Antonia Alzenir De Souza Silva x Banco Santander (Brasil)S/A
Número do Processo:
0803811-52.2023.8.10.0105
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Quinta Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
02 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
02/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: Quinta Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELQUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Gabinete Desembargadora SÔNIA AMARAL APELAÇÃO CÍVEL 0803811-52.2023.8.10.0105 APELANTE: ANTONIA ALZENIR DE SOUZA SILVA ADVOGADO: WELLINGTON DOS SANTOS COSTA - PI7365-A APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL)S/A ADVOGADO: LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - PE21233-A RELATORA: DESEMBARGADORA SÔNIA MARIA AMARAL FERNANDES RIBEIRO Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE DOS DESCONTOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO DE MULTA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente ação indenizatória, reconhecendo a legitimidade dos descontos efetuados em benefício previdenciário decorrentes de contrato de empréstimo consignado regularmente firmado, e condenando a parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A parte apelante busca a exclusão da condenação por litigância de má-fé, alegando que a mesma não foi devidamente comprovada, e argumenta que, sendo hipossuficiente, não possui condições de arcar com a multa aplicada. A parte apelada defende a manutenção da sentença. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A aplicação da multa por litigância de má-fé se mostrou adequada e necessária diante da conduta dolosa da parte apelante, que ajuizou a ação com plena ciência da inexistência de fundamento jurídico para sua pretensão, tendo alterado a verdade dos fatos para perseguir objetivo ilegal. A proliferação de demandas predatórias e infundadas, especialmente no contexto de empréstimos consignados, justifica a adoção de medidas rigorosas pelo Judiciário para preservar a boa-fé processual e coibir o abuso do direito de litigar. A hipossuficiência econômica da parte não afasta a penalidade aplicada. IV. DISPOSITIVO E TESE 4. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para reduzir a multa para 9% sobre o valor da causa. Tese de julgamento: "A condenação por litigância de má-fé é cabível quando a parte altera a verdade dos fatos de forma consciente e deliberada, perseguindo objetivo ilegal, especialmente em casos de demandas repetitivas e infundadas. A hipossuficiência econômica da parte não exime a aplicação da multa prevista no art. 81 do CPC." __________________________________________________________________ Dispositivo relevante citado: Código de Processo Civil, arts. 5º, 77, 80 e 81. Jurisprudência relevante citada: TJMA, ApCiv 0800912-31.2021.8.10.0112; TJMA, ApCiv 0803361-65.2022.8.10.0034; TJ-MG, AC: 10000210594107001. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, acordam os Desembargadores que integram a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Participaram do julgamento a Desembargadora Oriana Gomes, Presidente da Câmara, o Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira e esta relatora. Sala das sessões da Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, julgamento finalizado aos vinte e quatro dias do mês de junho de Dois Mil e Vinte e Cinco. Desembargadora SÔNIA Maria AMARAL Fernandes Ribeiro Relatora 1 Relatório Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação indenizatória ajuizada pelo apelante, ao fundamento de que o banco demandado comprovou a regularidade da contratação, bem como o condenou ao pagamento multa por litigância de má-fé, no patamar de 10% (dez por cento) sobre valor corrigido da causa. 1.1 Argumentos da parte apelante 1.1.1 Pugnou pela exclusão da condenação em litigância de má-fé, tendo em vista que esta não restou devidamente comprovada; 1.1.2 Subsidiariamente, pugna pela redução do percentual de condenação, eis que fora arbitrado acima do limite legal; 1.2 Argumentos da parte apelada 1.2.1 Defendeu a manutenção da sentença. 1.3 Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público, tendo em vista que o presente caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nos artigos 178 do Código de Processo Civil e 129 da Constituição Federal. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça constatou, no bojo do Relatório de Inspeção Ordinária nº 0000561-48.2023.2.00.0000, que o mencionado órgão, por reiteradas vezes, tem se pronunciado pela falta de interesse em se manifestar por se tratar de direito privado disponível. Desse modo, a dispensa de remessa no presente caso é a própria materialização dos princípios constitucionais da celeridade e economia processual. É o breve relatório. VOTO 2 Linhas argumentativas do voto Preenchidos os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos, conheço do apelo. 