Ana Paula Dos Santos Siqueira x Ousmane Mbaye

Número do Processo: 0712970-79.2024.8.07.0001

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJDFT
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 20ª Vara Cível de Brasília
Última atualização encontrada em 30 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 30/06/2025 - Intimação
    Órgão: 20ª Vara Cível de Brasília | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 20ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0712970-79.2024.8.07.0001 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: ANA PAULA DOS SANTOS SIQUEIRA REU: OUSMANE MBAYE SENTENÇA Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por Ana Paula dos Santos Siqueira contra Ousmane Mbaye, partes qualificadas na inicial, através da qual almeja a reparação pelos danos materiais e danos morais, com fundamento em acontecimentos ocorridos no âmbito de um relacionamento afetivo iniciado com o réu em 2020. Segundo relata, o requerido, inicialmente, demonstrava comportamento afetuoso e prestativo, mas, com o tempo, passou a narrar histórias envolvendo dificuldades financeiras para solicitar quantias em dinheiro, sempre sob a promessa de reembolso. Movida por compaixão, a autora afirma ter realizado diversos pagamentos em benefício do réu, incluindo viagens, financiamentos, empréstimos, e reformas de bens. Alega que sua renda foi comprometida e que passou a contrair dívidas para atender aos pedidos do requerido, que jamais cumpriu com os ressarcimentos prometidos. A autora relata, ainda, que sofreu manipulações emocionais, chantagens e que chegou a ser expulsa de casa, tendo seus bens pessoais retidos e vendidos pelo requerido. Afirma que o prejuízo financeiro alegado totaliza a quantia de R$ 76.596,26. Sustenta que o comportamento do requerido também teria provocado abalo emocional e comprometimento do estado de saúde da autora, o que motiva o pedido de indenização por danos morais. Ao final, pede o deferimento da gratuidade de justiça, por comprovar hipossuficiência econômica; a condenação do réu ao ressarcimento de R$ 76.596,26, correspondentes aos danos materiais comprovados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, fundamentada nos abalos emocionais e violações à integridade da autora. Anexados documentos de ID 192100768 a 192100793 à inicial. O pedido de gratuidade de justiça, inicialmente indeferido pelo Juízo, foi deferido pela Segunda Instância nos autos do agravo de instrumento N. 0720443-22.2024.8.07.0000 de ID 218786824. Citado, o requerido apresenta contestação ao ID 212027935. O réu impugna o benefício de justiça gratuita concedido à autora, alegando ausência de comprovação da hipossuficiência financeira. Quanto ao mérito, sustenta que o relacionamento foi baseado na reciprocidade e colaboração mútua. Afirma que a autora era cliente do ateliê do requerido e, durante o relacionamento, realizava compras e, por vezes, usava a máquina de cartão dele para acumular milhas, sendo reembolsada em espécie. Afirma que não houve qualquer exploração, ardil ou manipulação. Ressalta ainda que os valores alegados foram, em grande parte, restituídos via Pix, e que não há pendência financeira. Aponta que a autora teria motivação emocional (ciúmes e frustração) para a demanda, inclusive apresentando comportamento obsessivo após o fim da relação, como forjar gravidez e perseguir socialmente o O réu contesta que tenha praticado “estelionato sentimental”, argumentando que não há dolo nem obtenção de vantagem ilícita. Destaca que o inquérito criminal instaurado sobre os mesmos fatos foi arquivado duas vezes por ausência de justa causa (inclusive com aplicação da escusa absolutória do art. 181, I, do CP); que a autora não apresentou provas concretas da alegada manipulação e que os valores apontados como “empréstimos” eram, na verdade, gastos espontâneos e dentro de um relacionamento amoroso. Afirma que os valores alegados pela autora (R$ 76.596,26) são arbitrários, sem fundamento documental coerente. Segundo ele os documentos comprovam apenas R$ 6.414,50 em transferências e R$ 813,51 em passagens aéreas; os pagamentos feitos no cartão da autora à pessoa jurídica do réu (Ousmane Mbaye Fabric) somam R$ 6.633,68, sem relação direta com o requerido como pessoa física; ele próprio teria transferido R$ 9.430,00 à autora, o que neutraliza qualquer valor alegadamente devido e que as faturas de cartão incluem despesas alheias à relação e não demonstram que o réu seria responsável pelos encargos financeiros da autora. Diz que a quantia pleiteada é infundada, e não há comprovação de que os gastos foram causados por ilícito. Rechaça a existência de qualquer ilícito de sua parte que porventura venha a embasar uma condenação por danos morais. Reputa ser a autora litigante de má-fé (art. 80 do CPC), por alterar a verdade dos fatos e buscar reaver valores já quitados, o que configuraria enriquecimento sem causa (arts. 884 e 885 do CC). Pede a improcedência dos pedidos. Anexados à contestação os documentos de ID . 