Ministerio Publico Do Estado Do Rio De Janeiro e outros x Arnaldo Ferreira Santos
Número do Processo:
0804384-51.2024.8.19.0058
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRJ
Classe:
AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara da Comarca de Saquarema
Última atualização encontrada em
25 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
25/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara da Comarca de Saquarema | Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIOPoder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Saquarema 2ª Vara da Comarca de Saquarema RUA ROBERTO SILVEIRA, S/N, CENTRO, SAQUAREMA - RJ - CEP: 28990-001 SENTENÇA Processo: 0804384-51.2024.8.19.0058 Classe: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: RIO DE JANEIRO SECRETARIA DE EST. DE SEGURANCA PUBLICA, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RÉU: ARNALDO FERREIRA SANTOS REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO ARNALDO FERREIRA SANTOS O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em face de ARNALDO FERREIRA SANTOS, já qualificado nos autos, imputando ao réu a prática da conduta descrita no artigo 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/2003. Assim consta na denúncia (ID 152143455), in verbis: "No dia 16 de agosto de 2024, por volta das 10h30min, no interior da residência localizada na Estrada da Caixa D´água, nº15, Água Branca, Saquarema/RJ, o DENUNCIADO, de forma livre, consciente e voluntária, portava 01 (uma) pistola, marca Taurus, calibre 380, com numeração suprimida, com 10 (dez) munições, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, consoante auto de apreensão de id. 137911772 e laudo de exame em arma de fogo que será oportunamente acostado aos autos." "Segundo apurado, no dia dos fatos, policiais militares foram acionados para comparecerem ao local acima descrito que, em tese, estaria ocorrendo uma violação de domicílio, e para lá se dirigiram." "Ao chegarem, encontraram o Sr. Almir, solicitante da ocorrência, acompanhado do Sargento De Marchi, seu amigo, tendo aquele informado aos agentes que era proprietário do terreno que estava sofrendo o esbulho." "Em diligências pelo terreno, o qual é cercado por arames, avistaram uma máquina retroescavadeira abrindo uma rua no terreno, ocasião em que também se encontrava o denunciado, tendo informado que era o real proprietário e que havia o adquirido de Almir, havendo, inclusive, disputa judicial pelo terreno reivindicando a propriedade do imóvel." "Em seguida, o denunciado se identificou como policial militar reformado, tendo os policiais solicitado seu documento de identidade e o indagado se estaria armado." "Ato contínuo, o denunciado entregou sua funcional aos policiais, bem como sua arma de fogo, cujo artefato não tinha numeração de identificação." "Assim agindo, está o DENUNCIADO incurso nas penas do artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei nº 10.826/2003." Auto de prisão em flagrante (ID 137911767). Registro de ocorrência (ID 137911768). Termos de declarações das testemunhas MARCOS ROBERTO FERREIRA GONÇALVES e RODRIGO TEIXEIRA SILVA (IDs 137911769 e 137911771). Auto de apreensão (IDs 137911772 e 137911773). Auto de infração (IDs 137911785 e 137911786). Laudo de exame de corpo de delito de integridade física (ID 137911787). Ata da audiência de custódia realizada em 17/08/2024 (ID 137939841). Neste ato, foi deferida a liberdade provisória ao custodiado, mediante compromisso de cumprimento de medidas cautelares. Ato ordinatório (ID 137946924). Petição da defesa com procuração e outros documentos (ID 138885618). Petição defensiva requerendo nulidades e absolvição (ID 144387189). Manifestação do MP informando providências para ANPP (ID 144683776). Notificação nº 74/2024 para fins de proposta de ANPP (ID 148447176). Certidão de cumprimento da notificação (ID 148447177). Petição da defesa recusando ANPP e juntando laudo pericial (ID 152006626). Decisão que recebeu a denúncia, determinou a citação do acusado para resposta à acusação no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 396 do CPP (ID 160091421). Laudo de exame em arma de fogo (ID 161834285). Mandado de citação e intimação (ID 161838317). Resposta à acusação da defesa de ARNALDO FERREIRA SANTOS, requerendo a absolvição por insuficiência probatória, nos termos do art. 386, II, III, V ou VII do CPP. Subsidiariamente, requereu a desclassificação para o crime do art. 12 da Lei 10.826/03 e a concessão da suspensão condicional do processo (ID 162195659). Documentos anexados pela defesa - registros de ocorrências (IDs 162195668, 162195669, 162195671). Réplica (ID 163065626). Decisão rejeitando o pedido de absolvição sumária, ratificando o recebimento da denúncia e designando AIJ para o dia 25 de junho de 2025, às 15:00 horas, destinada à oitiva das testemunhas de acusação e ao interrogatório do réu (ID 170324563). Decisão redesignando a audiência de instrução para o dia 10 de abril de 2025, às 14:00 horas (ID 176448699). Ata de Audiência de Instrução e Julgamento (ID 185321408), ocorrida no dia 10/04/2025, na qual foram ouvidas as testemunhas de acusação. O MP, em alegações finais orais, requereu a desclassificação da conduta para o art. 14 da Lei 10.826/03. A defesa requereu vista para alegações finais. A defesa de ARNALDO FERREIRA SANTOS, em alegações finais por memoriais, requereu a absolvição por ausência de materialidade delitiva e violação de domicílio, nos termos do art. 386, II, III, IV, V, VI e VII do CPP (ID 189185141). Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. Rejeito a preliminar de nulidade por violação de domicílio. No caso, os policiais ingressaram no terreno mediante autorização de Almir, o qual disse ser proprietário do terreno. Mesmo que Almir não seja o proprietário tabular do imóvel, aplicável a teoria da aparência a legitimar o ingresso no local. Portanto, não merece prevalecer a alegação de nulidade. Presentes os pressupostos processuais e as condições para o regular exercício do direito de ação penal, passo ao exame do mérito. A materialidade do delito restou demonstrada pelos seguintes documentos: Registro de ocorrência (ID 137911768); Auto de apreensão (IDs 137911772 e 137911773); Auto de infração (IDs 137911785 e 137911786); Laudo de exame em arma de fogo (ID 161834285). A autoria, por sua vez, está consubstanciada pela prova oral colhida em audiência, notadamente o depoimento das testemunhas, bem como pelos demais elementos de prova acostados aos autos. A testemunha Rodrigo, policial militar, declarou que chegou uma denúncia de que havia um cidadão tirando terra no terreno do solicitante; que chegaram ao local e o solicitante os levou ao local onde o acusado estava; que ele disse apenas que estava limpando a terra; que ele estava portando uma arma; que foi dito que ele provavelmente estaria com a arma na cintura; que não entraram na residência; que ele disse que o terreno era dele; que a casa era próxima; que era tipo um sítio; que o local é aberto; que estava aberto e foram até ele; que havia outro policial com o solicitante; que ele que falou que estava armado; que ele entregou espontaneamente; que ele disse que a arma era dele; que não se lembra se estava municiada; que ele disse que tinha a arma desde de reformou; que não o conhecia antes; que ele não estava nervoso, estava super calmo; que o outro policial estava à paisana, não estava a trabalha; que entraram por trás; que o solicitante disse que o terreno era dele e franqueou a entrada dos policiais; que ele alegou que o acusado estaria esbulhando a propriedade dele; que ele apresentou um possível CRAF da arma, mas não tinha como identificar que era a arma em si. A testemunha Marcos, policial militar, relatou que foram solicitados, pois havia um indivíduo abrindo ruas no terreno; que chegaram ao local e o comunicante afirmou que o acusado estava em seu terreno; que o acusado disse que seria dono do terreno e que seria policial reformado; que ele mostrou o registro de sua arma; que a arma que ele portava não tinha numeração; que a arma estava na cintura dele; que ele estava portando a arma; que não se lembra se o documento autorizava o porte; que a arma estava municiada; que foi perguntado se ele era policial e se estava portando arma e ele confirmou e mostrou a arma; que ele estava dentro do terreno que ele alega ser dele; que a arma era perfeita, mas não tinha numeração; que era uma arma muito velha; que os dois falaram que eram donos do terreno e nenhum dos dois provou nada. O informante Almir, em juízo, relatou: que foi o depoente que solicitou a vinda dos policiais; que a propriedade é sua e havia máquina e caminhão tirando terras; que chamou a polícia; que viu o réu armado; que não havia entrado no local, apenas com os policiais; que a propriedade estava em discussão, pois há um documento que o acusado fraudou; que a arma estava na cintura dele; que também estava com um amigo que é policial; que sabe que ele anda armado; que já viu o acusado andando armado no passado, mas não pode afirmar que é a mesma arma; que entraram pelos fundos do terreno. Após entrevista prévia e reservada com seu advogado e devidamente advertido do direito ao silêncio, o acusado afirmou que os fatos aconteceram; que estava dentro de casa, quando avisaram que a polícia estava entrando em seu sítio; que Almir estava com um policial à paisana, que foi quem tomou a frente da situação; que o policial à paisana disse “cuidado que ele está armado”; que pegou o documento da casa e mostrou ao Sargento; que entregou a arma ao policial; que então foi feita a apreensão da arma; que a arma estava em sua cintura; que anda com ela na cintura quando é necessário; que foi atender a ocorrência armado. Veja-se que o acusado, em seu depoimento, disse que a arma estava em sua cintura. No mesmo sentido foi o depoimento dos policiais. Quanto à validade e capacidade probatória dos depoimentos de testemunhas policiais, a atual redação da Súmula n° 70 do E.TJRJ dispõe que: “O fato de a prova oral se