Banco Agibank S.A e outros x Maria Margarida Florencio e outros
Número do Processo:
0800684-40.2024.8.20.5102
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Gab. Des. Amilcar Maia na Câmara Cível
Última atualização encontrada em
23 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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29/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara da Comarca de Ceará-Mirim | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 2ª Vara da Comarca de Ceará-Mirim Avenida Luiz Lopes Varela, 551, Centro, CEARÁ-MIRIM - RN - CEP: 59570-000 Processo: 0800684-40.2024.8.20.5102 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: MARIA MARGARIDA FLORENCIO REU: BANCO AGIBANK S.A SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de Ação de Restituição de Quantia Paga c/c Indenização por Danos Morais, com Pedido de Tutela de Urgência, ajuizada por MARIA MARGARIDA FLORENCIO em face de BANCO AGIBANK S.A., alegando a autora que foi surpreendida com descontos em seu benefício previdenciário nº 141.xxx.838-6, no valor de R$ 6,50 mensais, iniciados em agosto de 2021, decorrentes de contrato de empréstimo que afirma não ter celebrado. A parte autora sustenta jamais ter contratado com a instituição financeira e que não autorizou qualquer consignação, sendo idosa e hipossuficiente. Requereu a suspensão dos descontos, a declaração de inexistência do débito, restituição em dobro dos valores pagos e indenização por danos morais. Foi indeferido o pedido liminar, mas deferido o benefício da justiça gratuita e determinada a inversão do ônus da prova. A audiência de conciliação foi infrutífera. A parte ré apresentou contestação alegando, em síntese: (i) ausência de interesse de agir por não esgotamento da via administrativa; (ii) irregularidade na documentação inicial; (iii) existência de contrato firmado com biometria facial; (iv) ausência de ilicitude ou dano moral. A autora apresentou impugnação refutando todos os pontos e reafirmando a inexistência de contratação válida. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO a) Preliminar de ausência de interesse de agir Rejeita-se a alegação. O direito de acesso ao Judiciário é amplo e independe do esgotamento da via administrativa, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Ademais, comprovado o desconto em benefício da parte autora, o interesse na sua discussão judicial está configurado. b) Preliminar de irregularidade no comprovante de residência O documento apresentado, embora de data anterior, é suficiente para demonstrar o domicílio, não havendo prejuízo à parte contrária. A jurisprudência majoritária não considera tal vício como causa de inépcia da inicial. c) Preliminar de impugnação à justiça gratuita A declaração de hipossuficiência goza de presunção de veracidade, e não foi apresentada prova inequívoca capaz de afastá-la, razão pela qual mantenho o benefício. d) Preliminar de vício de representação processual Alega a parte demandada que a subscritora da peça inicial está desprovida de representação processual, uma vez que ausente a competente procuração da parte autora por meio de instrumento público. Constata-se dos autos, no entanto, que a procuração está assinada a rogo e com duas testemunhas, sendo suficiente para a formalização do contrato de mandato do art. 595 do Código Civil: "Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas." e) Mérito Não há dúvidas de que são aplicáveis as regras insculpidas no Código de Defesa do Consumidor aos serviços prestados pelas instituições financeiras, por expressa previsão contida no parágrafo 2º do art. 3º do referido diploma legal, o qual enquadra expressamente a atividade bancária, financeira e de crédito como fornecedor. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, editou a súmula 297, in verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”, encerrando, desta forma, qualquer discussão sobre o assunto. A demanda não comporta maiores considerações para a resolução do mérito. A autora afirma que não reconhece o empréstimo realizado com a instituição financeira com a primeira parcela em agosto de 2021 e a última em fevereiro de 2025, em prestações de R$ 6,50 (seis reais e centavos), no valor total de R$ 403,00 (quatrocentos e três reais), o qual vem sendo descontado de seu benefício previdenciário Pelo extrato do INSS, tal contrato é o de número 1219654167. Por sua vez, o demandado se resume a dizer que este contrato foi celebrado de maneira regular e que não houve dano de nenhuma natureza, mas apenas apresentou suposto contrato eletrônico sem assinatura ou validação segura da vontade da autora, e referente possivelmente a outro empréstimo, haja vista que os descontos no contrato apresentado pela demandada são de R$ 39,20 mensais, e o impugnado nos autos tem parcela mensal de R$ 6,50. Ademais, além das divergências dos valores descontados e valor do empréstimo, o documento apresentado não prova de forma idônea que houve consentimento livre e informado. Não consta termo assinado, nem biometria facial válida, tampouco a autorização expressa da consignação. Por óbvio que em situações como esta, em que o negócio jurídico é negado, o ônus da prova recai sobre aquele que afirma a validade do contrato. Não teria, deveras, o suposto contratante como fazer prova de fato negativo. Ademais, tratando-se, como visto, de relação de consumo, e evidenciada a hipossuficiência técnica e econômica do consumidor, como sói acontece na