Joao Cristalino Pereira x Bradesco Saude S/A
Número do Processo:
0711818-78.2024.8.07.0006
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJDFT
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara Cível de Sobradinho
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Cível de Sobradinho | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 2VARCIVSOB 2ª Vara Cível de Sobradinho Número do processo: 0711818-78.2024.8.07.0006 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: JOAO CRISTALINO PEREIRA REQUERIDO: BRADESCO SAUDE S/A SENTENÇA Cuida-se de ação cognitiva ajuizada por JOÃO CRISTALINO PEREIRA contra BRADESCO SAÚDE S/A. Narra o autor, representado por sua descendente, que é titular de plano de saúde disponibilizado pela parte ré, possui 80 (oitenta) anos de idade e diagnóstico avançado de Alzheimer e outras comorbidades, com dieta por gastrostomia (GTT). Aduz que o réu não autorizou o tratamento domiciliar (home care) na forma prescrita por seu médico assistente. Diante disso, requer a concessão de tutela provisória de urgência para que a parte ré autorize a internação domiciliar conforme indicado. No mérito, propugna pela confirmação da liminar e condenação da parte ré ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais. A decisão de ID 207370844 deferiu a gratuidade de justiça. A tutela provisória de urgência, por sua vez, foi concedida ao ID 209914594. Citada, a parte ré apresenta contestação ao ID 212631997, ocasião em que defende que autorizou o tratamento domiciliar solicitado, com base em avaliação técnica, mas sem necessidade de técnico de enfermagem 24h. Sustenta que não há previsão legal ou contratual para custeio de internação domiciliar, tratando-se de cobertura expressamente excluída. Rechaça a existência de danos morais, pois não houve ilícito ou negativa indevida de cobertura. Pede a improcedência dos pedidos. Réplica coligida ao ID 215289876. A decisão de saneamento e organização do processo reunida ao ID 220185819 determinou a realização de prova pericial. Laudo reunido ao ID 229507299 e homologado ao ID 232371125. É a síntese relevante da marcha processual. Fundamento e decido. As questões processuais e prejudiciais à apreciação do mérito foram afastadas, segundo os fundamentos da decisão saneadora de ID 220185819, aos quais me reporto. Portanto, presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, cabível o julgamento do processo. A controvérsia posta nos autos diz respeito à obrigatoriedade da operadora de plano de saúde ré assegurar a prestação de cuidados domiciliares integrais ao autor, na forma indicada pelo seu médico assistente, o qual prescreveu tratamento em regime de internação domiciliar com assistência profissional especializada. Conforme destacado no laudo pericial de ID 229507299, o autor, com 80 (oitenta) anos de idade, é portador de doença de Alzheimer em estágio avançado, encontrando-se em estado de dependência funcional total, com deglutição severamente comprometida, alimentação e administração de medicamentos via gastrostomia, necessidade de suporte ventilatório intermitente, presença de lesão por pressão em processo de cicatrização e demanda constante de aspiração de vias aéreas superiores. A avaliação médica concluiu que o autor é elegível para atendimento domiciliar multiprofissional, sendo classificado como paciente de média complexidade pela tabela ABEMID (pontuação: 17) e identificado como idoso vulnerável pelo índice VES-13 (pontuação: 10), além de obter pontuação 0 no índice de Katz, que indica dependência total para atividades de vida diária. Embora o escore NEAD (pontuação: 10) recomende formalmente apenas atendimento multiprofissional, o próprio perito ressalta que a individualização do caso impõe uma abordagem ampliada, dada a instabilidade do quadro e o risco de agravamento. Assim, evidencia-se que o tratamento domiciliar indicado não se dá por mera conveniência do paciente ou da família, mas por imperiosa necessidade médica, inclusive para prevenir complicações graves, como infecções e agravamento das escaras. A jurisprudência majoritária é firme no sentido de que a negativa de custeio de internação domiciliar substitutiva da hospitalar, devidamente prescrita, configura