Evilazio Junior Da Costa e outros x Andre Menescal Guedes e outros

Número do Processo: 0805596-39.2022.8.20.5300

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJRN
Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Grau: 1º Grau
Órgão: Vara Única da Comarca de Upanema
Última atualização encontrada em 25 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 01/07/2025 - Intimação
    Órgão: Vara Única da Comarca de Upanema | Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
    PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Upanema Rua João Francisco, 144, Centro, UPANEMA - RN - CEP: 59670-000 Contato: (84) 3673-9979 (Whatsapp) - Email: upanema@tjrn.jus.br Processo nº 0805596-39.2022.8.20.5300 Ação: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE (12135) Autor: MARCILIO MISSIAS DA SILVA MEDEIROS Réu: Hapvida Assistência Médica Ltda. SENTENÇA 1. RELATÓRIO. Vistos etc., Trata-se de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e tutela antecipada, alegando que teve indeferido por seu plano de Saúde, no dia 23/08/2022, um TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO, solicitado por seu médico, Dr. Júlio César Vieira de Sousa, CRM 4725, em 27/07/2022. Segue alegando que o indeferimento da solicitação médica feito pela demandante à demandada, do teste acima discriminado, teve como pretexto de que referido exame não se enquadrar no Item 110-2 b, da DUT vigente. Afirmou, ainda, que houve uma segunda solicitação por parte do seu médico com URGÊNCIA, porquanto o autor necessita de “programação de troca de gerador do CDI”, pois, “apresenta alto risco de morte súbita”, se não o fizer para constatar, através de citado TESTE, “para confirmação de diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo.” Ao final requereu liminar para a realização do exame e danos morais. Logo após, apresentou aditamento à inicial para alterar o pedido, devendo ser extinto o pedido da obrigação de fazer e prejudicado a tutela, visto que o exame foi realizado de forma particular. No mesmo aditamento, requereu o ressarcimento de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), pago pelo demandante e danos morais. Decisão indeferindo o pedido de tutela antecipada (ID nº 93157080). Audiência de conciliação realizada, mas sem êxito na realização de acordo (ID nº 95348295). Devidamente citada, a Ré apresentou defesa (ID nº 96687078) na qual ressaltou que o referido exame não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Não obstante, sustentou que o ocorrido nos autos não enseja condenação em dano moral, pelo que requereu a improcedência dos pleitos autorais. A parte Autora apresentou réplica (ID nº 96990534). Sentença de improcedência dos pedidos autorais ID nº 97296684. Recurso de Apelação ID nº 99580006 e contrarrazões ID nº 101351607. Acórdão do E. TJRN ID nº 143505228, reformando a sentença de primeiro grau para “condenar a apelada a ressarcir o apelante no importe de R$ 5.200,00, referente ao custeio particular para realização do exame negado pelo plano de saúde, e ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00”. O feito tramitou regularmente até o julgamento do recurso especial interposto pela parte ré, tendo o Superior Tribunal de Justiça, ao prover parcialmente o recurso, determinado o reexame da controvérsia à luz dos critérios fixados nos EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, bem como da superveniente Lei nº 14.454/2022, que alterou a disciplina legal sobre o rol de procedimentos da ANS e sua natureza exemplificativa. Após o retorno dos autos à instância de origem, a parte ré, em sua última manifestação (ID 154838199), requereu o encaminhamento dos autos ao NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) para emissão de parecer acerca da eficácia do procedimento médico objeto da lide, sob o argumento de que tal providência seria exigência decorrente do novo entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ. O Ministério Público pugnou pela dispensabilidade de remessa ao NATJUS, requerendo a procedência do feito. É o relatório. 2. RELATÓRIO. 2.1. DA PRELIMINAR DE REMESSA AO NATJUS A preliminar suscitada pela parte requerida, no sentido de que o feito seja submetido à análise do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário), não merece acolhimento. Explico. O NATJUS foi instituído com o objetivo de fornecer subsídios técnicos aos magistrados em demandas que envolvam o fornecimento de medicamentos, exames, insumos e tratamentos pleiteados no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Trata-se de órgão de apoio técnico voltado à racionalização das decisões judiciais que impactam a esfera de atuação da Administração Pública no cumprimento da política pública de saúde. Ocorre que, na hipótese dos autos, a presente ação não é dirigida contra o Estado ou contra o SUS, mas sim contra plano de saúde de natureza privada, com fundamento na legislação civil e consumerista, especialmente na Lei nº 9.656/1998 e no Código de Defesa do Consumidor. Não há, portanto, discussão sobre fornecimento de insumos ou medicamentos pelo SUS nem sobre a implementação de política pública de saúde que justifique a intervenção do NATJUS. A controvérsia reside, exclusivamente, no descumprimento de obrigação contratual por operadora privada de plano de saúde, o que afasta a necessidade de parecer técnico do núcleo vinculado à saúde pública. A remessa do feito ao NATJUS, nesses casos, não encontra amparo legal ou normativo, tampouco representa exigência processual, sendo medida que apenas postergaria, de forma indevida, a tramitação regular do processo, em afronta aos princípios da celeridade e da economia processual. Diante disso, rejeita-se a preliminar, passando-se a análise do mérito propriamente dito. 2.2. DO MÉRITO Em se tratando de demanda cuja questão de mérito é essencialmente de direito e que a documentação colacionada aos autos é suficiente a fazer prova dos aspectos fáticos, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Inicialmente, há que se destacar que em se tratando de relação de consumo (Súmula nº 608, STJ), presumem-se verdadeiras as alegações do consumidor, invertendo-se em desfavor do prestador de serviços o ônus da prova, a teor do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, tendo em vista a comprovação da verossimilhança das alegações da parte autora, bem como sua inequívoca hipossuficiência frente ao plano de saúde, conforme se depreende segundo as regras ordinárias de experiências. O cerne da demanda consiste em se aferir a abusividade de cláusula contratual que prevê a possibilidade de negativa de cobertura de procedimentos que, muito embora tenham sido prescritos pelo médico assistente, não encontrem respaldo no Rol de procedimento da ANS, definido pela Resolução Normativa nº 465, de 24/02/2021. A cobertura contratual de procedimentos que não se achem prescritos no Rol da ANS foi objeto de julgamento no âmbito do STJ em agosto de 2022, oportunidade em que a Segunda Seção, pacificando a jurisprudência da Corte acerca do debate quanto à natureza exemplificativa ou taxativa de referido Rol de Procedimentos, decidiu no sentido da taxatividade mitigada, consoante se extrai do acórdão proferido no julgamento dos EREsp 1.886.929/SP e dos EREsp 1.889.704/SP (DJe 03/08/2022), a seguir parcialmente transcrito: “(…) 11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.(…) (EREsp n. 1.886.929/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022). Em setembro do mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 14.454, de 21/09/2022, que alterou a redação da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), instituindo o regime do rol exemplificativo com condicionantes: Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Acerca do tema, merece destaque o julgado do STJ a seguir transcrito: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PLANO SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS ERESP N. 1.889.704/SP PELA TAXATIVIDADE COM EXCEÇÕES. REAÇÃO LEGISLATIVA COM O NOVO ART. 10, §§ 12 E 13, DA LEI N. 9.656/1998, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.454/2022. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA DE COBERTURA COM CONDICIONANTES. ROL EXEMPLIFICATIVO. REQUISITOS DE EXCEÇÃO COMPROVADOS. COBERTURA DO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DO PACIENTE. NEOPLASIA. EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. O rol da ANS é compreendido pelo Superior Tribunal de Justiça como taxativo (EREsp n. 1.889.704/SP, Segunda Seção), admitindo algumas exceções. 