espécie dos autos, é perfeitamente cabível a inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, inc. VIII, do CDC. Enfim, dessume-se que cabia ao réu provar a formalização do contrato pela parte autora, bem como a disponibilização dos recursos. Se não cumpre com seu ônus, a consequência é ter este contrato como não realizado. Colho, ainda, a seguinte jurisprudência: EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS – Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c.c. repetição de indébito e danos morais julgada improcedente, com condenação do autor por litigância de má-fé – Inconformismo do autor – Refinanciamentos de empréstimos consignados por meio de assinatura digital (biometria facial) – Falta de comprovação da existência dos contratos primitivos que deram origem aos refinanciamentos – Fotografia selfie que não é suficiente para reconhecimento da validade da assinatura digital por biometria facial, diante das circunstâncias do caso concreto – Indícios de fraude na contratação – Valores descontados do benefício previdenciário do recorrente que lhe devem ser restituídos pelo banco recorrido, na forma simples – Dano moral configurado – Descabimento da condenação por litigância de má-fé – Sentença reformada – RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - RI: 10084409620218260077 SP 1008440-96 .2021.8.26.0077, Relator.: Camila Paiva Portero, Data de Julgamento: 20/05/2022, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 20/05/2022). Em suma, o réu não produziu prova a respeito da propalada concessão do crédito e apenas informou que houve o consentimento por biometria facial sem comprovação. Além dos valores divergentes (o contrato impugnado tem parcela de R$ 6,50 e o apresentado pelo réu tem parcela mensal de R$ 39,20), o contrato apresentado pela ré sequer foi subscrito pela autora e não possui assinatura “a rogo” que possa ser aferida por este Juízo quanto à segurança, tampouco há provas de que a biometria facial foi validamente colhida em conformidade com normas do INSS, que inclusive não prevê essa possibilidade (INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 28, DE 16 DE MAIO DE 2008). Diante da conclusão firmada acima, reconhecendo-se a abusividade da contratação, não há dúvida de que a requerente faz jus à restituição dos valores pagos indevidamente. Nesse particular, o E. Superior Tribunal de Justiça afetou o tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (tema 929), mas determinou a suspensão dos processos apenas em fase de recurso especial, portanto, não é caso de suspensão neste estágio. Enquanto não fixada a tese vinculante pela Corte Superior, filio-me ao entendimento que vem sendo majoritariamente adotado até então, no sentido de que a dobra é cabível em casos de cobranças perpetradas com dolo, má-fé ou culpa grave. No caso presente, reconheço ao menos a culpa grave da requerida, por absoluta falta de comprovação da origem e evolução do débito, ônus do qual não se desincumbiu. Em relação ao pedido de danos morais, requer a autora a procedência do pedido de indenização por danos morais, afirmando estarem presentes os pressupostos jurídicos para tanto. Consiste o dano moral na violação de direitos da personalidade, tais como ofensa à honra (ou reputação), à imagem, à privacidade, à identidade pessoal, à integridade físico-psíquica, ao bom nome etc. (CF, art. 5, X; CC, arts. 12 a 21, e 186; CDC, art. 6º, VI e VII). De acordo com os autos, não se identifica qualquer violação a direitos da personalidade em relação à autora. Primeiro, por conta das condições do contrato, ela não teve seu nome inscrito em cadastros de restrição ao crédito, não viu sua reputação ser colocada em xeque, não suportou situações vexatórias e/ou humilhantes. A rigor, e segundo os autos, o episódio sequer ganhou publicidade, tampouco gerou impactos de natureza emocional a comprometer sua integridade psíquica. Em casos similares: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL NÃO CONSIGNADO – PESSOA FÍSICA – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DETERMINANDO A LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO, RECONHECENDO A NULIDADE DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO E DETERMINANDO A REPETIÇÃO DO INDÉBITO – (...) – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - MERO DISSABOR – (...) – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS. (TJPR - 14ª C.Cível - 0012731-52.2020.8.16.0019 – Ponta Grossa – Rel.: Juiz Antônio Domingos Ramina Júnior – J. 16.03.2021). Nesse diapasão, a situação vivenciada pelo autor ficou nas cercanias no mero dissabor, intrínsecas ao ordinário das relações contratuais. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para: a) Declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes referente ao contrato impugnado (Contrato 1219654167); b) Reconhecer a ilegalidade dos descontos no benefício previdenciário da autora; c) Condenar a parte ré à restituição em dobro do valor de R$ 201,50 (duzentos e um reais e cinquenta centavos), totalizando R$ 403,00 (quatrocentos e três reais), além das parcelas pagas após o ajuizamento da demanda, com correção monetária desde cada desconto e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, por ser o proveito econômico irrisório, conforme art. 85, §8º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. CEARÁ-MIRIM /RN, data do sistema. CLEUDSON DE ARAUJO VALE Juiz(a) de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)