Ana Claudia Abboud Daou e outros x Jorge Elias Sadala
Número do Processo:
0803665-68.2021.8.04.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJAM
Classe:
AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus - Meio Ambiente Cível
Última atualização encontrada em
30 de
abril
de 2025.
Intimações e Editais
-
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30/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus - Meio Ambiente Cível | Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVELSENTENÇA Trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público em face de Jorge Elias Sadala, visando apurar eventual prática de dano ao patrimônio histórico do centro de Manaus, localizado na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro. O Parquet relata que no ano de 2014, o requerido iniciou uma obra que alterou significativamente a volumetria dos referidos imóveis históricos, uma vez que suas configurações não possuem qualquer afinidade com o Conjunto Histórico do Centro Histórico de Manaus. Além disso, o MP traz Parecer do IMPLURB enfatizando que no memorial descritivo da obra apresentado o requerido não obedeceu a taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Concomitante a esta ACP há Ação de Nunciação de Obra Nova n.º 0624216-63.2015.8.04.0001, com decisão liminar de embargo das obras, onde aguarda julgamento. Ao final, o Ministério Público requereu obrigação de fazer o proprietário a realizar a recuperação do imóvel, com a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis, a ser aprovado pelos órgãos competentes, inclusive, e especialmente, aqueles a quem é cometida a função de proteção do patrimônio histórico e cultural, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo Réu. Bem como requereu obrigação de não fazer, consistente em não realizar obra no prédio tombado, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, devendo obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau. Foram anexados documentos de mov. 1.2/84. Tentativas de acordo frustradas conforme manifestação das partes consoante a mov. 11.1 e 18.1. Contestação apresentada pelo requerido de mov. 29.1, alegando a impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse processual, bem como refuta as alegações Ministeriais, afirmando a regularidade da obra, inexistência de danos causados ao patrimônio histórico. Réplica apresentada pelo Ministério Público, conforme mov. 33.1. Decisão de mov. 35.1 a qual repeliu a preliminar de ausência de interesse processual e intimou as partes para informar as provas que pretedem produzir. Manifestação do requerido à mov. 46.1/6, anexando aos autos laudo pericial nos autos do processo Nº 0207873-23.2016.8.04.0001 referente ao processo n. 0624216-63.2015.8.04.0001 em trâmite na 4ª vara da fazenda pública municipal, obra estruturada e dentro dos padrões de segurança. Manifestação de mov. 48.1 do Ministério Público manifestando-se pelo julgamento antecipado do lide, visto não ter outra provas a produzir além daquelas já carreadas aos autos, tampouco interesse na produção de provas em audiência. Decisão de anúncio de julgamento antecipado da lide de mov. 70.1. É a síntese do necessário. JULGO DAS PRELIMINARES. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL Em sede de contestação, o requerido alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, diante da determinação do juízo da 4a vara de Fazenda Pública em paralisar as obras. Tendo em vista a paralisação das obras em razão da determinação judicial, o requerido fica impossibilitado de realizar qualquer pedido constante na presente ação interposta pelo Ministério Público. Contudo, entendo que a paralisação é temporária até o julgamento da ação, logo não há de se dizer a impossibilidade jurídica do pedido. O que houve foi uma paralisação judicial para que não haja a expansão da obra, que apresenta indícios de irregularidade nos direitos de vizinhança e indícios de desabamento. Há uma prejudicialidade nesta ACP a qual será dirimida mais adiante. Quanto à falta de interesse de agir, o requerido sustenta a ausência do instituto da utilidade para que seja julgado o pedido sem resolução do mérito. Contudo, repilo tal preliminar, uma vez que o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, está incumbido da tarefa de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, o que inclui, por óbvio, a legitimidade do Parquet para buscar a tutela dos direitos difusos concernentes ao meio ambiente equilibrado e aos património cultural do Centro histórico de Manaus. A presente ação civil pública é útil, adequada e cabível. DO PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO. É sabido que todo bem referente à cultura, identidade, memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural, integra a categoria de bem ambiental e, em decorrência disso, caracteriza-se preponderantemente como bem difuso. Ademais, deve-se verificar que os arts. 215, caput, e 216, § 1°, ambos da Constituição Federal de 1988, determinam que: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) Art. 216. (...) § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Ao estabelecer como dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural, a Constituição Federal ratifica a natureza jurídica do bem cultural em face de sua natureza jurídica de bem ambiental, porquanto esse bem é constitucionalmente um bem de uso comum de todos e não um bem pertencente ao Poder Público, tratando-se, pois, de bem objeto de gestão. Um domínio preenchido pelos elementos de fruição (uso e gozo do bem objeto do direito), sem comprometimento de sua integridade, para que outros titulares, inclusive os de gerações vindouras, possam também exercer com plenitude o mesmo direito. Destarte, a partir da Carta Magna, os bens culturais passam a ter natureza jurídica de bens ambientais, aplicando-se-lhes todos os princípios como fundamentais do direito ambiental constitucional. Sobre a necessidade de adoção de políticas públicas indispensáveis à preservação e proteção ao patrimônio público, o Supremo Tribunal Federal ja entendeu que "a previsão constitucional de proteção do patrimônio histórico cultural brasileiro possui relevante importância no direcionamento de criação de políticas públicas e de mecanismos infraconstitucionais para a sua concretização (art. 216, § 1º da CF). A Constituição Federal outorgou a todas as unidades federadas a competência comum de proteger as obras e bens de valor histórico, artístico e cultural, compreendida nela a adoção de quaisquer medidas que se mostrem necessárias para promover e salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro, incluindo-se o uso do instrumento do tombamento. Segundo o Código de Edificações do Município de Manaus, imóvel tombado é imóvel de interesse cultural protegido por ato administrativo, que deve