E. M. D. C. x S. A. C. D. S. S.

Número do Processo: 0700109-13.2024.8.07.0017

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJDFT
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Vara Cível do Riacho Fundo
Última atualização encontrada em 30 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 30/06/2025 - Intimação
    Órgão: Vara Cível do Riacho Fundo | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS VARCIVRFU Vara Cível do Riacho Fundo Número do processo: 0700109-13.2024.8.07.0017 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: E. M. D. C. REPRESENTANTE LEGAL: M. M. D. REU: S. A. C. D. S. S. SENTENÇA E. M. D. C., representado por sua genitora M. M. D., ajuizou ação de obrigação de fazer com pedido de compensação financeira por danos morais em desfavor de SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE, partes qualificadas nos autos. Aproveito o relatório da decisão de ID 184367265, fls. 320/322. O autor afirma que é beneficiário de plano de saúde operado pela ré, na modalidade coletivo empresarial, cobertura ambulatorial e hospitalar com obstetrícia. Que está adimplente com as mensalidades. Que não se comunica verbalmente, está acamado e depende de terceiros para os atos diários. Que foi diagnosticado com paralisia cerebral bilateral, refluxo gastroesofágico, disfagia grave. Que se alimenta somente por sonda. Que possui epilepsia, bem como deformidades ortopédicas, como luxação bilateral dos quadris e escoliose avançada. Informa que, em razão da insuficiência respiratória decorrente da disfagia grave, em julho/2023, conseguiu decisão de tutela antecipada favorável nos autos do processo 0704219-89.2023.8.07.0017, deste Juízo, na qual se determinou ao réu a obrigação de custear tratamento domiciliar. Contudo, alega que possui dores intensas em razão das deformidades de luxação bilateral do quadril e da escoliose grave. Que, para tratar a dor articular persistente, desde julho/2022, é submetido, semestralmente, a procedimentos de infiltração do quadril e bloqueio do obturador. Que faz uso de medicação tradicional (Oxcarbazepina, Amitriptilina, Gabapentina, Baclofeno, Vitamina D, Fluoxetina, Artane, Rivotril e Botox). Que, não obstante o uso desses medicamentos, segue com dor refratária. Em razão disso, narra que o respectivo médico assistente prescreveu tratamento com medicação baseada em Canabidiol, notadamente Tegra Usaline 6000mg - 200mg/ml CDB e 3% mg/ml THC. Que a posologia prescrita foi de três gotas à noite por cinco dias, inicialmente. Depois, acrescenta-se três gotas pela manhã. Cinco dias após, três gotas pela manhã e cinco à noite. Ao solicitar o fornecimento do medicamento à ré, ela negou o custeio, ao argumento de que o fármaco não consta nos termos descritos na decisão que concedeu a tutela antecipada de urgência. Além do exposto, o autor destaca que possui autorização da ANVISA para importar esse medicamento, pelo prazo de até dois anos. Tece arrazoado jurídico. Em sede de tutela antecipada de urgência, pede seja a ré obrigada a fornecer aquele medicamento prescrito pelo médico assistente. No mérito, pugna pela confirmação do pedido antecipado e pela condenação da ré a pagar compensação financeira por danos morais. Gratuidade concedida no ID 183081740. Na decisão de ID 183295671 foi determinada a emenda à inicial para verificar se há a presença da probabilidade do direito alegado, sendo o autor intimado para demonstrar uma das hipóteses de incidência do § 13º do art. 10 da Lei 9.656/1998, isto é, se aquele medicamento: 1)possui comprovação a eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; 2) se há recomendação da CONITEC para seu uso, ou se há recomendação de pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional. Manifestação do autor no ID 184324346, na qual juntou nota técnica de ID 184324347. O pedido de tutela de urgência foi indeferido no ID 184367265, fls. 320/322. Agravo de instrumento em que foi deferida a tutela de urgência para determinar o custeio do medicamento TEGRA USALINE 6000mg pelo plano de saúde requerido, nos termos da prescrição médica (ID 189355495, fls. 357/367) O réu foi citado no ID 188811085, fl. 338, e oferta contestação no ID 191343774, fls. 372/400. Inicialmente, o réu informa o cumprimento da decisão liminar. Impugna a concessão da gratuidade de justiça ao autor. Preliminarmente, argui a ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação. No mérito, o réu defende que se trata de contrato de adesão, o qual não contempla a cobertura para custeio do medicamento pleiteado para uso domiciliar, e que também não está contemplada no rol da ANS. Acrescenta que o contrato prevê exclusão de cobertura para fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, com exceção de medicamentos antineoplásticos orais, assim como medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento antineoplástico oral e/ou venoso constantes do rol da ANS, que não é o caso dos presentes autos. Defende a licitude das cláusulas contratuais restritivas. Sustenta que o rol da ANS está atualizado e que é taxativo. Afirma que o tratamento prescrito ao autor também não preenche os critérios estabelecidos na Lei 14.454/2022, segundo a qual é necessário prestar cobertura a tratamento ou procedimento, ainda que não esteja previsto no rol da ANS, desde que: 1) exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou 2) existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Refuta o pleito de danos morais, sob argumento de que não restou demonstrada ofensa a direito seu, que ultrapassassem a esfera do aborrecimento e do dissabor. Impugna o pleito de inversão do ônus da prova. Réplica no ID 195596428, fls. 627/636, em que o autor reitera a necessidade de manutenção do benefício de gratuidade de justiça e defende que todos os documentos indispensáveis à propositura da ação foram juntados pelo autor. No mais, reitera suas alegações iniciais. Oportunizada a especificação de provas, o autor requereu o julgamento antecipado (ID 195596428 - Pág. 10, fl. 636). E o réu pugnou pela expedição de ofício ao NAT-JUS e ANS para disponibilização de parecer para o presente caso, acerca do tratamento pleiteado pelo autor, que não consta no rol da ANS, ou, alternativamente, que seja realizada prova pericial para verificar a necessidade do tratamento pleiteado pelo autor (ID 191343774 - Pág. 29, fl. 400; ID 194986526, fls. 624/625). No ID 199266568, fl. 668, o requerido informou desinteresse na realização de audiência de conciliação. Decisão saneadora ao ID 20276026. O TJDFT deu provimento ao agravo de instrumento para, confirmando a liminar, determinar o custeio do medicamento TEGRA USALINE 6000mg pelo plano de saúde requerido, nos termos da prescrição médica (ID 213152991). As partes juntaram documentos ID 221667318 , 224771750 e ID 224771751. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Fundamento e decido. Procedo ao julgamento conforme o estado do processo, nos moldes do artigo 354 do CPC, pois não há a necessidade de produção de outras provas, o que atrai a normatividade do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. No mais, o Juiz, como destinatário final das provas, tem o dever de apreciá-las independentemente do sujeito que as tiver promovido, indicando na decisão as razões da formação de seu convencimento consoante disposição do artigo 371 do CPC, ficando incumbido de indeferir as provas inúteis ou protelatórias consoante dicção do artigo 370, parágrafo único, do mesmo diploma normativo. A sua efetiva realização não configura cerceamento de defesa, não sendo faculdade do Magistrado, e sim dever, a corroborar com o princípio constitucional da razoável duração do processo – artigo 5º, inciso LXXVIII da CF c/c artigos 1º e 4º do CPC. Não foram suscitadas preliminares e constato presentes os pressupostos processuais de admissibilidade do julgamento do mérito. Trata-se de ação de obrigação de fazer, onde a parte autora postula que a parte ré seja compelida a custear o medicamento TEGRAUSALINE 6000mg, nos termos da prescrição médica. A ré, por sua vez, sustenta que não é obrigada a custear medicamento que não consta do rol da ANS. Em princípio, é importante ressaltar que a relação entre as partes é de consumo, tendo em vista o fornecimento de serviço de saúde, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Esse entendimento está sufragado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos termos da Súmula n. 608, que diz: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. Conforme documentos e manifestações das partes acostadas aos autos, verifica-se que é incontroverso que as partes possuem relação contratual. A controvérsia cinge-se à obrigação de custeio do medicamento pleiteado pelo autor (TEGRA USALINE 6000mg), após relatório médico emitido pelo médico especialista. Conforme relatórios médicos acostados aos autos, (IDs 183062116, 183062119 e 183062120 – autos de referência), elaborados pela neurologista pediátrica, Dra. Júlia Lopes Vieira, que a parte autora apresenta encefalopatia crônica não evolutiva secundária a má formação encefálica (esquizencefalia bilateral), epilepsia de etiologia estrutural em bom controle com o uso da medicação anti crise. Informa que o paciente se encontra acamado, apresenta tetraparesia espática ao exame neurológico, tendo alterações ortopédicas secundárias como luxação bilateral de quadril e escoliose avançada. A médica relata, ainda, que já foram utilizados os seguintes medicamentos terapêuticos: oxcarbazepina, amitriptilina, gabapentina, baclofeno, domperidona, esiomeprazol, seretide, flixotide, azitromicina, além