2. A Lei n. 14.454/2022 constitui reação legislativa à decisão do STJ proferida nos EREsp n. 1.889.704/SP, ao diminuir as exigências para superação da referência básica de cobertura para os planos de saúde. 3. Comprovado o preenchimento dos critérios para flexibilização do rol da ANS definidos na nova lei, cabe ao plano de saúde fornecer tratamento não previsto no rol da ANS. 4. Embargos de divergência conhecidos e não providos. (EREsp n. 1.925.051/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 24/4/2024). Não é diversa a jurisprudência do TJRN: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DEFERIDA EM 1º GRAU. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DENOMINADO “URETEROSCÓPIA DE DUPLO J BLACK DO FABRICANTE COOK E FIO GUIA HIDROFÍLICO”. NEGATIVA DA OPERADORA MÉDICA AGRAVANTE. LAUDO MÉDICO ATUALIZADO INDICANDO A URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE PARA A VIDA DA PACIENTE. NÃO DEMONSTRAÇÃO, PELA AGRAVANTE, DE OUTRO PROCEDIMENTO EFICAZ COMPOSTO NO ROL DA ANS PARA A RECUPERAÇÃO DA RECORRIDA. APLICABILIDADE DO §13 DO ART. 10 DA LEI Nº 9.656/1998, ALTERADO PELA LEI FEDERAL Nº 14.454/2022. DECISÃO MANTIDA. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807989-89.2023.8.20.0000, Des. Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 22/03/2024, PUBLICADO em 22/03/2024) EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA OPERADORA DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE DOENÇA CARDÍACA. CUSTEIO DO EXAME NECESSÁRIO À ADEQUADA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. MAPEAMENTO ELETROANATÔMICO TRIDIMENSIONAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE. LISTA QUE POSSUI CARÁTER EXEMPLIFICATIVO NOS TERMOS DA LEI Nº 14.454/2022. PROBABILIDADE DO DIREITO AUTORAL EVIDENCIADO. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PERIGO DA DEMORA DEMONSTRADO. RISCO DE AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807397-45.2023.8.20.0000, Des. Cornélio Alves, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 08/11/2023, PUBLICADO em 10/11/2023) No caso presente, o relatório médico de ID nº 131898797 é inequívoco em prescrever a necessidade de realização do teste genético para esclarecer o diagnóstico do paciente, que “com suspeita de cardiopatia arritmogênica do ventrículo direito (3 critérios menores), porém não apresentou episódios de choque do cardiodesfrilador implantável (CDI) desde o procedimento de implante. Devido a programação de troca de gerador do CDI, indicamos o teste genético para a confirmação diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo, visto que uma vez documentado o diagnóstico pela genética, apresenta alto risco de morte súbita, sendo necessário a manutenção do desfibrilador implantável” o que sinaliza de forma satisfatória para o atendimento, a critério do médico assistente, Dr. Júlio César Vieira de Sousa – CRM/RN 4725, Professor da Disciplinar de Doenças do Sistema Cardiovascular – UFRN, ao requisito do art. 10, § 13, inciso I, da Lei nº 9.656/1998, com a redação da Lei nº 14.454/2022, no que pertine à comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico. A defesa apresentada pelo plano limita-se a fazer o enquadramento do caso clínico dentre as hipóteses genéricas do Rol de Procedimentos anexo à Resolução Normativa nº 465 – ANS, de 24/02/2021, sem, entretanto, produzir qualquer prova técnica específica em relação ao paciente que demonstre a inadequação do procedimento prescrito pelo médico assistente. Não se desincumbiu, assim, do ônus probatório ordinário de demonstrar a ocorrência de “fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (art. 373, II, do CPC), muito menos do encargo adicional, decorrente da inversão do ônus da prova, consectário da aplicação ao caso concreto dos art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 c/c art. 373, § 1º, do CPC. Trata-se da aplicação, ao caso sob julgamento, da Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas, que prevê a possibilidade de flexibilização das regras sobre a distribuição do ônus da prova, quando verificadas as hipóteses normativas do art. 373, § 1º, do CPC, a saber: a) nos casos previstos em lei; b) diante da impossibilidade ou excessiva dificuldade de que o autor faça prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, devido à sua hipossuficiência; e c) em face da maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. A respeito do tema, convém referenciar a lição doutrinária de FÁBIO COSTA SOARES: “O Código de Defesa do Consumidor adotou os postulados da teoria das cargas probatórias dinâmicas no artigo 6º, inciso VIII, na medida em que permite ao julgador mitigar e eliminar as consequências da ausência de produção de prova sobre fatos relevantes do julgamento da causa de acordo com as regras clássicas de distribuição do ônus probandi, diante das circunstâncias do caso concreto reveladas pela verossimilhança das alegações do consumidor ou da sua hipossuficiência, sempre com base nas regras ordinárias de experiência.” (Acesso do Consumidor à Justiça: Os Fundamentos Constitucionais do Direito à Prova e da Inversão do ônus da Prova. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, p. 177 e 179). Sendo assim, demonstrada a urgência do procedimento e a eficácia do tratamento prescrito pelo médico assistente, negar-se o acesso do paciente a referida opção terapêutica sob a alegação de que seu caso específico não se enquadra nas diretrizes genéricas delineadas pela ANS configura patente abusividade, notadamente à luz do que dispõe o art. 47, da Lei nº 8.078/90, nos termos do qual “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor." Especificamente em relação à cobertura de testes genéticos, destaca-se julgado do TJRN a seguir ementado que reconhece a abusividade da negativa de cobertura: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO. NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE NÃO ESTAR PREVISTO NO ROL DA ANS. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O TRATAMENTO MÉDICO. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. ROL DA ANS COM TAXATIVIDADE MITIGADA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HAVER UM PROCEDIMENTO EQUIVALENTE EFICAZ, EFETIVO E SEGURO AO PRESCRITO PELO MÉDICO. COMPROVAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO À SAÚDE E À VIDA. CUSTEIO DO EXAME PELO PACIENTE. RESSARCIMENTO DEVIDO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO. QUANTUM ARBITRADO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0805596-39.2022.8.20.5300, Magistrado(a) MARTHA DANYELLE SANTANNA COSTA BARBOSA, Tribunal Pleno, JULGADO em 16/08/2023, PUBLICADO em 16/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836701-87.2024.8.20.5001 APELANTE: INÊS GONÇALVES DE AZEVEDO ADVOGADOS: UBALDO ONÉSIO DE ARAÚJO SILVA FILHO, TASSIUS MARCIUS TSANGAROPULOS SOUZA APELADO: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A. ADVOGADO: ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. REABILITAÇÃO NEUROMOTORA. MÉTODO PEDIASUIT. ROL DA ANS. TAXATIVIDADE MITIGADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por beneficiária de plano de saúde contra sentença que julgou improcedente o pedido de cobertura do tratamento com o método Pediasuit, prescrito por profissional de saúde para paciente diagnosticada com mielopatia isquêmica a nível T9 até o cone medular. A operadora de saúde negou o custeio do tratamento sob o fundamento de ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS e de evidências científicas sobre sua eficácia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se é devida a cobertura, por operadora de plano de saúde, de tratamento médico não incluído no rol da ANS, especificamente o método Pediasuit, quando prescrito por profissional habilitado e indicado como necessário à reabilitação da paciente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, conforme Súmula 608 do STJ, devendo as cláusulas contratuais ser interpretadas em favor do consumidor, nos termos do art. 47 do CDC. 4. Cláusulas que limitam tratamentos indispensáveis à saúde do consumidor, ainda que com base no rol da ANS, são nulas quando colocam o beneficiário em desvantagem exagerada, conforme art. 51, IV e § 1º, II, do CDC. 5. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei nº 9.656/1998 para admitir a cobertura de procedimentos fora do rol da ANS, desde que haja prescrição médica, comprovação de eficácia com base em evidências científicas, ou recomendação de órgão técnico de renome nacional ou internacional. 6. A negativa de cobertura por ausência no rol da ANS, sem considerar a prescrição médica e a ausência de alternativas terapêuticas eficazes, configura prática abusiva e contrária à boa-fé objetiva e à função social do contrato. 