conservar suas características arquitetônicas originais. DAS PROVAS NOS AUTOS. Em análise detida às provas trazidas pelo Parquet, destaco: Fotos da obra nova nos imóveis segundo mov. 1.20/37, evidenciando a construção de pavimentos com grande volumetria. Informação n. 436/2015 - GHP (mov. 1.42) constatando que a obra se encontrava em execução e volumetria executada de 43% e que a mesma encontrava-se em desacordo com o projeto aprovado, bem como outras alterações significativas no interior do imóvel. DIAP - PARECER n. 1893/2014 (mov. 1.52) verifico que os imóveis sofreram alterações em sua configuração original, sendo necessários a recomposição da taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Despacho n. 0144/2015 - GPH, do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (mov. 1.68), mantendo a obra embargada com a suspensão do alvará de licença, até que seja apresentado um novo projeto para reanálise deste Instituto, que venha corrigir as incompatibilidades da obra que está desrespeitando o projeto originalmente aprovado, cabendo a manutenção das ações fiscais de modo a coibir a execução da obra. Sobre a prova emprestada trazida pelo requerido dos autos do processo n. 0207873-23.2016.8.04.0001, segundo mov. 46.2/ 3 concluiu que a edificação construída está bem consolidada e sem risco de desabamento. Por outro lado, este não é o cerne da questão desta Ação Civil Pública, que abrange exclusivamente a responsabilidade do proprietário em manter as características históricas originais do imóvel, no que tange a fachada e volumetria. Outros aspectos da obra como: recuo, privacidade, infiltração, rachaduras subsolo, telhado, segurança da obra e outras questões referente à direito de vizinhança estão sendo dirimidas em outros autos. Ressalto que os pedidos daqueles autos não se confundem com os pedidos realizados nesta ACP, que tem como objetivo a defesa de patrimônio cultural-histórico. DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO HISTÓRICA. CENTRO HISTÓRICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Trata-se do imóvel localizado no Centro Antigo, perímetro delimitado pela Lei Orgânica do Município, de 25 de abril de 1990, artigo 342, que estabelece: "Fica tombado, para fins de proteção, acautelamento e programação especial, e a partir da data de promulgação desta lei, o Centro Antigo da Cidade, compreendido entre a Rua Leonardo Malcher e a Orla do Igarapé de São Raimundo e a esquerda pelo Igarapé de Educandos, tendo como referência a ponte Benjamim Constant. Os imóveis em questão, estão inseridos no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação no Setor 01 no segmento do Setor Sitio Histórico e classifica-se como Unidade de Preservação Histórica de 1o Grau de acordo com listagem constante no Decreto 7.176 de 10 de fevereiro de 2004, que em seu artigo 5° preconiza: Art. 5º As edificações classificadas como Unidades de Preservação de 1o Grau deverão conservar suas características originais, no respeito as suas fachadas, mantendo a mesma volumetria da edificação e a mesma taxa de ocupação do terreno, não podendo sofrer qualquer modificação física externa. E ainda, o artigo 12, que preceitua: Art. 12 As Unidades de 1o Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Em caso de descaracterização de um bem de tombado, o proprietário ou responsável estará sujeito a penalidades, conforme explicita o artigo 341 da LOMAM, que preceitua: Art. 341 Aquele que puser em risco, danificar ou descaracterizar um bem tombado se sujeitará ao pagamento de muIta, cujo valor poderá variar de 10 a 100.000 UFMs, (Unidade Fiscal do Município) independente da obrigação de ressarcir o Município dos gastos despendidos para recuperação ou efetuá-Ios às suas expensas, em prazo nunca superior a doze meses, determinado pelo Executivo, mediante processo administrativo. Parágrafo Único. "A descaracterização dolosa de um imavel tombado caracteriza crime na forma da legislação específica e implicará a sua desapropriação. Destaco inclusive os artigos do Decreto 7176/2004 que dispõe sobre intervenção e medidas de proteção dos patrimônios históricos: Art. 10º - As intervenções propostas no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação, conforme disposições do art. 38 da Lei 672/02, estão sujeitas à tutela e à apreciação especiais pela Municipalidade, mediante parecer técnico da Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do Instituto Municipal de Planejamento Urbano IMPLURB, ouvida a Comissão Técnica de Planejamento e Controle Urbano. Art. 11 - Estudos adicionais para preservação ambiental da área do Setor, e eventuais intervenções, deverão ser desenvolvidos pela Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do IMPLURB. Art. 12 - As Unidades de 1º Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Art. 13 - Os demais imóveis edificados e não edificados, situados no SEUIP e não classificados como Unidades de Preservação, deverão se adequar à vizinhança imediata dos bens classificados como Unidades de Preservação de 1º e de 2 º Graus, de modo a contextualizá-los à área de preservação. Parágrafo Único - Os projetos na área referida no caput deste artigo serão apreciados segundo critérios que considerem a adequação dos mesmos ao gabarito e alinhamento originais de suas vizinhanças laterais, frontais e fundo. Saliento que o proprietário deverá promover medidas de preservação e proteção de seu imóvel histórico, da seguinte forma que determina o Decreto Municipal n. 7176/2004: Art. 14 - A preservação e proteção aos imóveis de interesse de preservação histórica seguirão todas as medidas acautelatórias necessárias. Art. 15 - Os projetos apresentados, envolvendo Unidades de Interesse de Preservação, serão analisados pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano, sob os dois aspectos abaixo descritos: I - Restauração, recuperação ou reconstrução total do imóvel com base em dados existentes no IMPLURB, principalmente quanto à fachada e a cobertura, podendo, no entanto, sofrer modificações internas para adaptá-las ao uso proposto; II - Construção de um novo imóvel, no qual deverão incidir todas as solicitações das legislações pertinentes, no que diz respeito ao uso, volumetria, afastamentos, recuos, coeficiente de aproveitamento, concepção arquitetônica, Taxa de Ocupação do Solo, vagas p/ garagem, etc. Art. 16 - No Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação não serão permitidos parcelamento do solo, salvo quando as intervenções na área forem absolutamente adequadas às circunstâncias mencionadas no Artigo anterior, bem como aos objetivos deste Decreto. Art. 17 - As certidões de viabilidade, bem como as licenças para obras e demolição de imóvel de Interesse de Preservação, incluído nas áreas definida nos Arts. 4º e 5º, relacionado nos anexos deste Decreto, respectivamente, só