daqueles prescritos por outros profissionais médicos. Conforme consignado no acórdão que deferiu a tutela de urgência, cujos fundamentos passam a integrar a presente sentença: “Diante dos normativos elencados e pelo arcabouço probatório em exame, conclui-se que razão assiste ao agravante. Primeiro, porque os laudos médicos apresentados pelo paciente demonstram taxativamente a imprescindibilidade do medicamento para o tratamento do autor, além de ter refutado o uso de outros fármacos em razão da sua ineficácia para o caso. Aliado a isso, é notório que o profissional incumbido do acompanhamento clínico é quem detém melhores condições de sugerir a terapêutica mais adequada ao caso específico, não comparecendo razoável negar ao autor o acesso aos recursos mais apropriados ao seu quadro, obrigando-o a aceitar método diverso, mormente porque demonstrados os motivos que levaram à eleição da substância indicada na peça vestibular. Segundo, porque é incontroversa a incapacidade financeira do postulante para arcar com o custo do medicamento prescrito, haja vista a sua hipossuficiência financeira reconhecida pelo Juízo. Terceiro, porque, embora o medicamento não detenha registro na ANVISA, este órgão regulador expediu autorização para importação para o requerente (ID 183135934 – autos de referência). O fato de o medicamento não estar disponível na rede pública de saúde ou, ainda, não figurar no rol dos medicamentos padronizados, não exonera os planos de saúde de fornecê-lo ao portador de doença que não possua recursos financeiros para adquiri-lo, caso seja este o único tratamento eficaz, consoante recomendação médica. Aliado a isso, não se deve perder de vista, que, segundo se depreende dos relatórios médicos acostados ao acervo documental sob os IDs 183062116, 183062119 e 183062120 (autos de referência), o agravante apresenta quadro de encefalopatia crônica não evolutiva secundária a má formação encefálica (esquizencefalia bilateral), epilepsia de etiologia estrutural em bom controle com o uso da medicação anti crise, que se encontra acamado, apresenta tetraparesia espática ao exame neurológico, tendo alterações ortopédicas secundárias como luxação bilateral de quadril e escoliose avançada, de forma a reputar urgente o fornecimento da substância necessária à reversão ou ao controle do seu quadro clínico.” Tratando de tema semelhante, mas sobre a concessão de medicação contendo canabidiol no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) , o Supremo Tribunal Federal fixou a tese (Tema 1161) de que “Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na Anvisa, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS”. Portanto, existem situações excepcionais que autorizam a importação e utilização de medicação fora do rol da ANS e ainda não autorizada pela Anvisa que já foram reconhecidas pelos tribunais superiores e pela jurisprudência desta Corte de Justiça. Nesse sentido, segue a jurisprudência deste e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, in verbis: APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CANABIDIOL. LAUDO MÉDICO. OBRIGATORIEDADE DE CUSTEIO. RECUSA ARBITRÁRIA. RECURSO PROVIDO. 1. O 'ato médico', definido em lei e do qual deriva a autoridade médica, significa que apenas os médicos podem atestar doenças, elaborar diagnósticos e prescrever tratamentos. Isso se baseia no fato de que o médico possui um entendimento completo sobre o estado de saúde do paciente, incluindo detalhes sutis e nuances que podem fazer uma diferença significativa no cuidado, seja um quadro clínico complexo, sensibilidade a certos medicamentos ou até mesmo um estado psicológico delicado, o médico tem a capacidade de avaliar todas essas variáveis e chegar a uma conclusão justificada sobre o tratamento mais adequado. Dado o nível de conhecimento e experiência exigido para esse tipo de avaliação, é razoável afirmar que qualquer prescrição médica fundamentada deve ser tida como necessária e só deve ser afastada com base em provas técnicas contrárias produzidas no ambiente judicial. 2. Prescrito o medicamento para controle do estado de saúde do menor, a exclusão contratual em que se apoiou a operadora do plano de saúde é arbitrária e colide com os artigos 10, inciso VI, 12, inciso I, alínea "b", e inciso II, alínea "d", e 35-F da Lei 9.656/1998, daí que a cláusula respectiva deve ser considerada abusiva e contrária ao escopo do próprio contrato, por negar o medicamento simplesmente por considerar o ambiente em que ele é aplicado (hospitalar ou domiciliar). 3. Recurso provido. (Acórdão 1903516, 07202528720238070007, Relator: Desembargador GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 7/8/2024, publicado no DJE: 20/8/2024. Pág.: Sem Página Cadastrada.) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO DE AUTOGESTÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CANABIDIOL. TRATAMENTO. MICROCEFALIA. INEFICÁCIA DE OUTROS MEDICAMENTOS. EFEITOS COLATERAIS. EXAMES. NEGATIVA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. CONSTATAÇÃO NO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Em se tratando de contrato de autogestão, as regras do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam à controvérsia, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula de nº 608. Todavia, mesmo nos contratos submetidos à modalidade de autogestão, afigura-se possível ao beneficiário demonstrar eventual abusividade. 2. A escolha da melhor terapia pressupõe não apenas o conhecimento técnico a respeito da viabilidade e da eficiência do tratamento, mas, também, das condições específicas e particulares do paciente que somente o médico e a equipe médica que o acompanham têm condições de escolher, prescrevendo, assim, a melhor orientação terapêutica ao caso. 3. Reputa-se abusiva a recusa apresentada pela operadora do plano de saúde apelante em autorizar e custear o tratamento/medicamento prescrito pelo médico assistente da recorrente, haja vista as ampliações normativas decorrentes da edição das RNs nºs 539, de 23/06/2022, 541, de 11/07/2022 e, recentemente, pela Lei nº 14.454, de 22/09/2022. 4. Essas conclusões, ressalte-se, não afrontam o mais recente entendimento adotado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (EREsp nº 1889704/SP e EREsp nº 1886929/SP), pois, embora o rol da ANS tenha sido considerado, em regra, taxativo, a parte ré/apelante, dentro do seu ônus da prova (art. 373, II, do CPC), não demonstrou a existência de outro tratamento eficaz, efetivo e seguro constante neste rol favorável a autora/apelada, não havendo provas, tampouco, de que a ANS tenha indeferido o aludido tratamento para a patologia que acomete a recorrente. 5. Assim, tanto a cláusula contratual restritiva como a negativa da seguradora são ilícitas e devem ser afastadas, devendo, pois, fornecer o medicamento e o tratamento indicado pelo médico responsável da parte autora/apelada. 6. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão n. 1680664, 07092767320228070001, Relatora: Desembargadora GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no DJE: 4/4/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TRATAMENTO COM CANABIDIOL. MENOR PORTADOR DE EPILEPSIA. MIOCLÔNICA. COMPROMETIMENTO DAS FUNÇÕES CEREBRAIS. MEDICAÇÃO PRESCRITA POR ESPECIALISTA. TRATAMENTO INDISPENSÁVEL À VIDA E À RECUPERAÇÃO DAS FUNÇÕES MOTORAS DO PACIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO. ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Preceitua a Constituição Federal, em seu art. 6º, que ‘são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição’. 2. A imprescindibilidade do medicamento restou provada nos autos mediante laudo médico elaborado por profissional especialista, médico este que foi categórico ao atestar a impossibilidade de substituição do medicamento por aqueles regularmente fornecidos pelo poder público. 3. Se o médico que acompanha o tratamento do menor informou que a medicação é indispensável para o controle da quantidade de convulsões decorrentes da epilepsia, cabe ao Estado arcar com o seu fornecimento. 4. Em Sede de apreciação do Recurso Especial nº 1657156/RJ, fixou o Superior Tribunal de Justiça que a aquisição de fármacos pelo Poder Público deverá observar três requisitos, entre eles, será exigido ‘que o medicamento pretendido já tenha sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA’. Aludida norma, segundo a própria Corte Superior, há de ser afastada quando a especificidade do caso concreto assim o exigir. 5. Recurso conhecido e desprovido” (Acórdão n. 1147604, 20160110915513APC, Relator: Desembargador CARLOS RODRIGUES, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/1/2019, publicado no DJE: 5/2/2019. Pág.: 306/323) Importa mencionar, que, desde dezembro de 2019, a Anvisa autoriza empresas a solicitarem a autorização para produzirem e comercializarem o derivado da cannabis no Brasil, o canabidiol. Mas, até abril/2021, apenas a farmacêutica Prati-Donaduzzi tinha a autorização da Anvisa para produzir e comercializar o canabidiol, quando, a partir de então, a empresa Nunature também recebeu o aval. Por sua vez, a Abrace - Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança obteve autorização judicial (Processo n. 0800333- 82.2017.4.05.8200/PB) para cultivar a cannabis para fins medicinais e, em consequência, a produzir e distribuir óleos terapêuticos derivados da planta a seus associados”. Ademais, após a sanção da Lei n. 14.545/2022, foram incluídos os §§ 12 e 13 no artigo 10, da Lei n. 9.656/1998, que passaram a disciplinar em sua redação que: § 