Processo nº 08055522720248230010
Número do Processo:
0805552-27.2024.8.23.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRR
Classe:
APELAçãO CRIMINAL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Câmara Criminal
Última atualização encontrada em
26 de
maio
de 2025.
Intimações e Editais
-
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26/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: Câmara Criminal | Classe: APELAçãO CRIMINALPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CRIMINAL- PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta em desfavor da sentença proferida pelo Juízo da Vara de Entorpecentes e Organizações Criminosas da Comarca de Boa Vista/RR, nos autos da Ação Penal nº 0805552-27.2024.8.23.0010, que condenou os réus, ora apelantes, pela prática da conduta delituosa descrita no art. 33, caput, c/c art. 40, III e VI, e do art. 35, todos da Lei 11.343/2006. Em suas razões recursais (EP 12), a defesa dos réus requer, em síntese, a desclassificação da conduta de tráfico para o crime do artigo 28 da Lei de Drogas, nos termos do Tema 506 do Supremo Tribunal Federal. Alternativamente, pretende a absolvição da condenação alusiva ao art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Em contrarrazões (EP 17), o órgão acusatório pugnou pelo desprovimento dos recursos e manutenção da sentença. A douta Procuradoria de Justiça emitiu parecer (EP 21) opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório. Encaminhe-se à d. revisão regimental, nos termos do art. 93, inciso III, do RITJRR. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator VOTO Os recursos devem ser conhecidos porquanto tempestivos, cabíveis e adequados à hipótese, nos termos do art. 593 do Código de Processo Penal. Narra a denúncia (EP 22 - 1º grau) que: “DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES De acordo com o caderno informativo, no período compreendido entre 17 de janeiro de 2024 e 02 de abril de 2024, na Rua Juraci Peixoto, nº 433, Jóquei Clube, nesta Capital, os denunciados, de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios, tinham em depósito, guardavam, expuseram à venda e venderam 0,46 g (quarenta e seis centigramas) de cocaína (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68). Extrai-se dos autos que os agentes da Polícia Federal iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia ilícita de entorpecentes no endereço acima descrito. Conforme as informações iniciais, ocorria intensa movimentação de usuários de drogas no local mencionado, fato que motivo o início das diligências. Iniciado o monitoramento, em 17/01/2024 e 18/01/2024, os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasiões em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA, fatos documentados em imagens capturadas pelos policiais. De acordo com as fotografias, o modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos pelos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os usuários adentrassem no quintal do imóvel. Em novo monitoramento, no dia 15/02/2024, a mesma conduta foi constatada, demonstrada, assim, a habitualidade delitiva na traficância. Na mesma ocasião, os policiais constataram a presença de crianças e adolescentes no local, em meio à prática delitiva. Em continuidade das diligências, em 26/03/2024, os policiais observaram nova movimentação típica de traficância. Na oportunidade, os agentes de segurança acompanharam o usuário Antony Gabriel Silva Xanxo, após ter comparecido na residência dos denunciados. Na oportunidade, apreenderam em poder de Antony 0,18 g (dezoito centigramas) de cocaína (pasta base) recém adquiridas. Lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (2024.0027623-SR/PF/RR), Antony prestou declarações em sede policial. Em seu depoimento, o usuário admitiu a compra de drogas na boca de fumo. Após a representação pela prisão, busca e apreensão no imóvel, deflagradas em 02/04/2024, os policiais compareceram no local. Durante a busca domiciliar, com auxílio de cão de faro, os agentes de segurança apreenderam 01 (uma) bolsa contendo 0,28 g (vinte e oito centigramas) de cocaína (pasta base) e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Interrogada em sede policial, SIMÔNICA admitiu a venda de entorpecentes. Os entorpecentes foram submetidos à perícia, restando constatada sua natureza ilícita. Convém destacar que a quantidade de tóxicos apreendidos não representa o verdadeiro montante comercializado pelos denunciados, diante da habitualidade comprovada. Por fim, verifica-se dos elementos documentados pela autoridade policial que o tráfico de drogas foi praticado nas imediações de estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/2006). DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Nas mesmas condições acima narradas, os denunciados, de forma livre e consciente, associaram-se, de forma estável e permanente, para o fim de praticar reiteradamente tráfico de drogas. Conforme consta no caderno investigativo, desde janeiro de 2024, até a data da deflagração da operação policial, GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA comercializavam entorpecentes no endereço acima descrito. Segundo apurado, os denunciados estabeleceram uma ‘boca de fumo’ na residência, recebiam continuamente usuários no local, sendo constatado o envolvimento de todos nos atos da mercancia ilícita. Durante a busca e apreensão, ainda, os policiais arrecadaram caderno contendo anotações do tráfico. Em sede policial, o usuário Antony Gabriel esclareceu que compra entorpecentes com GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA desde janeiro no mesmo local. DA IMPUTAÇÃO Pelo exposto, o Ministério Público oferece denúncia em desfavor de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMÔNICA CAMPOS DA SILVA como incursos nas penas dos crimes tipificados nos artigos 33, caput (tráfico de drogas) c/c art. 40, III (imediações de estabelecimentos de ensino) e artigo 35 (associação para o tráfico), todos da Lei 11.343/2006, para se verem processados até o final julgamento e condenação.” 1 - Da Desclassificação do Crime de Tráfico de Drogas para o Delito de Posse Para Uso Próprio A defesa sustenta que a quantidade de entorpecente apreendida (0,46g de cocaína) demonstra a condição de dependentes químicos e não de traficantes, motivo pelo qual pleiteia a desclassificação para o crime de posse para uso próprio. Sem sorte. O art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/06 é muito claro ao dispor que, “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. - grifei No julgamento do Tema 506, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, até que o Congresso Nacional legisle sobre o assunto, que será presumido usuário quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de maconha ( ) cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas. Vejamos a íntegra da tese fixada: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância , sem prejuízo do cannabis sativa reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.” Grifei. Trata-se, em essência, de presunção de caráter relativo, ressaltando-se que, na hipótese de existirem nos autos elementos indicativos do intuito de mercancia, como a diversidade de entorpecentes apreendidos juntamente com a , o modo de cannabis sativa acondicionamento, o fracionamento da droga, a existência de balanças de precisão, sacolas, maquinários ou outros instrumentos, registros de transações, contatos de usuários, bem como documentos que apontem para a comercialização da substância, entre outros, configura-se o crime de tráfico de drogas. A presunção de que o indivíduo seja apenas usuário de maconha, é preciso sublinhar, não pode fundamentar-se exclusivamente na quantidade da substância apreendida. Impõe-se, assim, uma análise criteriosa de todos os elementos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. Na hipótese em estudo, contudo, ainda que evidenciada a pequena quantidade de entorpecente, o caso concreto não se amolda à tese fixada no respectivo tema porque os apelantes não foram flagrados com maconha, mas sim com COCAÍNA, substância estupefaciente sabidamente de maior lesividade. Importante destacar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que toca à quantidade para se presumir o porte para uso pessoal, é específica para a substância (maconha) e não se estende a outras drogas ilícitas e cannabis sativa potencialmente mais deletérias, como a cocaína. Como se não bastasse, emerge dos elementos contidos nos autos que o caso concreto se subsume, inegavelmente, ao crime de tráfico de drogas capitulado no art. 33, caput , da Lei de Drogas. Consta dos autos que os Agentes de Segurança Pública, após receberem informações de existência de boca de fumo localizada na Rua Juraci Peixoto, 433, Jóquei Clube, iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia espúria. Iniciado o monitoramento, em várias ocasiões, entre os meses de janeiro a abril (EP 1.2, fls. 04/37), os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasião em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA. O modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos