Processo nº 07020929520248070001
Número do Processo:
0702092-95.2024.8.07.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJDFT
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Turma Cível
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Turma Cível | Classe: APELAçãO CíVELEMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. DUPLA APELAÇÃO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. NULIDADE DE CITAÇÃO. AFASTADA. DESISTÊNCIA DO ADQUIRENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. RETENÇÃO DE CLÁUSULA PENAL. ADEQUAÇÃO DO PERCENTUAL. POSSIBILIDADE. DESCONTO DE DÉBITO DE IPTU. NÃO COMPROVADO. INDENIZAÇÃO DE TAXA DE FRUIÇÃO. INDEVIDA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. IMEDIATA. SENTENÇA REFORMADA. HONORÁRIOS. REDIMENSIONADOS. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DA REQUERIDA IMPROVIDO. Sinopse fática: O consumidor, à luz da teoria finalista e do artigo 2º do CDC, é o destinatário fático e econômico do bem ou serviço e, no caso em exame, estão presentes os conceitos de consumidor e fornecedor descritos nos artigos 2° e 3° do CDC, na medida em que o autor adquiriu como destinatário final o imóvel, comercializado pela parte ré no mercado de consumo. Pretendem os autores a rescisão do contrato, com limitação da retenção em 10% dos valores pagos. Pela análise dos autos, é fato incontroverso que a extinção do contrato se deu por desistência dos requerentes em razão de dificuldades financeiras para a continuidade do pagamento das prestações. I. CASO EM EXAME 1. Duas apelações, interpostas por ambas as partes, contra sentença proferida em ação de rescisão de contrato, a qual julgou parcialmente procedentes os pedidos para decretar a extinção da avença e determinar a devolução dos valores pagos, admitida a retenção do percentual de 25%. 1.1. No apelo, a requerida suscita preliminar de nulidade da citação e, no mérito, pede a reforma da sentença para admitir a dedução da quantia relativa aos débitos do IPTU e da taxa de fruição do imóvel sobre o valor a ser restituído ao autor, além de pretender a restituição da quantia ao autor de forma parcelada. 1.2. O autor, de sua vez, pede a reforma da sentença para admitir a retenção de apenas 10% sobre o valor a ser restituído pela requerida, o qual atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem gerar enriquecimento ilícito da construtora. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia dos autos está centrada em (i) aferir eventual nulidade de citação, (ii) a regularidade da retenção de percentual pela vendedora sobre o montante a ser restituído ao adquirente na hipótese de rescisão imotivada de contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária, (iii) a possibilidade de dedução de IPTU e taxa de fruição no período da posse, assim como (iv) a viabilidade da restituição da quantia de forma parcelada pela vendedora. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Nulidade de citação - afastada. 3.1. No caso, apesar do direcionamento da carta de citação para endereço diverso da sede da pessoa jurídica, a citação ocorreu em endereço comercial e devidamente recebida por preposto da requerida, conforme certificado por oficial de justiça ao diligenciar posteriormente no mesmo endereço, ocasião na qual a parte ré fora intimada pessoalmente para se manifestar sobre informação de eventual descumprimento da liminar. 3.2. Outrossim, recebida a carta de citação na portaria de condomínio edilício, sem recursa por ausência do destinatário, a validade do ato decorre do art. 248, §4º, do CPC. 3.3. Por fim, a contestação fora apresentada dentro do prazo definido pela exercer a defesa processual, conforme certificado nos autos, inexistindo qualquer prejuízo. 4. Apesar de ser lícita a estipulação de cláusula que autorize a retenção de parte dos valores pelo adquirente, na hipótese de desistência da aquisição (art. 67-A, II, da Lei nº 13.786/18), sua incidência não pode, em contratos de consumo, acarretar desvantagem exagerada ao consumidor, uma vez que tal prática é vedada pelo art. 51, IV, do CDC. 4.1. A esse respeito, limitada à variação do percentual entre 10% a 25% dos valores pagos, a Corte Superior tem se posicionado firme no sentido da possibilidade de reduzir a cláusula penal, mesmo nos contratos celebrados após a Lei nº 13.786/2018, o qual adicionou o art. 32-A à Lei nº 6.766/1979, quando a sua aplicação for excessiva em relação à natureza e ao objetivo do contrato. 4.2. Precedente: “É possível a revisão de cláusula penal, ainda que se trate de contrato firmado após a Lei n. 13.786/2018, que acrescentou o art. 32-A à Lei n. 6.766/1979, quando sua aplicação for manifestamente excessiva diante da natureza e finalidade do contrato.” (AgInt no REsp n. 2.100.901/SP, Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 4/9/2024.) 