7. Laudo médico constante dos autos atesta a necessidade do tratamento com o método Pediasuit para reabilitação neuromotora da paciente, sendo indevida a recusa unilateral da operadora. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: 1. O rol de procedimentos da ANS admite mitigação quando houver prescrição médica específica, inexistência de tratamento substitutivo eficaz e respaldo técnico-científico à terapêutica indicada. 2. É abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde de tratamento prescrito por médico assistente com fundamento exclusivo na ausência de previsão no rol da ANS. 3. Cláusulas contratuais que inviabilizam a realização de tratamento essencial à saúde do beneficiário violam o CDC e a função social do contrato de plano de saúde. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 6º, I; CDC, arts. 6º, I, 47, 51, IV e § 1º, II; CPC, art. 1.026, § 2º; Lei nº 9.656/1998, arts. 10, §§ 12 e 13 (com redação da Lei nº 14.454/2022). Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, 2ª Seção, j. 08.06.2022; STJ, AgInt no REsp 2.063.148/SP, 4ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 19.08.2024, DJe 22.08.2024; STJ, AgInt no AREsp 2.560.764/SP, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.09.2024, DJe 18.09.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas. Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer da apelação cível e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, parte integrante deste acórdão. (APELAÇÃO CÍVEL, 0836701-87.2024.8.20.5001, Mag. ROBERTO FRANCISCO GUEDES LIMA, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 16/05/2025, PUBLICADO em 19/05/2025) Com essas considerações, impõe-se que reconhecer a necessidade de disponibilizar do procedimento médico pela operadora do plano de saúde. No caso em apreço, restou incontroverso que a parte autora arcou com o custeio integral do procedimento médico indicado por profissional habilitado, no valor de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), conforme demonstra a nota fiscal anexada aos autos sob o ID nº 93425354 e o pedido de aditamento da exordial. A conduta do plano de saúde réu, ao se negar injustificadamente a cobertura do tratamento prescrito, forçou a parte autora a suportar despesa que, contratualmente, incumbiria à operadora, caracterizando-se indevida a recusa de cobertura. Diante disso, impõe-se o reconhecimento da conversão da obrigação de fazer em obrigação de pagar quantia certa, consubstanciada no ressarcimento integral do valor despendido pela autora. Tal entendimento encontra respaldo no princípio da reparação integral e visa evitar o enriquecimento ilícito da operadora de saúde, que descumpriu obrigações contratuais em afronta à boa-fé objetiva e à função social do contrato. Portanto, impõe-se determinar o reembolso do valor comprovadamente pago pela parte autora. No que pertine aos danos morais, há que se ponderar que a postura adotada pelo plano de saúde demandado em não respaldar as prescrições do médico assistente, criando embaraços ao regular tratamento da enfermidade do demandante, além de lhe causar angústia e abalo de ordem psicológica, representou risco concreto à sua integridade física, inobservando o objeto principal do contrato firmado entre as partes, que é a preservação da saúde plena do contratante/paciente, com a utilização dos recursos clínicos e insumos mais eficazes e adequados para tanto disponíveis no âmbito da rede credenciada. Portanto, não resta dúvida quanto à responsabilidade da demandada em relação ao abalo moral sofrido pela parte autora, consoante acórdãos do STJ e TJRN a seguir transcritos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRATAMENTO DOMICILIAR. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de tratamento domiciliar prescrito para o tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. 2. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp 1977957/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2022, DJe 04/05/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO FORA DO ROL DA ANS. ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. PRECEDENTES DO STJ. NEGATIVA INDEVIDA. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL EM RAZÃO DA NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE. RECUSA ILEGÍTIMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OCORRÊNCIA DO DANO MORAL. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN - APELAÇÃO CÍVEL nº 0801110-06.2020.8.20.5001, Rel. Des. Expedito Ferreira, ASSINADO em 09/12/2021). Os pressupostos da responsabilização encontram-se satisfatoriamente delineados, na medida em que a parte autora comprovou a ocorrência de abalo psicológico, decorrente da recusa abusiva de cobertura pelo plano de saúde demandado de procedimento prescrito pelo médico assistente, bem como o nexo de causalidade entre tais fatos. Nesses termos, igualmente merece prosperar a pretensão autoral quanto à condenação em indenização por danos morais. Quanto ao valor da indenização a ser fixada, a doutrina mais abalizada e a jurisprudência majoritária destacam que referido quantum deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, revestindo-se de caráter não só punitivo ou meramente compensatório, mas também de cunho didático, de modo a desestimular no causador do dano a persistência em comportamentos que possam vir a causar lesões similares, sem entretanto, acarretar à vítima um enriquecimento sem causa. A doutrina de Carlos Alberto Bittar leciona a respeito da matéria nos seguintes termos: “(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante” (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.233). No caso presente, as circunstâncias do caso concreto indicam que a fixação da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostra-se razoável à reparação dos danos sofridos. 2. DISPOSITIVO. Ante o exposto, REJEITO a preliminar suscitada e, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: a) CONDENAR a HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA ao ressarcimento da quantia de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), relativo ao custeio do procedimento médico (TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO), quantia a ser devidamente corrigida monetariamente pelo IPCA-E desde o desembolso (data constante da nota fiscal – ID nº 93425354) e com incidência de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação; b) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo IPCA desde a publicação da presente sentença (Súmula 362 - STJ) e acrescido de juros de mora, a contar da citação, pela taxa Selic, deduzido o percentual correspondente ao IPCA, nos termos do art. 406 do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024. Condeno ainda o réu, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, referente ao período reconhecido nesta sentença, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. CASO INTERPOSTA APELAÇÃO por qualquer das partes e considerando que tal recurso não mais está sujeito a juízo de admissibilidade pelo Juízo de 1º grau (art. 1.010, § 3º, do CPC), sendo este de competência do Tribunal, intime-se a parte contrária para oferecimento das contrarrazões no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC). APRESENTADA APELAÇÃO ADESIVA junto às contrarrazões, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, do CPC). COM OU SEM CONTRARRAZÕES, encaminhem-se os autos eletrônicos para o E. TJRN. CASO NÃO HAJA RECURSO, transitada em julgado a sentença e nada sendo requerido, arquivem-se os autos. Publique-se. Intimem-se. Upanema/RN, data da assinatura. Documento Assinado Eletronicamente, na forma da Lei nº 11.419/06 INGRID RANIELE FARIAS SANDES Juíza de Direito
  3. 01/07/2025 - Intimação
    Órgão: Vara Única da Comarca de Upanema | Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
    PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Upanema Rua João Francisco, 144, Centro, UPANEMA - RN - CEP: 59670-000 Contato: (84) 3673-9979 (Whatsapp) - Email: upanema@tjrn.jus.br Processo nº 0805596-39.2022.8.20.5300 Ação: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE (12135) Autor: MARCILIO MISSIAS DA SILVA MEDEIROS Réu: Hapvida Assistência Médica Ltda. SENTENÇA 1. RELATÓRIO. Vistos etc., Trata-se de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e tutela antecipada, alegando que teve indeferido por seu plano de Saúde, no dia 23/08/2022, um TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO, solicitado por seu médico, Dr. Júlio César Vieira de Sousa, CRM 4725, em 27/07/2022. Segue alegando que o indeferimento da solicitação médica feito pela demandante à demandada, do teste acima discriminado, teve como pretexto de que referido exame não se enquadrar no Item 110-2 b, da DUT vigente. Afirmou, ainda, que houve uma segunda solicitação por parte do seu médico com URGÊNCIA, porquanto o autor necessita de “programação de troca de gerador do CDI”, pois, “apresenta alto risco de morte súbita”, se não o fizer para constatar, através de citado TESTE, “para confirmação de diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo.” Ao final requereu liminar para a realização do exame e danos morais. Logo após, apresentou aditamento à inicial para alterar o pedido, devendo ser extinto o pedido da obrigação de fazer e prejudicado a tutela, visto que o exame foi realizado de forma particular. No mesmo aditamento, requereu o ressarcimento de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), pago pelo demandante e danos morais. Decisão indeferindo o pedido de tutela antecipada (ID nº 93157080). Audiência de conciliação realizada, mas sem êxito na realização de acordo (ID nº 95348295). Devidamente citada, a Ré apresentou defesa (ID nº 96687078) na qual ressaltou que o referido exame não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Não obstante, sustentou que o ocorrido nos autos não enseja condenação em dano moral, pelo que requereu a improcedência dos pleitos autorais. A parte Autora apresentou réplica (ID nº 96990534). Sentença de improcedência dos pedidos autorais ID nº 97296684. Recurso de Apelação ID nº 99580006 e contrarrazões ID nº 101351607. Acórdão do E. TJRN ID nº 143505228, reformando a sentença de primeiro grau para “condenar a apelada a ressarcir o apelante no importe de R$ 5.200,00, referente ao custeio particular para realização do exame negado pelo plano de saúde, e ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00”. O feito tramitou regularmente até o julgamento do recurso especial interposto pela parte ré, tendo o Superior Tribunal de Justiça, ao prover parcialmente o recurso, determinado o reexame da controvérsia à luz dos critérios fixados nos EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, bem como da superveniente Lei nº 14.454/2022, que alterou a disciplina legal sobre o rol de procedimentos da ANS e sua natureza exemplificativa. Após o retorno dos autos à instância de origem, a parte ré, em sua última manifestação (ID 154838199), requereu o encaminhamento dos autos ao NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) para emissão de parecer acerca da eficácia do procedimento médico objeto da lide, sob o argumento de que tal providência seria exigência decorrente do novo entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ. O Ministério Público pugnou pela dispensabilidade de remessa ao NATJUS, requerendo a procedência do feito. É o relatório. 2. RELATÓRIO. 2.1. DA PRELIMINAR DE REMESSA AO NATJUS A preliminar suscitada pela parte requerida, no sentido de que o feito seja submetido à análise do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário), não merece acolhimento. Explico. O NATJUS foi instituído com o objetivo de fornecer subsídios técnicos aos magistrados em demandas que envolvam o fornecimento de medicamentos, exames, insumos e tratamentos pleiteados no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Trata-se de órgão de apoio técnico voltado à racionalização das decisões judiciais que impactam a esfera de atuação da Administração Pública no cumprimento da política pública de saúde. Ocorre que, na hipótese dos autos, a presente ação não é dirigida contra o Estado ou contra o SUS, mas sim contra plano de saúde de natureza privada, com fundamento na legislação civil e consumerista, especialmente na Lei nº 9.656/1998 e no Código de Defesa do Consumidor. Não há, portanto, discussão sobre fornecimento de insumos ou medicamentos pelo SUS nem sobre a implementação de política pública de saúde que justifique a intervenção do NATJUS. A controvérsia reside, exclusivamente, no descumprimento de obrigação contratual por operadora privada de plano de saúde, o que afasta a necessidade de parecer técnico do núcleo vinculado à saúde pública. A remessa do feito ao NATJUS, nesses casos, não encontra amparo legal ou normativo, tampouco representa exigência processual, sendo medida que apenas postergaria, de forma indevida, a tramitação regular do processo, em afronta aos princípios da celeridade e da economia processual. Diante disso, rejeita-se a preliminar, passando-se a análise do mérito propriamente dito. 2.2. DO MÉRITO Em se tratando de demanda cuja questão de mérito é essencialmente de direito e que a documentação colacionada aos autos é suficiente a fazer prova dos aspectos fáticos, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Inicialmente, há que se destacar que em se tratando de relação de consumo (Súmula nº 608, STJ), presumem-se verdadeiras as alegações do consumidor, invertendo-se em desfavor do prestador de serviços o ônus da prova, a teor do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, tendo em vista a comprovação da verossimilhança das alegações da parte autora, bem como sua inequívoca hipossuficiência frente ao plano de saúde, conforme se depreende segundo as regras ordinárias de experiências. O cerne da demanda consiste em se aferir a abusividade de cláusula contratual que prevê a possibilidade de negativa de cobertura de procedimentos que, muito embora tenham sido prescritos pelo médico assistente, não encontrem respaldo no Rol de procedimento da ANS, definido pela Resolução Normativa nº 465, de 24/02/2021. A cobertura contratual de procedimentos que não se achem prescritos no Rol da ANS foi objeto de julgamento no âmbito do STJ em agosto de 2022, oportunidade em que a Segunda Seção, pacificando a jurisprudência da Corte acerca do debate quanto à natureza exemplificativa ou taxativa de referido Rol de Procedimentos, decidiu no sentido da taxatividade mitigada, consoante se extrai do acórdão proferido no julgamento dos EREsp 1.886.929/SP e dos EREsp 1.889.704/SP (DJe 03/08/2022), a seguir parcialmente transcrito: “(…) 11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.(…) (EREsp n. 1.886.929/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022). Em setembro do mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 14.454, de 21/09/2022, que alterou a redação da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), instituindo o regime do rol exemplificativo com condicionantes: Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Acerca do tema, merece destaque o julgado do STJ a seguir transcrito: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PLANO SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS ERESP N. 1.889.704/SP PELA TAXATIVIDADE COM EXCEÇÕES. REAÇÃO LEGISLATIVA COM O NOVO ART. 10, §§ 12 E 13, DA LEI N. 9.656/1998, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.454/2022. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA DE COBERTURA COM CONDICIONANTES. ROL EXEMPLIFICATIVO. REQUISITOS DE EXCEÇÃO COMPROVADOS. COBERTURA DO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DO PACIENTE. NEOPLASIA. EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. O rol da ANS é compreendido pelo Superior Tribunal de Justiça como taxativo (EREsp n. 1.889.704/SP, Segunda Seção), admitindo algumas exceções. 2. A Lei n. 14.454/2022 constitui reação legislativa à decisão do STJ proferida nos EREsp n. 1.889.704/SP, ao diminuir as exigências para superação da referência básica de cobertura para os planos de saúde. 3. Comprovado o preenchimento dos critérios para flexibilização do rol da ANS definidos na nova lei, cabe ao plano de saúde fornecer tratamento não previsto no rol da ANS. 4. Embargos de divergência conhecidos e não providos. (EREsp n. 1.925.051/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 24/4/2024). Não é diversa a jurisprudência do TJRN: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DEFERIDA EM 1º GRAU. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DENOMINADO “URETEROSCÓPIA DE DUPLO J BLACK DO FABRICANTE COOK E FIO GUIA HIDROFÍLICO”. NEGATIVA DA OPERADORA MÉDICA AGRAVANTE. LAUDO MÉDICO ATUALIZADO INDICANDO A URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE PARA A VIDA DA PACIENTE. NÃO DEMONSTRAÇÃO, PELA AGRAVANTE, DE OUTRO PROCEDIMENTO EFICAZ COMPOSTO NO ROL DA ANS PARA A RECUPERAÇÃO DA RECORRIDA. APLICABILIDADE DO §13 DO ART. 10 DA LEI Nº 9.656/1998, ALTERADO PELA LEI FEDERAL Nº 14.454/2022. DECISÃO MANTIDA. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807989-89.2023.8.20.0000, Des. Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 22/03/2024, PUBLICADO em 22/03/2024) EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA OPERADORA DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE DOENÇA CARDÍACA. CUSTEIO DO EXAME NECESSÁRIO À ADEQUADA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. MAPEAMENTO ELETROANATÔMICO TRIDIMENSIONAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE. LISTA QUE POSSUI CARÁTER EXEMPLIFICATIVO NOS TERMOS DA LEI Nº 14.454/2022. PROBABILIDADE DO DIREITO AUTORAL EVIDENCIADO. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PERIGO DA DEMORA DEMONSTRADO. RISCO DE AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807397-45.2023.8.20.0000, Des. Cornélio Alves, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 08/11/2023, PUBLICADO em 10/11/2023) No caso presente, o relatório médico de ID nº 131898797 é inequívoco em prescrever a necessidade de realização do teste genético para esclarecer o diagnóstico do paciente, que “com suspeita de cardiopatia arritmogênica do ventrículo direito (3 critérios menores), porém não apresentou episódios de choque do cardiodesfrilador implantável (CDI) desde o procedimento de implante. Devido a programação de troca de gerador do CDI, indicamos o teste genético para a confirmação diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo, visto que uma vez documentado o diagnóstico pela genética, apresenta alto risco de morte súbita, sendo necessário a manutenção do desfibrilador implantável” o que sinaliza de forma satisfatória para o atendimento, a critério do médico assistente, Dr. Júlio César Vieira de Sousa – CRM/RN 4725, Professor da Disciplinar de Doenças do Sistema Cardiovascular – UFRN, ao requisito do art. 10, § 13, inciso I, da Lei nº 9.656/1998, com a redação da Lei nº 14.454/2022, no que pertine à comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico. A defesa apresentada pelo plano limita-se a fazer o enquadramento do caso clínico dentre as hipóteses genéricas do Rol de Procedimentos anexo à Resolução Normativa nº 465 – ANS, de 24/02/2021, sem, entretanto, produzir qualquer prova técnica específica em relação ao paciente que demonstre a inadequação do procedimento prescrito pelo médico assistente. Não se desincumbiu, assim, do ônus probatório ordinário de demonstrar a ocorrência de “fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (art. 373, II, do CPC), muito menos do encargo adicional, decorrente da inversão do ônus da prova, consectário da aplicação ao caso concreto dos art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 c/c art. 373, § 1º, do CPC. Trata-se da aplicação, ao caso sob julgamento, da Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas, que prevê a possibilidade de flexibilização das regras sobre a distribuição do ônus da prova, quando verificadas as hipóteses normativas do art. 373, § 1º, do CPC, a saber: a) nos casos previstos em lei; b) diante da impossibilidade ou excessiva dificuldade de que o autor faça prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, devido à sua hipossuficiência; e c) em face da maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. A respeito do tema, convém referenciar a lição doutrinária de FÁBIO COSTA SOARES: “O Código de Defesa do Consumidor adotou os postulados da teoria das cargas probatórias dinâmicas no artigo 6º, inciso VIII, na medida em que permite ao julgador mitigar e eliminar as consequências da ausência de produção de prova sobre fatos relevantes do julgamento da causa de acordo com as regras clássicas de distribuição do ônus probandi, diante das circunstâncias do caso concreto reveladas pela verossimilhança das alegações do consumidor ou da sua hipossuficiência, sempre com base nas regras ordinárias de experiência.” (Acesso do Consumidor à Justiça: Os Fundamentos Constitucionais do Direito à Prova e da Inversão do ônus da Prova. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, p. 177 e 179). Sendo assim, demonstrada a urgência do procedimento e a eficácia do tratamento prescrito pelo médico assistente, negar-se o acesso do paciente a referida opção terapêutica sob a alegação de que seu caso específico não se enquadra nas diretrizes genéricas delineadas pela ANS configura patente abusividade, notadamente à luz do que dispõe o art. 47, da Lei nº 8.078/90, nos termos do qual “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor." Especificamente em relação à cobertura de testes genéticos, destaca-se julgado do TJRN a seguir ementado que reconhece a abusividade da negativa de cobertura: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO. NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE NÃO ESTAR PREVISTO NO ROL DA ANS. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O TRATAMENTO MÉDICO. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. ROL DA ANS COM TAXATIVIDADE MITIGADA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HAVER UM PROCEDIMENTO EQUIVALENTE EFICAZ, EFETIVO E SEGURO AO PRESCRITO PELO MÉDICO. COMPROVAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO À SAÚDE E À VIDA. CUSTEIO DO EXAME PELO PACIENTE. RESSARCIMENTO DEVIDO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO. QUANTUM ARBITRADO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0805596-39.2022.8.20.5300, Magistrado(a) MARTHA DANYELLE SANTANNA COSTA BARBOSA, Tribunal Pleno, JULGADO em 16/08/2023, PUBLICADO em 16/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836701-87.2024.8.20.5001 APELANTE: INÊS GONÇALVES DE AZEVEDO ADVOGADOS: UBALDO ONÉSIO DE ARAÚJO SILVA FILHO, TASSIUS MARCIUS TSANGAROPULOS SOUZA APELADO: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A. ADVOGADO: ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. REABILITAÇÃO NEUROMOTORA. MÉTODO PEDIASUIT. ROL DA ANS. TAXATIVIDADE MITIGADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por beneficiária de plano de saúde contra sentença que julgou improcedente o pedido de cobertura do tratamento com o método Pediasuit, prescrito por profissional de saúde para paciente diagnosticada com mielopatia isquêmica a nível T9 até o cone medular. A operadora de saúde negou o custeio do tratamento sob o fundamento de ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS e de evidências científicas sobre sua eficácia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se é devida a cobertura, por operadora de plano de saúde, de tratamento médico não incluído no rol da ANS, especificamente o método Pediasuit, quando prescrito por profissional habilitado e indicado como necessário à reabilitação da paciente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, conforme Súmula 608 do STJ, devendo as cláusulas contratuais ser interpretadas em favor do consumidor, nos termos do art. 47 do CDC. 4. Cláusulas que limitam tratamentos indispensáveis à saúde do consumidor, ainda que com base no rol da ANS, são nulas quando colocam o beneficiário em desvantagem exagerada, conforme art. 51, IV e § 1º, II, do CDC. 5. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei nº 9.656/1998 para admitir a cobertura de procedimentos fora do rol da ANS, desde que haja prescrição médica, comprovação de eficácia com base em evidências científicas, ou recomendação de órgão técnico de renome nacional ou internacional. 6. A negativa de cobertura por ausência no rol da ANS, sem considerar a prescrição médica e a ausência de alternativas terapêuticas eficazes, configura prática abusiva e contrária à boa-fé objetiva e à função social do contrato. 7. Laudo médico constante dos autos atesta a necessidade do tratamento com o método Pediasuit para reabilitação neuromotora da paciente, sendo indevida a recusa unilateral da operadora. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: 1. O rol de procedimentos da ANS admite mitigação quando houver prescrição médica específica, inexistência de tratamento substitutivo eficaz e respaldo técnico-científico à terapêutica indicada. 2. É abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde de tratamento prescrito por médico assistente com fundamento exclusivo na ausência de previsão no rol da ANS. 3. Cláusulas contratuais que inviabilizam a realização de tratamento essencial à saúde do beneficiário violam o CDC e a função social do contrato de plano de saúde. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 6º, I; CDC, arts. 6º, I, 47, 51, IV e § 1º, II; CPC, art. 1.026, § 2º; Lei nº 9.656/1998, arts. 10, §§ 12 e 13 (com redação da Lei nº 14.454/2022). Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, 2ª Seção, j. 08.06.2022; STJ, AgInt no REsp 2.063.148/SP, 4ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 19.08.2024, DJe 22.08.2024; STJ, AgInt no AREsp 2.560.764/SP, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.09.2024, DJe 18.09.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas. Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer da apelação cível e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, parte integrante deste acórdão. (APELAÇÃO CÍVEL, 0836701-87.2024.8.20.5001, Mag. ROBERTO FRANCISCO GUEDES LIMA, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 16/05/2025, PUBLICADO em 19/05/2025) Com essas considerações, impõe-se que reconhecer a necessidade de disponibilizar do procedimento médico pela operadora do plano de saúde. No caso em apreço, restou incontroverso que a parte autora arcou com o custeio integral do procedimento médico indicado por profissional habilitado, no valor de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), conforme demonstra a nota fiscal anexada aos autos sob o ID nº 93425354 e o pedido de aditamento da exordial. A conduta do plano de saúde réu, ao se negar injustificadamente a cobertura do tratamento prescrito, forçou a parte autora a suportar despesa que, contratualmente, incumbiria à operadora, caracterizando-se indevida a recusa de cobertura. Diante disso, impõe-se o reconhecimento da conversão da obrigação de fazer em obrigação de pagar quantia certa, consubstanciada no ressarcimento integral do valor despendido pela autora. Tal entendimento encontra respaldo no princípio da reparação integral e visa evitar o enriquecimento ilícito da operadora de saúde, que descumpriu obrigações contratuais em afronta à boa-fé objetiva e à função social do contrato. Portanto, impõe-se determinar o reembolso do valor comprovadamente pago pela parte autora. No que pertine aos danos morais, há que se ponderar que a postura adotada pelo plano de saúde demandado em não respaldar as prescrições do médico assistente, criando embaraços ao regular tratamento da enfermidade do demandante, além de lhe causar angústia e abalo de ordem psicológica, representou risco concreto à sua integridade física, inobservando o objeto principal do contrato firmado entre as partes, que é a preservação da saúde plena do contratante/paciente, com a utilização dos recursos clínicos e insumos mais eficazes e adequados para tanto disponíveis no âmbito da rede credenciada. Portanto, não resta dúvida quanto à responsabilidade da demandada em relação ao abalo moral sofrido pela parte autora, consoante acórdãos do STJ e TJRN a seguir transcritos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRATAMENTO DOMICILIAR. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de tratamento domiciliar prescrito para o tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. 2. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp 1977957/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2022, DJe 04/05/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO FORA DO ROL DA ANS. ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. PRECEDENTES DO STJ. NEGATIVA INDEVIDA. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL EM RAZÃO DA NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE. RECUSA ILEGÍTIMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OCORRÊNCIA DO DANO MORAL. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN - APELAÇÃO CÍVEL nº 0801110-06.2020.8.20.5001, Rel. Des. Expedito Ferreira, ASSINADO em 09/12/2021). Os pressupostos da responsabilização encontram-se satisfatoriamente delineados, na medida em que a parte autora comprovou a ocorrência de abalo psicológico, decorrente da recusa abusiva de cobertura pelo plano de saúde demandado de procedimento prescrito pelo médico assistente, bem como o nexo de causalidade entre tais fatos. Nesses termos, igualmente merece prosperar a pretensão autoral quanto à condenação em indenização por danos morais. Quanto ao valor da indenização a ser fixada, a doutrina mais abalizada e a jurisprudência majoritária destacam que referido quantum deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, revestindo-se de caráter não só punitivo ou meramente compensatório, mas também de cunho didático, de modo a desestimular no causador do dano a persistência em comportamentos que possam vir a causar lesões similares, sem entretanto, acarretar à vítima um enriquecimento sem causa. A doutrina de Carlos Alberto Bittar leciona a respeito da matéria nos seguintes termos: “(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante” (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.233). No caso presente, as circunstâncias do caso concreto indicam que a fixação da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostra-se razoável à reparação dos danos sofridos. 2. DISPOSITIVO. Ante o exposto, REJEITO a preliminar suscitada e, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: a) CONDENAR a HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA ao ressarcimento da quantia de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), relativo ao custeio do procedimento médico (TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO), quantia a ser devidamente corrigida monetariamente pelo IPCA-E desde o desembolso (data constante da nota fiscal – ID nº 93425354) e com incidência de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação; b) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo IPCA desde a publicação da presente sentença (Súmula 362 - STJ) e acrescido de juros de mora, a contar da citação, pela taxa Selic, deduzido o percentual correspondente ao IPCA, nos termos do art. 406 do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024. Condeno ainda o réu, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, referente ao período reconhecido nesta sentença, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. CASO INTERPOSTA APELAÇÃO por qualquer das partes e considerando que tal recurso não mais está sujeito a juízo de admissibilidade pelo Juízo de 1º grau (art. 1.010, § 3º, do CPC), sendo este de competência do Tribunal, intime-se a parte contrária para oferecimento das contrarrazões no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC). APRESENTADA APELAÇÃO ADESIVA junto às contrarrazões, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, do CPC). COM OU SEM CONTRARRAZÕES, encaminhem-se os autos eletrônicos para o E. TJRN. CASO NÃO HAJA RECURSO, transitada em julgado a sentença e nada sendo requerido, arquivem-se os autos. Publique-se. Intimem-se. Upanema/RN, data da assinatura. Documento Assinado Eletronicamente, na forma da Lei nº 11.419/06 INGRID RANIELE FARIAS SANDES Juíza de Direito
  4. 01/07/2025 - Intimação
    Órgão: Vara Única da Comarca de Upanema | Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
    PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Vara Única da Comarca de Upanema Rua João Francisco, 144, Centro, UPANEMA - RN - CEP: 59670-000 Contato: (84) 3673-9979 (Whatsapp) - Email: upanema@tjrn.jus.br Processo nº 0805596-39.2022.8.20.5300 Ação: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE (12135) Autor: MARCILIO MISSIAS DA SILVA MEDEIROS Réu: Hapvida Assistência Médica Ltda. SENTENÇA 1. RELATÓRIO. Vistos etc., Trata-se de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e tutela antecipada, alegando que teve indeferido por seu plano de Saúde, no dia 23/08/2022, um TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO, solicitado por seu médico, Dr. Júlio César Vieira de Sousa, CRM 4725, em 27/07/2022. Segue alegando que o indeferimento da solicitação médica feito pela demandante à demandada, do teste acima discriminado, teve como pretexto de que referido exame não se enquadrar no Item 110-2 b, da DUT vigente. Afirmou, ainda, que houve uma segunda solicitação por parte do seu médico com URGÊNCIA, porquanto o autor necessita de “programação de troca de gerador do CDI”, pois, “apresenta alto risco de morte súbita”, se não o fizer para constatar, através de citado TESTE, “para confirmação de diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo.” Ao final requereu liminar para a realização do exame e danos morais. Logo após, apresentou aditamento à inicial para alterar o pedido, devendo ser extinto o pedido da obrigação de fazer e prejudicado a tutela, visto que o exame foi realizado de forma particular. No mesmo aditamento, requereu o ressarcimento de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), pago pelo demandante e danos morais. Decisão indeferindo o pedido de tutela antecipada (ID nº 93157080). Audiência de conciliação realizada, mas sem êxito na realização de acordo (ID nº 95348295). Devidamente