aos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os consumidores adentrassem no quintal do imóvel. Ao realizarem a busca domiciliar no local, em 02/04/2024, os policiais, com auxílio de cão de faro, apreenderam o entorpecente e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Os laudos de exame pericial nº 112/2024 e 113/2024 - SETEC/SR/PF/RR concluiram que o material apreendido revelava a presença do alcalóide COCAÍNA, substância de uso proscrito no Brasil, de acordo com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98. Além do mais, merece destaque o fato de que os apelantes, seja na fase policial, seja na fase judicial, confessaram a comercialização dos entorpecentes. Dessa maneira, há um conjunto probatório robusto que demonstra a destinação comercial da droga, o que é suficiente para caracterizar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes. A lição de Cleber Masson e Vinícius Marçal endossa o raciocínio supra: Portanto, a diversidade de substâncias apreendidas (exemplo: LSD, Maconha e metanfetamina), a forma de acondicionamento (exemplo: várias pequenas trouxinhas de cocaína), o local (exemplo: ponto conhecido como “biqueira” de drogas), as condições em que se desenvolveu a ação (exemplo: após campana montada pela autoridade policial, que já havia recebido notícias da comercialização ilícita) e o fato de o sujeito ter sido flagrado com relevante quantia monetária indicam, de forma contextualizada, a narcotraficância. (...) Os antecedentes, entretanto, aliados a outros dados objetivos ganham colorido diverso. Como mais um elemento (em reforço ao conjunto de indícios), e não como o único, podem os antecedentes ser levados em consideração na aferição da conduta, a fim de se estabelecer se o caso desponta como tráfico ou porte de droga para consumo pessoal. Nessa hipótese, os critérios legais – inclusive os antecedentes – serão analisados em sintonia com o direito penal do fato. (in Lei de Drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Método, 2022. pg.15). Em reforço: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. APLICAÇÃO DO TEMA 506 DA REPERCUSSÃO GERAL: IMPOSSIBILIDADE. APONTADA DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE “USUÁRIO” (§ 2º DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006) AFASTADA PELAS PROVAS APURADAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCABÍVEL REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (HC 251141 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025). No mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). APELANTE CONDENADA À PENA DE 6 (SEIS) ANOS E 3 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DO MESMO DIPLOMA LEGAL: TESE DE SER USUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO (635.659/SP), COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 506. PRESUNÇÃO RELATIVA. FLAGRANTEADA APREENDIDA COM ELEMENTOS QUE INDICAM O INTUITO DA MERCANCIA ILÍCITA DE ENTORPECENTES. REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. DECOTE DO VETOR ANTECEDENTES CRIMINAIS. IMPOSSIBILIDADE. A APELANTE POSSUI DUAS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS ANTERIORMENTE AOS FATOS EM ANÁLISE, SENDO QUE UMA FOI UTILIZADA PARA EXASPERAR A PENA-BASE (PROC. N.º 0825857-37.2021.8.23.0010) E A OUTRA PARA AGRAVAR A PENA PELA REINCIDÊNCIA (PROC. N.º 0820245-21.2021.8.23.0010). DECOTE DO VETOR QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE (22,2G DE MACONHA). PENA-BASE REDIMENSIONADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0800759-45.2024.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 22/11/2024, public.: 26/11/2024) DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). DESCLASSIFICAÇÃO OU ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE DEMONSTRAM O COMÉRCIO DE DROGAS. RECORRENTE QUE ESTAVA EM VIA PÚBLICA NA COMPANHIA DE MAIS DOIS INDIVÍDUOS E AO AVISTAR VIATURA POLICIAL EMPREENDEU FUGA. ABORDAGEM POLICIAL, COM AJUDA DE UM CÃO FAREJADOR, QUE RESULTOU NA APREENSÃO DE 4,4G DE COCAÍNA, ACONDICIONADA EM 5 INVÓLUCROS PLÁSTICO, PARTE LOCALIZADA NO BOLSO DO RÉU E MAIS DUAS PORÇÕES DENTRO DO IMÓVEL DELE. ACUSADO QUE, EM AMBAS AS FASES DA PERSECUÇÃO CRIMINAL, SUSTENTOU VERSÕES DE USUÁRIOS E DE COMERCIANTE DE DROGAS. PROVAS ROBUSTAS CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DOS AGENTES DE SEGURANÇA RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO. INAPLICABILIDADE DA TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 635659). PRECEDENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRR – ACr 0801765-10.2023.8.23.0047, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, Câmara Criminal, julg.: 29/11/2024, public.: 02/12/2024). Dessa forma, impossível a desclassificação pretendida. 2 - Da Associação Para o Tráfico de Drogas (Art. 35 da Lei nº 11.343/2006) A defesa pretende, por fim, pela absolvição dos réus, do crime previsto no art. 35, caput, da Lei 11.343/06, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, com o consequente reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06). Sem sorte. A conduta do tipo penal descrita no art. 35 da Lei n.º 11.343/06 consiste em associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 da mesma lei, com dolo específico. A propósito, sobre o delito em comento, com propriedade, preleciona Guilherme de Souza Nucci: “Elemento subjetivo: é o dolo. Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico. Para a configuração do delito do art. 35 (antigo art. 14 da Lei 6.368/76) é fundamental que os ajustes se reúnam com o propósito de manter uma meta comum.” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 273). Nessa linha, para haver crime autônomo de associação é imprescindível que haja um associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo animus associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris de caráter duradouro e estável, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Na hipótese, o conjunto probatório acostado aos autos comprova a autoria e materialidade do crime de associação para o tráfico (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68, confirmando a natureza da droga a qual restou positiva para cocaína e pela prova oral produzida em juízo). Por meio dos depoimentos é possível comprovar que os réus se associaram em caráter estável e permanente para a prática do tráfico de drogas. Vejamos: A testemunha policial Claudinir Cristiano Guth confirma, em juízo, o contexto em que eram praticadas a conduta ilícita: “Que o procedimento se iniciou por denúncias anônima; que confeccionou o relatório da equipe de campo; que analisou os dados extraídos dos telefones celulares; que conforme consta nos autos a atuação deles (acusados) é típica de tráfico de drogas no local; que a constância de pessoas que frequentam a casa é típico de local de venda de entorpecentes, a circulação de pessoas é muito grande; que não conseguiu observar a substância em si; que na busca e apreensão acredita que foi apreendido entorpecente; que pessoas foram abordadas com drogas compradas no local; que os três foram observados fazendo a venda da droga; que a investigação durou de janeiro a abri” (Depoimento da testemunha Claudinir Cristiano Guth - EP 98). Nesse mesmo sentido, é o testemunho policial de Lindemberg Vieira de Moura que, ouvido em juízo, relatou: ““que receberam a denúncia desse endereço; que o cidadão chegou e informou que havia uma movimentação muito grande e antiga nesse endereço no Jóquei Clube, trata-se de venda de entorpecentes, uma ‘boca de fumo’; que foi designado para fazer as vigilâncias; que perceberam a movimentação grande de usuários que chegaram a ao local para comprar drogas; que a denúncia indicava que eram três pessoas da mesma família, a mãe e dois filhos; que no local havia crianças e, junto com essa movimentação de drogas, alguns usuários entravam no local; que a droga era vendida no portão e o usuário entregava o dinheiro e quem vendia entregava ali no portão; que isso era o dia inteiro, de manhã, de tarde, de noite madrugada; que no outro lado da rua havia uma câmera, fazendo vigilância de quem chegava; que a fiação da câmera ia até o poste de energia da ‘boca de fumo’; que os três foram vistos, fotografos e filmados entregando drogas; que normalmente escondem bem pelo terreno, enterram e procuram dificultar ao máximo para, se ocorrer uma operação, não ser encontrado; que os usuários chegavam pra comprar e rapidamente saiam; que naquele dia não tinha droga no local; que a campana durou umas três semanas ou mais; que todos os dias tinha movimentação de pessoas; que antes fizemos alguns TCO’s de usuários que compraram e foi abordado; que no dia foram presos a dona Simônica e os dois filhos; que antes pessoas adquiriram drogas no local; que a cerca de 70 metros fica a escola; que já parou usário lá com criança dentro do carro ou em bicicleta; que a venda era sempre no portão; que alguns usuários entravam e saíam; que teve semanas que a campana ocorreu todos os dias” (Depoimento da testemunha Lindemberg Vieira de Moura - EP 98). Vale lembrar que “o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso” (STJ, AgRg no ARESP n.