4.3. Nesse particular, por se tratar de aquisição de lote sem edificação, o percentual de 10% mostra-se suficiente para reparar os gastos suportados pela ré, referentes às despesas administrativas, impostos e taxas, sobretudo em virtude desta ficar com a propriedade do imóvel, podendo renegociá-los posteriormente, devendo ser reformada a sentença ao admitir a retenção do percentual de 25% sobre os valores pagos pelos adquirentes. 4.4. Precedente: “O percentual de 25% apenas deve ser mantido quando houver elementos suficientes para se verificar a compatibilidade do percentual com os prejuízos causados pelo distrato. Desse modo, mostra-se possível apenas a retenção de 10% do valor pago, conforme fixado na sentença”. (07044805020208070020, Relator: Aiston Henrique de Sousa, 1ª Turma Recursal, DJE: 12/4/2021). 5. No caso, em relação as despesas de IPTU, além de a requerida não comprovar eventual débito sobre o imóvel, inexistindo documentação nos autos em relação a tais débitos, a propriedade do bem ainda permaneceu no domínio da vendedora, a qual não fora transferida em razão da rescisão do contrato, sendo ônus da promitente vendedora a obrigação relativa ao pagamento do imposto. 5.1. No tocante ao direito à retenção da taxa de fruição, tratando-se de rescisão de contrato de compra e venda de lote, consistente em terreno não edificado, é pacífico o entendimento acerca da impossibilidade de cobrança de eventual taxa de fruição em relação ao exercício da posse do adquirente, pois a resilição do contrato não resultou no período da disponibilidade do bem em enriquecimento do comprador ou desvantagem ao vendedor. 5.2. Precedente: “Segundo o entendimento jurisprudencial das duas Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal, em caso de rescisão do compromisso de compra e venda, por iniciativa do comprador, não é cabível exigir dele o pagamento de taxa de ocupação ou de fruição pelo fato de ter a posse do imóvel pelo tempo em que o contrato esteve vigente, quando, como no caso concreto, tratar-se de um lote (terreno) não edificado. Em tal hipótese, não há falar em enriquecimento ilícito”. (AgInt no AREsp n. 2.492.753/SP, relator Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 3/6/2024.) 6. Por fim, de acordo com a tese firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do Recurso Repetitivo nº 1.300.418/SC, independentemente da culpa atribuída pela rescisão da avença, a devolução dos valores deverá ser feita de forma imediata, sendo vedado o pagamento parcelado. 6.1. Precedente: “Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes”. (REsp 1300418/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 10/12/2013). 7. Em razão do provimento do recurso dos autores, a parte contrária deve ser condenada ao pagamento dos honorários de sucumbência, os quais devem ser fixados em 12% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso dos autores provido. 8.1. Recurso da requerida improvido. Tese de julgamento: "1. Apesar do direcionamento da carta de citação para endereço diverso da sede da pessoa jurídica, a citação ocorreu em endereço comercial e devidamente recebida por preposto da requerida, conforme certificado por oficial de justiça ao diligenciar posteriormente no mesmo endereço, ocasião na qual a parte ré fora intimada pessoalmente para se manifestar sobre informação de eventual descumprimento da liminar, inexistindo nulidade. 2. Embora seja lícita a estipulação de cláusula que autorize a retenção de parte dos valores pelo adquirente, na hipótese de desistência da aquisição (art. 67-A, II, da Lei nº 13.786/18), sua incidência não pode, em contratos de consumo, acarretar desvantagem exagerada ao consumidor, uma vez que tal prática é vedada pelo art. 51, IV, do CDC, podendo ser modulada entre 10% a 25% dos valores pagos. 3. A requerida não comprovou existir débito de IPTU sobre o imóvel e a propriedade permaneceu com a vendedora devido à rescisão do contrato, não havendo motivo para dedução do valor do imposto. Além disso, não é possível cobrar taxa de fruição pela posse do adquirente, pois a rescisão do contrato não resultou em enriquecimento do comprador ou desvantagem ao vendedor. 4. De acordo com a tese firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do Recurso Repetitivo nº 1.300.418/SC, independentemente da culpa atribuída pela rescisão da avença, a devolução dos valores deverá ser feita de forma imediata, sendo vedado o pagamento parcelado”. ____________ Dispositivos relevantes citados: art. 248, §4º, do CPC; art. 67-A, II, da Lei nº 13.786/18; art. 413 do Código Civil. Jurisprudência relevante citada: STJ: AgInt no REsp n. 2.100.901/SP, Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 4/9/2024; AgInt no AREsp n. 2.492.753/SP, relator Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 3/6/2024; TJDFT: 0700626-47.2021.8.07.0009, Relator(a): Alvaro Ciarlini, 2ª Turma Cível, DJe: 09/03/2022.