao queria que sua vó casasse com ele e que não gosta dele. Informa que foi uma ideia que veio na sua cabeça. Nega que alguém tenha lhe dito para fazer isso. Informa que acha que fez uma coisa errada e nega que alguém já tenha lhe tocado. Em seguida, lhe foi dito que no teor da denúncia constava informação de que teriam sido várias vezes. A psicóloga perguntou: “alguma das vezes foi verdade”; a vítima: “dele [sobre o réu]”?; a psicóloga “sim [respondendo que tinha feito uma pergunta referindo-se ao réu]”; a vítima: “não [indicando que quanto ao réu não seria verdade]”. Perguntada sobre o porquê não gosta dele, informa que ele é bom com ele e legal, mas “não gostou da cara dele”. Não sabe explicar por que, mas que quando olha pra cara dele sente ódio. Perguntado sobre o motivo, diz não ser nenhum motivo. Informa que ninguém lhe pediu para falar que teria mentido. Informa que convivia com o réu, mas não sabe a quanto tempo. Informa que ele era namorado de sua avó, mas não lembra há quanto tempo namoravam. Informa que somente uma vez aconteceu de se desentenderem mas não lhe pôs de castigo. Afirma que a discussão se deu porque ele teria matado seu gatinho. Informa que não aconteceu nada, apenas discutiram. Informa que não foi uma discussão feia e que só teria dito a ele que parasse com aquilo e que parasse de maltratar animais. Informa que não falou pra ninguém o que aconteceu. Afirma que teria contado pra sua irmã, pra quem teria dito que ele teria lhe beijado. Assim, afirma que sua irmã falou pra sua mãe, mas não sabe se foi sua mãe que foi à delegacia. Depois de ter falado pra sua irmã, informa que não foi chamada em nenhum lugar, e reafirma que não falou mais pra ninguém, e não sabe pra mais quem sua irmã contou. Informa que foi chamada pra ser ouvida na delegacia, onde teria dito que o réu levantou sua roupa e lhe beijou, e teria feito outras coisas, tendo dito que foi só um dia. Perguntada se mentiu sobre os outros dias, aparentou não entender a pergunta e não respondeu. Afirma que DHONES lhe chamava de “menina” ou “garota”, mas não lhe chamava pelo seu nome. Afirma que se sentia incomodada por esse vocativo e que não gostava. Informa que depois de te falado pra sua irmã, afirma que as pessoas lhe tratavam bem em sua casa, e que lhe perguntavam por que teria feito aquilo. Diz que respondia à sua avó que não queria seu casamento com ele, porque não gostava muito da cara dele. Alega que acha que sua avó teria ficado chateada com ela, mas que hoje em dia sua avó lhe trata bem. Informa que ninguém nunca lhe disse que estaria prejudicando o réu. Quanto ao seu padrasto, afirma que não sabe como ele reagiu, dado que quando ocorreu a polícia foi logo lá para prender ele [“ele”, se referindo ao réu]. Afirma que ele ficou com raiva, mas não disse nada à vítima. Informa que sua mãe acreditou, mas não sabe quem foi na delegacia denunciar. Informa que o réu já lhe chamou de “gatinha” e que dizia pra ele que não gostava disso, tendo o réu parado. Afirma que se esqueceu disso quando lhe foi perguntado como o réu lhe chamava. Informa que o réu não lhe disse nada quando foi preso, mas afirma que o réu não falou nada. Repete que o réu não lhe falou nada. Informa que não sente nada quando ele se aproxima dela. Afirma que não tem medo dele e que, da sua família, só tem medo de seu pai. Afirma que seu pai não falou nada sobre tudo isso. Informa que seu pai perguntou se era verdade, ao que teria respondido que sim, dizendo ao seu pai dizendo que estaria falado a verdade. Afirma que depois dos fatos sua vida está mais ou menos, porque estava doente, no hospital, onde teve que fazer exames, porque estava com infecção urinária. Informa que está bem na escola, mas não está indo à escola porque estava com infecção. Aponta que não tinha dormido bem na noite anterior. Afirma que quando não dorme não pensa em nada. Alega que dorme muito durante o dia. Informa que tinha faltado muito a escola porque estava para a estrada com seu pai, mas que estava recuperando suas notas. Informa que hoje está arrependida, porque