conduta abusiva, sobretudo quando a recusa se ampara exclusivamente em cláusulas contratuais excludentes, incompatíveis com os princípios da dignidade da pessoa humana, proteção da saúde e função social dos contratos. A cláusula de exclusão da cobertura de internação domiciliar, quando contrastada com a recomendação médica e os direitos fundamentais à saúde e à vida, mostra-se abusiva, nos termos do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser afastada. Dessa forma, a negativa da requerida revela-se indevida, impondo-se sua condenação à manutenção do tratamento nos moldes prescritos, com cobertura integral do regime de home care, inclusive com assistência de técnico de enfermagem, conforme a complexidade do quadro clínico individualizado do autor. Vale dizer que a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em afirmar que o tratamento domiciliar é mais vantajoso tanto ao paciente internado quanto à operadora de plano de saúde. Confira a lição de Francisco Eduardo Loureiro [“Planos e Seguros de Saúde”, in Responsabilidade Civil da Área da Saúde, Coordenadora Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, Série GVlaw, págs. 306/307]: “outra questão atual é relativa à exclusão do tratamento home care, sob a alegação de ausência de cobertura convencional ou legal a serviço domiciliar de enfermagem e de assistência médica. Os tribunais, de modo majoritário, afastam a exclusão, sob argumento de que 'o home care seria uma forma especial de internação, com diversas vantagens, tanto para o paciente, em razão do menor risco de infecções, quanto para a segurado, haja vista o menor custo de manutenção do regime”. No mesmo sentido, confira-se o seguinte precedente: “AÇÃO COMINATÓRIA. SEGURO-SAÚDE. HOME CARE. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. I - Os relatórios médicos e o laudo judicial demonstram que a autora, idosa, portadora de síndrome demencial proveniente de Alzheimer associado a Parkinson, acamada, com rigidez muscular-esquelética acentuada, com alimentação por gastrostomia, totalmente dependente de terceiros, necessita do tratamento home care 24 horas por dia, e não apenas pelas 12 horas diárias fornecidas pela Seguradora-ré. II - Apelação desprovida. (Acórdão n. 945794, 20140610128903APC, Relator: VERA ANDRIGHI 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 01/06/2016, Publicado no DJE: 14/06/2016. Pág.: 455/494)”. A negativa da ré em disponibilizar a assistência necessária frustrou a legítima expectativa do autor em se submeter ao tratamento que melhor combata a doença que lhe aflige, gerando angústia e frustração pela sua não realização imediata. Sérgio Cavalieri ensina que (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed. Malheiros Editores, 2003. p. 99): “O dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”. Com isso, é patente a ofensa aos direitos da personalidade, a ensejar o dever de indenizar previsto no art. 186 do Código Civil. O sofrimento que atingiu o autor, pessoa restrita ao leito e totalmente dependente de terceiros, não se tratou de mero descumprimento contratual, mas sim de transtorno grave que envolve direito da personalidade, em especial a vida e a dignidade, ultrapassando os transtornos comuns do dia a dia. Ante o exposto, confirmo a decisão liminar e JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial para CONDENAR a parte ré a manter o tratamento do autor JOÃO CRISTALINO PEREIRA em regime de internação domiciliar (home care), com assistência multiprofissional e presença de técnico de enfermagem pelo período necessário, nos moldes da prescrição médica de ID 209809814 e laudo pericial de ID 229507299, sob pena de majoração da multa já fixada nos autos. CONDENO, ainda, a parte ré ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, valor que deverá ser corrigido monetariamente desde esta data (Súmula 362/STJ) e acrescido de juros de mora a partir da citação, conforme índices legais. Condeno a parte ré, finalmente, ao pagamento integral das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Com o trânsito em julgado, recolhidas as custas finais, dê-se baixa e arquivem-se os autos. Provimento jurisdicional datado e assinado conforme certificação digital. 5