º 1142626/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 28/11/2017). De mais a mais, em seu interrogatório na fase policial, a ré Simônica confessou a prática do crime, versão reiterada em juízo, oportunidade na qual esclareceu que contava com o auxílio de Gustavo e Nelson. De igual forma, Gustavo corroborou a versão narrada pela apelante. Outrossim, foi localizado na residência dos réus caderno de anotações, contendo registros da traficância. Fica evidenciado assim a associação estável e permanente, entre estes, para a prática do tráfico de drogas. Assim, inviável o pedido de absolvição, pois demonstrado o animus associativo entre os réus. Com isso, colaciono entendimento jurisprudencial do Colendo STJ: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. LAUDO PRELIMINAR DOTADO DE JUÍZO DE CERTEZA DO DEFINITIVO. VALIDADE. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE CONSTATADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. RÉU QUE SE DEDICA AO TRÁFICO. CONDENAÇÃO PELO ART. 35 DA LEI DE DROGAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No julgamento do Eresp 1.544.057/RJ, em 26/10/2016, a Terceira Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo definitivo acarreta a absolvição do acusado, porque não comprovada a materialidade do crime de tráfico de drogas, ressalvados os casos em que o laudo preliminar seja dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial, em procedimento equivalente. 2. In casu, sendo certa a natureza das substâncias apreendidas, atestada em laudo preliminar, assinado por perito oficial e conforme procedimento padrão, a condenação do recorrente deve ser mantida. 3. A pretensão de absolvição pelo delito de associação para o tráfico, por ausência de comprovação do vínculo subjetivo entre os agentes, demanda, necessariamente, o revolvimento do conteúdo fático probatório dos autos, providência inviável em recurso especial (Súm. 7/STJ). 4. A condenação por associação para o tráfico de drogas obsta a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, uma vez que demanda a existência de animus associativo estável e permanente entre os agentes no cometimento do delito, evidenciando, assim, a dedicação do recorrente em atividade criminosa. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1367220/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019) Por consequência, inviável o reconhecimento da causa de diminuição do § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas (tráfico privilegiado), pois “a condenação do acusado por associação para o tráfico afasta a aplicação da minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, por caracterizar sua dedicação em atividade criminosa (STJ, AgRg no AREsp 564.035/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 13/06/2017, DJe 30/06/2017). Desta Corte: APELAÇÕES CRIMINAIS – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – (1) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL SEGURA – (2) DOSIMETRIA – (2.1) PENA-BASE DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – VALORAÇÃO NEGATIVA DOS VETORES DA NATUREZA E QUANTIDADE DO ENTORPECENTE (2.057,4 GRAMAS DE COCAÍNA), EM RELAÇÃO A AMBAS AS APELANTES, E DOS ANTECEDENTES, EM RELAÇÃO À 2.ª APELANTE – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL – PRECEDENTES DO STJ – (2.2) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06) – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADA – (3) APELOS DESPROVIDOS. (TJRR – ACr 0807856-67.2022.8.23.0010, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, Câmara Criminal, julg.: 14/07/2023, public.: 17/07/2023) APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - IMPOSSIBILIDADE - ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA COMPROVADAS - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO EM CONSON NCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0814863-81.2020.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 14/10/2022, public.: 18/10/2022) Assim, vencidas as teses defensivas, outro caminho não há senão a manutenção da sentença. Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria de Justiça, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação acima exposta, mantendo hígida a sentença condenatória. É como voto. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ART. 33, CAPUT, E ART. 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N.º 11.343/06). (1) DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE TRÁFICO PARA O DE POSSE PARA USO PRÓPRIO, COM BASE NO TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE. RÉUS FLAGRANTEADOS COM 0,46 G (QUARENTA E SEIS CENTIGRAMAS) DE COCAÍNA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO QUE ALUDE O TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL UMA VEZ QUE A QUANTIDADE LÁ FIXADA (40G) DIZ RESPEITO APENAS A CANNABIS SATIVA, SUBSTÂNCIA SABIDAMENTE MENOS LESIVA QUE A COCAÍNA. INAPLICABILIDADE DO PARÂMETRO DA QUANTIDADE COM RELAÇÃO AO ALCALOIDE. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS, ADEMAIS, QUE DEMONSTRAM A TRAFICÂNCIA. RÉUS QUE CONFESSARAM A COMERCIALIZAÇÃO DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS. (2) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVAS SEGURAS QUANTO À ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA NA CONDUTA DOS RÉUS. (2.1) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (§4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06). IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADAS. (3) RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. ACÓRDÃO Ante o exposto, acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA , por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de SIMONICA CAMPOS DA SILVA, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO. 22 de maio de 2025 Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator
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26/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: Câmara Criminal | Classe: APELAçãO CRIMINALPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CRIMINAL- PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta em desfavor da sentença proferida pelo Juízo da Vara de Entorpecentes e Organizações Criminosas da Comarca de Boa Vista/RR, nos autos da Ação Penal nº 0805552-27.2024.8.23.0010, que condenou os réus, ora apelantes, pela prática da conduta delituosa descrita no art. 33, caput, c/c art. 40, III e VI, e do art. 35, todos da Lei 11.343/2006. Em suas razões recursais (EP 12), a defesa dos réus requer, em síntese, a desclassificação da conduta de tráfico para o crime do artigo 28 da Lei de Drogas, nos termos do Tema 506 do Supremo Tribunal Federal. Alternativamente, pretende a absolvição da condenação alusiva ao art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Em contrarrazões (EP 17), o órgão acusatório pugnou pelo desprovimento dos recursos e manutenção da sentença. A douta Procuradoria de Justiça emitiu parecer (EP 21) opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório. Encaminhe-se à d. revisão regimental, nos termos do art. 93, inciso III, do RITJRR. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator VOTO Os recursos devem ser conhecidos porquanto tempestivos, cabíveis e adequados à hipótese, nos termos do art. 593 do Código de Processo Penal. Narra a denúncia (EP 22 - 1º grau) que: “DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES De acordo com o caderno informativo, no período compreendido entre 17 de janeiro de 2024 e 02 de abril de 2024, na Rua Juraci Peixoto, nº 433, Jóquei Clube, nesta Capital, os denunciados, de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios, tinham em depósito, guardavam, expuseram à venda e venderam 0,46 g (quarenta e seis centigramas) de cocaína (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68). Extrai-se dos autos que os agentes da Polícia Federal iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia ilícita de entorpecentes no endereço acima descrito. Conforme as informações iniciais, ocorria intensa movimentação de usuários de drogas no local mencionado, fato que motivo o início das diligências. Iniciado o monitoramento, em 17/01/2024 e 18/01/2024, os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasiões em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA, fatos documentados em imagens capturadas pelos policiais. De acordo com as fotografias, o modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos pelos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os usuários adentrassem no quintal do imóvel. Em novo monitoramento, no dia 15/02/2024, a mesma conduta foi constatada, demonstrada, assim, a habitualidade delitiva na traficância. Na mesma ocasião, os policiais constataram a presença de crianças e adolescentes no local, em meio à prática delitiva. Em continuidade das diligências, em 26/03/2024, os policiais observaram nova movimentação típica de traficância. Na oportunidade, os agentes de segurança acompanharam o usuário Antony Gabriel Silva Xanxo, após ter comparecido na residência dos denunciados. Na