Processo nº 08026864520238100074
Número do Processo:
0802686-45.2023.8.10.0074
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Primeira Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
02 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
02/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: Primeira Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL N°0802686-45.2023.8.10.0074 APELANTE: MARIA DALVA DA CONCEIÇÃO SILVA Advogado da APELANTE: THIAGO RIBEIRO EVANGELISTA – OAB/MA 19290-A APELADO: BANCO BMG S.A. Advogada do APELADO: FERNANDA RAFAELLA OLIVEIRA DE CARVALHO - OAB/PE 32.766 RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA DO SOCORRO MENDONÇA CARNEIRO EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO OBSERVADO. NULIDADE CONTRATUAL. DANO MORAL E RESTITUIÇÃO EM DOBRO. PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais, proposta por consumidora contra instituição financeira. A autora alegou ausência de contratação válida de cartão de crédito com reserva de margem consignável e pediu devolução dos valores descontados e indenização por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) saber se há nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável por ausência de prova da contratação e violação ao dever de informação; e (ii) saber se é cabível a restituição em dobro e a indenização por danos morais pelos descontos indevidos em benefício previdenciário. III. RAZÕES DE DECIDIR O banco não apresentou prova inequívoca da contratação, tampouco demonstrou a ciência da consumidora sobre a natureza do negócio, não se tratando de contrato eletrônico autêntico nem de contrato físico com assinatura reconhecida. A ausência de elementos essenciais compromete a validade do negócio jurídico, configurando vício de consentimento e descumprimento do dever de informação, especialmente diante da vulnerabilidade da consumidora. Diante da nulidade do contrato, é devida a restituição em dobro dos valores descontados e a compensação por dano moral, fixada em R$ 3.000,00, considerando a natureza alimentar da verba atingida e a jurisprudência consolidada. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: “1. É nulo o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável quando ausente prova inequívoca da contratação e da ciência do consumidor sobre a natureza do negócio. 2. A ausência de informação clara e adequada justifica a restituição em dobro dos valores descontados e a condenação por danos morais.” Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 138, 145, 170 e 422; CDC, arts. 4º, IV, 6º, III e VIII, e 42, parágrafo único; CPC, arts. 373, II, e 932. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 43 e 54; TJMA, ApCiv 0800275-42.2023.8.10.0102, Rel. Des. Luiz Gonzaga Almeida Filho, 4ª Câmara de Direito Privado, DJe 11.11.2023. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA DALVA DA CONCEIÇÃO SILVA, em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca De Bom Jardim/MA, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC) e Inexistência de Débito Cumulada com Restituição de Valores em Dobro e Indenização por Dano Moral, ajuizada em desfavor do BANCO BMG S.A., julgou improcedentes os pedidos exordiais, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em suas razões recursais, a parte apelante alega que, na réplica, impugnou a autenticidade da assinatura no contrato apresentado pela instituição financeira, requerendo a prova da autenticidade, porém, a sentença não analisou o pedido. Prossegue, alegando ser indevido o julgamento antecipado do feito, restando impossibilitada de provar a ilegalidade da conduta da instituição financeira. Desse modo, requer a total procedência do recurso para reformar a decisão recorrida. Contrarrazões apresentadas, pugnando pela manutenção da sentença. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso. É o relatório. Decido. Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo a efetuar o seu julgamento de forma monocrática, com base no art. 932 do CPC, em razão da matéria encontrar-se disposta em tese firmada em IRDR. Precipuamente, sobre o pleito em que a apelante pugna pela perícia do contrato digital apresentado pelo banco apelado, entendo que, na presente controvérsia o destinatário final do conjunto probatório é o juiz, a quem cabe avaliar quanto a conveniência e/ou necessidade de produção de novas provas para a formação do seu convencimento. Analisando a sentença de base, observa-se que o juiz sentenciante entendeu que a prova documental produzida pelas partes foi suficiente para resolver a controvérsia. O caso em comento diz respeito à suposta contratação de empréstimo na modalidade “Cartão de Crédito Consignado”, em que a parte autora pleiteia a devolução de valores cobrados indevidamente, bem como indenização por danos morais e materiais. A controvérsia tratada nos autos encontra entendimento consolidado na jurisprudência desta Corte, especialmente no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n.º 53.983/2016, que firmou a seguinte tese: TESE 4: Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vício na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre os defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170). No presente caso, diversamente do entendimento adotado pela sentença de origem, verifica-se que o ônus probatório (art. 6º, VIII, do CDC c/c art. 373, II, do CPC) não foi devidamente cumprido pela instituição financeira, onde não restou demonstrada a validade do negócio jurídico celebrado, tampouco a observância ao dever de informação clara e adequada previsto no CDC, configurando, assim, hipótese de erro substancial e prática abusiva. Embora o banco réu tenha colacionado aos autos documentação necessária, quais sejam, contestação, contrato, faturas e TED, estas não devem ser consideradas válidas para os fins pretendidos. Isso porque o contrato apresentado se trata de documento em formato físico, que demanda assinatura