212029629 a 212029639. Réplica ao ID 214764414. Em decisão saneadora de ID 215161869, fixou-se como ponto controvertido a alegada responsabilidade civil do réu, por dano de natureza material e moral, em razão da prática de estelionato sentimental praticado em relação à autora. Ata de audiência de instrução e julgamento ao ID 224880105. Na oportunidade, foram ouvidas testemunhas da autora e do réu. O réu apresentou alegações finais ao ID 227472863 e a autora ao ID 224830125. É o Relatório. Decido. Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por Ana Paula dos Santos Siqueira contra Ousmane Mbaye, partes qualificadas na inicial, através da qual almeja a reparação pelos danos materiais e danos morais, com fundamento em acontecimentos ocorridos no âmbito de um relacionamento afetivo iniciado com o requerido em 2020. Não há controvérsia sobre a relação afetiva mantida entre as partes entre os anos de 2020 e 2022 e sobre a existência de transferências feitas pela autora em favor do réu, assim como a utilização do cartão de crédito da autora na máquina de cartão de crédito da pessoa jurídica do requerido. Também há nos autos comprovantes de transferências feitas pelo réu em favor da autora. Valores pagos pela a autora a terceiros, sem a devida comprovação da destinação, não devem ser considerados. Numa relação estável e duradoura, é comum que os companheiros façam pagamentos que, por vezes, venham a beneficiar apenas um deles, já que, segundo o disposto no art. 1566, inciso II, do Código Civil, a mútua assistência é um dos deveres do matrimônio e, consequentemente, da união estável. A questão em discussão consiste em saber se houve prática de estelionato sentimental a ensejar a restituição de valores despendidos pela autora com o réu e a compensação por danos morais. O chamado "estelionato sentimental" é fruto de construção jurisprudencial e ocorre quando a conduta do estelionato é praticada pelo companheiro/a amoroso/a, em razão do relacionamento, abusando da confiança, da lealdade e da boa-fé, possibilitando a reparação cível. A autora relata que fez diversos pagamentos ao réu eis que, durante a relação, sofreu manipulações emocionais e chantagens feitas pelo requerido, tendo chegado a ser expulsa de casa, sem a possibilidade de levar seus bens pessoais, que foram retidos e vendidos pelo requerido. Em decisão saneadora de ID 215161869, fixou-se como ponto controvertido a alegada responsabilidade civil do réu, por dano de natureza material e moral, em razão da prática de estelionato sentimental praticado em relação à autora. Em audiência de instrução, as testemunhas confirmaram de que as partes moravam juntos, pouco sabendo relatar sobre a dinâmica financeira das partes e sobre a existência de manipulações e condutas abusivas por parte do requerido. A testemunha Dja Franck Lagbre afirmou ter conhecido o casal em São Paulo em 2022. Embora tenha dito que o requerido usava o cartão da requerente para as despesas próprias, não soube esclarecer se o uso era uma liberalidade da autora ou se havia uma promessa de pagamento por parte do requerido (ID 224880331a 224880336). A testemunha Isabel pouco sabia sobre a relação do casal Disse ter acompanhado a autora num exame de ecografia quando ela estava grávida; que ela estava bem abalada na ocasião e lhe relatou que estava com dificuldades financeiras, não esclarecendo o porquê (ID 224880337 a 224882763). A testemunha Charlene disse ter conhecido o casal em 2021 e na ocasião chegou a pernoitar na casa deles. Sobre a questão controversa, disse que a autora lhe contou que faria um empréstimo para o réu ir ao Senegal, não sabendo se de fato fez. (ID 224882772 a 224882773). A testemunha Selma também nada trouxe sobre a dinâmica financeira do então casal. Afirmou que em chegou a ir à casa da autora e do réu, na Vila Planalto, por duas vez, mas que sua intenção era que saíssem para fazer um lanche e que em ambas as oportunidades o réu não deixou, oferecendo-se para preparar o lanche pra ela. De tal afirmação, contudo, não se pode concluir que o réu tinha uma postura controladora ou abusiva em relação à autora, pois o motivo das visitas da testemunha era uma questão de saúde da