restringir a depoimento de autoridades policiais e seus agentes autoriza condenação quando coerentes com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”. Na espécie, a palavra dos policiais está em consonância com os demais elementos dos autos, não sendo suficientemente contrariada pela defesa. Diante desse conjunto probatório, a dinâmica dos fatos e o depoimento das testemunhas, junto às demais provas acostadas aos autos, são suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria do crime. Quanto à tipicidade formal, o laudo constante do caderno processual (ID 161834285) indica que o artefato encontrado na residência do réu era uma Pistola TAURUS PT 58 S .380 com número de série " NÃO IDENTIFICADO” Vale destacar que o perito concluiu que a arma era apta a produzir disparos. Deve ser afastado o crime do art. 16 da Lei de Armas, visto que no documento consta número de série não identificado, não havendo menção à supressão ou à alteração da numeração. A dúvida, no particular, favorece o acusado. Não assiste razão à Defesa ao postular a desclassificação para o delito do art. 12 da Lei 10.826/2003. No caso, o réu tem somente o certificado de registro da supracitada arma de fogo (ID. 179211855), o qual não concede o direito de portar o artefato fora de sua residência, na forma do art. 5º, caput, da Lei 10.826/2003. Na espécie, em seu depoimento, o réu disse que estava com a arma na cintura. Dessarte, concluo que o réu praticou o crime de Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, porquanto portava arma de fogo, em sua cintura, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Dessarte, promovo a emendatio libelli (art. 383 do CPP), para capitular a conduta do réu no mencionado art.14 da Lei nº 10.826/2003, conforme fundamentado acima. O elemento subjetivo do tipo – o dolo – restou demonstrado por toda a dinâmica dos fatos. Por fim, ressalta-se que não há nos autos prova de qualquer excludente de ilicitude ou de culpabilidade. Destarte, ante a prática de fato típico e ilícito por agente culpável, a condenação criminal é medida que se impõe. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o acusado ARNALDO FERREIRA SANTOS pela prática do crime do art. 14 da Lei nº 10.826/2003. Passo à dosimetria da pena. Na primeira fase, em atenção às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, a culpabilidade – grau de reprovação da conduta - não transborda ao normal do injusto praticado. O réu não ostenta maus antecedentes, entendidos este como as condenações criminais com trânsito em julgado não caracterizadoras de reincidência, conforme FAC. Não há nos autos elementos suficientes que permitam valorar negativamente a conduta social (comportamento na sociedade e no meio familiar) e a personalidade (temperamento e caráter do indivíduo), razão pela qual reputam-se neutras as referidas circunstâncias. Os motivos (razões subjetivas que levam o agente à prática do crime), as circunstâncias (modo de execução) e as consequências (efeitos deletérios da infração) são normais à espécie. Tratando-se de crime vago (sujeito passivo indeterminado), não há se falar em colaboração pelo comportamento da vítima. Assim, inexistentes circunstâncias judiciais negativas, mantém-se a pena-base no mínimo legal, isto é, 2 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase, inexistem agravantes. Presente a atenuante da confissão, contudo sem efeito na dosimetria, nos termos da Súmula 231 do STJ. Logo, a pena intermediária permanece em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na terceira e última fase, não há causas de aumento ou de diminuição a serem reconhecidas. Assim, fixa-se a pena definitiva em 2 anos de reclusão e 10 dias-multa. Em razão da ausência de informações acerca da condição econômica do réu (art. 60, § 1º, do CP), fixa-se o valor o dia-multa em 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato (art. 49, § 1º, do CP). O regime inicial de pena deve ser o aberto (art. 33, caput e §§ 1º e 2°, do CP). Deixo de aplicar o art. 387, § 2°, do CPP, porquanto o réu respondeu solto ao processo Considerando que o réu atende aos requisitos do art. 44 do CP e pena aplicada é superior a 1 (um) ano, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a saber: pagamento de prestação pecuniária a entidade pública ou privada com destinação social e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, ambas a serem designadas pelo Juízo da Execução. A prestação de serviço à comunidade será feita por igual período ao da sanção corporal, em dias e horas a serem estabelecidas pelo Juízo da Execução (art. 46 do CP). Revogo as medidas cautelares impostas. A arma de fogo e as munições apreendidas devem ser encaminhadas ao Comando do Exército, nos termos do art. 25 da Lei 10.826/2003. Condeno o réu ao pagamento das custas. Após o trânsito em julgado, procedam-se às anotações e comunicações de praxe, expedindo-se cartas de sentença e, após arquivando-se. PRI SAQUAREMA, 23 de junho de 2025. DIEGO MORAES DA ROSA Juiz Substituto