serão analisadas mediante a apresentação prévia de projeto ou estudo da obra a ser edificada no local, indicando principalmente a ocupação do terreno, volumetria, fachada e uso(s). Art. 18 - Qualquer atividade realizada nas Unidades de Interesse de Preservação, efetuadas sem prévia licença da Prefeitura Municipal, deverão ser devidamente autuadas e embargadas pelo IMPLURB. § 1º - A aplicação das penalidades previstas neste artigo, não exclui a aplicação de quaisquer outras penalidades previstas nas Leis de Posturas Municipais. § 2º - A comunicação dos atos ilícitos praticados seguirão o que dispõe a Lei nº 673/02. § 3º- As sanções serão aplicadas, sem prejuízo das responsabilidades civis e criminais correspondentes. § 4º - O pagamento da multa não exime o infrator de outras sanções previstas neste Código, nem da correção dos fatos que geraram a sua imposição. Constato a necessidade de adequação nas propriedades históricas, fartamente demonstradas nos autos ante todas as fotografias colacionadas. Como dito alhures, é dever do proprietário a preservação de bens com valor histórico e cultural, ainda mais se tratando de conservação de 1o grau. Em âmbito cível, a responsabilidade do violador das normas de proteção ao meio ambiente cultural é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa nos termos do que estabelece o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81 c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro. Não há dúvida que o agente que, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, contribui de qualquer forma para a ocorrência de uma lesão ao patrimônio cultural brasileiro, está concorrendo para a degradação da qualidade ambiental, enquadrando-se juridicamente na condição de poluidor, ficando responsável pela respectiva reparação. Não se pode esquecer que, por se tratar de interesses metaindividuais, não se aplicam à matéria os esquemas tradicionais, fundados na culpa ou na intenção do agente. Por fim, o Ministério Público logrou êxito em trazer um conjunto probatório robusto visando demonstrar a ação comissiva do requerido em não manter as características originais do imóvel, dentro do ônus que incumbia o autor, nos termos do art. 373, I do CPC. DO DISPOSITIVO Isto posto, com fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública, e faço nos seguintes termos: 1) CONDENO o requerido a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis localizados na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro, bem como cronograma de execução a ser aprovado pelos órgãos competentes, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo requerido, no prazo de 90 (noventa dias), sob pena de multa de R$1.000,00 (mil reais) por dia, limitados a 10 dias-multa. 2) CONDENO o requerido a executar a adequação que se trata o item 1, realizando a demolição do que foi construído fora dos parâmetros para unidade de conservação de patrimônio histórico de 1o grau (se for o caso), a começar após o trânsito em julgado da ação n. 0624216-63.2015.8.04.0001, bem como a concluir as obras dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) limitados a 10 (dez) dias multa. 3) DETERMINO o requerido NÃO REALIZAR OBRA NO PRÉDIO TOMBADO, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, a qual deverá obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Custas pelo requerido. Sem honorários. Por outro lado, transcorrido o prazo legal, sem a interposição de recurso, determino à Secretaria que certifique o trânsito em julgado e dê-se baixa e arquivamento. P.R.I.C. Manaus/AM, 16 de Abril de 2025.
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30/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus - Meio Ambiente Cível | Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVELSENTENÇA Trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público em face de Jorge Elias Sadala, visando apurar eventual prática de dano ao patrimônio histórico do centro de Manaus, localizado na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro. O Parquet relata que no ano de 2014, o requerido iniciou uma obra que alterou significativamente a volumetria dos referidos imóveis históricos, uma vez que suas configurações não possuem qualquer afinidade com o Conjunto Histórico do Centro Histórico de Manaus. Além disso, o MP traz Parecer do IMPLURB enfatizando que no memorial descritivo da obra apresentado o requerido não obedeceu a taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Concomitante a esta ACP há Ação de Nunciação de Obra Nova n.º 0624216-63.2015.8.04.0001, com decisão liminar de embargo das obras, onde aguarda julgamento. Ao final, o Ministério Público requereu obrigação de fazer o proprietário a realizar a recuperação do imóvel, com a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis, a ser aprovado pelos órgãos competentes, inclusive, e especialmente, aqueles a quem é cometida a função de proteção do patrimônio histórico e cultural, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo Réu. Bem como requereu obrigação de não fazer, consistente em não realizar obra no prédio tombado, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, devendo obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau. Foram anexados documentos de mov. 1.2/84. Tentativas de acordo frustradas conforme manifestação das partes consoante a mov. 11.1 e 18.1. Contestação apresentada pelo requerido de mov. 29.1, alegando a impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse processual, bem como refuta as alegações Ministeriais, afirmando a regularidade da obra, inexistência de danos causados ao patrimônio histórico. Réplica apresentada pelo Ministério Público, conforme mov. 33.1. Decisão de mov. 35.1 a qual repeliu a preliminar de ausência de interesse processual e intimou as partes para informar as provas que pretedem produzir. Manifestação do requerido à mov. 46.1/6, anexando aos autos laudo pericial nos autos do processo Nº 0207873-23.2016.8.04.0001 referente ao processo n. 0624216-63.2015.8.04.0001 em trâmite na 4ª vara da fazenda pública municipal, obra estruturada e dentro dos padrões de segurança. Manifestação de mov. 48.1 do Ministério Público manifestando-se pelo julgamento antecipado do lide, visto não ter outra provas a produzir além daquelas já carreadas aos autos, tampouco interesse na produção de provas em audiência. Decisão de anúncio de julgamento antecipado da lide de mov. 70.1. É a síntese do necessário. JULGO DAS PRELIMINARES. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL Em sede de contestação, o requerido alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, diante da determinação do juízo da 4a vara de Fazenda Pública em paralisar as obras. Tendo em vista a paralisação das obras em razão da determinação judicial, o requerido fica impossibilitado de realizar qualquer pedido constante na presente ação interposta pelo Ministério Público. Contudo, entendo que a paralisação é temporária até o julgamento da ação, logo não há de se dizer a impossibilidade jurídica do pedido. O que houve foi uma paralisação judicial para que não haja a expansão da obra, que apresenta indícios de irregularidade nos direitos de vizinhança e indícios de desabamento. Há uma prejudicialidade nesta ACP a qual será dirimida mais adiante. Quanto à falta de interesse de agir, o requerido sustenta a ausência do instituto da utilidade para que seja julgado o pedido sem resolução do mérito. Contudo, repilo tal preliminar, uma vez que o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, está incumbido da tarefa de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, o que inclui, por óbvio, a legitimidade do Parquet para buscar a tutela dos direitos difusos concernentes ao meio ambiente equilibrado e aos património cultural do Centro histórico de Manaus. A presente ação civil pública é útil, adequada e cabível. DO PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO. É sabido que todo bem referente à cultura, identidade, memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural, integra a categoria de bem ambiental e, em decorrência disso, caracteriza-se preponderantemente como bem difuso. Ademais, deve-se verificar que os arts. 215, caput, e 216, § 1°, ambos da Constituição Federal de 1988, determinam que: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) Art. 216. (...) § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Ao estabelecer como dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural, a Constituição Federal ratifica a natureza jurídica do bem cultural em face de sua natureza jurídica de bem ambiental, porquanto esse bem é constitucionalmente um bem de uso comum de todos e não um bem pertencente ao Poder Público, tratando-se, pois, de bem objeto de gestão. Um domínio preenchido pelos elementos de fruição (uso e gozo do bem objeto do direito), sem comprometimento de sua integridade, para que outros titulares, inclusive os de gerações vindouras, possam também exercer com plenitude o mesmo direito. Destarte, a partir da Carta Magna, os bens culturais passam a ter natureza jurídica de bens ambientais, aplicando-se-lhes todos os princípios como fundamentais do direito ambiental constitucional. Sobre a necessidade de adoção de políticas públicas indispensáveis à preservação e proteção ao patrimônio público, o Supremo Tribunal Federal ja entendeu que "a previsão constitucional de proteção do patrimônio histórico cultural brasileiro possui relevante importância no direcionamento de criação de políticas públicas e de mecanismos infraconstitucionais para a sua concretização (art. 216, § 1º da CF). A Constituição Federal outorgou a todas as unidades federadas a competência comum de proteger as obras e bens de valor histórico, artístico e cultural, compreendida nela a adoção de quaisquer medidas que se mostrem necessárias para promover e salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro, incluindo-se o uso do instrumento do tombamento. Segundo o Código de Edificações do Município de Manaus, imóvel tombado é imóvel de interesse cultural protegido por ato administrativo, que deve conservar suas características arquitetônicas originais. DAS PROVAS NOS AUTOS. Em análise detida às provas trazidas pelo Parquet, destaco: Fotos da obra nova nos imóveis segundo mov. 1.20/37, evidenciando a construção de pavimentos com grande volumetria. Informação n. 436/2015 - GHP (mov. 1.42) constatando que a obra se encontrava em execução e volumetria executada de 43% e que a mesma encontrava-se em desacordo com o projeto aprovado, bem como outras alterações significativas no interior do imóvel. DIAP - PARECER n. 1893/2014 (mov. 1.52) verifico que os imóveis sofreram alterações em sua configuração original, sendo necessários a recomposição da taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Despacho n. 0144/2015 - GPH, do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (mov. 1.68), mantendo a obra embargada com a suspensão do alvará de licença, até que seja apresentado um novo projeto para reanálise deste Instituto, que venha corrigir as incompatibilidades da obra que está desrespeitando o projeto originalmente aprovado, cabendo a manutenção das ações fiscais de modo a coibir a execução da obra. Sobre a prova emprestada trazida pelo requerido dos autos do processo n. 0207873-23.2016.8.04.0001, segundo mov. 46.2/ 3 concluiu que a edificação construída está bem consolidada e sem risco de desabamento. Por outro lado, este não é o cerne da questão desta Ação Civil Pública, que abrange exclusivamente a responsabilidade do proprietário em manter as características históricas originais do imóvel, no que tange a fachada e volumetria. Outros aspectos da obra como: recuo, privacidade, infiltração, rachaduras subsolo, telhado, segurança da obra e outras questões referente à direito de vizinhança estão sendo dirimidas em outros autos. Ressalto que os pedidos daqueles autos não se confundem com os pedidos realizados nesta ACP, que tem como objetivo a defesa de patrimônio cultural-histórico. DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO HISTÓRICA. CENTRO HISTÓRICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Trata-se do imóvel localizado no Centro Antigo, perímetro delimitado pela Lei Orgânica do Município, de 25 de abril de 1990, artigo 342, que estabelece: "Fica tombado, para fins de proteção, acautelamento e programação especial, e a partir da data de promulgação desta lei, o Centro Antigo da Cidade, compreendido entre a Rua Leonardo Malcher e a Orla do Igarapé de São Raimundo e a esquerda pelo Igarapé de Educandos, tendo como referência a ponte Benjamim Constant. Os imóveis em questão, estão inseridos no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação no Setor 01 no segmento do Setor Sitio Histórico e classifica-se como Unidade de Preservação Histórica de 1o Grau de acordo com listagem constante no Decreto 7.176 de 10 de fevereiro de 2004, que em seu artigo 5° preconiza: Art. 5º As edificações classificadas como Unidades de Preservação de 1o Grau deverão conservar suas características originais, no respeito as suas fachadas, mantendo a mesma volumetria da edificação e a mesma taxa de ocupação do terreno, não podendo sofrer qualquer modificação física externa. E ainda, o artigo 12, que preceitua: Art. 12 As Unidades de 1o Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Em caso de descaracterização de um bem de tombado, o proprietário ou responsável estará sujeito a penalidades, conforme explicita o artigo 341 da LOMAM, que preceitua: Art. 341 Aquele que puser em risco, danificar ou descaracterizar um bem tombado se sujeitará ao pagamento de muIta, cujo valor poderá variar de 10 a 