2.1 Da litigância de má-fé Cediço que o processo civil é regido pelos princípios da boa-fé e da cooperação, presentes nos arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil. De acordo com a referida norma, “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Já a conduta contrária, que viola tais princípios, deve ser combatida pelo juízo, e os mecanismos para isso se encontram no art. 80 do diploma processual, que prevê a imposição de multa para aquele que litigar de má-fé. Nesse sentido, a litigância predatória se revela como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário na atualidade. Embora não se trate de prática inédita, os casos aumentaram exponencialmente com a virtualização dos processos, e a facilidade de acesso à Justiça, intensificada pela concessão indiscriminada dos benefícios da justiça gratuita. A viabilidade tecnológica se aliou à viabilidade financeira e criou um ambiente propício para a proliferação de demandas predatórias, sem o mínimo respaldo jurídico, e até mesmo fraudulentas, vez que não raro as partes autoras sequer possuem conhecimento do ajuizamento das ações. Dentro desse cenário, a multa por litigância de má-fé se revela como instrumento importante no combate à litigância predatória, mesmo porque expressamente prevista para as situações em que a parte age em desconformidade com as normas de boa-fé objetiva e, conscientemente, altera a verdade dos fatos para perseguir objetivo ilegal. Inobstante, é evidente que a aplicação da multa não pode se dar de forma indiscriminada. Faz-se necessária a comprovação de conduta dolosa da parte, ou seja, de que ajuizou a ação deduzindo fatos que sabia serem inverídicos e ciente de que eventual acolhimento de sua pretensão iria lhe conferir vantagem indevida. Ressalto, ainda, que nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não se exige a demonstração do efetivo dano processual para aplicação da referida multa (REsp 1628065 / MG). Feitas as devidas ponderações acima, entendo que, no caso em espécie, a parte autora violou seu dever de boa-fé objetiva, pois ajuizou ação temerária com plena ciência de que estava alterando a verdade dos fatos. Fundamento. Em consulta ao sistema PJe, constato que, muito embora a parte autora tenha ajuizado apenas quatro ações contestando empréstimos consignados, isso se dá tão somente porque em seu histórico de consignações constam apenas quatro contratos - exatamente os quatro que foram questionados judicialmente e cuja legitimidade foi comprovada pela instituição financeira. Mesmo parecendo pouco, vê-se que a parte ajuizou ações para questionar todas as consignações em seu benefício - como é de praxe nas ações de litigância predatória. Somado isso ao fato de que, no caso específico destes autos, a parte demandada comprovou a contratação (Id 45299473) e o crédito na conta da parte autora (Id 45299471), não há como concluir que esta não agiu dolosamente - ao revés, as circunstâncias do caso concreto apontam que ela, de fato, alterou deliberadamente a verdade dos fatos para conseguir objetivo ilegal, incidindo, portanto, nos incisos II e III do art. 80 Código de Processo Civil. Correta, portanto, a sentença no tocante à imposição da respectiva multa. No entanto, reduzo o patamar para 9% (nove por cento) sobre o valor da causa, vez que fixado acima do limite legal na sentença. 3 Legislação aplicável 3.1 Código de Processo Civil Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 4 Jurisprudência aplicável 4.1 Sobre a litigância de má-fé em demandas predatórias APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ILEGALIDADE DOS DESCONTOS. IRDR Nº 53.983/2016. 1ª TESE. PROVA DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO. MULTA FIXADA EM PERCENTUAL RAZOÁVEL. I. Julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas pela Corte Estadual, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na jurisdição do respectivo tribunal. Inteligência do art. 985, I, do Código de Processo Civil. II. Conforme orientação da 1ª tese do IRDR nº 53.983/2016, cabe à instituição financeira o ônus de provar que houve a pactuação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou documento apto a revelar a manifestação de vontade do consumidor, sendo que, satisfeita essa prova, afigura-se legítima a cobrança do valor decorrente da avença. III. A omissão do consumidor em anexar os extratos da sua conta corrente mitiga a alegação de não recebimento do crédito, endossando a rejeição do pleito exordial e a não caracterização de danos morais. IV. A condenação por litigância de má-fé é cabível quando a parte deduz pretensão flagrantemente infundada e que ostenta viés eminentemente lucrativo, sendo adequado o percentual contemplado na sentença de 3% (três por cento) do valor da causa. V. Apelo conhecido e desprovido.