Processo nº 08040981420228100052
Número do Processo:
0804098-14.2022.8.10.0052
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara de Pinheiro
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara de Pinheiro | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DA COMARCA DE PINHEIRO PROCESSO: 0804098-14.2022.8.10.0052 AÇÃO: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: SEBASTIANA DE JESUS RIBEIRO ALMEIDA, SEBASTIANA DE JESUS RIBEIRO ALMEIDA Advogado do(a) AUTOR: ADAIAH MARTINS RODRIGUES NETO - MA8336 REU: BANCO DO NORDESTE DO BRASIL SA, BANCO DO NORDESTE Advogado do(a) REU: MARIA DO PERPETUO SOCORRO MAIA GOMES - PE21449-A SENTENÇA Relatório Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer (Revisional de Contrato Bancário) c/c antecipação de tutela e consignação em pagamento ajuizada por Sebastiana de Jesus Ribeiro Almeida em face do Banco do Nordeste do Brasil S/A, ambos devidamente qualificados nos autos. A parte autora alega, em síntese, ter firmado com o réu um contrato hipotecário nº 195.2018.1202.45505, no valor de R$ 238.000,00, mas que a relação contratual se tornou excessivamente onerosa devido à cobrança de encargos abusivos. Sustenta que o laudo aponta a ilegalidade da capitalização de juros, a cobrança de tarifas administrativas indevidas, a aplicação de juros remuneratórios acima da taxa média de mercado, a cumulação indevida de encargos moratórios e a necessidade de alteração do índice de correção monetária. Despacho deferindo a gratuidade de justiça, ID 100229996. Citado, o réu contestou a ação alegando, preliminar de falta de interesse de agir e impugnação à justiça gratuita. No mérito, defendeu a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, a legalidade do contrato com base no princípio do pacta sunt servanda, a regularidade da capitalização de juros, das taxas de juros remuneratórios e dos demais encargos pactuados. Afirmou a existência da mora da autora e a legalidade da inclusão de seu nome nos cadastros de proteção ao crédito. Requereu a total improcedência dos pedidos, ID 111506055. Certidão informando decurso de prazo sem manifestação da autora, ID 113647017. Ata de audiência, com a ausência da requerente, tendo as partes postulado pelo desinteresse na produção de outras provas, ID 131393618. É o relato do essencial. Decido. Fundamentação Preliminares Da preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir A exigência de prévio requerimento administrativo, como condição para o ajuizamento da ação judicial, não configura obstáculo ao acesso à justiça, princípio fundamental consagrado na Constituição Federal. Ressalta-se que, em regra, não é requisito de acesso à justiça a prévia tentativa de solução administrativa, não devendo, portanto, prosperar a preliminar supracitada. Da impugnação à gratuidade de justiça Rejeito a preliminar de impugnação à justiça gratuita, uma vez que a ré não comprovou a suficiência financeira da autora a fim de custear as despesas processuais. Superada a questão preliminar, passo ao exame do mérito. Da inaplicabilidade do CDC Inicialmente, ressalta-se que, no caso dos autos, a autora se qualifica como empresária, e o contrato foi celebrado para obtenção de crédito no valor de R$ 238.000,00, com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), indicando que o mútuo visou ao fomento de sua atividade econômica, e não ao consumo pessoal. Assim, a autora não se enquadra no conceito de destinatária final (art. 2º do CDC), afastando a incidência do microssistema consumerista. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. 2. CONTRATO BANCÁRIO. TOMADA DE EMPRÉSTIMOS COM FIM DE IMPLEMENTAR ATIVIDADE NEGOCIAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . PRECEDENTES. 3. TAXA DE JUROS QUANTO AOS RECURSOS DO FNE. ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA . REVISÃO. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. [...] 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que não são aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos financiamentos bancários obtidos com o propósito de fomentar a atividade empresarial . 3. A Corte estadual decidiu a questão acerca da suposta abusividade das taxas de juros quanto aos recursos do FNE com amparo no contrato e nas provas carreadas aos autos, o que atrai a incidência das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido.(STJ - AgInt no AREsp: 1196162 SE 2017/0281274-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 12/06/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2018). Do mérito Pois bem. A controvérsia central reside na análise da legalidade das cláusulas de um contrato bancário de financiamento hipotecário firmado entre as partes. No caso dos autos, a autora alega que firmou um contrato hipotecário no valor de R$238.000,00 e que sobre ele incidiram elevados e ilegais encargos contratuais, onerando excessivamente o contrato que tem lhe causado sérios prejuízos. Juntou aos autos a cédula de crédito firmada, ID 81322412 a 81322630. Por outro lado, o banco promovido sustentou que a autora celebrou a Cédula de Crédito Bancário nº 195.2018.1202.45505 e, em razão das Resoluções