Francisco Das Chagas De Brito Magalhaes e outros x Equatorial Piaui Distribuidora De Energia S.A
Número do Processo:
0800710-36.2022.8.18.0164
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPI
Classe:
RECURSO INOMINADO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª Turma Recursal
Última atualização encontrada em
04 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
04/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Turma Recursal | Classe: RECURSO INOMINADO CíVELTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Turma Recursal RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) No 0800710-36.2022.8.18.0164 RECORRENTE: COMERCIAL BEBIFESTAS LTDA - ME, FRANCISCO DAS CHAGAS DE BRITO MAGALHAES Advogado(s) do reclamante: MATEUS GONCALVES DA ROCHA LIMA, LUCAS DOUGLAS VERAS BATISTA RECORRIDO: EQUATORIAL PIAUI DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A Advogado(s) do reclamado: MARCOS ANTONIO CARDOSO DE SOUZA RELATOR(A): 3ª Cadeira da 1ª Turma Recursal EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. COBRANÇA POR MÉDIA DE CONSUMO DURANTE A PANDEMIA. LEGALIDADE DA COBRANÇA. DANO MATERIAL. DANO MORAL. LUCROS CESSANTES. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Ação de indenização por danos materiais e morais proposta por Comercial Bebifestas LTDA - ME em face de concessionária de energia elétrica, na qual se discute a legalidade da cobrança de faturas pelo critério de média de consumo nos meses de março a agosto de 2020, período em que o estabelecimento esteve fechado em razão da pandemia. A parte autora alega que, apesar das contestações administrativas, a ré manteve a cobrança indevida e efetuou o corte no fornecimento de energia, o que a obrigou a efetuar pagamento e parcelamento dos valores para restabelecimento do serviço. Requer o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, indenização por danos materiais (perda de alimentos), lucros cessantes e danos morais. Há quatro questões em discussão: (i) definir se há necessidade de realização de perícia técnica para o julgamento da lide, com reflexo na competência do Juizado Especial; (ii) verificar a legalidade da cobrança por média de consumo durante o período de fechamento da empresa; (iii) apurar a existência de danos materiais e morais em razão da conduta da concessionária; e (iv) analisar o cabimento de indenização por lucros cessantes. A necessidade de perícia técnica não se configura, uma vez que a controvérsia se restringe à legalidade da cobrança pela média de consumo, prática admitida pela própria concessionária, sem discussão sobre eventual defeito no medidor ou fraude, estando o conjunto probatório documental apto a permitir o julgamento pelo Juizado Especial Cível, conforme art. 3º da Lei 9.099/95. A cobrança por média de consumo no período de abril a agosto de 2020 revela-se indevida, pois desconsiderou a efetiva paralisação das atividades da empresa em virtude da pandemia, afrontando os princípios da boa-fé e equilíbrio contratual previstos no Código de Defesa do Consumidor. A concessionária não observou o dever de realizar o ajuste do faturamento no ciclo subsequente, conforme disposto no art. 321, III, c/c art. 323, II, da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, persistindo na cobrança de valores manifestamente incompatíveis com o consumo real do período. Configuram-se danos materiais, diante da comprovação de perda de produtos alimentícios em virtude do corte indevido de energia, fato devidamente documentado nos autos. Restam configurados também os danos morais, em razão do corte de energia durante três dias, mesmo diante de cobranças abusivas e devidamente impugnadas administrativamente, conduta que viola os princípios da boa-fé, transparência e dignidade do consumidor. Por outro lado, a indenização por lucros cessantes não é cabível, haja vista a ausência de provas robustas que demonstrem, com precisão, a efetiva perda de faturamento decorrente do corte no fornecimento de energia. Recurso provido em parte. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, ajuizada pela parte autora, ora recorrente, alegando que é microempresa do ramo de comércio varejista de bebidas e depende essencialmente do fornecimento de energia elétrica para a conservação de seus produtos. Durante a pandemia do COVID-19, a empresa permaneceu fechada de março a agosto de 2020, desligando a maioria de seus refrigeradores. No entanto, a concessionária de energia elétrica passou a faturar o consumo com base na média dos 12 meses anteriores, desconsiderando a drástica redução do consumo real. A requerente contestou administrativamente as cobranças, mas não obteve resposta adequada e, diante da falta de faturamento, deixou de pagar as contas indevidas. Apesar dos diversos protocolos abertos, a Equatorial efetuou o corte de energia em setembro de 2020, mesmo com uma contestação ainda em análise. Para restabelecer o fornecimento, a requerente foi obrigada a pagar uma parcela inicial de R$ 5.533,71 e parcelar o restante da dívida, sendo coagida ao pagamento. Diante disso requer, a condenação da concessionária de energia a pagamento do valor de R$ 30.668,88 (trinta mil seiscentos e sessenta e oito reais e oitenta e oito centavos), a serem ressarcidos a título de danos materiais e danos morais no montante de R$ 13.000,00 (treze mil reais). Após instrução