oportunidade, apreenderam em poder de Antony 0,18 g (dezoito centigramas) de cocaína (pasta base) recém adquiridas. Lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (2024.0027623-SR/PF/RR), Antony prestou declarações em sede policial. Em seu depoimento, o usuário admitiu a compra de drogas na boca de fumo. Após a representação pela prisão, busca e apreensão no imóvel, deflagradas em 02/04/2024, os policiais compareceram no local. Durante a busca domiciliar, com auxílio de cão de faro, os agentes de segurança apreenderam 01 (uma) bolsa contendo 0,28 g (vinte e oito centigramas) de cocaína (pasta base) e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Interrogada em sede policial, SIMÔNICA admitiu a venda de entorpecentes. Os entorpecentes foram submetidos à perícia, restando constatada sua natureza ilícita. Convém destacar que a quantidade de tóxicos apreendidos não representa o verdadeiro montante comercializado pelos denunciados, diante da habitualidade comprovada. Por fim, verifica-se dos elementos documentados pela autoridade policial que o tráfico de drogas foi praticado nas imediações de estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/2006). DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Nas mesmas condições acima narradas, os denunciados, de forma livre e consciente, associaram-se, de forma estável e permanente, para o fim de praticar reiteradamente tráfico de drogas. Conforme consta no caderno investigativo, desde janeiro de 2024, até a data da deflagração da operação policial, GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA comercializavam entorpecentes no endereço acima descrito. Segundo apurado, os denunciados estabeleceram uma ‘boca de fumo’ na residência, recebiam continuamente usuários no local, sendo constatado o envolvimento de todos nos atos da mercancia ilícita. Durante a busca e apreensão, ainda, os policiais arrecadaram caderno contendo anotações do tráfico. Em sede policial, o usuário Antony Gabriel esclareceu que compra entorpecentes com GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA desde janeiro no mesmo local. DA IMPUTAÇÃO Pelo exposto, o Ministério Público oferece denúncia em desfavor de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMÔNICA CAMPOS DA SILVA como incursos nas penas dos crimes tipificados nos artigos 33, caput (tráfico de drogas) c/c art. 40, III (imediações de estabelecimentos de ensino) e artigo 35 (associação para o tráfico), todos da Lei 11.343/2006, para se verem processados até o final julgamento e condenação.” 1 - Da Desclassificação do Crime de Tráfico de Drogas para o Delito de Posse Para Uso Próprio A defesa sustenta que a quantidade de entorpecente apreendida (0,46g de cocaína) demonstra a condição de dependentes químicos e não de traficantes, motivo pelo qual pleiteia a desclassificação para o crime de posse para uso próprio. Sem sorte. O art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/06 é muito claro ao dispor que, “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. - grifei No julgamento do Tema 506, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, até que o Congresso Nacional legisle sobre o assunto, que será presumido usuário quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de maconha ( ) cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas. Vejamos a íntegra da tese fixada: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância , sem prejuízo do cannabis sativa reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.” Grifei. Trata-se, em essência, de presunção de caráter relativo, ressaltando-se que, na hipótese de existirem nos autos elementos indicativos do intuito de mercancia, como a diversidade de entorpecentes apreendidos juntamente com a , o modo de cannabis sativa acondicionamento, o fracionamento da droga, a existência de balanças de precisão, sacolas, maquinários ou outros instrumentos, registros de transações, contatos de usuários, bem como documentos que apontem para a comercialização da substância, entre outros, configura-se o crime de tráfico de drogas. A presunção de que o indivíduo seja apenas usuário de maconha, é preciso sublinhar, não pode fundamentar-se exclusivamente na quantidade da substância apreendida. Impõe-se, assim, uma análise criteriosa de todos os elementos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. Na hipótese em estudo, contudo, ainda que evidenciada a pequena quantidade de entorpecente, o caso concreto não se amolda à tese fixada no respectivo tema porque os apelantes não foram flagrados com maconha, mas sim com COCAÍNA, substância estupefaciente sabidamente de maior lesividade. Importante destacar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que toca à quantidade para se presumir o porte para uso pessoal, é específica para a substância (maconha) e não se estende a outras drogas ilícitas e cannabis sativa potencialmente mais deletérias, como a cocaína. Como se não bastasse, emerge dos elementos contidos nos autos que o caso concreto se subsume, inegavelmente, ao crime de tráfico de drogas capitulado no art. 33, caput , da Lei de Drogas. Consta dos autos que os Agentes de Segurança Pública, após receberem informações de existência de boca de fumo localizada na Rua Juraci Peixoto, 433, Jóquei Clube, iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia espúria. Iniciado o monitoramento, em várias ocasiões, entre os meses de janeiro a abril (EP 1.2, fls. 04/37), os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasião em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA. O modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos aos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os consumidores adentrassem no quintal do imóvel. Ao realizarem a busca domiciliar no local, em 02/04/2024, os policiais, com auxílio de cão de faro, apreenderam o entorpecente e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Os laudos de exame pericial nº 112/2024 e 113/2024 - SETEC/SR/PF/RR concluiram que o material apreendido revelava a presença do alcalóide COCAÍNA, substância de uso proscrito no Brasil, de acordo com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98. Além do mais, merece destaque o fato de que os apelantes, seja na fase policial, seja na fase judicial, confessaram a comercialização dos entorpecentes. Dessa maneira, há um conjunto probatório robusto que demonstra a destinação comercial da droga, o que é suficiente para caracterizar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes. A lição de Cleber Masson e Vinícius Marçal endossa o raciocínio supra: Portanto, a diversidade de substâncias apreendidas (exemplo: LSD, Maconha e metanfetamina), a forma de acondicionamento (exemplo: várias pequenas trouxinhas de cocaína), o local (exemplo: ponto conhecido como “biqueira” de drogas), as condições em que se desenvolveu a ação (exemplo: após campana montada pela autoridade policial, que já havia recebido notícias da comercialização ilícita) e o fato de o sujeito ter sido flagrado com relevante quantia monetária indicam, de forma contextualizada, a narcotraficância. (...) Os antecedentes, entretanto, aliados a outros dados objetivos ganham colorido diverso. Como mais um elemento (em reforço ao conjunto de indícios), e não como o único, podem os antecedentes ser levados em consideração na aferição da conduta, a fim de se estabelecer se o caso desponta como tráfico ou porte de droga para consumo pessoal. Nessa hipótese, os critérios legais – inclusive os antecedentes – serão analisados em sintonia com o direito penal do fato. (in Lei de Drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Método, 2022. pg.15). Em reforço: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. APLICAÇÃO DO TEMA 506 DA REPERCUSSÃO GERAL: IMPOSSIBILIDADE. APONTADA DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE “USUÁRIO” (§ 2º DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006) AFASTADA PELAS PROVAS APURADAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCABÍVEL REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (HC 251141 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025). No mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). APELANTE CONDENADA À PENA DE 6 (SEIS) ANOS E 3 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DO MESMO DIPLOMA LEGAL: TESE DE SER USUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO (635.659/SP), COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 506. PRESUNÇÃO RELATIVA. FLAGRANTEADA APREENDIDA COM ELEMENTOS QUE INDICAM O INTUITO DA MERCANCIA ILÍCITA DE ENTORPECENTES. REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. DECOTE DO VETOR ANTECEDENTES CRIMINAIS. IMPOSSIBILIDADE. A APELANTE POSSUI DUAS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS ANTERIORMENTE AOS FATOS EM ANÁLISE, SENDO QUE UMA FOI UTILIZADA PARA EXASPERAR A PENA-BASE (PROC. N.º 0825857-37.2021.8.23.0010) E A OUTRA PARA AGRAVAR A PENA PELA REINCIDÊNCIA (PROC. N.º 0820245-21.2021.8.23.0010). DECOTE DO VETOR QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE (22,2G DE MACONHA). PENA-BASE REDIMENSIONADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0800759-45.2024.