100.000 UFMs, (Unidade Fiscal do Município) independente da obrigação de ressarcir o Município dos gastos despendidos para recuperação ou efetuá-Ios às suas expensas, em prazo nunca superior a doze meses, determinado pelo Executivo, mediante processo administrativo. Parágrafo Único. "A descaracterização dolosa de um imavel tombado caracteriza crime na forma da legislação específica e implicará a sua desapropriação. Destaco inclusive os artigos do Decreto 7176/2004 que dispõe sobre intervenção e medidas de proteção dos patrimônios históricos: Art. 10º - As intervenções propostas no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação, conforme disposições do art. 38 da Lei 672/02, estão sujeitas à tutela e à apreciação especiais pela Municipalidade, mediante parecer técnico da Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do Instituto Municipal de Planejamento Urbano IMPLURB, ouvida a Comissão Técnica de Planejamento e Controle Urbano. Art. 11 - Estudos adicionais para preservação ambiental da área do Setor, e eventuais intervenções, deverão ser desenvolvidos pela Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do IMPLURB. Art. 12 - As Unidades de 1º Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Art. 13 - Os demais imóveis edificados e não edificados, situados no SEUIP e não classificados como Unidades de Preservação, deverão se adequar à vizinhança imediata dos bens classificados como Unidades de Preservação de 1º e de 2 º Graus, de modo a contextualizá-los à área de preservação. Parágrafo Único - Os projetos na área referida no caput deste artigo serão apreciados segundo critérios que considerem a adequação dos mesmos ao gabarito e alinhamento originais de suas vizinhanças laterais, frontais e fundo. Saliento que o proprietário deverá promover medidas de preservação e proteção de seu imóvel histórico, da seguinte forma que determina o Decreto Municipal n. 7176/2004: Art. 14 - A preservação e proteção aos imóveis de interesse de preservação histórica seguirão todas as medidas acautelatórias necessárias. Art. 15 - Os projetos apresentados, envolvendo Unidades de Interesse de Preservação, serão analisados pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano, sob os dois aspectos abaixo descritos: I - Restauração, recuperação ou reconstrução total do imóvel com base em dados existentes no IMPLURB, principalmente quanto à fachada e a cobertura, podendo, no entanto, sofrer modificações internas para adaptá-las ao uso proposto; II - Construção de um novo imóvel, no qual deverão incidir todas as solicitações das legislações pertinentes, no que diz respeito ao uso, volumetria, afastamentos, recuos, coeficiente de aproveitamento, concepção arquitetônica, Taxa de Ocupação do Solo, vagas p/ garagem, etc. Art. 16 - No Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação não serão permitidos parcelamento do solo, salvo quando as intervenções na área forem absolutamente adequadas às circunstâncias mencionadas no Artigo anterior, bem como aos objetivos deste Decreto. Art. 17 - As certidões de viabilidade, bem como as licenças para obras e demolição de imóvel de Interesse de Preservação, incluído nas áreas definida nos Arts. 4º e 5º, relacionado nos anexos deste Decreto, respectivamente, só serão analisadas mediante a apresentação prévia de projeto ou estudo da obra a ser edificada no local, indicando principalmente a ocupação do terreno, volumetria, fachada e uso(s). Art. 18 - Qualquer atividade realizada nas Unidades de Interesse de Preservação, efetuadas sem prévia licença da Prefeitura Municipal, deverão ser devidamente autuadas e embargadas pelo IMPLURB. § 1º - A aplicação das penalidades previstas neste artigo, não exclui a aplicação de quaisquer outras penalidades previstas nas Leis de Posturas Municipais. § 2º - A comunicação dos atos ilícitos praticados seguirão o que dispõe a Lei nº 673/02. § 3º- As sanções serão aplicadas, sem prejuízo das responsabilidades civis e criminais correspondentes. § 4º - O pagamento da multa não exime o infrator de outras sanções previstas neste Código, nem da correção dos fatos que geraram a sua imposição. Constato a necessidade de adequação nas propriedades históricas, fartamente demonstradas nos autos ante todas as fotografias colacionadas. Como dito alhures, é dever do proprietário a preservação de bens com valor histórico e cultural, ainda mais se tratando de conservação de 1o grau. Em âmbito cível, a responsabilidade do violador das normas de proteção ao meio ambiente cultural é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa nos termos do que estabelece o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81 c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro. Não há dúvida que o agente que, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, contribui de qualquer forma para a ocorrência de uma lesão ao patrimônio cultural brasileiro, está concorrendo para a degradação da qualidade ambiental, enquadrando-se juridicamente na condição de poluidor, ficando responsável pela respectiva reparação. Não se pode esquecer que, por se tratar de interesses metaindividuais, não se aplicam à matéria os esquemas tradicionais, fundados na culpa ou na intenção do agente. Por fim, o Ministério Público logrou êxito em trazer um conjunto probatório robusto visando demonstrar a ação comissiva do requerido em não manter as características originais do imóvel, dentro do ônus que incumbia o autor, nos termos do art. 373, I do CPC. DO DISPOSITIVO Isto posto, com fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública, e faço nos seguintes termos: 1) CONDENO o requerido a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis localizados na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro, bem como cronograma de execução a ser aprovado pelos órgãos competentes, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo requerido, no prazo de 90 (noventa dias), sob pena de multa de R$1.000,00 (mil reais) por dia, limitados a 10 dias-multa. 2) CONDENO o requerido a executar a adequação que se trata o item 1, realizando a demolição do que foi construído fora dos parâmetros para unidade de conservação de patrimônio histórico de 1o grau (se for o caso), a começar após o trânsito em julgado da ação n. 0624216-63.2015.8.04.0001, bem como a concluir as obras dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) limitados a 10 (dez) dias multa. 3) DETERMINO o requerido NÃO REALIZAR OBRA NO PRÉDIO TOMBADO, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, a qual deverá obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Custas pelo requerido. Sem honorários. Por outro lado, transcorrido o prazo legal, sem a interposição de recurso, determino à Secretaria que certifique o trânsito em julgado e dê-se baixa e arquivamento. P.R.I.C. Manaus/AM, 16 de Abril de 2025.