processual, sobreveio sentença que julgou extinto o processo sem resolução de mérito, in verbis: “Compulsando os autos, vislumbro a incompetência deste juízo para o julgamento da presente lide, visto que há complexidade da matéria, em razão da necessidade de realização de perícia para dirimir o litígio. Ou seja, para verificar se as leituras realizadas no medidor da unidade consumidora da parte Requerente estão corretas ou não, de modo que, pelo que consta dos autos, não se tem como afirmar, com a certeza que o Juízo deve ter, se os valores que estão sendo exigidos da Requerente referentes ao mês de março a agosto de 2020 são correspondentes à realidade ou não. É indubitável, destarte, que o presente feito exige que o Juiz se cerque de corpo técnico especializado para dirimir indicados aspectos apresentados na inicial, notadamente perícia por profissional de sua confiança e sob o crivo do contraditório, podendo, assim, firmar seu livre convencimento. No entanto, frise-se, na dinâmica dos Juizados Especiais Cíveis, este juiz não dispõe disto e nem pode se utilizar da dilação probatória. Trata-se de matéria complexa e esta complexidade está jungida à forma procedimental. Diante deste fato, tenho por forçoso, com base no art. 3.º, da Lei n.º 9.099/95, reconhecer que a presente causa foge dos critérios da simplicidade e da informalidade para ser apreciada por este Juizado, pois que, como já disse, carece de apuração técnica pericial especializada. Portanto, forte nas razões acima expostas, reconheço a incompetência do presente juízo para conhecimento da demanda em razão da sua complexidade. Ante ao exposto e pelas razões fáticas e jurídicas expendidas, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, com âncora nos artigos 3º, caput, 51, II, da Lei 9.099/95, c/c art. 487, IV, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do que dispõe os arts. 54 e 55 da Lei nº. 9.099/95.” Razões do recorrente, aduzindo, em síntese; absoluta desnecessidade de perícia para a resolução da lide, pois, as provas documentais acostadas nos autos são suficientes, que o fornecimento de energia foi interrompido mesmo com contestações administrativas em andamento, que a Equatorial Piauí cobrou valores calculados por média durante a pandemia, ignorando que a empresa estava fechada e com consumo reduzido, que a concessionária não apresentou nenhuma prova não cumprindo assim com seu ônus probatório, e por fim, requerendo o conhecimento e provimento do recurso a fim de reformar a sentença. Contrarrazões da parte recorrida pugnando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Nada obstante, o entendimento manifestado pelo Juízo a quo merece reforma. Na presente demanda se discute a legalidade da cobrança baseada na média de consumo dos meses anteriores, em detrimento do consumo efetivamente registrado. Entendo que a matéria não apresenta complexidade jurídica ou técnica, tratando-se de relação de consumo na qual a análise se limita à legalidade da cobrança baseada em média, sem leitura real do medidor, fato este admitido expressamente pela própria concessionária. Não há nos autos qualquer alegação de fraude ou defeito no medidor, tampouco pedido de verificação técnica de seu funcionamento, de modo que eventual perícia seria inócua ao deslinde da controvérsia. O conjunto probatório, composto por faturas, comunicações e registros administrativos, é suficiente para permitir o julgamento do mérito. Assim, a matéria se insere no âmbito de competência do Juizado Especial Cível, conforme previsão do art. 3º da Lei 9.099/95. Passando ao mérito, a controvérsia cinge-se à legalidade das cobranças efetuadas pela média de consumo nos meses de março/2020 a agosto/2020. Primeiramente, faz-se necessário consignar que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é de consumo, de modo que se aplicam ao caso todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que se refere à responsabilidade objetiva do prestador de serviço e à inversão do ônus da prova. Ainda que a Resolução nº 414/2010, e posteriormente Resolução nº 1.000/2021 da ANEEL, permita, em caráter excepcional, a cobrança com base na média de consumo, tal prática não pode resultar em prejuízo indevido ao consumidor. No caso em exame, incontroverso que o faturamento de março a agosto de 2020 foi realizado por média e que a empresa autora esteve com suas atividades paralisadas nesse período, devido às medidas de enfrentamento à pandemia, o que gerou, por óbvio, uma expressiva redução em seu consumo real de energia elétrica. Tal situação é evidenciada pelos documentos acostados aos autos, como as faturas de energia arbitradas por média (ID 22918755). E mesmo diante de diversos protocolos administrativos apresentados pela parte autora contestando os valores cobrados (IDs 22918756 e 22918763), a concessionária manteve a cobrança pela média, desconsiderando completamente a realidade fática da unidade consumidora. Além disso, não demonstrou ter cumprido a obrigação prevista no art. 321, III c/c art. 323, II da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, que determina o acerto da leitura e do faturamento no ciclo de faturamento subsequente ao fim da situação excepcional — no caso, o impedimento de leitura durante a pandemia, com a devolução dos valores cobrados a maior. Portanto, indevidos os valores cobrados nas