(ApCiv 0800912-31.2021.8.10.0112, Rel. Desembargador(a) GERVASIO PROTASIO DOS SANTOS JUNIOR, 7ª CÂMARA CÍVEL, DJe 14/11/2023) CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. TRANSFERÊNCIA COMPROVADA. FORMALIDADE. REDUÇÃO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Havendo nos autos suficiente comprovação quanto à contratação de empréstimo consignado entre as partes, com seu respectivo pagamento, não há que se falar em desfazimento da avença, menos ainda em indenização por dano moral e material. 2. O IRDR nº. 53.983/2016 – TJMA fixou tese no sentido de que: “a pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado”. 3. A condenação por litigância de má-fé visa desestimular aventuras jurídicas e demandas infundadas. 4. Agravo interno parcialmente provido para reduzir o percentual aplicado a título de multa por litigância de má-fé. (ApCiv 0803361-65.2022.8.10.0034, Rel. Desembargador(a) LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA, 3ª CÂMARA CÍVEL, DJe 16/11/2023) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - CONDENAÇÃO DO ADVOGADO - IMPOSSIBILIDADE. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado acerca da impossibilidade de condenação do advogado ao pagamento da multa por litigância de má-fé, devendo a responsabilidade deste ser auferida em demanda própria. (TJ-MG - AC: 10000210594107001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 27/05/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/05/2021) APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS - IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE VALIDADE DO PROCESSO - REPETIÇÃO DE DEMANDAS IDÊNTICAS - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1-Configurando-se vício de representação processual, a demanda deve ser extinta, sem julgamento do mérito, por falta de pressuposto de validade do processo. 2-A litigância predatória pelo uso abusivo do Poder Judiciário, causa prejuízos aos Tribunais e ao erário, configurando prática contrária à boa fé, passível de condenação a multa por litigância de má-fé. (TJ-MG - AC: 50006880720208130334, Relator: Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres, Data de Julgamento: 28/02/2023, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/03/2023) 5 Parte Dispositiva Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, dou parcial provimento à apelação apenas para reduzir o valor da multa por litigância de má-fé para 9% sobre o valor da causa, tudo nos termos da fundamentação supra. É como voto. Sala das sessões virtuais da Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luis-MA., data do sistema. Desembargadora Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro Relatora
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02/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: Quinta Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELQUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Gabinete Desembargadora SÔNIA AMARAL APELAÇÃO CÍVEL 0803811-52.2023.8.10.0105 APELANTE: ANTONIA ALZENIR DE SOUZA SILVA ADVOGADO: WELLINGTON DOS SANTOS COSTA - PI7365-A APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL)S/A ADVOGADO: LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA - PE21233-A RELATORA: DESEMBARGADORA SÔNIA MARIA AMARAL FERNANDES RIBEIRO Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE DOS DESCONTOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO DE MULTA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente ação indenizatória, reconhecendo a legitimidade dos descontos efetuados em benefício previdenciário decorrentes de contrato de empréstimo consignado regularmente firmado, e condenando a parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A parte apelante busca a exclusão da condenação por litigância de má-fé, alegando que a mesma não foi devidamente comprovada, e argumenta que, sendo hipossuficiente, não possui condições de arcar com a multa aplicada. A parte apelada defende a manutenção da sentença. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A aplicação da multa por litigância de má-fé se mostrou adequada e necessária diante da conduta dolosa da parte apelante, que ajuizou a ação com plena ciência da inexistência de fundamento jurídico para sua pretensão, tendo alterado a verdade dos fatos para perseguir objetivo ilegal. A proliferação de demandas predatórias e infundadas, especialmente no contexto de empréstimos consignados, justifica a adoção de medidas rigorosas pelo Judiciário para preservar a boa-fé processual e coibir o abuso do direito de litigar. A hipossuficiência econômica da parte não afasta a penalidade aplicada. IV. DISPOSITIVO E TESE 4. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para reduzir a multa para 9% sobre o valor da causa. Tese de julgamento: "A condenação por litigância de má-fé é cabível quando a parte altera a verdade dos fatos de forma consciente e deliberada, perseguindo objetivo ilegal, especialmente em casos de demandas repetitivas e infundadas. A hipossuficiência econômica da parte não exime a aplicação da multa prevista no art. 81 do CPC." __________________________________________________________________ Dispositivo relevante citado: Código de Processo Civil, arts. 5º, 77, 80 e 81. Jurisprudência relevante citada: TJMA, ApCiv 0800912-31.2021.8.10.0112; TJMA, ApCiv 0803361-65.2022.8.10.0034; TJ-MG, AC: 10000210594107001. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, acordam os Desembargadores que integram a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Participaram do julgamento a Desembargadora Oriana Gomes, Presidente da Câmara, o Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira e esta relatora. Sala das sessões da Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, julgamento finalizado aos vinte e quatro dias do mês de junho de Dois Mil e Vinte e Cinco. Desembargadora SÔNIA Maria AMARAL Fernandes Ribeiro Relatora 1 Relatório Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação indenizatória ajuizada pelo apelante, ao fundamento de que o banco demandado comprovou a regularidade da contratação, bem como o condenou ao pagamento multa por litigância de má-fé, no patamar de 10% (dez por cento) sobre valor corrigido da causa. 1.1 Argumentos da parte apelante 1.1.1 Pugnou pela exclusão da condenação em litigância de má-fé, tendo em vista que esta não restou devidamente comprovada; 1.1.2 Subsidiariamente, pugna pela redução do percentual de condenação, eis que fora arbitrado acima do limite legal; 1.2 Argumentos da parte apelada 1.2.1 Defendeu a manutenção da sentença. 1.3 Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público, tendo em vista que o presente caso não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nos artigos 178 do Código de Processo Civil e 129 da Constituição Federal. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça constatou, no bojo do Relatório de Inspeção Ordinária nº 0000561-48.2023.2.00.0000, que o mencionado órgão, por reiteradas vezes, tem se pronunciado pela falta de interesse em se manifestar por se tratar de direito privado disponível. Desse modo, a dispensa de remessa no presente caso é a própria materialização dos princípios constitucionais da celeridade e economia processual. É o breve relatório. VOTO 2 Linhas argumentativas do voto Preenchidos os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos, conheço do apelo. 2.1 Da litigância de má-fé Cediço que o processo civil é regido pelos princípios da boa-fé e da cooperação, presentes nos arts. 5º e 6º do Código de Processo Civil. De acordo com a referida norma, “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Já a conduta contrária, que viola tais princípios, deve ser combatida pelo juízo, e os mecanismos para isso se encontram no art. 80 do diploma processual, que prevê a imposição de multa para aquele que litigar de má-fé. Nesse sentido, a litigância predatória se revela como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário na atualidade. Embora não se trate de prática inédita, os casos aumentaram exponencialmente com a virtualização dos processos, e a facilidade de acesso à Justiça, intensificada pela concessão indiscriminada dos benefícios da justiça gratuita. A viabilidade tecnológica se aliou à viabilidade financeira e criou um ambiente propício para a proliferação de demandas predatórias, sem o mínimo respaldo jurídico, e até mesmo fraudulentas, vez que não raro as partes autoras sequer possuem conhecimento do ajuizamento das ações. Dentro desse cenário, a multa por litigância de má-fé se revela como instrumento importante no combate à litigância predatória, mesmo porque expressamente prevista para as situações em que a parte age em desconformidade com as normas de boa-fé objetiva e, conscientemente, altera a verdade dos fatos para perseguir objetivo ilegal. Inobstante, é evidente que a aplicação da multa não pode se dar de forma indiscriminada. Faz-se necessária a comprovação de conduta dolosa da parte, ou seja, de que ajuizou a ação deduzindo fatos que sabia serem inverídicos e ciente de que eventual acolhimento de sua pretensão iria lhe conferir vantagem indevida. Ressalto, ainda, que nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não se exige a demonstração do efetivo dano processual para aplicação da referida multa (REsp 1628065 / MG). Feitas as devidas ponderações acima, entendo que, no caso em espécie, a parte autora violou seu dever de boa-fé objetiva, pois ajuizou ação temerária com plena ciência de que estava alterando a verdade dos fatos. Fundamento. Em consulta ao sistema PJe, constato que, muito embora a parte autora tenha ajuizado apenas quatro ações contestando empréstimos consignados, isso se dá tão somente porque em seu histórico de consignações constam apenas quatro contratos - exatamente os quatro que foram questionados judicialmente e cuja legitimidade foi comprovada pela instituição financeira. Mesmo parecendo pouco, vê-se que a parte ajuizou ações para questionar todas as consignações em seu benefício - como é de praxe nas ações de litigância predatória. Somado isso ao fato de que, no caso específico destes autos, a parte demandada comprovou a contratação (Id 45299473) e o crédito na conta da parte autora (Id 45299471), não há como concluir que esta não agiu dolosamente - ao revés, as circunstâncias do caso concreto apontam que ela, de fato, alterou deliberadamente a verdade dos fatos para conseguir objetivo ilegal, incidindo, portanto, nos incisos II e III do art. 80 Código de Processo Civil. Correta, portanto, a sentença no tocante à imposição da respectiva multa. No entanto, reduzo o patamar para 9% (nove por cento) sobre o valor da causa, vez que fixado acima do limite legal na sentença. 