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 22/11/2024, public.: 26/11/2024) DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). DESCLASSIFICAÇÃO OU ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE DEMONSTRAM O COMÉRCIO DE DROGAS. RECORRENTE QUE ESTAVA EM VIA PÚBLICA NA COMPANHIA DE MAIS DOIS INDIVÍDUOS E AO AVISTAR VIATURA POLICIAL EMPREENDEU FUGA. ABORDAGEM POLICIAL, COM AJUDA DE UM CÃO FAREJADOR, QUE RESULTOU NA APREENSÃO DE 4,4G DE COCAÍNA, ACONDICIONADA EM 5 INVÓLUCROS PLÁSTICO, PARTE LOCALIZADA NO BOLSO DO RÉU E MAIS DUAS PORÇÕES DENTRO DO IMÓVEL DELE. ACUSADO QUE, EM AMBAS AS FASES DA PERSECUÇÃO CRIMINAL, SUSTENTOU VERSÕES DE USUÁRIOS E DE COMERCIANTE DE DROGAS. PROVAS ROBUSTAS CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DOS AGENTES DE SEGURANÇA RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO. INAPLICABILIDADE DA TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 635659). PRECEDENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRR – ACr 0801765-10.2023.8.23.0047, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, Câmara Criminal, julg.: 29/11/2024, public.: 02/12/2024). Dessa forma, impossível a desclassificação pretendida. 2 - Da Associação Para o Tráfico de Drogas (Art. 35 da Lei nº 11.343/2006) A defesa pretende, por fim, pela absolvição dos réus, do crime previsto no art. 35, caput, da Lei 11.343/06, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, com o consequente reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06). Sem sorte. A conduta do tipo penal descrita no art. 35 da Lei n.º 11.343/06 consiste em associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 da mesma lei, com dolo específico. A propósito, sobre o delito em comento, com propriedade, preleciona Guilherme de Souza Nucci: “Elemento subjetivo: é o dolo. Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico. Para a configuração do delito do art. 35 (antigo art. 14 da Lei 6.368/76) é fundamental que os ajustes se reúnam com o propósito de manter uma meta comum.” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 273). Nessa linha, para haver crime autônomo de associação é imprescindível que haja um associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo animus associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris de caráter duradouro e estável, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Na hipótese, o conjunto probatório acostado aos autos comprova a autoria e materialidade do crime de associação para o tráfico (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68, confirmando a natureza da droga a qual restou positiva para cocaína e pela prova oral produzida em juízo). Por meio dos depoimentos é possível comprovar que os réus se associaram em caráter estável e permanente para a prática do tráfico de drogas. Vejamos: A testemunha policial Claudinir Cristiano Guth confirma, em juízo, o contexto em que eram praticadas a conduta ilícita: “Que o procedimento se iniciou por denúncias anônima; que confeccionou o relatório da equipe de campo; que analisou os dados extraídos dos telefones celulares; que conforme consta nos autos a atuação deles (acusados) é típica de tráfico de drogas no local; que a constância de pessoas que frequentam a casa é típico de local de venda de entorpecentes, a circulação de pessoas é muito grande; que não conseguiu observar a substância em si; que na busca e apreensão acredita que foi apreendido entorpecente; que pessoas foram abordadas com drogas compradas no local; que os três foram observados fazendo a venda da droga; que a investigação durou de janeiro a abri” (Depoimento da testemunha Claudinir Cristiano Guth - EP 98). Nesse mesmo sentido, é o testemunho policial de Lindemberg Vieira de Moura que, ouvido em juízo, relatou: ““que receberam a denúncia desse endereço; que o cidadão chegou e informou que havia uma movimentação muito grande e antiga nesse endereço no Jóquei Clube, trata-se de venda de entorpecentes, uma ‘boca de fumo’; que foi designado para fazer as vigilâncias; que perceberam a movimentação grande de usuários que chegaram a ao local para comprar drogas; que a denúncia indicava que eram três pessoas da mesma família, a mãe e dois filhos; que no local havia crianças e, junto com essa movimentação de drogas, alguns usuários entravam no local; que a droga era vendida no portão e o usuário entregava o dinheiro e quem vendia entregava ali no portão; que isso era o dia inteiro, de manhã, de tarde, de noite madrugada; que no outro lado da rua havia uma câmera, fazendo vigilância de quem chegava; que a fiação da câmera ia até o poste de energia da ‘boca de fumo’; que os três foram vistos, fotografos e filmados entregando drogas; que normalmente escondem bem pelo terreno, enterram e procuram dificultar ao máximo para, se ocorrer uma operação, não ser encontrado; que os usuários chegavam pra comprar e rapidamente saiam; que naquele dia não tinha droga no local; que a campana durou umas três semanas ou mais; que todos os dias tinha movimentação de pessoas; que antes fizemos alguns TCO’s de usuários que compraram e foi abordado; que no dia foram presos a dona Simônica e os dois filhos; que antes pessoas adquiriram drogas no local; que a cerca de 70 metros fica a escola; que já parou usário lá com criança dentro do carro ou em bicicleta; que a venda era sempre no portão; que alguns usuários entravam e saíam; que teve semanas que a campana ocorreu todos os dias” (Depoimento da testemunha Lindemberg Vieira de Moura - EP 98). Vale lembrar que “o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso” (STJ, AgRg no ARESP n.º 1142626/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 28/11/2017). De mais a mais, em seu interrogatório na fase policial, a ré Simônica confessou a prática do crime, versão reiterada em juízo, oportunidade na qual esclareceu que contava com o auxílio de Gustavo e Nelson. De igual forma, Gustavo corroborou a versão narrada pela apelante. Outrossim, foi localizado na residência dos réus caderno de anotações, contendo registros da traficância. Fica evidenciado assim a associação estável e permanente, entre estes, para a prática do tráfico de drogas. Assim, inviável o pedido de absolvição, pois demonstrado o animus associativo entre os réus. Com isso, colaciono entendimento jurisprudencial do Colendo STJ: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. LAUDO PRELIMINAR DOTADO DE JUÍZO DE CERTEZA DO DEFINITIVO. VALIDADE. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE CONSTATADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. RÉU QUE SE DEDICA AO TRÁFICO. CONDENAÇÃO PELO ART. 35 DA LEI DE DROGAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No julgamento do Eresp 1.544.057/RJ, em 26/10/2016, a Terceira Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo definitivo acarreta a absolvição do acusado, porque não comprovada a materialidade do crime de tráfico de drogas, ressalvados os casos em que o laudo preliminar seja dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial, em procedimento equivalente. 2. In casu, sendo certa a natureza das substâncias apreendidas, atestada em laudo preliminar, assinado por perito oficial e conforme procedimento padrão, a condenação do recorrente deve ser mantida. 3. A pretensão de absolvição pelo delito de associação para o tráfico, por ausência de comprovação do vínculo subjetivo entre os agentes, demanda, necessariamente, o revolvimento do conteúdo fático probatório dos autos, providência inviável em recurso especial (Súm. 7/STJ). 4. A condenação por associação para o tráfico de drogas obsta a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, uma vez que demanda a existência de animus associativo estável e permanente entre os agentes no cometimento do delito, evidenciando, assim, a dedicação do recorrente em atividade criminosa. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1367220/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019) Por consequência, inviável o reconhecimento da causa de diminuição do § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas (tráfico privilegiado), pois “a condenação do acusado por associação para o tráfico afasta a aplicação da minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, por caracterizar sua dedicação em atividade criminosa (STJ, AgRg no AREsp 564.035/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 13/06/2017, DJe 30/06/2017). Desta Corte: APELAÇÕES CRIMINAIS – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – (1) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL SEGURA – (2) DOSIMETRIA – (2.1) PENA-BASE DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – VALORAÇÃO NEGATIVA DOS VETORES DA NATUREZA E QUANTIDADE DO ENTORPECENTE (2.057,4 GRAMAS DE COCAÍNA), EM RELAÇÃO A AMBAS AS APELANTES, E DOS ANTECEDENTES, EM RELAÇÃO À 2.