faturas de 04/2020 a 08/2020, devendo ser realizado o refaturamento utilizando como parâmetro a fatura de setembro de 2020, pois reflete o padrão real de consumo da unidade em operação regular, com parte dos seus equipamentos em funcionamento. Devida também a devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. O corte de energia, que incidiu sobre faturas contestadas e perdurou por três dias, agrava a conduta da concessionária, evidenciando violação aos princípios da boa-fé, transparência e razoabilidade. Trata-se de prática abusiva, vedada pelo art. 39, V e X, do Código de Defesa do Consumidor, pois impôs ao consumidor o pagamento de valores superiores ao efetivamente consumido, mesmo diante de elementos concretos que indicavam a incompatibilidade do consumo faturado com a realidade da empresa naquele período. A situação excede os limites do tolerável, caracterizando evidente afronta à dignidade do consumidor e ao equilíbrio contratual. Diante desse cenário, considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, as peculiaridades do caso concreto, bem como o caráter pedagógico e compensatório da indenização, fixo os danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia que se revela adequada e suficiente para reparar o abalo experimentado, sem importar em enriquecimento sem causa da parte autora. Quanto aos danos materiais pela perda alimentícia, diante da falha na prestação do serviço pela concessionária, devidamente evidenciada, e da existência de nexo causal entre a interrupção do serviço e a deterioração dos produtos, impõe-se o dever de indenizar pelos prejuízos materiais efetivamente sofridos nesse aspecto, conforme ID 22918761. No entanto, quanto ao pedido de indenização por lucros cessantes, no valor de R$ 8.850,78, entendo que este não merece acolhimento, por ausência de provas concretas quanto ao valor da efetiva perda de faturamento no período de interrupção do fornecimento de energia elétrica. O documento apresentado pela parte autora (ID 22918865) não detalha o período exato ou as vendas por dia, não se podendo estabelecer uma média diária de faturamento, o que impede a aferição do alegado prejuízo. Ressalte-se que, conforme entendimento pacífico, o dano material sob a forma de lucros cessantes não se presume, devendo ser cabalmente demonstrado nos autos, o que não ocorreu no presente caso. Diante do exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a sentença, reconhecendo a competência do Juizado Especial e julgando procedente em parte os pedidos, para: a) Declarar a cobrança realizada pela média de consumo nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2020 como indevida, devendo ser realizado o refaturamento desses meses, tomando como parâmetro o consumo registrado na fatura de setembro de 2020, com os devidos ajustes; b) Condenar a parte ré à restituição, em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, dos valores pagos a maior nas faturas dos meses de 04/2020 a 08/2020, devidamente corrigidos monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; c) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor comprovado no documento de ID 22918761, referente à perda de produtos alimentícios em decorrência da interrupção no fornecimento de energia elétrica, valor que deverá ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; d) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que entendo adequado e suficiente, devendo ser atualizado monetariamente desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ); e) Julgar improcedente o pedido de indenização por lucros cessantes, por ausência de provas suficientes. Sem ônus de sucumbência, nos termos dos arts. 54 e 55 da Lei 9.099/95. É o voto. Teresina, 01/07/2025
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04/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Turma Recursal | Classe: RECURSO INOMINADO CíVELTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Turma Recursal RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) No 0800710-36.2022.8.18.0164 RECORRENTE: COMERCIAL BEBIFESTAS LTDA - ME, FRANCISCO DAS CHAGAS DE BRITO MAGALHAES Advogado(s) do reclamante: MATEUS GONCALVES DA ROCHA LIMA, LUCAS DOUGLAS VERAS BATISTA RECORRIDO: EQUATORIAL PIAUI DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A Advogado(s) do reclamado: MARCOS ANTONIO CARDOSO DE SOUZA RELATOR(A): 3ª Cadeira da 1ª Turma Recursal EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. COBRANÇA POR MÉDIA DE CONSUMO DURANTE A PANDEMIA. LEGALIDADE DA COBRANÇA. DANO MATERIAL. DANO MORAL. LUCROS CESSANTES. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Ação de indenização por danos materiais e morais proposta por Comercial Bebifestas LTDA - ME em face de concessionária de energia elétrica, na qual se discute a legalidade da cobrança de faturas pelo critério de média de consumo nos meses de março a agosto de 2020, período em que o estabelecimento esteve fechado em razão da pandemia. A parte autora alega que, apesar das contestações administrativas, a ré manteve a cobrança indevida e efetuou o corte no fornecimento de energia, o que a obrigou a efetuar pagamento e parcelamento dos valores para restabelecimento do serviço. Requer o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, indenização por danos materiais (perda de alimentos), lucros cessantes e danos morais. Há quatro questões em discussão: (i) definir se há necessidade de realização de perícia técnica para o julgamento da lide, com reflexo na competência do Juizado Especial; (ii) verificar a legalidade da cobrança por média de consumo durante o período de fechamento da empresa; (iii) apurar a existência de danos materiais e morais em razão da conduta da concessionária; e (iv) analisar o cabimento de indenização por lucros cessantes. A necessidade de perícia técnica não se configura, uma vez que a controvérsia se restringe à legalidade da cobrança pela média de consumo, prática admitida pela própria concessionária, sem discussão sobre eventual defeito no medidor ou fraude, estando o conjunto probatório documental apto a permitir o julgamento pelo Juizado Especial Cível, conforme art. 3º da Lei 9.099/95. A cobrança por média de consumo no período de abril a agosto de 2020 revela-se indevida, pois desconsiderou a efetiva paralisação das atividades da empresa em virtude da pandemia, afrontando os princípios da boa-fé e equilíbrio contratual previstos no Código de Defesa do Consumidor. A concessionária não observou o dever de realizar o ajuste do faturamento no ciclo subsequente, conforme disposto no art. 321, III, c/c art. 323, II, da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, persistindo na cobrança de valores manifestamente incompatíveis com o consumo real do período. Configuram-se danos materiais, diante da comprovação de perda de produtos alimentícios em virtude do corte indevido de energia, fato devidamente documentado nos autos. Restam configurados também os danos morais, em razão do corte de energia durante três dias, mesmo diante de cobranças abusivas e devidamente impugnadas administrativamente, conduta que viola os princípios da boa-fé, transparência e dignidade do consumidor. Por outro lado, a indenização por lucros cessantes não é cabível, haja vista a ausência de provas robustas que demonstrem, com precisão, a efetiva perda de faturamento decorrente do corte no fornecimento de energia. Recurso provido em parte. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, ajuizada pela parte autora, ora recorrente, alegando que é microempresa do ramo de comércio varejista de bebidas e depende essencialmente do fornecimento de energia elétrica para a conservação de seus produtos. Durante a pandemia do COVID-19, a empresa permaneceu fechada de março a agosto de 2020, desligando a maioria de seus refrigeradores. No entanto, a concessionária de energia elétrica passou a faturar o consumo com base na média dos 12 meses anteriores, desconsiderando a drástica redução do consumo real. A requerente contestou administrativamente as cobranças, mas não obteve resposta adequada e, diante da falta de faturamento, deixou de pagar as contas indevidas. Apesar dos diversos protocolos abertos, a Equatorial efetuou o corte de energia em setembro de 2020, mesmo com uma contestação ainda em análise. Para restabelecer o fornecimento, a requerente foi obrigada a pagar uma parcela inicial de R$ 5.533,71 e parcelar o restante da dívida, sendo coagida ao pagamento. Diante disso requer, a condenação da concessionária de energia a pagamento do valor de R$ 30.668,88 (trinta mil seiscentos e sessenta e oito reais e oitenta e oito centavos), a serem ressarcidos a título de danos materiais e danos morais no montante de R$ 13.000,00 (treze mil reais). Após instrução processual, sobreveio sentença que julgou extinto o processo sem resolução de mérito, in verbis: “Compulsando os autos, vislumbro a incompetência deste juízo para o julgamento da presente lide, visto que há complexidade da matéria, em razão da necessidade de realização de perícia para dirimir o litígio. Ou seja, para verificar se as leituras realizadas no medidor da unidade consumidora da parte Requerente estão corretas ou não, de modo que, pelo que consta dos autos, não se tem como afirmar, com a certeza que o Juízo deve ter, se os valores que estão sendo exigidos da Requerente referentes ao mês de março a agosto de 2020 são correspondentes à realidade ou não. É indubitável, destarte, que o presente feito exige que o Juiz se cerque de corpo técnico especializado para dirimir indicados aspectos apresentados na inicial, notadamente perícia por profissional de sua confiança e sob o crivo do contraditório, podendo, assim, firmar seu livre convencimento. No entanto, frise-se, na dinâmica dos Juizados Especiais Cíveis, este juiz não dispõe disto e nem pode se utilizar da dilação probatória. Trata-se de matéria complexa e esta complexidade está jungida à forma procedimental. Diante deste fato, tenho por forçoso, com base no art. 3.º, da Lei n.