fez uma coisa errada. Afirma que fez uma coisa errada porque não queria [incompreensível] com sua avó. Informa que nunca fez acompanhamento psicológico, mas que gostaria de fazer. Afirma que não sabe por que gostaria de fazer. Perguntado, diz que não teria nada a dizer à psicóloga. Por fim, interrogado, o réu DHONE DE ARAUJO GOMES negou a autoria dos fatos. Afirma que isso teria acontecido quando sua esposa teria saído para comprar remédio para sua sogra, momento em que ficou junto com sua sogra e a vítima no mesmo quarto, de forma que quando sua esposa para casa é que se deu sua prisão. Afirma que estava mexendo no seu telefone e a vítima estava na rede também mexendo no celular. Informa que responde por outros processos, mas esta imputação é falsa. Informa que a avó da vítima era sua esposa, e os fatos se deram 3 dias depois de chegar. Afirma que saiu do sistema do Puraquequara e se mudou para a casa da sua esposa. Informa que não chamava a vítima por nenhum apelido. Informa que por conta da idade de sua esposa e por ter antecedentes, a família não aceitava que tivesse uma relação com a vítima, a qual já não gostava do réu. Afirma que antes de sair do presídio já sabia que a mãe da vítima falava mal dele (porque sua esposa teria lhe dito isso) e que os fatos foram fruto de algo que a mãe da vítima teria colocado “na cabeça” da vítima. Informa que não teve briga ne discussão, mas só via que a família não aceitava o relacionamento. Alega que sabia desta insatisfação da família por conta de muitas fofocas que aconteciam diariamente, de forma que, por ser um bairro pequeno, muitas pessoas lhe diziam o que acontecia. Informa que a sua esposa tem uma filha, Nina, que de início não gostava do réu, mas que hoje vive em harmonia com o réu. Informa que quando sua esposa voltou da padaria já se deparou com uma multidão e duas viaturas da polícia. Afirma que as pessoas estavam querendo entrar em sua residência e que sua integridade estava em risco. Assim, a polícia entrou em sua casa e efetuou a prisão, momento em que disse para a vítima e para a mãe da vítima que não fizessem aquilo, dado que isto colocaria sua vida em risco. Informa que a mãe da vítima tinha interesses pessoais em afastar o réu de sua esposa, por “olho gordo” em uma situação que não convem à mãe da vítima, mas somente à sua esposa. Afirma que DIANA registrou uma ocorrência dizendo que o réu estaria usando drogas na frente de JOYCIANE, tendo inclusive sido ouvido em delegacia. Ressalta que seu maior problema era DIANA, que usou sua filha para acusá-lo de algo que não fez. É inegável que a vítima negou os fatos. Mas também é inegável que o depoimento da vítima demonstra que no momento da audiência e em relação aos fatos dos autos, esta estava constantemente buscando esconder, se não em partes, toda a reconstrução dos fatos. E isto fica demonstrado se se tem em conta o depoimento das testemunhas. Diante desses fatos o depoimento da vítima deve ser valutado não de forma que seu conteúdo em si reconstrua a verdade, mas o depoimento da vítima é valutado sabendo-se que foi um depoimento produzido ao interno de um cenário de trauma e sofrimento suportado pela ação do réu e que, muitas vezes pelo sentimento de vergonha carregado pela própria vítima, o conteúdo do depoimento da vítima é afetado no sentido de esconder a verdade como resistência à re-exposição ao sofrimento. Não se pode trascurar inclusive o fato de que, enquanto indivíduo ainda em formação ao interno de seu grupo familiar, as vítimas menores de 14 anos podem também sentir-se responsabilizadas pela eventual condenação do réu e por conta disso também tendencialmente podem suprimir a verdade como forma de evitar mais sofrimentos ainda (o desmantelamento do núcleo familiar após a condenação do réu, para além do sofrimento já suportado no ato de violência), e este raciocínio se encontra em plena harmonia com a Lei nº 14.241/2021, que prevê rito processual que leve em consideração o sofrimento também psicológico suportado pelas vítimas mulheres no curso de processos criminais