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (grifei) Nessa toada, diante do quadro clínico do autor e dos relatórios médicos prescrevendo a necessidade do uso do medicamento TEGRA USALINE 6000mg,), é imprescindível o seu fornecimento pelo plano de saúde. Certa a necessidade do medicamento, o plano de saúde réu se torna obrigado ao seu fornecimento e custeio, conforme indicação da médica responsável pelo paciente, a quem incumbe decidir qual é o procedimento mais eficaz para o tratamento da moléstia que acometeu o autor. Com efeito, é certo que a escolha do medicamento mais apropriado não compete ao plano de saúde e entender de modo diverso seria o mesmo que colocar o consumidor em desvantagem exagerada, o que é incompatível com a boa-fé objetiva e com a equidade, e retiraria a própria substância do contrato: a prestação do serviço médico-hospitalar. Cabe ressaltar que no próprio site da ANVISA (https://consultas.anvisa.gov.br/#/cannabis/q/?nomeProduto=canabidiol) constata-se que algumas medicações a base de canabidiol já possuem liberação para comercialização no Brasil, não podendo, portanto, ser considerada experimental ou não reconhecida pelas autoridades competentes, tanto que fornecida pela ABRACE e autorizada a importação pela ANVISA. Dessa forma, a não cobertura do fármaco, considerado pela médica como mais eficaz para o paciente, restringiu o direito dele, constituindo obrigação fundamental do plano de saúde réu, inerente ao contrato, de custeá-lo. Outrossim, o simples fato de um procedimento ou medicamento não constar da relação da ANS - AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE não afasta a obrigação do plano de custear o tratamento, uma vez que o referido rol apenas assegura os procedimentos mínimos, tanto que é revisto a cada 2 anos para inclusão de novas técnicas descobertas pela medicina. Desta feita, a procedência do pedido de custeio integral do medicamento é medida que se impõe. Dos danos morais No que diz respeito ao dano moral, inegavelmente, a atitude da parte ré atingiu as legítimas expectativas da parte autora de receber, em situação de maior vulnerabilidade, uma prestação de serviço compatível com suas reais e efetivas necessidades. A conduta omissiva ilícita, caracterizadora de falha grave na prestação do serviço contratado, além do nexo de causalidade, se acham, nessa quadra, incontroversos nestes autos. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o tema atinente à indenização do abalo decorrente da negativa de atendimento por plano de saúde, assentou, em voto da ilustre ministra NANCY ANDRIGHI, que, "conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada." (REsp 986947/RN, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, Julgado em 11/03/2008, DJe 26/03/2008, RT vol. 873 p. 175). Especificamente no que toca aos danos morais, entende a doutrina, de forma uníssona, corroborada pela jurisprudência fixada, que tais danos, circunscritos à esfera anímica do indivíduo, existiriam in re ipsa, ou seja, o seu reconhecimento estaria a prescindir de prova concreta, uma vez que adviriam de ofensa afeta à esfera intangível dos direitos da personalidade. A conduta da parte ré, na espécie, enseja gravame que desborda, à evidência, os limites do mero dissabor, vindo a atingir direitos afetos à personalidade e a ocasionar dano moral passível de ser indenizado. Dessa forma, ao recusar a realização de tratamento pleiteada pela parte autora, tenho que a parte requerida, além de descumprir com a legislação e o contrato, violou a proteção constitucional do direito à vida e à saúde, infligindo à parte autora, dessa forma, graves prejuízos aos seus direitos de personalidade. Assim, observado as peculiaridades atinentes ao caso, tenho que a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) cumpre com os requisitos da proporcionalidade e razoabilidade, além do que, visa coibir novas agressões direcionadas à honra dos consumidores. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para: a) Confirmando a tutela de urgência anteriormente deferida (Id. 21315299), condenar a parte ré à obrigação de custear o medicamento TEGRA USALINE 6000mg pelo plano de saúde requerido, nos termos da prescrição médica b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de reparação por danos morais, quantia a ser acrescida de juros de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC a partir da publicação da sentença. Diante da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais, fixando os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do §2º do artigo 85 do Código de Processo Civil. Transitada em julgado, arquivem-se os autos. Sentença registrada eletronicamente nesta data. Publique-se. Intimem-se. Circunscrição do Riacho Fundo. VIVIAN LINS CARDOSO Juíza de Direito Substituta