3 Legislação aplicável 3.1 Código de Processo Civil Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 4 Jurisprudência aplicável 4.1 Sobre a litigância de má-fé em demandas predatórias APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ILEGALIDADE DOS DESCONTOS. IRDR Nº 53.983/2016. 1ª TESE. PROVA DA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO. MULTA FIXADA EM PERCENTUAL RAZOÁVEL. I. Julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas pela Corte Estadual, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na jurisdição do respectivo tribunal. Inteligência do art. 985, I, do Código de Processo Civil. II. Conforme orientação da 1ª tese do IRDR nº 53.983/2016, cabe à instituição financeira o ônus de provar que houve a pactuação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou documento apto a revelar a manifestação de vontade do consumidor, sendo que, satisfeita essa prova, afigura-se legítima a cobrança do valor decorrente da avença. III. A omissão do consumidor em anexar os extratos da sua conta corrente mitiga a alegação de não recebimento do crédito, endossando a rejeição do pleito exordial e a não caracterização de danos morais. IV. A condenação por litigância de má-fé é cabível quando a parte deduz pretensão flagrantemente infundada e que ostenta viés eminentemente lucrativo, sendo adequado o percentual contemplado na sentença de 3% (três por cento) do valor da causa. V. Apelo conhecido e desprovido.(ApCiv 0800912-31.2021.8.10.0112, Rel. Desembargador(a) GERVASIO PROTASIO DOS SANTOS JUNIOR, 7ª CÂMARA CÍVEL, DJe 14/11/2023) CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. ANALFABETO. TRANSFERÊNCIA COMPROVADA. FORMALIDADE. REDUÇÃO DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Havendo nos autos suficiente comprovação quanto à contratação de empréstimo consignado entre as partes, com seu respectivo pagamento, não há que se falar em desfazimento da avença, menos ainda em indenização por dano moral e material. 2. O IRDR nº. 53.983/2016 – TJMA fixou tese no sentido de que: “a pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado”. 3. A condenação por litigância de má-fé visa desestimular aventuras jurídicas e demandas infundadas. 4. Agravo interno parcialmente provido para reduzir o percentual aplicado a título de multa por litigância de má-fé. (ApCiv 0803361-65.2022.8.10.0034, Rel. Desembargador(a) LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA, 3ª CÂMARA CÍVEL, DJe 16/11/2023) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - CABIMENTO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - CONDENAÇÃO DO ADVOGADO - IMPOSSIBILIDADE. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado acerca da impossibilidade de condenação do advogado ao pagamento da multa por litigância de má-fé, devendo a responsabilidade deste ser auferida em demanda própria. (TJ-MG - AC: 10000210594107001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 27/05/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/05/2021) APELAÇÃO CÍVEL - PRETENSÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS - IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE VALIDADE DO PROCESSO - REPETIÇÃO DE DEMANDAS IDÊNTICAS - LITIGÂNCIA PREDATÓRIA - APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1-Configurando-se vício de representação processual, a demanda deve ser extinta, sem julgamento do mérito, por falta de pressuposto de validade do processo. 2-A litigância predatória pelo uso abusivo do Poder Judiciário, causa prejuízos aos Tribunais e ao erário, configurando prática contrária à boa fé, passível de condenação a multa por litigância de má-fé. (TJ-MG - AC: 50006880720208130334, Relator: Des.(a) Marcelo de Oliveira Milagres, Data de Julgamento: 28/02/2023, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/03/2023) 5 Parte Dispositiva Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, dou parcial provimento à apelação apenas para reduzir o valor da multa por litigância de má-fé para 9% sobre o valor da causa, tudo nos termos da fundamentação supra. É como voto. Sala das sessões virtuais da Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luis-MA., data do sistema. Desembargadora Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro Relatora