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30/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus - Meio Ambiente Cível | Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVELSENTENÇA Trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público em face de Jorge Elias Sadala, visando apurar eventual prática de dano ao patrimônio histórico do centro de Manaus, localizado na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro. O Parquet relata que no ano de 2014, o requerido iniciou uma obra que alterou significativamente a volumetria dos referidos imóveis históricos, uma vez que suas configurações não possuem qualquer afinidade com o Conjunto Histórico do Centro Histórico de Manaus. Além disso, o MP traz Parecer do IMPLURB enfatizando que no memorial descritivo da obra apresentado o requerido não obedeceu a taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Concomitante a esta ACP há Ação de Nunciação de Obra Nova n.º 0624216-63.2015.8.04.0001, com decisão liminar de embargo das obras, onde aguarda julgamento. Ao final, o Ministério Público requereu obrigação de fazer o proprietário a realizar a recuperação do imóvel, com a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis, a ser aprovado pelos órgãos competentes, inclusive, e especialmente, aqueles a quem é cometida a função de proteção do patrimônio histórico e cultural, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo Réu. Bem como requereu obrigação de não fazer, consistente em não realizar obra no prédio tombado, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, devendo obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau. Foram anexados documentos de mov. 1.2/84. Tentativas de acordo frustradas conforme manifestação das partes consoante a mov. 11.1 e 18.1. Contestação apresentada pelo requerido de mov. 29.1, alegando a impossibilidade jurídica do pedido, falta de interesse processual, bem como refuta as alegações Ministeriais, afirmando a regularidade da obra, inexistência de danos causados ao patrimônio histórico. Réplica apresentada pelo Ministério Público, conforme mov. 33.1. Decisão de mov. 35.1 a qual repeliu a preliminar de ausência de interesse processual e intimou as partes para informar as provas que pretedem produzir. Manifestação do requerido à mov. 46.1/6, anexando aos autos laudo pericial nos autos do processo Nº 0207873-23.2016.8.04.0001 referente ao processo n. 0624216-63.2015.8.04.0001 em trâmite na 4ª vara da fazenda pública municipal, obra estruturada e dentro dos padrões de segurança. Manifestação de mov. 48.1 do Ministério Público manifestando-se pelo julgamento antecipado do lide, visto não ter outra provas a produzir além daquelas já carreadas aos autos, tampouco interesse na produção de provas em audiência. Decisão de anúncio de julgamento antecipado da lide de mov. 70.1. É a síntese do necessário. JULGO DAS PRELIMINARES. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL Em sede de contestação, o requerido alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, diante da determinação do juízo da 4a vara de Fazenda Pública em paralisar as obras. Tendo em vista a paralisação das obras em razão da determinação judicial, o requerido fica impossibilitado de realizar qualquer pedido constante na presente ação interposta pelo Ministério Público. Contudo, entendo que a paralisação é temporária até o julgamento da ação, logo não há de se dizer a impossibilidade jurídica do pedido. O que houve foi uma paralisação judicial para que não haja a expansão da obra, que apresenta indícios de irregularidade nos direitos de vizinhança e indícios de desabamento. Há uma prejudicialidade nesta ACP a qual será dirimida mais adiante. Quanto à falta de interesse de agir, o requerido sustenta a ausência do instituto da utilidade para que seja julgado o pedido sem resolução do mérito. Contudo, repilo tal preliminar, uma vez que o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, está incumbido da tarefa de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, o que inclui, por óbvio, a legitimidade do Parquet para buscar a tutela dos direitos difusos concernentes ao meio ambiente equilibrado e aos património cultural do Centro histórico de Manaus. A presente ação civil pública é útil, adequada e cabível. DO PATRIMÔNIO CULTURAL E HISTÓRICO. É sabido que todo bem referente à cultura, identidade, memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural, integra a categoria de bem ambiental e, em decorrência disso, caracteriza-se preponderantemente como bem difuso. Ademais, deve-se verificar que os arts. 215, caput, e 216, § 1°, ambos da Constituição Federal de 1988, determinam que: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) Art. 216. (...) § 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Ao estabelecer como dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural, a Constituição Federal ratifica a natureza jurídica do bem cultural em face de sua natureza jurídica de bem ambiental, porquanto esse bem é constitucionalmente um bem de uso comum de todos e não um bem pertencente ao Poder Público, tratando-se, pois, de bem objeto de gestão. Um domínio preenchido pelos elementos de fruição (uso e gozo do bem objeto do direito), sem comprometimento de sua integridade, para que outros titulares, inclusive os de gerações vindouras, possam também exercer com plenitude o mesmo direito. Destarte, a partir da Carta Magna, os bens culturais passam a ter natureza jurídica de bens ambientais, aplicando-se-lhes todos os princípios como fundamentais do direito ambiental constitucional. Sobre a necessidade de adoção de políticas públicas indispensáveis à preservação e proteção ao patrimônio público, o Supremo Tribunal Federal ja entendeu que "a previsão constitucional