sobretudo de crimes sexuais. E justamente por fazer parte de um sistema de versões dos fatos (seja para a condenação seja para a absolvição) é que o depoimento da vítima deve encontrar ressonância com o que as demais oitivas trouxeram para a instrução criminal. E, in casu, os demais depoimentos trazem à tona o entendimento pela responsabilização do réu, de forma que a tese da supressão da verdade pela vítima deve guiar a valutação das provas produzidas. O depoimento demonstra seu estado de fragilidade, estado este que é revelado após ser questionada sobre os fatos narrados. Este é um estado também revelado quando a vítima passa a narrar que sente uma tristeza e se sente possivelmente deprimida e que não se sente feliz. A vítima também narra que não gostava "da cara do réu", mesmo não dizendo qual seria o motivo pelo qual não gostava, atribuindo isso a um sentimento sem uma causa específica. Acrescenta, ainda, que o réu teria matado o seu gatinho e que se sentia desconfortável pelos vocativos que o réu utilizava, dentre eles, o de "gatinha". Se pode recriar, então, a partir do depoimento da própria vítima, uma relação de natureza conflitual e tendencialmente autoritária entre réu e vítima, de forma que a vítima carregava em si o sentimento de desapreço pelo réu sem que tivesse dado causa a este sentimento. Na verdade, a própria vítima tenta aliviar esta possibilidade quando afirma que o réu seria "legal", e, dentro deste cenário, se confirma mais uma vez a possibilidade de que a vítima estaria suprimindo a verdade no intuito de arrefecer possíveis consequências ainda mais devastantes à esfera familiar para além do já suportado após o ato de violência (algo semelhante ao que se vê repetidamente em com contextos de violência doméstica, em que mulheres optam por permanecerem caladas diante do juízo na tentativa de poupar o seu companheiro/réu de suportar as consequências da condenação crimnial). Em ambos os casos, a condição de "vulnerável" da vítima é central para a compreensão real dos fatos. Portanto, é nestes termos em que o depoimento da vítima permanece sendo central para a condenação, mas não central no sentido de ser o depoimento responsável por reconstruir os fatos com exatidão, mas por ser o depoimento que demonstra que a partir da violência sexual empregada pelo réu a vítima suportou sofrimento que, dentro do contexto da revitimização e da revivência do trauma lhe fizeram suprimir a verdade. Não é como se nos autos tivéssemos uma vítima clara e direta acerca da negativa dos fatos. Na verdade, a própria vítima informa ter contato à irmã que o réu teria lhe beijado e informa ter confirmado ao seu pai que os referidos fatos seriam verdade. Em contrapartida, quanto à alegação de que teria sido uma história inventada, a vítima diz que teria sido por conta de não querer o relacionamento entre sua avó o réu, mas também diz que foi uma ideia que veio à sua cabeça, de forma que não teria visto algo parecido em nenhum lugar. Portanto, tem-se que a vítima, por mais que tenha tentado suprimir a verdade (por quaisquer que sejam suas motivações sobretudo psicológicas e pós-traumáticas), forneceu ao juízo elementos que permitiram concluir que a violência sexual cuja autoria é imputada ao réu foi o ato responsável a submeter a vítima a este estado de aparente contradição. E, se se tem em consideração o depoimento das testemunhas, sobretudo da mãe da vítima, estas alegam a mudança de comportamento da vítima (a mãe da vítima diz que esta estava muito calada e guardava o choro pra si) e alegam que a vítima teria chegado voluntariamente e comunicado os fatos ocorridos. Ainda, as testemunhas no momento da prisão do réu informam que a vítima estava muito assustada. Em contrapartida a informante da defesa fornece depoimento que não contribui em muito para a reconstrução dos fatos, de forma que serve mais evidentemente como um testemunha da boa conduta do réu. Portanto, além das considerações que se fazem sobre a forma de valutação do depoimento da vítima, os depoimentos das demais testemunhas sustentam a imputação. É neste contexto então que se dá valutação ao depoimento da vítima dentro do universo dos demais depoimentos produzidos em sede de audiência.  