Cereais E Salineira Rodrigues Ltda x Nu Pagamentos S.A.
Número do Processo:
0802213-63.2025.8.20.5004
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal Praça André de Albuquerque, 534 (por trás da parada metropolitana), Cidade Alta, Natal/RN, CEP: 59.025-580, fone: (84) 3673-8855, e-mail: atendimento2jec@tjrn.jus.br _________________________________________________________________________________________________________________________________________ Processo: 0802213-63.2025.8.20.5004 Parte autora: CEREAIS E SALINEIRA RODRIGUES LTDA Parte ré: NU PAGAMENTOS S.A. SENTENÇA Vistos, etc. Dispensado relatório na forma do art. 38, caput, da Lei n° 9.099/95. No entanto, se faz necessária uma breve síntese acerca dos fatos narrados na inicial. CEREAIS E SALINEIRA RODRIGUES LTDA ajuizou a presente ação contra NU PAGAMENTOS S.A, narrando que: I) mantinha uma conta pessoa jurídica (PJ) junto à instituição financeira requerida, a qual, foi encerrada de maneira unilateral e sem qualquer aviso prévio ou justificativa; II) o referido encerramento ocasionou grande prejuízo, que se viu impossibilitado de utilizar a conta para a realização de suas atividades laborais de forma inesperada; III) entrou em contato com a requerida, buscando entender os motivos que levaram ao encerramento da conta, sendo informado pela empresa de que seria possível realizar a reativação da mesma; IV) mesmo após as tentativas realizadas, a reativação não foi concretizada, o que gerou ainda mais frustração e insegurança. Com isso, requereu que seja determinada a reativação da conta bancária, bem como a condenação ao pagamento do montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de compensação por danos morais. Instada a se manifestar, a ré, preliminarmente, impugnou o pleito de concessão da gratuidade da justiça. No mérito, argumentou, em síntese, pela inexistência de ato ilícito e ausência dos requisitos necessários para configuração dos danos morais. Em razão dos procedimentos previstos na Lei 9.099/95 e da gratuidade inerente aos Juizados Especiais quando se trata de demanda no primeiro grau, assim como a consequente possibilidade de pagamento de custas processuais apenas em grau de recurso, nos termos do art. 55 da referida lei, deixo de analisar a questão preliminar para aferir a suposta hipossuficiência da parte autora apenas com eventual interposição de recurso inominado. Portanto, REJEITO a preliminar de impugnação ao pleito de gratuidade da justiça. Superada a preliminar, passo ao exame do mérito. Cinge-se a controvérsia desta demanda em aferir a suposta falha do serviço e a consequente responsabilidade pela retenção das quantias e o bloqueio do acesso a sua conta bancária, efetivada pleo réu de maneira unilateral. Diante da desnecessidade de produção de mais provas em audiência, procedo ao julgamento antecipado da lide, com fulcro no artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Em compulsa aos autos, é inegável que a parte autora trouxe aos autos elementos mínimos que corroboram a sua tese, à medida que demonstra os fatos constitutivos de seu direito, conforme o art. 373, I, do Código de Processo Civil, como o cancelamento da conta (ID 142268665) e a reclamação administrativa acerca dos fatos (ID 142268666). Nesse sentido, a ré também confessou expressamente que procedeu com o bloqueio/cancelamento, contudo, sem comprovar justificativa plausível ou ocorrência fática contundente para adoção da medida abrupta e unilateral efetivada. No presente caso, restou evidenciada a falha na prestação do serviço por parte da instituição financeira ré ao proceder com o cancelamento unilateral da conta bancária de titularidade da parte autora, pessoa jurídica, sem qualquer notificação prévia ou justificativa plausível. A conduta da ré, além de afrontosa aos princípios que regem as relações contratuais, também desrespeita os direitos do consumidor, tendo em vista que o cancelamento abrupto da conta bancária, com retenção de valores, compromete diretamente a atividade empresarial da requerente, gerando insegurança jurídica e prejuízos operacionais. A prestação de serviços bancários está submetida às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme dispõe o artigo 3º, §2º, que define como fornecedor toda pessoa física ou jurídica que presta serviços no mercado de consumo. Neste sentido, o artigo 6º, inciso III, do CDC assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes serviços contratados. Ao não informar, de forma prévia e justificada, o motivo do cancelamento da conta, a instituição ré violou não apenas o dever de informação, mas também o princípio da boa-fé objetiva, que deve reger toda e qualquer relação contratual (art. 422 do Código Civil). A jurisprudência tem entendido que a relação entre bancos e seus clientes está submetida ao regime do CDC, de modo que a ausência de aviso prévio, bem como a ausência de motivação idônea para a rescisão contratual, importa na abusividade da conduta. Tal prática revela-se contrária à função social dos contratos (art. 421 do Código Civil) e à proteção do contratante mais vulnerável, ainda que se trate de pessoa jurídica, pois esta, na condição de destinatária final do serviço bancário, goza da proteção consumerista. Importa destacar que os direitos fundamentais devem ser aplicados também nas relações privadas, por força da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, nos termos da doutrina e da jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores. Isso significa que, mesmo diante de uma relação entre particulares, os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da lealdade contratual devem ser respeitados, especialmente quando a parte afetada exerce atividade essencial à sua subsistência econômica, como ocorre com a empresa autora. A conta bancária de pessoa jurídica constitui ferramenta imprescindível para o desempenho regular da atividade empresarial. Ao cancelá-la sem aviso ou justificativa, a instituição financeira violou dever contratual de cooperação e prejudicou gravemente a atividade econômica da autora, que se viu privada do acesso aos recursos depositados e dos meios ordinários de movimentação financeira, impactando em sua gestão de pagamentos, recebimentos e obrigações tributárias. Conforme leciona o professor Pablo Stolze Gagliano, "o princípio da boa-fé objetiva impõe deveres de conduta, como o dever de lealdade, de informação e de proteção, que devem ser observados por todas as partes contratantes durante toda a relação obrigacional" (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – Contratos. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 111). O descumprimento desses deveres por parte da instituição financeira, ainda mais sem motivação legítima, reforça a caracterização de falha na prestação do serviço. Dessa forma, configurada a falha na prestação do serviço, nos moldes do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da instituição financeira é objetiva, sendo irrelevante a demonstração de culpa. A ausência de justificativa válida e o evidente prejuízo à autora demonstram a ineficiência do serviço prestado e impõem o dever de reparação. Além disso, a retenção indevida de valores, ainda que temporária, constitui violação ao direito de propriedade da consumidora, afetando sua autonomia empresarial e financeira. No caso dos autos, a parte promovida não apresenta prova clara e objetiva para o desligamento/descredenciamento do correntista, e também não apresenta provas concretas do cometimento de atos irregulares ou ilegais pela parte autora promovente suficientemente graves para que se necessitasse realizar bloqueio de valores e da conta da promovente. Portanto, não havendo prova robusta, induvidosa, de que a parte promovente tenha praticado alguma irregularidade, não é razoável, proporcional e justo o seu cancelamento sem efetivo motivo para tanto. No exame da matéria ora em debate, em que pese os argumentos de defesa do requerido, constata-se que o promovido não guardou na execução do contrato o princípio da boa-fé objetiva, quando impediu acesso e a livre movimentação de sua conta bancária, sem oportunizar defesa ou informações de movimentação financeira ao requerente. Isso porque o princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes um padrão de conduta pautada na probidade, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, conforme dispõe o art. 422 do CC/2002. Nessa linha, o direito ao rompimento contratual por uma das partes não pode ser exercido de forma desmotivada, imoderada ou anormal. Quanto aos danos morais, destaca-se que o instituto consiste no prejuízo que atinge o sentimento ou a integridade moral da vítima e pressupõe ofensa anormal à personalidade. A compensação deve ocorrer quando há alguma grandeza no ato considerado ofensivo ao direito personalíssimo, ou seja, quando lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo. Assim, ocorrendo lesão injusta a um bem jurídico tutelado pelo direito, surge o dever de reparar o dano, por meio da responsabilidade civil, que deve ser aferida por seus três elementos, a saber, conduta comissiva ou omissiva, dano e nexo causal. Caberia ao autor provar o dano e a relação de causalidade entre a conduta da ré e os supostos prejuízos morais, providências imprescindíveis à compensação por danos morais. Destarte, ressalta-se que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral quando sua honra objetiva for atingida. A indenização é devida como forma de compensação pelo dano causado à sua imagem, admiração, respeito e credibilidade no tráfego comercial, de forma a atenuar o abalo à sua reputação perante terceiros, conforme o teor da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, a configuração de abalo extrapatrimonial em face de pessoa jurídica sofre mitigação, possuindo requisitos mais exigentes, considerando a pessoa jurídica como ficção jurídica, deve-se, portanto, comprovar o efetivo prejuízo à honra objetiva da empresa, o que não foi o caso dos autos. Importa ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sedimentado acerca da inexistência de danos morais presumidos à pessoa jurídica: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO COMERCIAL. ALTERAÇÃO UNILATERAL DE CONTRATO. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. AUSENTES. - Ação ajuizada em 19/02/10. Recurso especial interposto em 18/04/2013 e distribuído a este gabinete em 26/08/2016. - O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. - Para a pessoa jurídica, o dano moral não se configura in re ipsa, por se tratar de fenômeno distinto daquele relacionado à pessoa natural. - É, contudo, possível a utilização de presunções e regras de experiência no julgamento. - Na hipótese dos autos, a alteração unilateral de contrato de fornecimento de baterias de automóveis pela recorrente impôs pesado ônus sobre as atividades comerciais da recorrida. Contudo, tal ato é incapaz de gerar danos morais (exclusivamente extrapatrimoniais) para além daqueles de natureza material. - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ – Resp º 1.637.629 – PE – Rel. Nancy Andrighi, Publicado em: 06/12/2016). Sendo assim, apesar dos transtornos e aborrecimentos presumivelmente sofridos e decorrentes do inadimplemento contratual, não restou caracterizada qualquer situação de ofensa ao nome, imagem ou reputação da empresa demandante, circunstância que denota a improcedência do pleito de condenação em danos morais.. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão encartada na inicial para: a) DETERMINAR o desbloqueio e reativação da conta-corrente da parte autora, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), podendo alcançar o patamar máximo de R$ 3.000,00 (três mil reais); b) JULGAR IMPROCEDENTES os danos morais. Sem custas e sem honorários advocatícios sucumbenciais, em observância às determinações dos arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Submeto, nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, o presente projeto de sentença para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. PEDRO ROBERTO PINTO DE CARVALHO Juiz Leigo SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA Trata-se de projeto de sentença ofertado por juiz leigo, nos moldes previstos no art. 98, I, da CF, Leis nº 9.099/1995 e 12.153/2009, e Resoluções nº 174/2013, do CNJ, e 036/2014, do TJRN. Verifico que o projeto está em consonância com o entendimento deste juiz, razão pela qual merece homologação. Isto posto, com fulcro no art. 40, da Lei nº 9.099/1995, HOMOLOGO, por sentença o projeto acima em seu inteiro teor, para que surtam seus jurídicos e legais efeitos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Natal/RN, 30 de junho de 2025. JOSÉ MARIA NASCIMENTO Juiz de Direito em substituição legal (documento assinado digitalmente na forma da Lei n° 11.419/06)