presencial. Sem que haja comprovação de que tal formalidade tenha sido observada, a mera juntada de contrato desprovido de informações essenciais, não é suficiente para demonstrar a ciência plena da contratante quanto à modalidade contratada, onde o referido contrato apresenta lacunas significativas. Os contratos eletrônicos legítimos, firmados por meio de plataformas digitais, usualmente trazem consigo um conjunto de dados que comprovam a segurança e a autenticidade do processo de adesão, como o envio de “selfie”, assinatura eletrônica com certificação, identificação do número do telefone celular utilizado, registro de geolocalização, data e hora de cada etapa, bem como o endereço IP e demais informações técnicas que comprovem a ciência e a anuência do contratante. Ou seja, os contratos eletrônicos firmados por “selfie” ou outra assinatura eletrônica possuem outro formato, que demonstram a modalidade, as etapas percorridas pelo contratante, o aparelho telefônico utilizado, a geolocalização, elementos que não estão presentes no caso em apreço. Tampouco há demonstração inequívoca de que a parte tenha comparecido à agência bancária ou assinado fisicamente o documento apresentado. Dessa forma, não se pode presumir a validade do ajuste a partir de documento unilateralmente produzido, sem as garantias mínimas de autenticidade, o que compromete a higidez da relação contratual alegada, gerando dúvida quanto à validade do negócio jurídico. Tais inconsistências violam os princípios da transparência e boa-fé objetiva, especialmente quando se considera a vulnerabilidade do consumidor (art. 6º, III, do CDC). O banco, enquanto fornecedor de serviços, tinha o dever de esclarecer de forma clara e inequívoca a natureza jurídica da operação. Diante dessas irregularidades, entende-se pela nulidade do negócio jurídico, uma vez que o contrato apresentado é um documento físico que exige assinatura presencial, não havendo comprovação de que tenha sido validamente firmado pela parte, o que compromete a existência de consentimento livre, válido e informado. Em razão da ausência de informações que atestem a regularidade do contrato, entendo ser devido o pagamento da restituição em dobro, conforme prevê o entendimento jurisprudencial consolidado. Quanto à majoração pretendida, vejamos: Os descontos relativos ao empréstimo não contratado incidiram sobre benefício previdenciário da parte autora, que se trata de verba de caráter alimentar, configurando patente violação aos direitos da personalidade, o que impõe sua reparação. Apesar de a legislação não estabelecer critérios objetivos para fixação do quantum indenizatório, é cediço que devem ser observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de não gerar enriquecimento sem causa. Nessas circunstâncias, considerando as peculiaridades do caso, o ato ilícito praticado contra a autora, o potencial econômico do ofensor e o caráter punitivo/compensatório da indenização, entendo razoável e proporcional a condenação em R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais em favor do consumidor, conforme o entendimento dominante da jurisprudência desta Egrégia Corte acerca do tema, in verbis: EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE SAQUE NO CARTÃO DECRÉDITO. DIREITO A INFORMAÇÃO ADEQUADA AO CONSUMIDOR. AUSENTE PROVA DACONTRATAÇÃO. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANO MORAL DEVIDO. QUANTUMPROPORCIONAL. APELO DO BANCO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.I. De início, registro que o Autor, reconhece que buscou o Banco com vistas a contratar empréstimo consignado, mas repudia o fato de que os valores depositados decorrerem da modalidade consignação por saque em cartão de crédito, quando acreditava contratar empréstimo consignado em folha de pagamento. II. No caso em tela verifico que embora haja o reconhecimento da parte em aderir ao empréstimo consignado o Banco não conseguiu comprovar que a parte tinha conhecimento da modalidade contratada, vez que não juntou aos autos nenhum contrato assinado entre partes. III. A meu ver, a ausência de contrato com informações claras e adequadas desvirtua o negócio jurídico pretendido e exteriorizado pelo contratante, o que, sem dúvida, configura ato ilícito que deve ser combatido pelo ordenamento jurídico. IV. Cabível a devolução dos valores indevidamente descontados de forma simples, bem como a condenação do Banco em danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais).V. Apelação do Banco conhecida e parcialmente provida.(ApCiv 0800275-42.2023.8.10.0102, Rel. Desembargador(a) LUIZ GONZAGA ALMEIDAFILHO, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJe 11/11/2023) Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao apelo da consumidora, para reformar a sentença de base, declarando a nulidade do negócio jurídico em questão, e condenando o banco apelado ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, com incidência dos juros de mora de 1% a.m. a partir do evento danoso e a correção monetária a partir deste arbitramento, corrigidos pelo INPC; quanto à restituição, que seja de forma dobrada, dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte autora, estes devem ser apurados em sede de liquidação de sentença, com juros de mora de 1% a contar do evento danoso (súmula 54 do STJ) e correção monetária, pelo INPC, a contar da data do prejuízo (súmula 43 do STJ). Ressalte-se que, a fim de evitar enriquecimento sem causa, determino que haja compensação do valor eventualmente creditado na conta da parte autora, de forma simples, sem atualização, a ser apurado também em sede de liquidação de sentença. Condeno, por fim, o banco apelado ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Advirto as partes que a interposição de agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no §4º do art. 1.021 do CPC. Publique-se. Intimem-se. São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora Maria do Socorro Mendonça Carneiro Relatora