Não se pode dizer que a consideração sopra é fruto de especulações e de arbitrarismo. Na verdade, o que o juízo faz e deve fazer é analisar o resultado natural do crimes imputado e supostamente praticado. O que ocorre é que em crimes sexuais contra indivíduos ainda em fase de formação psicológica, a exposição a este tipo de violência é capaz de afetar diretamente a forma como se comportam na sociedade. E isto é um fato verificável, e que, enquanto fato naturalístico resultado de uma conduta criminosa deve também ser levado em consideração na concepção da responsabilidade penal. Em crimes sexuais contra crianças e adolescentes o resultado naturalístico da conduta não é meramente a conjunção carnal em si ou o ato libidinoso praticado. Na verdade o resultado naturalístico praticamente sempre vem acompanhado da alteração real das condições psicológicas da vítima. E aqui, enquanto uma operação do Direito, o que se faz não é uma avaliação psíquica das motivações do estado de alteração psicológico ou comportamental; o que se faz na verdade é notar esta alteração e, considerando esta alteração como também resultado naturalístico, ligar esta alteração à conduta do réu por meio do depoimento das testemunhas. E aqui o que se entende por "resultado naturalístico" é o que se defende do forma clássica e sedimentada na doutrina de Direito Penal: a alteração fática da realidade; a mudança real no mundo exterior. E esta mudança é percebida em alguns casos por meio de prova pericial, mas é uma mudança também percebida através de comportamentos e versões narrativas que desviam da normalidade. Desta maneira, o juízo não pode apenas fazer uma valutação meramente linguística e gramatical daquilo que a vítima traz, como se a reconstrução do ato criminoso fosse uma simples reordenação de eventos a fim de construir uma narrativa. Em se tratando de um crime com consequências tão profundas, ignorar os efeitos psicológicos e a mudança comportamental seria na verdade ir de encontro à proteção da Lei nº 14.241/2021 e ignorar o próprio resultado naturalístico do crime. Em um crime que, na forma como foi praticado (apalpar e tocar), não deixa vestígios periciáveis, apegar-se a uma reconstrução dos fatos sem levar em consideração os efeitos da violência resultaria em uma análise insuficientes dos próprios fatos. É isto o que realmente significa empregar teratologicamente a normativa da Lei nº 14.241/2021: compreender os fatos a partir também do sofrimento da vítima, que vai além de meramente "contar uma história", mas que certamente passa pela componente do sofrimento pós-traumático que, ainda que não seja algo de que se ocupa o Direito, certamente é um fenômeno verificável através de instrumentos básicos de percepção da realidade. E importa salientar que o próprio ordenamento jurídico no seu art. 59, do CP permite ao julgador a valutação do sofrimento psicológico como consequência agravadora da pena-base, então esta é uma consideração que não é inventada, mas sim permitida. Assim, em se tratando de violência sexual, a prova subsumida nas palavras da vítima revela-se como a tônica, já que tais infrações são, na sua quase totalidade, praticadas no interior da residência dos envolvidos ou em local ou circunstâncias que impossibilitem que outras pessoas possam presenciá-la, de tal sorte que a palavra da vítima passa a ganhar maior destaque e relevância, principalmente se a versão apresentada possui arrimo nas demais provas produzidas. A propósito, nesse pormenor, admitindo as palavras da vítima, desde que em harmonia com o contexto probatório contido nos autos e verificada a inviabilidade de se admitir a versão apresentada pela defesa, como prova assaz para a prolação de decreto condenatório, colaciona-se, a título de ilustração, as seguintes decisões extraídas do repertório de jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, a seguir, transcritas: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVANTE IMPORTÂNCIA. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. O Tribunal local, ao analisar os elementos constantes nos autos, entendeu pela ratificação da decisão de primeira instância que condenou o ora agravante pelo crime de estupro de vulnerável em continuidade delitiva. 2. A pretensão de desconstituir o julgado por suposta contrariedade à lei federal, pugnando pela absolvição ou a readequação típica da conduta, não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material probante, o que é vedado a esta Corte Superior de Justiça, a teor do disposto na Súmula n. 7/STJ. 3. Este Sodalício há muito firmou jurisprudência no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância, desde que verossímil e coerente com os demais elementos de prova. 4. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 1695526 / SP. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, 17.05.2018, DJe 04.06.2018). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO  ESPECIAL.  ESTUPRO DE VULNERÁVEL.    PLEITO    DE    ABSOLVIÇÃO.    REEXAME   DE   PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 1. Para a análise da tese recursal, de que  o agravante não teria cometido o delito de estupro  de vulnerável, mostra-se, no caso, imprescindível o reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, o que é defeso em âmbito de  recurso  especial,  em  virtude do disposto na Súmula n. 7 desta Corte. Precedentes. 2.  Outrossim,  a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é a de  que,  nos  crimes de natureza sexual, os quais nem sempre deixam vestígios,  a  palavra  da  vítima  tem valor probante diferenciado. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no AREsp 1268926 / PR;  AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL .2018/0068075-6. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, 24.04.2018. DJe 02.05.2018). No caso, são vastos os elementos de prova que apontam para a autoria do denunciado. É de se destacar que na vasta maioria dos crimes de estupro, normalmente cometidos sem a presença de outros indivíduos, à clandestinidade, há dificuldade na produção probatória, de modo que o acervo constante dos autos deve ser analisado com especial atenção. Desta feita, não havendo prova de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, estando provada a imputação ministerial, verificando-se a inexistência de quaisquer obstáculos relacionados à punibilidade do agente, o reconhecimento da procedência do pedido de condenação contido na peça de ingresso é medida de rigor. Por fim, quanto à causa de aumento sustentada pelo MPE na denúncia, a do art. 61, II, "f", do aumento da pena pelo abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica, tem-se que é manifesta a condição de coabitação, dado que pelo depoimento de todos (sobretudo da própria vítima) se pode entender que réu e vítima coabiatavam, na casa da avó da vítima que era esposa do réu, devidamente demonstrado assim o acesso de forma facilitada que o réu teria à esfera privada da vítima. Diante de todo o exposto, e tendo por supedâneo as razões sobreditas, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva exposta na denúncia para CONDENAR o acusado DHONE DE ARAUJO GOMES nas penas do art. 217-A do Código Penal Brasileiro. Atendendo aos preceitos esculpidos nos arts. 59 e 68 do estatuto penal repressivo, passo e dosar e individualizar a pena. Considerando que as circunstâncias são comuns a ambos os delitos, efetuo a dosimetria única com a finalidade de evitar repetições desnecessárias. A culpabilidade, como juízo de reprovação social que recai sobre a conduta típica e ilícita e também sobre o agente, será valorada de forma neutra, na medida que não há elementos suficientes nos autos capazes de elevar a reprovabilidade da conduta, além daqueles que são inerentes ao tipo. Os antecedentes deverão ser valorados na segunda fase ante a reincidência. Não constam parâmetros nos autos para a análise da conduta social do acusado. A personalidade deve ser valorada de