ª APELANTE – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL – PRECEDENTES DO STJ – (2.2) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06) – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADA – (3) APELOS DESPROVIDOS. (TJRR – ACr 0807856-67.2022.8.23.0010, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, Câmara Criminal, julg.: 14/07/2023, public.: 17/07/2023) APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - IMPOSSIBILIDADE - ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA COMPROVADAS - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO EM CONSON NCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0814863-81.2020.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 14/10/2022, public.: 18/10/2022) Assim, vencidas as teses defensivas, outro caminho não há senão a manutenção da sentença. Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria de Justiça, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação acima exposta, mantendo hígida a sentença condenatória. É como voto. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ART. 33, CAPUT, E ART. 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N.º 11.343/06). (1) DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE TRÁFICO PARA O DE POSSE PARA USO PRÓPRIO, COM BASE NO TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE. RÉUS FLAGRANTEADOS COM 0,46 G (QUARENTA E SEIS CENTIGRAMAS) DE COCAÍNA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO QUE ALUDE O TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL UMA VEZ QUE A QUANTIDADE LÁ FIXADA (40G) DIZ RESPEITO APENAS A CANNABIS SATIVA, SUBSTÂNCIA SABIDAMENTE MENOS LESIVA QUE A COCAÍNA. INAPLICABILIDADE DO PARÂMETRO DA QUANTIDADE COM RELAÇÃO AO ALCALOIDE. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS, ADEMAIS, QUE DEMONSTRAM A TRAFICÂNCIA. RÉUS QUE CONFESSARAM A COMERCIALIZAÇÃO DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS. (2) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVAS SEGURAS QUANTO À ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA NA CONDUTA DOS RÉUS. (2.1) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (§4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06). IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADAS. (3) RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. ACÓRDÃO Ante o exposto, acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA , por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de SIMONICA CAMPOS DA SILVA, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO. 22 de maio de 2025 Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator
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26/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: Câmara Criminal | Classe: APELAçãO CRIMINALPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CRIMINAL- PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta em desfavor da sentença proferida pelo Juízo da Vara de Entorpecentes e Organizações Criminosas da Comarca de Boa Vista/RR, nos autos da Ação Penal nº 0805552-27.2024.8.23.0010, que condenou os réus, ora apelantes, pela prática da conduta delituosa descrita no art. 33, caput, c/c art. 40, III e VI, e do art. 35, todos da Lei 11.343/2006. Em suas razões recursais (EP 12), a defesa dos réus requer, em síntese, a desclassificação da conduta de tráfico para o crime do artigo 28 da Lei de Drogas, nos termos do Tema 506 do Supremo Tribunal Federal. Alternativamente, pretende a absolvição da condenação alusiva ao art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Em contrarrazões (EP 17), o órgão acusatório pugnou pelo desprovimento dos recursos e manutenção da sentença. A douta Procuradoria de Justiça emitiu parecer (EP 21) opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório. Encaminhe-se à d. revisão regimental, nos termos do art. 93, inciso III, do RITJRR. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator VOTO Os recursos devem ser conhecidos porquanto tempestivos, cabíveis e adequados à hipótese, nos termos do art. 593 do Código de Processo Penal. Narra a denúncia (EP 22 - 1º grau) que: “DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES De acordo com o caderno informativo, no período compreendido entre 17 de janeiro de 2024 e 02 de abril de 2024, na Rua Juraci Peixoto, nº 433, Jóquei Clube, nesta Capital, os denunciados, de forma livre e consciente, em comunhão de ações e desígnios, tinham em depósito, guardavam, expuseram à venda e venderam 0,46 g (quarenta e seis centigramas) de cocaína (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68). Extrai-se dos autos que os agentes da Polícia Federal iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia ilícita de entorpecentes no endereço acima descrito. Conforme as informações iniciais, ocorria intensa movimentação de usuários de drogas no local mencionado, fato que motivo o início das diligências. Iniciado o monitoramento, em 17/01/2024 e 18/01/2024, os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasiões em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA, fatos documentados em imagens capturadas pelos policiais. De acordo com as fotografias, o modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos pelos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os usuários adentrassem no quintal do imóvel. Em novo monitoramento, no dia 15/02/2024, a mesma conduta foi constatada, demonstrada, assim, a habitualidade delitiva na traficância. Na mesma ocasião, os policiais constataram a presença de crianças e adolescentes no local, em meio à prática delitiva. Em continuidade das diligências, em 26/03/2024, os policiais observaram nova movimentação típica de traficância. Na oportunidade, os agentes de segurança acompanharam o usuário Antony Gabriel Silva Xanxo, após ter comparecido na residência dos denunciados. Na oportunidade, apreenderam em poder de Antony 0,18 g (dezoito centigramas) de cocaína (pasta base) recém adquiridas. Lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (2024.0027623-SR/PF/RR), Antony prestou declarações em sede policial. Em seu depoimento, o usuário admitiu a compra de drogas na boca de fumo. Após a representação pela prisão, busca e apreensão no imóvel, deflagradas em 02/04/2024, os policiais compareceram no local. Durante a busca domiciliar, com auxílio de cão de faro, os agentes de segurança apreenderam 01 (uma) bolsa contendo 0,28 g (vinte e oito centigramas) de cocaína (pasta base) e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Interrogada em sede policial, SIMÔNICA admitiu a venda de entorpecentes. Os entorpecentes foram submetidos à perícia, restando constatada sua natureza ilícita. Convém destacar que a quantidade de tóxicos apreendidos não representa o verdadeiro montante comercializado pelos denunciados, diante da habitualidade comprovada. Por fim, verifica-se dos elementos documentados pela autoridade policial que o tráfico de drogas foi praticado nas imediações de estabelecimentos de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/2006). DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Nas mesmas condições acima narradas, os denunciados, de forma livre e consciente, associaram-se, de forma estável e permanente, para o fim de praticar reiteradamente tráfico de drogas. Conforme consta no caderno investigativo, desde janeiro de 2024, até a data da deflagração da operação policial, GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA comercializavam entorpecentes no endereço acima descrito. Segundo apurado, os denunciados estabeleceram uma ‘boca de fumo’ na residência, recebiam continuamente usuários no local, sendo constatado o envolvimento de todos nos atos da mercancia ilícita. Durante a busca e apreensão, ainda, os policiais arrecadaram caderno contendo anotações do tráfico. Em sede policial, o usuário Antony Gabriel esclareceu que compra entorpecentes com GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA desde janeiro no mesmo local. DA IMPUTAÇÃO Pelo exposto, o Ministério Público oferece denúncia em desfavor de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMÔNICA CAMPOS DA SILVA como incursos nas penas dos crimes tipificados nos artigos 33, caput (tráfico de drogas) c/c art. 40, III (imediações de estabelecimentos de ensino) e artigo 35 (associação para o tráfico), todos da Lei 11.343/2006, para se verem processados até o final julgamento e condenação.” 