de proteção do patrimônio histórico cultural brasileiro possui relevante importância no direcionamento de criação de políticas públicas e de mecanismos infraconstitucionais para a sua concretização (art. 216, § 1º da CF). A Constituição Federal outorgou a todas as unidades federadas a competência comum de proteger as obras e bens de valor histórico, artístico e cultural, compreendida nela a adoção de quaisquer medidas que se mostrem necessárias para promover e salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro, incluindo-se o uso do instrumento do tombamento. Segundo o Código de Edificações do Município de Manaus, imóvel tombado é imóvel de interesse cultural protegido por ato administrativo, que deve conservar suas características arquitetônicas originais. DAS PROVAS NOS AUTOS. Em análise detida às provas trazidas pelo Parquet, destaco: Fotos da obra nova nos imóveis segundo mov. 1.20/37, evidenciando a construção de pavimentos com grande volumetria. Informação n. 436/2015 - GHP (mov. 1.42) constatando que a obra se encontrava em execução e volumetria executada de 43% e que a mesma encontrava-se em desacordo com o projeto aprovado, bem como outras alterações significativas no interior do imóvel. DIAP - PARECER n. 1893/2014 (mov. 1.52) verifico que os imóveis sofreram alterações em sua configuração original, sendo necessários a recomposição da taxa de ocupação e volumetria do conjunto. Despacho n. 0144/2015 - GPH, do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (mov. 1.68), mantendo a obra embargada com a suspensão do alvará de licença, até que seja apresentado um novo projeto para reanálise deste Instituto, que venha corrigir as incompatibilidades da obra que está desrespeitando o projeto originalmente aprovado, cabendo a manutenção das ações fiscais de modo a coibir a execução da obra. Sobre a prova emprestada trazida pelo requerido dos autos do processo n. 0207873-23.2016.8.04.0001, segundo mov. 46.2/ 3 concluiu que a edificação construída está bem consolidada e sem risco de desabamento. Por outro lado, este não é o cerne da questão desta Ação Civil Pública, que abrange exclusivamente a responsabilidade do proprietário em manter as características históricas originais do imóvel, no que tange a fachada e volumetria. Outros aspectos da obra como: recuo, privacidade, infiltração, rachaduras subsolo, telhado, segurança da obra e outras questões referente à direito de vizinhança estão sendo dirimidas em outros autos. Ressalto que os pedidos daqueles autos não se confundem com os pedidos realizados nesta ACP, que tem como objetivo a defesa de patrimônio cultural-histórico. DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO HISTÓRICA. CENTRO HISTÓRICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Trata-se do imóvel localizado no Centro Antigo, perímetro delimitado pela Lei Orgânica do Município, de 25 de abril de 1990, artigo 342, que estabelece: "Fica tombado, para fins de proteção, acautelamento e programação especial, e a partir da data de promulgação desta lei, o Centro Antigo da Cidade, compreendido entre a Rua Leonardo Malcher e a Orla do Igarapé de São Raimundo e a esquerda pelo Igarapé de Educandos, tendo como referência a ponte Benjamim Constant. Os imóveis em questão, estão inseridos no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação no Setor 01 no segmento do Setor Sitio Histórico e classifica-se como Unidade de Preservação Histórica de 1o Grau de acordo com listagem constante no Decreto 7.176 de 10 de fevereiro de 2004, que em seu artigo 5° preconiza: Art. 5º As edificações classificadas como Unidades de Preservação de 1o Grau deverão conservar suas características originais, no respeito as suas fachadas, mantendo a mesma volumetria da edificação e a mesma taxa de ocupação do terreno, não podendo sofrer qualquer modificação física externa. E ainda, o artigo 12, que preceitua: Art. 12 As Unidades de 1o Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Em caso de descaracterização de um bem de tombado, o proprietário ou responsável estará sujeito a penalidades, conforme explicita o artigo 341 da LOMAM, que preceitua: Art. 341 Aquele que puser em risco, danificar ou descaracterizar um bem tombado se sujeitará ao pagamento de muIta, cujo valor poderá variar de 10 a 100.000 UFMs, (Unidade Fiscal do Município) independente da obrigação de ressarcir o Município dos gastos despendidos para recuperação ou efetuá-Ios às suas expensas, em prazo nunca superior a doze meses, determinado pelo Executivo, mediante processo administrativo. Parágrafo Único. "A descaracterização dolosa de um imavel tombado caracteriza crime na forma da legislação específica e implicará a sua desapropriação. Destaco inclusive os artigos do Decreto 7176/2004 que dispõe sobre intervenção e medidas de proteção dos patrimônios históricos: Art. 10º - As intervenções propostas no Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação, conforme disposições do art. 38 da Lei 672/02, estão sujeitas à tutela e à apreciação especiais pela Municipalidade, mediante parecer técnico da Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do Instituto Municipal de Planejamento Urbano IMPLURB, ouvida a Comissão Técnica de Planejamento e Controle Urbano. Art. 11 - Estudos adicionais para preservação ambiental da área do Setor, e eventuais intervenções, deverão ser desenvolvidos pela Diretoria de Planejamento, através da Seção de Patrimônio Histórico do IMPLURB. Art. 12 - As Unidades de 1º Grau só poderão sofrer intervenções para restauração de suas formas arquitetônicas originais externas. Entretanto, serão permitidas modificações internas para adequação do uso. Art. 13 - Os demais imóveis edificados e não edificados, situados no SEUIP e não classificados como Unidades de