º 9.099/95, reconhecer que a presente causa foge dos critérios da simplicidade e da informalidade para ser apreciada por este Juizado, pois que, como já disse, carece de apuração técnica pericial especializada. Portanto, forte nas razões acima expostas, reconheço a incompetência do presente juízo para conhecimento da demanda em razão da sua complexidade. Ante ao exposto e pelas razões fáticas e jurídicas expendidas, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, com âncora nos artigos 3º, caput, 51, II, da Lei 9.099/95, c/c art. 487, IV, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do que dispõe os arts. 54 e 55 da Lei nº. 9.099/95.” Razões do recorrente, aduzindo, em síntese; absoluta desnecessidade de perícia para a resolução da lide, pois, as provas documentais acostadas nos autos são suficientes, que o fornecimento de energia foi interrompido mesmo com contestações administrativas em andamento, que a Equatorial Piauí cobrou valores calculados por média durante a pandemia, ignorando que a empresa estava fechada e com consumo reduzido, que a concessionária não apresentou nenhuma prova não cumprindo assim com seu ônus probatório, e por fim, requerendo o conhecimento e provimento do recurso a fim de reformar a sentença. Contrarrazões da parte recorrida pugnando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Nada obstante, o entendimento manifestado pelo Juízo a quo merece reforma. Na presente demanda se discute a legalidade da cobrança baseada na média de consumo dos meses anteriores, em detrimento do consumo efetivamente registrado. Entendo que a matéria não apresenta complexidade jurídica ou técnica, tratando-se de relação de consumo na qual a análise se limita à legalidade da cobrança baseada em média, sem leitura real do medidor, fato este admitido expressamente pela própria concessionária. Não há nos autos qualquer alegação de fraude ou defeito no medidor, tampouco pedido de verificação técnica de seu funcionamento, de modo que eventual perícia seria inócua ao deslinde da controvérsia. O conjunto probatório, composto por faturas, comunicações e registros administrativos, é suficiente para permitir o julgamento do mérito. Assim, a matéria se insere no âmbito de competência do Juizado Especial Cível, conforme previsão do art. 3º da Lei 9.099/95. Passando ao mérito, a controvérsia cinge-se à legalidade das cobranças efetuadas pela média de consumo nos meses de março/2020 a agosto/2020. Primeiramente, faz-se necessário consignar que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é de consumo, de modo que se aplicam ao caso todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que se refere à responsabilidade objetiva do prestador de serviço e à inversão do ônus da prova. Ainda que a Resolução nº 414/2010, e posteriormente Resolução nº 1.000/2021 da ANEEL, permita, em caráter excepcional, a cobrança com base na média de consumo, tal prática não pode resultar em prejuízo indevido ao consumidor. No caso em exame, incontroverso que o faturamento de março a agosto de 2020 foi realizado por média e que a empresa autora esteve com suas atividades paralisadas nesse período, devido às medidas de enfrentamento à pandemia, o que gerou, por óbvio, uma expressiva redução em seu consumo real de energia elétrica. Tal situação é evidenciada pelos documentos acostados aos autos, como as faturas de energia arbitradas por média (ID 22918755). E mesmo diante de diversos protocolos administrativos apresentados pela parte autora contestando os valores cobrados (IDs 22918756 e 22918763), a concessionária manteve a cobrança pela média, desconsiderando completamente a realidade fática da unidade consumidora. Além disso, não demonstrou ter cumprido a obrigação prevista no art. 321, III c/c art. 323, II da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, que determina o acerto da leitura e do faturamento no ciclo de faturamento subsequente ao fim da situação excepcional — no caso, o impedimento de leitura durante a pandemia, com a devolução dos valores cobrados a maior. Portanto, indevidos os valores cobrados nas faturas de 04/2020 a 08/2020, devendo ser realizado o refaturamento utilizando como parâmetro a fatura de setembro de 2020, pois reflete o padrão real de consumo da unidade em operação regular, com parte dos seus equipamentos em funcionamento. Devida também a devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. O corte de energia, que incidiu sobre faturas contestadas e perdurou por três dias, agrava a conduta da concessionária, evidenciando violação aos princípios da boa-fé, transparência e razoabilidade. Trata-se de prática abusiva, vedada pelo art. 39, V e X, do Código de Defesa do Consumidor, pois impôs ao consumidor o pagamento de valores superiores ao efetivamente consumido, mesmo diante de elementos concretos que indicavam a incompatibilidade do consumo faturado com a realidade da empresa naquele período. A situação excede os limites do tolerável, caracterizando evidente afronta à dignidade do consumidor e ao equilíbrio contratual. Diante desse cenário, considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, as peculiaridades do caso concreto, bem como o caráter pedagógico e compensatório da indenização, fixo os danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia que se revela adequada e suficiente para reparar o abalo experimentado, sem importar em enriquecimento sem causa da parte autora. Quanto aos danos materiais pela perda alimentícia, diante da falha na prestação do serviço pela concessionária, devidamente evidenciada, e da existência de nexo causal entre a interrupção do serviço e a deterioração dos produtos, impõe-se o dever de indenizar pelos prejuízos materiais efetivamente sofridos nesse aspecto, conforme ID 22918761. No entanto, quanto ao pedido de indenização por lucros cessantes, no valor de R$ 8.850,78, entendo que este não merece acolhimento, por ausência de provas concretas quanto ao valor da efetiva perda de faturamento no período de interrupção do fornecimento de energia elétrica. O