autora, que havia feito uma cirurgia, o que poderia justificar a preferência do requerido para que lanchassem em casa. A testemunha afirmou que levou e buscou a autora ao HRAN para fazer um aborto no ano de 2022 e que após a separação do casal, acompanhou a requerente à sua antiga residência e lá presenciou o requerido a impedindo de levar seus pertences. A questão afeta à partilha de bens, entretanto, não foi mencionada na inicial (ID 224882781 a 224882787) A testemunha Aicha disse não saber como o casal organizava as finanças. Acrescentou que o relacionamento do casal era tranquilo e que, em 2022, a autora ligou para a depoente para contar sobre o término e pediu pra ela conversar com o réu para que eles reatassem a relação (ID 224882792 a 224885947). A testemunha Margareth era cliente do requerido e pouco informação tinha sobre a relação deles, pois só encontrava a requerente em festas na Embaixada, tendo afirma que, nessas oportunidades, a requerente estava vestida com as roupas fabricadas pelo réu (ID 224885952 a 224885959). Por fim, a testemunha Vercilene trouxe informações sobre um relacionamento vivido pelo réu com uma pessoa chamada Selma, aparentemente durante o relacionamento com a autora, mas também nada acrescentou sobre a dinâmica financeira do casal ou sobre manipulações e chantagens (ID 224885963 a 224885967). Assim, da prova documental e oral colhida aos autos não houve comprovação de que houve abuso de confiança e manipulação emocional por parte do requerido em relação à requerente que a fizeram pagar despesas do réu. Note-se, inclusive, que há registro de devoluções de valores via pix feitas pelo réu em favor da autora. O contexto envolve um relacionamento afetivo duradouro, no qual deve ser observado o dever de assistência mútua, na proporção das condições financeiras de cada uma das partes, mesmo que tenha havido desequilíbrio financeiro. Num relacionamento de tal espécie, é comum que uma das partes arque com despesas do outro, tais como pagamento de contas, empréstimos, viagens ou presentes. No caso, houve comprovação de que a autora tinha um emprego fixo e estável e que o requerido, pequeno empresário, não tinha um rendimento certo, passando por dificuldades financeiras durante a pandemia, período do relacionamento que oorreu entre os anos de 2020 e 2022. Diante de tais constatações, conclui-se que a requerente não logrou comprovar que o requerido com ela manteve relacionamento com o objetivo de obter vantagem financeira, valendo-se de manipulação emocional ou mentira (fraude) para convencê-la a pagar suas despesas ou que tenha criado uma situação de dependência ou abuso psicológico. A existência dos pagamentos, por si só, não é suficiente para a caracterização do denominado “estelionato sentimental” vez que não comprovada a existência de intenção fraudulenta, mentira, engano premeditado e falta de reciprocidade para configurar o ilícito. Assim, ausente a comprovação do ilícito, os pedidos de indenização por danos materiais e morais devem ser rechaçados. Há que se afastar, contudo, o pedido de condenação da requerente na penas da litigância de má-fé, eis que ausente comprovação de seu intento de lesar o requerido. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e resolvo o mérito da demanda com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC. Condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação. A exigibilidade da verba de sucumbência, entretanto, fica suspensa em razão dos benefícios da Justiça Gratuita concedidos em sede de Agravo de Instrumento à autora. Derradeiramente, considerando o conteúdo do art. 6º do CPC, em especial o dever de cooperação que permeia o processo civil brasileiro, concito as partes para que, diante da publicação da presente sentença, zelem pelo bom desenvolvimento processual, observando, especialmente no que tange o recurso de Embargos de Declaração, o exato conteúdo do art. 1.022 do diploma processual, evitando, desse modo, a interposição de recurso incabível. Diante de tal ponderação, ficam advertidas as partes, desde já, que a oposição de Embargos de Declaração manifestamente protelatórios, em especial os que visem unicamente a reanálise de provas e/ou o rejulgamento da causa e/ou arbitramento de honorários e/ou danos morais, será alvo de sancionamento, na forma do art. 1.026, § 2º do mesmo diploma, na esteira dos precedentes do Eg. TJDFT (Acórdãos 1165374, 1164817, 1159367, entre outros). Intimem-se. Sentença datada, assinada e registrada eletronicamente. THAISSA DE MOURA GUIMARÃES Juíza de Direito
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