Preservação, deverão se adequar à vizinhança imediata dos bens classificados como Unidades de Preservação de 1º e de 2 º Graus, de modo a contextualizá-los à área de preservação. Parágrafo Único - Os projetos na área referida no caput deste artigo serão apreciados segundo critérios que considerem a adequação dos mesmos ao gabarito e alinhamento originais de suas vizinhanças laterais, frontais e fundo. Saliento que o proprietário deverá promover medidas de preservação e proteção de seu imóvel histórico, da seguinte forma que determina o Decreto Municipal n. 7176/2004: Art. 14 - A preservação e proteção aos imóveis de interesse de preservação histórica seguirão todas as medidas acautelatórias necessárias. Art. 15 - Os projetos apresentados, envolvendo Unidades de Interesse de Preservação, serão analisados pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano, sob os dois aspectos abaixo descritos: I - Restauração, recuperação ou reconstrução total do imóvel com base em dados existentes no IMPLURB, principalmente quanto à fachada e a cobertura, podendo, no entanto, sofrer modificações internas para adaptá-las ao uso proposto; II - Construção de um novo imóvel, no qual deverão incidir todas as solicitações das legislações pertinentes, no que diz respeito ao uso, volumetria, afastamentos, recuos, coeficiente de aproveitamento, concepção arquitetônica, Taxa de Ocupação do Solo, vagas p/ garagem, etc. Art. 16 - No Setor Especial das Unidades de Interesse de Preservação não serão permitidos parcelamento do solo, salvo quando as intervenções na área forem absolutamente adequadas às circunstâncias mencionadas no Artigo anterior, bem como aos objetivos deste Decreto. Art. 17 - As certidões de viabilidade, bem como as licenças para obras e demolição de imóvel de Interesse de Preservação, incluído nas áreas definida nos Arts. 4º e 5º, relacionado nos anexos deste Decreto, respectivamente, só serão analisadas mediante a apresentação prévia de projeto ou estudo da obra a ser edificada no local, indicando principalmente a ocupação do terreno, volumetria, fachada e uso(s). Art. 18 - Qualquer atividade realizada nas Unidades de Interesse de Preservação, efetuadas sem prévia licença da Prefeitura Municipal, deverão ser devidamente autuadas e embargadas pelo IMPLURB. § 1º - A aplicação das penalidades previstas neste artigo, não exclui a aplicação de quaisquer outras penalidades previstas nas Leis de Posturas Municipais. § 2º - A comunicação dos atos ilícitos praticados seguirão o que dispõe a Lei nº 673/02. § 3º- As sanções serão aplicadas, sem prejuízo das responsabilidades civis e criminais correspondentes. § 4º - O pagamento da multa não exime o infrator de outras sanções previstas neste Código, nem da correção dos fatos que geraram a sua imposição. Constato a necessidade de adequação nas propriedades históricas, fartamente demonstradas nos autos ante todas as fotografias colacionadas. Como dito alhures, é dever do proprietário a preservação de bens com valor histórico e cultural, ainda mais se tratando de conservação de 1o grau. Em âmbito cível, a responsabilidade do violador das normas de proteção ao meio ambiente cultural é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa nos termos do que estabelece o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81 c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro. Não há dúvida que o agente que, por ação ou omissão, direta ou indiretamente, contribui de qualquer forma para a ocorrência de uma lesão ao patrimônio cultural brasileiro, está concorrendo para a degradação da qualidade ambiental, enquadrando-se juridicamente na condição de poluidor, ficando responsável pela respectiva reparação. Não se pode esquecer que, por se tratar de interesses metaindividuais, não se aplicam à matéria os esquemas tradicionais, fundados na culpa ou na intenção do agente. Por fim, o Ministério Público logrou êxito em trazer um conjunto probatório robusto visando demonstrar a ação comissiva do requerido em não manter as características originais do imóvel, dentro do ônus que incumbia o autor, nos termos do art. 373, I do CPC. DO DISPOSITIVO Isto posto, com fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública, e faço nos seguintes termos: 1) CONDENO o requerido a apresentação de projeto de adequação da volumetria e taxa de ocupação às condições originais dos imóveis localizados na Rua Pedro Botelho, n.ºs 152 e 156, Centro, bem como cronograma de execução a ser aprovado pelos órgãos competentes, que deverão fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das obras, consoante o cronograma a ser apresentado pelo requerido, no prazo de 90 (noventa dias), sob pena de multa de R$1.000,00 (mil reais) por dia, limitados a 10 dias-multa. 2) CONDENO o requerido a executar a adequação que se trata o item 1, realizando a demolição do que foi construído fora dos parâmetros para unidade de conservação de patrimônio histórico de 1o grau (se for o caso), a começar após o trânsito em julgado da ação n. 0624216-63.2015.8.04.0001, bem como a concluir as obras dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) limitados a 10 (dez) dias multa. 3) DETERMINO o requerido NÃO REALIZAR OBRA NO PRÉDIO TOMBADO, sem a licença ambiental expedida pela SEMMAS, e sem a licença ambiental expedida pelo IMPLURB, a qual deverá obedecer a volumetria do conjunto arquitetônico e histórico das unidades de conservação de primeiro grau, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Custas pelo requerido. Sem honorários. Por outro lado, transcorrido o prazo legal, sem a interposição de recurso, determino à Secretaria que certifique o trânsito em julgado e dê-se baixa e arquivamento. P.R.I.C. Manaus/AM, 16 de Abril de 2025.
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