forma neutra. A personalidade é circunstância que deve ser apreciada à luz dos princípios relacionados à psicologia e à psiquiatria, uma vez que nela se deve analisar muito mais o conteúdo do ser humano do que a embalagem que lhe foi impressa pela sociedade. Destarte, ante a inexistência de elementos mínimos de convicção, entendo não demonstrar ele personalidade que possa ser valorada em seu desfavor. Os motivos devem ser valorados de forma neutra, posto que não extrapolam os próprios do tipo penal. As circunstâncias serão valoradas de forma neutra, na forma que o ardil utilizado já se encontra no âmbito do próprio desvalor da conduta punida. As consequências do crime foram significativas, conforme se verificou e se valutou nos autos, sobretudo ante as alegações da vítima de que suportaria estado de depressão e desejo de morte, razão pela qual serão valoradas de forma negativas. A vítima não contribuiu para o resultado, de forma que não pode ser utilizada para aumentar a pena imposta ao réu. STJ. 6ª Turma. HC 217819-BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/11/2013 (Info 532). Para a fixação da pena-base, eleva-se a pena em 1/8 (um oitavo) em cima do mínimo legal, razão pela qual, diante de 1 (uma) circunstância judicial desfavorável, fixo a pena-base em 09:00:00 (nove anos) de reclusão. Não há circunstância atenuante. Reconheço a agravante previstas no art. 61, II, “f”, uma vez que o cometimento do crime ocorrera a partir da facilidade decorrente da relação doméstica, de coabitação, entre autor e vítima. Reconheço também a reincidência pena condenação nos autos de nº 0000113-22.2020.8.04.5900. Assim, agravo a pena anteriormente fixada em 2x1/6 (duas vezes um sexto) da pena-base, resultando em 12:00:00 (doze anos) de reclusão. Não há causas de diminuição ou de aumento, razão pela qual fixo a pena em 12:00:00 (doze anos) de reclusão, fixando o regime inicial de cumprimento de pena no FECHADO, tendo em vista o quantum da pena aplicada, consoante o disposto no artigo 33, §2º, alínea "a", do Código Penal. O réu poderá apelar em liberdade, como já se encontra, pois não restaram caracterizados os motivos que indiquem a necessidade de custódia cautelar, conforme artigo 312, do Código de Processo Penal.                                                                              Não cabe ao acusado a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma preconizada nos artigos 43 e 44, ambos do Código Penal, tendo em vista o crime em comento ter sido cometido mediante violência ou grave ameaça. O acusado não faz jus ao benefício da suspensão condicional da pena, em razão de não preencher os pressupostos dispostos no art. 77 do Código Penal. Condeno o réu ao pagamento de custas processuais.  O artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, determina que o juiz, ao proferir a Sentença Condenatória, deverá fixar valor mínimo para a reparação do dano e dos prejuízos causados à vítima. Ocorre que a instrução criminal não auferiu parâmetros para a fixação do valor mínimo do dano, razão pela qual deixo de fixar valor mínimo pelos danos causados pela presente infração. Passadas as determinações da condenação, dê-se publicidade ao ato na forma que requer a lei. Proceda-se à intimação pessoal do réu, na forma do art. 392, e incisos, do CPP. Intime-se o Ministério Público e a Defesa da sentença. Havendo recurso, façam-se os autos conclusos para proceder-se ao juízo de admissibilidade e demais determinações procedimentais. Decorrido o prazo, sem recurso, certifique-se o trânsito em julgado expeça-se mandado de prisão no regime FECHADO, para início de cumprimento de pena, expedindo-se após o cumprimento da ordem a devida guia de recolhimento. Com o trânsito, lance-se o nome do réu no rol dos culpados, informando o Tribunal Regional Eleitoral acerca da condenação. P.R.I.C. Manacapuru, 08 de Abril de 2025. Bárbara Marinho Nogueira Juíza de Direito
  4. 14/04/2025 - Documento obtido via DJEN
    Com Julgamento De Mérito Baixar (PDF)
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