nº 4.782 e 4.798/2020, editadas para mitigar os efeitos econômicos da pandemia da COVID-19, foi formalizado aditivo contratual em 23 de abril de 2020, sob a operação nº B800002601/002. Alega, ainda, que a autora encontra-se inadimplente há mais de 678 dias e defende a regularidade da contratação. Não obstante, embora a autora tenha juntado aos autos cópia do contrato sem assinatura (ID 81322412 a 81322630), trata-se, na verdade, da via destinada ao cliente, estando nos autos da execução nº 0803992-52.2022.8.10.0052 (ID 80692474) o instrumento devidamente assinado por ambas as partes. Ressalta-se ainda que, a relação contratual firmada entre as partes deve ser interpretada à luz do princípio da função social do contrato, nos termos do art. 421 do Código Civil, aplicável subsidiariamente ao caso. Assim, além dos deveres patrimoniais expressamente pactuados, impõe-se a observância dos deveres anexos, como os de informação, lealdade, transparência, eticidade e boa-fé, os quais são essenciais à preservação do equilíbrio e da legitimidade do vínculo obrigacional. Da tarifa administrativa A autora alega que o réu teria embutido no montante financiado valores referentes a despesas acessórias não discriminadas, o que teria elevado de forma significativa o custo do contrato, sustentando sua tese na ausência de especificação dos serviços e do prazo de cobrança, à luz do entendimento consolidado no Tema 958 do STJ (REsp 1.578.526/SP). No entanto, tal alegação carece de respaldo mínimo. A autora não indicou cláusula contratual que previsse a cobrança da referida tarifa, tampouco apresentou documentos, extratos ou planilhas que comprovassem sua efetiva incidência. Limitou-se a alegações genéricas, fundadas em suposto laudo técnico não juntado aos autos, deixando de trazer qualquer elemento concreto que pudesse dar lastro à pretensão deduzida. A tese firmada pelo STJ no Tema 958 é clara ao estabelecer que, para a validade de determinadas tarifas, exige-se a expressa previsão contratual e a efetiva prestação do serviço correspondente. Assim, a análise acerca de eventual abusividade dependeria, necessariamente, da indicação da cláusula contratual impugnada sua desconformidade com a jurisprudência, o que não foi feito pela autora. Dessa forma, a simples menção a um valor supostamente cobrado e que estaria presente em todo o contrato, desacompanhada de qualquer comprovação documental, não é suficiente para afastar a validade de obrigação contratual regularmente constituída. Dos demais encargos e da validade do contrato - Da utilização do sistema de amortização SAC Alega a parte autora que o sistema de amortização SAC deve ser substituído pelo índice de TR para atualização monetária. No caso vertente, não se justifica o pedido de substituição do critério de amortização da dívida utilizado no contrato bancário que é objeto desta ação revisional, uma vez que, no contrato juntado aos autos não há indicação de uso da amortização SAC, e ainda que pactuada, entende este juízo não ser possível a substituição pelo índice TR, considerando que atende ao princípio da transparência o contrato que prevê plano de pagamento da dívida em prestações mensais de igual valor, pois qualquer consumidor é capaz de entender quanto terá que pagar, não se justificando a substituição pretendida. Veja: AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. PRETENSÃO DE PURGAÇÃO DA MORA. PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE (SAC), LIVREMENTE ADOTADO NO CONTRATO, PELO MÉTODO GAUSS. DESCABIMENTO. CLÁUSULA CONTRATUAL. JUROS E ENCARGOS. LEGALIDADE. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta pelos autores contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso que, na Ação de Consignação em Pagamento ajuizada em face da Caixa Econômica Federal, objetivando a quitação do financiamento do contrato de aquisição de imóvel, julgou improcedente o pedido consignatório. 2. Nos termos do art. 539 e seguintes do CPC, a ação de consignação em pagamento tem por finalidade a liberação do devedor de sua obrigação, com a declaração judicial de que o valor consignado é suficiente para a quitação da dívida . 3. Em que pese ser pacífico o entendimento pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ( CDC) aos contratos de financiamento celebrados com instituições financeiras (Súmula n. 297 do STJ), somente se justifica se forem identificadas cláusulas contratuais abusivas ou mesmo ilegalidade que justifique a intervenção do Poder Judiciário, não sendo plausível a inversão do ônus da prova sem que haja sequer indícios dessa ilegalidade. Precedentes deste Tribunal declinados no voto . 4. A jurisprudência também já definiu pela legalidade da utilização do Sistema de Amortização Constante (SAC) para cálculo de prestações de financiamentos e empréstimos, não acarretando, por si só, a incidência de juros sobre juros, tratando-se de modalidade de amortização que resulta em prestações decrescentes, com juros reduzindo a cada prestação. 5. Portanto, descabe a aplicação de outro método de cálculo das prestações que não o livremente contratado entre as partes. Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para a adoção do Método Gauss. (STJ, AREsp n. 1 .989.628, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 25/02/2022.) 6. No caso dos autos, o contrato celebrado entre as partes prevê, em sua Cláusula Quinta, a adoção do Sistema de Amortização Constante (SAC), não tendo os apelantes apresentado sequer indícios de irregularidade por parte da ré, limitando-se a requerer inversão do ônus da prova e apresentando cálculos contábeis, produzidos unilateralmente, sem que fosse por eles requerida produção de prova . 7. Não se afigura possível a utilização do Sistema Gauss, que não é um método de amortização, em substituição do sistema previsto no contrato. Precedentes declinados no voto. 8 . Honorários advocatícios recursais fixados, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. 9. Apelação dos autores desprovida. (TRF-1 - AC: 10025895120174013600, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, Data de Julgamento: 05/09/2022, 6ª Turma, Data de Publicação: PJe 08/09/2022 PAG PJe 08/09/2022 PAG). (G.n). Da capitalização de juros e desequilíbrio contratual A mesma linha de raciocínio se estende às demais alegações de abusividade. No que se refere à capitalização de juros, não prospera a alegação da autora, uma vez que o art. 28, §1º, II, da Lei nº 10.931/2004 permite expressamente a pactuação de juros capitalizados na Cédula de Crédito Bancário, desde que prevista sua periodicidade e critérios de incidência. Além disso, a Súmula 539 do STJ autoriza a capitalização mensal de juros em contratos firmados com instituições financeiras a partir de 31/03/2000, desde que expressamente pactuada. Ademais, a Súmula 539 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que "é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada". Quanto aos juros remuneratórios, é pacífico o entendimento de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação de juros estabelecida pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), conforme Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal. Ademais, a Súmula 382 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade." A taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil serve como um importante parâmetro para aferir a eventual abusividade dos juros contratados, mas não representa um teto absoluto ou uma limitação inflexível. A revisão judicial das taxas de juros remuneratórios em contratos bancários é medida excepcional, admitida apenas quando cabalmente demonstrada a abusividade, capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV e §1º, do CDC), o que não se configura pela simples cobrança de taxa superior à média de mercado. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (REsp nº 1.061.530/RS), consolidou o entendimento de que: "d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto." Nessa hipótese, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, havendo abusividade, deve haver adequação destes juros à taxa praticada pelo mercado financeiro, admitindo, ainda, nas hipóteses em que é patente a abusividade, a revisão para taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil, para as operações semelhantes. Da análise do contrato, verifica-se que a contratante anuiu expressamente aos encargos pactuados, não sendo cabível a contestação quanto à forma de aplicação dos juros e demais obrigações contratuais. Ausente qualquer prova de vício ou ilegalidade, impõe-se a preservação da avença nos exatos termos ajustados, em respeito ao princípio do pacta sunt servanda. Portanto, não havendo reconhecimento de abusividade nos encargos do período da normalidade contratual, a mora da parte autora, confessada na inicial e comprovada pela ré, inclusive nos autos do embargos à execução 0800489-52.2024.8.10.0052, resta plenamente configurada. Consequentemente, são improcedentes os pedidos de afastamento dos encargos moratórios, de abstenção de negativação e de autorização para depósito de valor diverso do contratado. Inexistindo cobrança indevida, não há que se falar em repetição do indébito. Da Tutela de Urgência A parte autora pleiteia a concessão de tutela de urgência para, em suma, suspender os efeitos da mora. Nos termos do art. 300 do CPC, a medida exige a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano (periculum in mora). No caso dos autos, verifica-se que a probabilidade do direito não se sustenta, tendo em vista que as alegações de abusividade contratual carecem de fundamento e de prova, o que esvazia o requisito do fumus boni iuris. Ademais, o perigo de dano alegado (negativação e atos expropriatórios) não constitui um ato ilícito da instituição financeira, mas sim o exercício regular de um direito do credor diante da inadimplência confessa da devedora. Portanto, por ausência dos requisitos legais, indefiro o pedido de tutela de urgência. Dispositivo Ante o exposto, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil julgo improcedentes os pedidos da inicial, Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. DÉBORA JANSEN CASTRO TROVÃO Juíza de Direito Auxiliar de Entrância Final NAUJ - Núcleo de Apoio às Unidades Judiciais Portaria-CGJ - 3730/24