documento apresentado pela parte autora (ID 22918865) não detalha o período exato ou as vendas por dia, não se podendo estabelecer uma média diária de faturamento, o que impede a aferição do alegado prejuízo. Ressalte-se que, conforme entendimento pacífico, o dano material sob a forma de lucros cessantes não se presume, devendo ser cabalmente demonstrado nos autos, o que não ocorreu no presente caso. Diante do exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a sentença, reconhecendo a competência do Juizado Especial e julgando procedente em parte os pedidos, para: a) Declarar a cobrança realizada pela média de consumo nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2020 como indevida, devendo ser realizado o refaturamento desses meses, tomando como parâmetro o consumo registrado na fatura de setembro de 2020, com os devidos ajustes; b) Condenar a parte ré à restituição, em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, dos valores pagos a maior nas faturas dos meses de 04/2020 a 08/2020, devidamente corrigidos monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; c) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor comprovado no documento de ID 22918761, referente à perda de produtos alimentícios em decorrência da interrupção no fornecimento de energia elétrica, valor que deverá ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; d) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que entendo adequado e suficiente, devendo ser atualizado monetariamente desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ); e) Julgar improcedente o pedido de indenização por lucros cessantes, por ausência de provas suficientes. Sem ônus de sucumbência, nos termos dos arts. 54 e 55 da Lei 9.099/95. É o voto. Teresina, 01/07/2025
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04/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Turma Recursal | Classe: RECURSO INOMINADO CíVELTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Turma Recursal RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) No 0800710-36.2022.8.18.0164 RECORRENTE: COMERCIAL BEBIFESTAS LTDA - ME, FRANCISCO DAS CHAGAS DE BRITO MAGALHAES Advogado(s) do reclamante: MATEUS GONCALVES DA ROCHA LIMA, LUCAS DOUGLAS VERAS BATISTA RECORRIDO: EQUATORIAL PIAUI DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A Advogado(s) do reclamado: MARCOS ANTONIO CARDOSO DE SOUZA RELATOR(A): 3ª Cadeira da 1ª Turma Recursal EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ENERGIA ELÉTRICA. COBRANÇA POR MÉDIA DE CONSUMO DURANTE A PANDEMIA. LEGALIDADE DA COBRANÇA. DANO MATERIAL. DANO MORAL. LUCROS CESSANTES. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. Ação de indenização por danos materiais e morais proposta por Comercial Bebifestas LTDA - ME em face de concessionária de energia elétrica, na qual se discute a legalidade da cobrança de faturas pelo critério de média de consumo nos meses de março a agosto de 2020, período em que o estabelecimento esteve fechado em razão da pandemia. A parte autora alega que, apesar das contestações administrativas, a ré manteve a cobrança indevida e efetuou o corte no fornecimento de energia, o que a obrigou a efetuar pagamento e parcelamento dos valores para restabelecimento do serviço. Requer o ressarcimento dos valores pagos indevidamente, indenização por danos materiais (perda de alimentos), lucros cessantes e danos morais. Há quatro questões em discussão: (i) definir se há necessidade de realização de perícia técnica para o julgamento da lide, com reflexo na competência do Juizado Especial; (ii) verificar a legalidade da cobrança por média de consumo durante o período de fechamento da empresa; (iii) apurar a existência de danos materiais e morais em razão da conduta da concessionária; e (iv) analisar o cabimento de indenização por lucros cessantes. A necessidade de perícia técnica não se configura, uma vez que a controvérsia se restringe à legalidade da cobrança pela média de consumo, prática admitida pela própria concessionária, sem discussão sobre eventual defeito no medidor ou fraude, estando o conjunto probatório documental apto a permitir o julgamento pelo Juizado Especial Cível, conforme art. 3º da Lei 9.099/95. A cobrança por média de consumo no período de abril a agosto de 2020 revela-se indevida, pois desconsiderou a efetiva paralisação das atividades da empresa em virtude da pandemia, afrontando os princípios da boa-fé e equilíbrio contratual previstos no Código de Defesa do Consumidor. A concessionária não observou o dever de realizar o ajuste do faturamento no ciclo subsequente, conforme disposto no art. 321, III, c/c art. 323, II, da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, persistindo na cobrança de valores manifestamente incompatíveis com o consumo real do período. Configuram-se danos materiais, diante da comprovação de perda de produtos alimentícios em virtude do corte indevido de energia, fato devidamente documentado nos autos. Restam configurados também os danos morais, em razão do corte de energia durante três dias, mesmo diante de cobranças abusivas e devidamente impugnadas administrativamente, conduta que viola os princípios da boa-fé, transparência e dignidade do consumidor. Por outro lado, a indenização por lucros cessantes não é cabível, haja vista a ausência de provas robustas que demonstrem, com precisão, a efetiva perda de faturamento decorrente do corte no fornecimento de energia. Recurso provido em parte. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, ajuizada pela parte autora, ora recorrente, alegando que é microempresa do ramo de comércio varejista de bebidas e depende essencialmente do fornecimento de energia elétrica para a conservação de seus produtos. Durante a pandemia do COVID-19, a empresa permaneceu fechada de março a agosto de 2020, desligando a maioria de seus refrigeradores. No entanto, a concessionária de energia elétrica passou a faturar o consumo com base na média dos 12 meses anteriores, desconsiderando a drástica redução do consumo real. A requerente contestou administrativamente as cobranças, mas não obteve resposta adequada e, diante da falta de faturamento, deixou de pagar as contas indevidas. Apesar dos diversos protocolos abertos, a Equatorial efetuou o corte de energia em setembro de 2020, mesmo com uma contestação ainda em análise. Para restabelecer o fornecimento, a requerente foi obrigada a pagar uma parcela inicial de R$ 5.533,71 e parcelar o restante da dívida, sendo coagida ao pagamento. Diante disso requer, a condenação da concessionária de energia a pagamento do valor de R$ 30.668,88 (trinta mil seiscentos e sessenta e oito reais e oitenta e oito centavos), a serem ressarcidos a título de danos materiais e danos morais no montante de R$ 13.000,00 (treze mil reais). Após instrução processual, sobreveio sentença que julgou extinto o processo sem resolução de mérito, in verbis: “Compulsando os autos, vislumbro a incompetência deste juízo para o julgamento da presente lide, visto que há complexidade da matéria, em razão da necessidade de realização de perícia para dirimir o litígio. Ou seja, para verificar se as leituras realizadas no medidor da unidade consumidora da parte Requerente estão corretas ou não, de modo que, pelo que consta dos autos, não se tem como afirmar, com a certeza que o Juízo deve ter, se os valores que estão sendo exigidos da Requerente referentes ao mês de março a agosto de 2020 são correspondentes à realidade ou não. É indubitável, destarte, que o presente feito exige que o Juiz se cerque de corpo técnico especializado para dirimir indicados aspectos apresentados na inicial, notadamente perícia por profissional de sua confiança e sob o crivo do contraditório, podendo, assim, firmar seu livre convencimento. No entanto, frise-se, na dinâmica dos Juizados Especiais Cíveis, este juiz não dispõe disto e nem pode se utilizar da dilação probatória. Trata-se de matéria complexa e esta complexidade está jungida à forma procedimental. Diante deste fato, tenho por forçoso, com base no art. 3.º, da Lei n.º 9.099/95, reconhecer que a presente causa foge dos critérios da simplicidade e da informalidade para ser apreciada por este Juizado, pois que, como já disse, carece de apuração técnica pericial especializada. Portanto, forte nas razões acima expostas, reconheço a incompetência do presente juízo para conhecimento da demanda em razão da sua complexidade. Ante ao exposto e pelas razões fáticas e jurídicas expendidas, julgo extinto o processo, sem resolução de mérito, com âncora nos artigos 3º, caput, 51, II, da Lei 9.099/95, c/c art. 487, IV, do CPC. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do que dispõe os arts. 54 e 55 da Lei nº. 9.099/95.” Razões do recorrente, aduzindo, em síntese; absoluta desnecessidade de perícia para a resolução da lide, pois, as provas documentais acostadas nos autos são suficientes, que o fornecimento de energia foi interrompido mesmo com contestações administrativas em andamento, que a Equatorial Piauí cobrou valores calculados por média durante a pandemia, ignorando que a empresa estava fechada e com consumo reduzido, que a concessionária não apresentou nenhuma prova não cumprindo assim com seu ônus probatório, e por fim, requerendo o conhecimento e provimento do recurso a fim de reformar a sentença. Contrarrazões da parte recorrida pugnando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO Presente os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Nada obstante, o entendimento manifestado pelo Juízo a quo merece reforma. Na presente demanda se discute a legalidade da cobrança baseada na média de consumo dos meses anteriores, em detrimento do consumo efetivamente registrado. Entendo que a matéria não apresenta complexidade jurídica ou técnica, tratando-se de relação de consumo na qual a análise se limita à legalidade da cobrança baseada em média, sem leitura real do medidor, fato este admitido expressamente pela própria concessionária. Não há nos autos qualquer alegação de fraude ou defeito no medidor, tampouco pedido de verificação técnica de seu funcionamento, de modo que eventual perícia seria inócua ao deslinde da controvérsia. O conjunto probatório, composto por faturas, comunicações e registros administrativos, é suficiente para permitir o julgamento do mérito. Assim, a matéria se insere no âmbito de competência do Juizado Especial Cível, conforme previsão do art. 3º da Lei 9.099/95. Passando ao mérito, a controvérsia cinge-se à legalidade das cobranças efetuadas pela média de consumo nos meses de março/2020 a agosto/2020. Primeiramente, faz-se necessário consignar que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é de consumo, de