1 - Da Desclassificação do Crime de Tráfico de Drogas para o Delito de Posse Para Uso Próprio A defesa sustenta que a quantidade de entorpecente apreendida (0,46g de cocaína) demonstra a condição de dependentes químicos e não de traficantes, motivo pelo qual pleiteia a desclassificação para o crime de posse para uso próprio. Sem sorte. O art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/06 é muito claro ao dispor que, “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. - grifei No julgamento do Tema 506, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, até que o Congresso Nacional legisle sobre o assunto, que será presumido usuário quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas de maconha ( ) cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas. Vejamos a íntegra da tese fixada: “1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância , sem prejuízo do cannabis sativa reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.” Grifei. Trata-se, em essência, de presunção de caráter relativo, ressaltando-se que, na hipótese de existirem nos autos elementos indicativos do intuito de mercancia, como a diversidade de entorpecentes apreendidos juntamente com a , o modo de cannabis sativa acondicionamento, o fracionamento da droga, a existência de balanças de precisão, sacolas, maquinários ou outros instrumentos, registros de transações, contatos de usuários, bem como documentos que apontem para a comercialização da substância, entre outros, configura-se o crime de tráfico de drogas. A presunção de que o indivíduo seja apenas usuário de maconha, é preciso sublinhar, não pode fundamentar-se exclusivamente na quantidade da substância apreendida. Impõe-se, assim, uma análise criteriosa de todos os elementos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. Na hipótese em estudo, contudo, ainda que evidenciada a pequena quantidade de entorpecente, o caso concreto não se amolda à tese fixada no respectivo tema porque os apelantes não foram flagrados com maconha, mas sim com COCAÍNA, substância estupefaciente sabidamente de maior lesividade. Importante destacar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que toca à quantidade para se presumir o porte para uso pessoal, é específica para a substância (maconha) e não se estende a outras drogas ilícitas e cannabis sativa potencialmente mais deletérias, como a cocaína. Como se não bastasse, emerge dos elementos contidos nos autos que o caso concreto se subsume, inegavelmente, ao crime de tráfico de drogas capitulado no art. 33, caput , da Lei de Drogas. Consta dos autos que os Agentes de Segurança Pública, após receberem informações de existência de boca de fumo localizada na Rua Juraci Peixoto, 433, Jóquei Clube, iniciaram investigação com o objetivo de apurar a prática reiterada de mercancia espúria. Iniciado o monitoramento, em várias ocasiões, entre os meses de janeiro a abril (EP 1.2, fls. 04/37), os agentes de segurança visualizaram diversos usuários comparecerem no local para aquisição de entorpecentes, ocasião em que foram atendidos por GUSTAVO, NELSON e SIMÔNICA. O modus operandi da traficância consistia na entrega rápida e dissimulada dos tóxicos adquiridos aos usuários, através do portão da casa ou permitindo que os consumidores adentrassem no quintal do imóvel. Ao realizarem a busca domiciliar no local, em 02/04/2024, os policiais, com auxílio de cão de faro, apreenderam o entorpecente e 01 (um) caderno de anotações, contendo registros da traficância. Os laudos de exame pericial nº 112/2024 e 113/2024 - SETEC/SR/PF/RR concluiram que o material apreendido revelava a presença do alcalóide COCAÍNA, substância de uso proscrito no Brasil, de acordo com a Portaria nº 344-SVS/MS, de 12.05.98. Além do mais, merece destaque o fato de que os apelantes, seja na fase policial, seja na fase judicial, confessaram a comercialização dos entorpecentes. Dessa maneira, há um conjunto probatório robusto que demonstra a destinação comercial da droga, o que é suficiente para caracterizar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes. A lição de Cleber Masson e Vinícius Marçal endossa o raciocínio supra: Portanto, a diversidade de substâncias apreendidas (exemplo: LSD, Maconha e metanfetamina), a forma de acondicionamento (exemplo: várias pequenas trouxinhas de cocaína), o local (exemplo: ponto conhecido como “biqueira” de drogas), as condições em que se desenvolveu a ação (exemplo: após campana montada pela autoridade policial, que já havia recebido notícias da comercialização ilícita) e o fato de o sujeito ter sido flagrado com relevante quantia monetária indicam, de forma contextualizada, a narcotraficância. (...) Os antecedentes, entretanto, aliados a outros dados objetivos ganham colorido diverso. Como mais um elemento (em reforço ao conjunto de indícios), e não como o único, podem os antecedentes ser levados em consideração na aferição da conduta, a fim de se estabelecer se o caso desponta como tráfico ou porte de droga para consumo pessoal. Nessa hipótese, os critérios legais – inclusive os antecedentes – serão analisados em sintonia com o direito penal do fato. (in Lei de Drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Método, 2022. pg.15). Em reforço: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. APLICAÇÃO DO TEMA 506 DA REPERCUSSÃO GERAL: IMPOSSIBILIDADE. APONTADA DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE “USUÁRIO” (§ 2º DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006) AFASTADA PELAS PROVAS APURADAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCABÍVEL REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (HC 251141 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025). No mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte: APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). APELANTE CONDENADA À PENA DE 6 (SEIS) ANOS E 3 (TRÊS) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 28 DO MESMO DIPLOMA LEGAL: TESE DE SER USUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO (635.659/SP), COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 506. PRESUNÇÃO RELATIVA. FLAGRANTEADA APREENDIDA COM ELEMENTOS QUE INDICAM O INTUITO DA MERCANCIA ILÍCITA DE ENTORPECENTES. REDIMENSIONAMENTO DA PENA-BASE. DECOTE DO VETOR ANTECEDENTES CRIMINAIS. IMPOSSIBILIDADE. A APELANTE POSSUI DUAS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS ANTERIORMENTE AOS FATOS EM ANÁLISE, SENDO QUE UMA FOI UTILIZADA PARA EXASPERAR A PENA-BASE (PROC. N.º 0825857-37.2021.8.23.0010) E A OUTRA PARA AGRAVAR A PENA PELA REINCIDÊNCIA (PROC. N.º 0820245-21.2021.8.23.0010). DECOTE DO VETOR QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE (22,2G DE MACONHA). PENA-BASE REDIMENSIONADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, EM CONSONÂNCIA PARCIAL COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0800759-45.2024.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 22/11/2024, public.: 26/11/2024) DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). DESCLASSIFICAÇÃO OU ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE DEMONSTRAM O COMÉRCIO DE DROGAS. RECORRENTE QUE ESTAVA EM VIA PÚBLICA NA COMPANHIA DE MAIS DOIS INDIVÍDUOS E AO AVISTAR VIATURA POLICIAL EMPREENDEU FUGA. ABORDAGEM POLICIAL, COM AJUDA DE UM CÃO FAREJADOR, QUE RESULTOU NA APREENSÃO DE 4,4G DE COCAÍNA, ACONDICIONADA EM 5 INVÓLUCROS PLÁSTICO, PARTE LOCALIZADA NO BOLSO DO RÉU E MAIS DUAS PORÇÕES DENTRO DO IMÓVEL DELE. ACUSADO QUE, EM AMBAS AS FASES DA PERSECUÇÃO CRIMINAL, SUSTENTOU VERSÕES DE USUÁRIOS E DE COMERCIANTE DE DROGAS. PROVAS ROBUSTAS CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DOS AGENTES DE SEGURANÇA RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO. INAPLICABILIDADE DA TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 635659). PRECEDENTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. (TJRR – ACr 0801765-10.2023.8.23.0047, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, Câmara Criminal, julg.: 29/11/2024, public.: 02/12/2024). Dessa forma, impossível a desclassificação pretendida. 2 - Da Associação Para o Tráfico de Drogas (Art. 35 da Lei nº 11.343/2006) A defesa pretende, por fim, pela absolvição dos réus, do crime previsto no art. 35, caput, da Lei 11.343/06, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, com o consequente reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06). Sem sorte. A conduta do tipo penal descrita no art. 35 da Lei n.º 11.343/06 consiste em associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 da mesma lei, com dolo específico. A propósito, sobre o delito em comento, com propriedade, preleciona Guilherme de Souza Nucci: “Elemento subjetivo: é o dolo. Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico. Para a configuração do delito do art. 35 (antigo art. 14 da Lei 6.368/76) é fundamental que os ajustes se reúnam com o propósito de manter uma meta comum.” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 273). Nessa linha, para haver crime autônomo de associação é imprescindível que haja um associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo animus associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris de caráter duradouro e estável, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Na hipótese, o conjunto probatório acostado aos autos comprova a autoria e materialidade do crime de associação para o tráfico (Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.1, fls. 74/79 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.1, fls. 65; Laudo de Exame Pericial juntado no Mov. 17.3, fls. 44/49 e Auto de Apresentação e Apreensão no Mov. 17.3, fls. 68, confirmando a natureza da droga a qual restou positiva para cocaína e pela prova oral produzida em juízo). Por meio dos depoimentos é possível comprovar que os réus se associaram em caráter estável e permanente para a prática do tráfico de drogas. Vejamos: A testemunha policial Claudinir Cristiano Guth confirma, em juízo, o contexto em que eram praticadas a conduta ilícita: “Que o procedimento se iniciou por denúncias anônima; que confeccionou o relatório da equipe de campo; que analisou os dados extraídos dos telefones celulares; que conforme consta nos autos a atuação deles (acusados) é típica de tráfico de drogas no local; que a constância de pessoas que frequentam a casa é típico de local de venda de entorpecentes, a circulação de pessoas é muito grande; que não conseguiu observar a substância em si; que na busca e apreensão acredita que foi apreendido entorpecente; que pessoas foram abordadas com drogas compradas no local; que os três foram observados fazendo a venda da droga; que a investigação durou de janeiro a abri” (Depoimento da testemunha Claudinir Cristiano Guth - EP 98). Nesse mesmo sentido, é o testemunho policial de Lindemberg Vieira de Moura que, ouvido em juízo, relatou: ““que receberam a denúncia desse endereço; que o cidadão chegou e informou que havia uma movimentação muito grande e antiga nesse endereço no Jóquei Clube, trata-se de venda de entorpecentes, uma ‘boca de fumo’; que foi designado para fazer as vigilâncias; que perceberam a movimentação grande de usuários que chegaram a ao local para comprar drogas; que a denúncia indicava que eram três pessoas da mesma família, a mãe e dois filhos; que no local havia crianças e, junto com essa movimentação de drogas, alguns usuários entravam no local; que a droga era vendida no portão e o usuário entregava o dinheiro e quem vendia entregava ali no portão; que isso era o dia inteiro, de manhã, de tarde, de noite madrugada; que no outro lado da rua havia uma câmera, fazendo vigilância de quem chegava; que a fiação da câmera ia até o poste de energia da ‘boca de fumo’; que os três foram vistos, fotografos e filmados entregando drogas; que normalmente escondem bem pelo terreno, enterram e procuram dificultar ao máximo para, se ocorrer uma operação, não ser encontrado; que os usuários chegavam pra comprar e rapidamente saiam; que naquele dia não tinha droga no local; que a campana durou umas três semanas ou mais; que todos os dias tinha movimentação de pessoas; que antes fizemos alguns TCO’s de usuários que compraram e foi abordado; que no dia foram presos a dona Simônica e os dois filhos; que antes pessoas adquiriram drogas no local; que a cerca de 70 metros fica a escola; que já parou usário lá com criança dentro do carro ou em bicicleta; que a venda era sempre no portão; que alguns usuários entravam e saíam; que teve semanas que a campana ocorreu todos os dias” (Depoimento da testemunha Lindemberg Vieira de Moura - EP 98). Vale lembrar que “o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade das testemunhas, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso” (STJ, AgRg no ARESP n.º 1142626/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 28/11/2017). De mais a mais, em seu interrogatório na fase policial, a ré Simônica confessou a prática do crime, versão reiterada em juízo, oportunidade na qual esclareceu que contava com o auxílio de Gustavo e Nelson. De igual forma, Gustavo corroborou a versão narrada pela apelante. Outrossim, foi localizado na residência dos réus caderno de anotações, contendo registros da traficância. Fica evidenciado assim a associação estável e permanente, entre estes, para a prática do tráfico de drogas. Assim, inviável o pedido de absolvição, pois demonstrado o animus associativo entre os réus. Com isso, colaciono entendimento jurisprudencial do Colendo STJ: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. LAUDO PRELIMINAR DOTADO DE JUÍZO DE CERTEZA DO DEFINITIVO. VALIDADE. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE CONSTATADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. RÉU QUE SE DEDICA AO TRÁFICO. CONDENAÇÃO PELO ART. 35 DA LEI DE DROGAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. No julgamento do Eresp 1.544.057/RJ, em 26/10/2016, a Terceira Seção uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo definitivo acarreta a absolvição do acusado, porque não comprovada a materialidade do crime de tráfico de drogas, ressalvados os casos em que o laudo preliminar seja dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial, em procedimento equivalente. 2. In casu, sendo certa a natureza das substâncias apreendidas, atestada em laudo preliminar, assinado por perito oficial e conforme procedimento padrão, a condenação do recorrente deve ser mantida. 3. A pretensão de absolvição pelo delito de associação para o tráfico, por ausência de comprovação do vínculo subjetivo entre os agentes, demanda, necessariamente, o revolvimento do conteúdo fático probatório dos autos, providência inviável em recurso especial (Súm. 7/STJ). 4. A condenação por associação para o tráfico de drogas obsta a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, uma vez que demanda a existência de animus associativo estável e permanente entre os agentes no cometimento do delito, evidenciando, assim, a dedicação do recorrente em atividade criminosa. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1367220/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019) Por consequência, inviável o reconhecimento da causa de diminuição do § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas (tráfico privilegiado), pois “a condenação do acusado por associação para o tráfico afasta a aplicação da minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, por caracterizar sua dedicação em atividade criminosa (STJ, AgRg no AREsp 564.035/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 13/06/2017, DJe 30/06/2017). Desta Corte: APELAÇÕES CRIMINAIS – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – (1) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL SEGURA – (2) DOSIMETRIA – (2.1) PENA-BASE DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – VALORAÇÃO NEGATIVA DOS VETORES DA NATUREZA E QUANTIDADE DO ENTORPECENTE (2.057,4 GRAMAS DE COCAÍNA), EM RELAÇÃO A AMBAS AS APELANTES, E DOS ANTECEDENTES, EM RELAÇÃO À 2.ª APELANTE – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL – PRECEDENTES DO STJ – (2.2) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06) – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADA – (3) APELOS DESPROVIDOS. (TJRR – ACr 0807856-67.2022.8.23.0010, Rel. Des. RICARDO OLIVEIRA, Câmara Criminal, julg.: 14/07/2023, public.: 17/07/2023) APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - IMPOSSIBILIDADE - ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA COMPROVADAS - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – INVIABILIDADE – DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADO - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO EM CONSON NCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. (TJRR – ACr 0814863-81.2020.8.23.0010, Rel. Des. LEONARDO CUPELLO, Câmara Criminal, julg.: 14/10/2022, public.: 18/10/2022) Assim, vencidas as teses defensivas, outro caminho não há senão a manutenção da sentença. Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria de Justiça, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação acima exposta, mantendo hígida a sentença condenatória. É como voto. Boa Vista/RR, data constante do sistema. Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0805552-27.2024.8.23.0010 APELANTE: GUSTAVO DA SILVA FERREIRA, NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO e SIMONICA CAMPOS DA SILVA DEFENSOR (A) PÚBLICO (A) : ALINE DIONISIO CASTELO BRANCO - OAB 260D-RR APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA RELATOR: JUIZ CONVOCADO LUIZ FERNANDO MALLET EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ART. 33, CAPUT, E ART. 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N.º 11.343/06). (1) DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE TRÁFICO PARA O DE POSSE PARA USO PRÓPRIO, COM BASE NO TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE. RÉUS FLAGRANTEADOS COM 0,46 G (QUARENTA E SEIS CENTIGRAMAS) DE COCAÍNA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO QUE ALUDE O TEMA 506 DO SUPREMO TRIBUNAL UMA VEZ QUE A QUANTIDADE LÁ FIXADA (40G) DIZ RESPEITO APENAS A CANNABIS SATIVA, SUBSTÂNCIA SABIDAMENTE MENOS LESIVA QUE A COCAÍNA. INAPLICABILIDADE DO PARÂMETRO DA QUANTIDADE COM RELAÇÃO AO ALCALOIDE. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS, ADEMAIS, QUE DEMONSTRAM A TRAFICÂNCIA. RÉUS QUE CONFESSARAM A COMERCIALIZAÇÃO DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ART. 28 DA LEI DE DROGAS. (2) ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROVAS SEGURAS QUANTO À ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA NA CONDUTA DOS RÉUS. (2.1) RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (§4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06). IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS CARACTERIZADAS. (3) RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO GRADUADO. ACÓRDÃO Ante o exposto, acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de GUSTAVO DA SILVA FERREIRA , por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de SIMONICA CAMPOS DA SILVA, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de NELSON PEREIRA FERREIRA FILHO. 22 de maio de 2025 Juiz Convocado LUIZ FERNANDO MALLET - Relator