modo que se aplicam ao caso todas as disposições do Código de Defesa do Consumidor, inclusive no que se refere à responsabilidade objetiva do prestador de serviço e à inversão do ônus da prova. Ainda que a Resolução nº 414/2010, e posteriormente Resolução nº 1.000/2021 da ANEEL, permita, em caráter excepcional, a cobrança com base na média de consumo, tal prática não pode resultar em prejuízo indevido ao consumidor. No caso em exame, incontroverso que o faturamento de março a agosto de 2020 foi realizado por média e que a empresa autora esteve com suas atividades paralisadas nesse período, devido às medidas de enfrentamento à pandemia, o que gerou, por óbvio, uma expressiva redução em seu consumo real de energia elétrica. Tal situação é evidenciada pelos documentos acostados aos autos, como as faturas de energia arbitradas por média (ID 22918755). E mesmo diante de diversos protocolos administrativos apresentados pela parte autora contestando os valores cobrados (IDs 22918756 e 22918763), a concessionária manteve a cobrança pela média, desconsiderando completamente a realidade fática da unidade consumidora. Além disso, não demonstrou ter cumprido a obrigação prevista no art. 321, III c/c art. 323, II da Resolução ANEEL nº 1.000/2021, que determina o acerto da leitura e do faturamento no ciclo de faturamento subsequente ao fim da situação excepcional — no caso, o impedimento de leitura durante a pandemia, com a devolução dos valores cobrados a maior. Portanto, indevidos os valores cobrados nas faturas de 04/2020 a 08/2020, devendo ser realizado o refaturamento utilizando como parâmetro a fatura de setembro de 2020, pois reflete o padrão real de consumo da unidade em operação regular, com parte dos seus equipamentos em funcionamento. Devida também a devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente, nos termos do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. O corte de energia, que incidiu sobre faturas contestadas e perdurou por três dias, agrava a conduta da concessionária, evidenciando violação aos princípios da boa-fé, transparência e razoabilidade. Trata-se de prática abusiva, vedada pelo art. 39, V e X, do Código de Defesa do Consumidor, pois impôs ao consumidor o pagamento de valores superiores ao efetivamente consumido, mesmo diante de elementos concretos que indicavam a incompatibilidade do consumo faturado com a realidade da empresa naquele período. A situação excede os limites do tolerável, caracterizando evidente afronta à dignidade do consumidor e ao equilíbrio contratual. Diante desse cenário, considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, as peculiaridades do caso concreto, bem como o caráter pedagógico e compensatório da indenização, fixo os danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), quantia que se revela adequada e suficiente para reparar o abalo experimentado, sem importar em enriquecimento sem causa da parte autora. Quanto aos danos materiais pela perda alimentícia, diante da falha na prestação do serviço pela concessionária, devidamente evidenciada, e da existência de nexo causal entre a interrupção do serviço e a deterioração dos produtos, impõe-se o dever de indenizar pelos prejuízos materiais efetivamente sofridos nesse aspecto, conforme ID 22918761. No entanto, quanto ao pedido de indenização por lucros cessantes, no valor de R$ 8.850,78, entendo que este não merece acolhimento, por ausência de provas concretas quanto ao valor da efetiva perda de faturamento no período de interrupção do fornecimento de energia elétrica. O documento apresentado pela parte autora (ID 22918865) não detalha o período exato ou as vendas por dia, não se podendo estabelecer uma média diária de faturamento, o que impede a aferição do alegado prejuízo. Ressalte-se que, conforme entendimento pacífico, o dano material sob a forma de lucros cessantes não se presume, devendo ser cabalmente demonstrado nos autos, o que não ocorreu no presente caso. Diante do exposto, voto pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a sentença, reconhecendo a competência do Juizado Especial e julgando procedente em parte os pedidos, para: a) Declarar a cobrança realizada pela média de consumo nos meses de abril, maio, junho, julho e agosto de 2020 como indevida, devendo ser realizado o refaturamento desses meses, tomando como parâmetro o consumo registrado na fatura de setembro de 2020, com os devidos ajustes; b) Condenar a parte ré à restituição, em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, dos valores pagos a maior nas faturas dos meses de 04/2020 a 08/2020, devidamente corrigidos monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; c) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor comprovado no documento de ID 22918761, referente à perda de produtos alimentícios em decorrência da interrupção no fornecimento de energia elétrica, valor que deverá ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso; d) Condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), valor que entendo adequado e suficiente, devendo ser atualizado monetariamente desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ); e) Julgar improcedente o pedido de indenização por lucros cessantes, por ausência de provas suficientes. Sem ônus de sucumbência, nos termos dos arts. 54 e 55 da Lei 9.099/95. É o voto. Teresina, 01/07/2025