citada, a Ré apresentou defesa (ID nº 96687078) na qual ressaltou que o referido exame não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Não obstante, sustentou que o ocorrido nos autos não enseja condenação em dano moral, pelo que requereu a improcedência dos pleitos autorais. A parte Autora apresentou réplica (ID nº 96990534). Sentença de improcedência dos pedidos autorais ID nº 97296684. Recurso de Apelação ID nº 99580006 e contrarrazões ID nº 101351607. Acórdão do E. TJRN ID nº 143505228, reformando a sentença de primeiro grau para “condenar a apelada a ressarcir o apelante no importe de R$ 5.200,00, referente ao custeio particular para realização do exame negado pelo plano de saúde, e ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00”. O feito tramitou regularmente até o julgamento do recurso especial interposto pela parte ré, tendo o Superior Tribunal de Justiça, ao prover parcialmente o recurso, determinado o reexame da controvérsia à luz dos critérios fixados nos EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, bem como da superveniente Lei nº 14.454/2022, que alterou a disciplina legal sobre o rol de procedimentos da ANS e sua natureza exemplificativa. Após o retorno dos autos à instância de origem, a parte ré, em sua última manifestação (ID 154838199), requereu o encaminhamento dos autos ao NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário) para emissão de parecer acerca da eficácia do procedimento médico objeto da lide, sob o argumento de que tal providência seria exigência decorrente do novo entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ. O Ministério Público pugnou pela dispensabilidade de remessa ao NATJUS, requerendo a procedência do feito. É o relatório. 2. RELATÓRIO. 2.1. DA PRELIMINAR DE REMESSA AO NATJUS A preliminar suscitada pela parte requerida, no sentido de que o feito seja submetido à análise do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário), não merece acolhimento. Explico. O NATJUS foi instituído com o objetivo de fornecer subsídios técnicos aos magistrados em demandas que envolvam o fornecimento de medicamentos, exames, insumos e tratamentos pleiteados no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Trata-se de órgão de apoio técnico voltado à racionalização das decisões judiciais que impactam a esfera de atuação da Administração Pública no cumprimento da política pública de saúde. Ocorre que, na hipótese dos autos, a presente ação não é dirigida contra o Estado ou contra o SUS, mas sim contra plano de saúde de natureza privada, com fundamento na legislação civil e consumerista, especialmente na Lei nº 9.656/1998 e no Código de Defesa do Consumidor. Não há, portanto, discussão sobre fornecimento de insumos ou medicamentos pelo SUS nem sobre a implementação de política pública de saúde que justifique a intervenção do NATJUS. A controvérsia reside, exclusivamente, no descumprimento de obrigação contratual por operadora privada de plano de saúde, o que afasta a necessidade de parecer técnico do núcleo vinculado à saúde pública. A remessa do feito ao NATJUS, nesses casos, não encontra amparo legal ou normativo, tampouco representa exigência processual, sendo medida que apenas postergaria, de forma indevida, a tramitação regular do processo, em afronta aos princípios da celeridade e da economia processual. Diante disso, rejeita-se a preliminar, passando-se a análise do mérito propriamente dito. 2.2. DO MÉRITO Em se tratando de demanda cuja questão de mérito é essencialmente de direito e que a documentação colacionada aos autos é suficiente a fazer prova dos aspectos fáticos, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Inicialmente, há que se destacar que em se tratando de relação de consumo (Súmula nº 608, STJ), presumem-se verdadeiras as alegações do consumidor, invertendo-se em desfavor do prestador de serviços o ônus da prova, a teor do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, tendo em vista a comprovação da verossimilhança das alegações da parte autora, bem como sua inequívoca hipossuficiência frente ao plano de saúde, conforme se depreende segundo as regras ordinárias de experiências. O cerne da demanda consiste em se aferir a abusividade de cláusula contratual que prevê a possibilidade de negativa de cobertura de procedimentos que, muito embora tenham sido prescritos pelo médico assistente, não encontrem respaldo no Rol de procedimento da ANS, definido pela Resolução Normativa nº 465, de 24/02/2021. A cobertura contratual de procedimentos que não se achem prescritos no Rol da ANS foi objeto de julgamento no âmbito do STJ em agosto de 2022, oportunidade em que a Segunda Seção, pacificando a jurisprudência da Corte acerca do debate quanto à natureza exemplificativa ou taxativa de referido Rol de Procedimentos, decidiu no sentido da taxatividade mitigada, consoante se extrai do acórdão proferido no julgamento dos EREsp 1.886.929/SP e dos EREsp 1.889.704/SP (DJe 03/08/2022), a seguir parcialmente transcrito: “(…) 11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 - não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.(…) (EREsp n. 1.886.929/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022). Em setembro do mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 14.454, de 21/09/2022, que alterou a redação da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98), instituindo o regime do rol exemplificativo com condicionantes: Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) § 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Acerca do tema, merece destaque o julgado do STJ a seguir transcrito: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PLANO SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS ERESP N. 1.889.704/SP PELA TAXATIVIDADE COM EXCEÇÕES. REAÇÃO LEGISLATIVA COM O NOVO ART. 10, §§ 12 E 13, DA LEI N. 9.656/1998, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.454/2022. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA DE COBERTURA COM CONDICIONANTES. ROL EXEMPLIFICATIVO. REQUISITOS DE EXCEÇÃO COMPROVADOS. COBERTURA DO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DO PACIENTE. NEOPLASIA. EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. O rol da ANS é compreendido pelo Superior Tribunal de Justiça como taxativo (EREsp n. 1.889.704/SP, Segunda Seção), admitindo algumas exceções. 2. A Lei n. 14.454/2022 constitui reação legislativa à decisão do STJ proferida nos EREsp n. 1.889.704/SP, ao diminuir as exigências para superação da referência básica de cobertura para os planos de saúde. 3. Comprovado o preenchimento dos critérios para flexibilização do rol da ANS definidos na nova lei, cabe ao plano de saúde fornecer tratamento não previsto no rol da ANS. 4. Embargos de divergência conhecidos e não providos. (EREsp n. 1.925.051/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 18/4/2024, DJe de 24/4/2024). Não é diversa a jurisprudência do TJRN: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DEFERIDA EM 1º GRAU. PLANO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DENOMINADO “URETEROSCÓPIA DE DUPLO J BLACK DO FABRICANTE COOK E FIO GUIA HIDROFÍLICO”. NEGATIVA DA OPERADORA MÉDICA AGRAVANTE. LAUDO MÉDICO ATUALIZADO INDICANDO A URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO. IMPRESCINDIBILIDADE PARA A VIDA DA PACIENTE. NÃO DEMONSTRAÇÃO, PELA AGRAVANTE, DE OUTRO PROCEDIMENTO EFICAZ COMPOSTO NO ROL DA ANS PARA A RECUPERAÇÃO DA RECORRIDA. APLICABILIDADE DO §13 DO ART. 10 DA LEI Nº 9.656/1998, ALTERADO PELA LEI FEDERAL Nº 14.454/2022. DECISÃO MANTIDA. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807989-89.2023.8.20.0000, Des. Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, JULGADO em 22/03/2024, PUBLICADO em 22/03/2024) EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA OPERADORA DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE DOENÇA CARDÍACA. CUSTEIO DO EXAME NECESSÁRIO À ADEQUADA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. MAPEAMENTO ELETROANATÔMICO TRIDIMENSIONAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE. LISTA QUE POSSUI CARÁTER EXEMPLIFICATIVO NOS TERMOS DA LEI Nº 14.454/2022. PROBABILIDADE DO DIREITO AUTORAL EVIDENCIADO. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PERIGO DA DEMORA DEMONSTRADO. RISCO DE AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0807397-45.2023.8.20.0000, Des. Cornélio Alves, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 08/11/2023, PUBLICADO em 10/11/2023) No caso presente, o relatório médico de ID nº 131898797 é inequívoco em prescrever a necessidade de realização do teste genético para esclarecer o diagnóstico do paciente, que “com suspeita de cardiopatia arritmogênica do ventrículo direito (3 critérios menores), porém não apresentou episódios de choque do cardiodesfrilador implantável (CDI) desde o procedimento de implante. Devido a programação de troca de gerador do CDI, indicamos o teste genético para a confirmação diagnóstica com o objetivo de definir a manutenção do uso do dispositivo, visto que uma vez documentado o diagnóstico pela genética, apresenta alto risco de morte súbita, sendo necessário a manutenção do desfibrilador implantável” o que sinaliza de forma satisfatória para o atendimento, a critério do médico assistente, Dr. Júlio César Vieira de Sousa – CRM/RN 4725, Professor da Disciplinar de Doenças do Sistema Cardiovascular – UFRN, ao requisito do art. 10, § 13, inciso I, da Lei nº 9.656/1998, com a redação da Lei nº 14.454/2022, no que pertine à comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico. A defesa apresentada pelo plano limita-se a fazer o enquadramento do caso clínico dentre as hipóteses genéricas do Rol de Procedimentos anexo à Resolução Normativa nº 465 – ANS, de 24/02/2021, sem, entretanto, produzir qualquer prova técnica específica em relação ao paciente que demonstre a inadequação do procedimento prescrito pelo médico assistente. Não se desincumbiu, assim, do ônus probatório ordinário de demonstrar a ocorrência de “fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (art. 373, II, do CPC), muito menos do encargo adicional, decorrente da inversão do ônus da prova, consectário da aplicação ao caso concreto dos art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 c/c art. 373, § 1º, do CPC. Trata-se da aplicação, ao caso sob julgamento, da Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas, que prevê a possibilidade de flexibilização das regras sobre a distribuição do ônus da prova, quando verificadas as hipóteses normativas do art. 373, § 1º, do CPC, a saber: a) nos casos previstos em lei; b) diante da impossibilidade ou excessiva dificuldade de que o autor faça prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, devido à sua hipossuficiência; e c) em face da maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. A respeito do tema, convém referenciar a lição doutrinária de FÁBIO COSTA SOARES: “O Código de Defesa do Consumidor adotou os postulados da teoria das cargas probatórias dinâmicas no artigo 6º, inciso VIII, na medida em que permite ao julgador mitigar e eliminar as consequências da ausência de produção de prova sobre fatos relevantes do julgamento da causa de acordo com as regras clássicas de distribuição do ônus probandi, diante das circunstâncias do caso concreto reveladas pela verossimilhança das alegações do consumidor ou da sua hipossuficiência, sempre com base nas regras ordinárias de experiência.” (Acesso do Consumidor à Justiça: Os Fundamentos Constitucionais do Direito à Prova e da Inversão do ônus da Prova. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, p. 177 e 179). Sendo assim, demonstrada a urgência do procedimento e a eficácia do tratamento prescrito pelo médico assistente, negar-se o acesso do paciente a referida opção terapêutica sob a alegação de que seu caso específico não se enquadra nas diretrizes genéricas delineadas pela ANS configura patente abusividade, notadamente à luz do que dispõe o art. 47, da Lei nº 8.078/90, nos termos do qual “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor." Especificamente em relação à cobertura de testes genéticos, destaca-se julgado do TJRN a seguir ementado que reconhece a abusividade da negativa de cobertura: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO. NEGATIVA DE COBERTURA SOB A ALEGAÇÃO DE NÃO ESTAR PREVISTO NO ROL DA ANS. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O TRATAMENTO MÉDICO. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. ROL DA ANS COM TAXATIVIDADE MITIGADA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE HAVER UM PROCEDIMENTO EQUIVALENTE EFICAZ, EFETIVO E SEGURO AO PRESCRITO PELO MÉDICO. COMPROVAÇÃO PELO PLANO DE SAÚDE. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO À SAÚDE E À VIDA. CUSTEIO DO EXAME PELO PACIENTE. RESSARCIMENTO DEVIDO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO. QUANTUM ARBITRADO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0805596-39.2022.8.20.5300, Magistrado(a) MARTHA DANYELLE SANTANNA COSTA BARBOSA, Tribunal Pleno, JULGADO em 16/08/2023, PUBLICADO em 16/08/2023). APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836701-87.2024.8.20.5001 APELANTE: INÊS GONÇALVES DE AZEVEDO ADVOGADOS: UBALDO ONÉSIO DE ARAÚJO SILVA FILHO, TASSIUS MARCIUS TSANGAROPULOS SOUZA APELADO: AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A. ADVOGADO: ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. REABILITAÇÃO NEUROMOTORA. MÉTODO PEDIASUIT. ROL DA ANS. TAXATIVIDADE MITIGADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por beneficiária de plano de saúde contra sentença que julgou improcedente o pedido de cobertura do tratamento com o método Pediasuit, prescrito por profissional de saúde para paciente diagnosticada com mielopatia isquêmica a nível T9 até o cone medular. A operadora de saúde negou o custeio do tratamento sob o fundamento de ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS e de evidências científicas sobre sua eficácia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se é devida a cobertura, por operadora de plano de saúde, de tratamento médico não incluído no rol da ANS, especificamente o método Pediasuit, quando prescrito por profissional habilitado e indicado como necessário à reabilitação da paciente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, conforme Súmula 608 do STJ, devendo as cláusulas contratuais ser interpretadas em favor do consumidor, nos termos do art. 47 do CDC. 4. Cláusulas que limitam tratamentos indispensáveis à saúde do consumidor, ainda que com base no rol da ANS, são nulas quando colocam o beneficiário em desvantagem exagerada, conforme art. 51, IV e § 1º, II, do CDC. 5. A Lei nº 14.454/2022 alterou a Lei nº 9.656/1998 para admitir a cobertura de procedimentos fora do rol da ANS, desde que haja prescrição médica, comprovação de eficácia com base em evidências científicas, ou recomendação de órgão técnico de renome nacional ou internacional. 6. A negativa de cobertura por ausência no rol da ANS, sem considerar a prescrição médica e a ausência de alternativas terapêuticas eficazes, configura prática abusiva e contrária à boa-fé objetiva e à função social do contrato. 7. Laudo médico constante dos autos atesta a necessidade do tratamento com o método Pediasuit para reabilitação neuromotora da paciente, sendo indevida a recusa unilateral da operadora. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: 1. O rol de procedimentos da ANS admite mitigação quando houver prescrição médica específica, inexistência de tratamento substitutivo eficaz e respaldo técnico-científico à terapêutica indicada. 2. É abusiva a negativa de cobertura por plano de saúde de tratamento prescrito por médico assistente com fundamento exclusivo na ausência de previsão no rol da ANS. 3. Cláusulas contratuais que inviabilizam a realização de tratamento essencial à saúde do beneficiário violam o CDC e a função social do contrato de plano de saúde. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 6º, I; CDC, arts. 6º, I, 47, 51, IV e § 1º, II; CPC, art. 1.026, § 2º; Lei nº 9.656/1998, arts. 10, §§ 12 e 13 (com redação da Lei nº 14.454/2022). Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, 2ª Seção, j. 08.06.2022; STJ, AgInt no REsp 2.063.148/SP, 4ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 19.08.2024, DJe 22.08.2024; STJ, AgInt no AREsp 2.560.764/SP, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.09.2024, DJe 18.09.2024. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas. Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer da apelação cível e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, parte integrante deste acórdão. (APELAÇÃO CÍVEL, 0836701-87.2024.8.20.5001, Mag. ROBERTO FRANCISCO GUEDES LIMA, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 16/05/2025, PUBLICADO em 19/05/2025) Com essas considerações, impõe-se que reconhecer a necessidade de disponibilizar do procedimento médico pela operadora do plano de saúde. No caso em apreço, restou incontroverso que a parte autora arcou com o custeio integral do procedimento médico indicado por profissional habilitado, no valor de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), conforme demonstra a nota fiscal anexada aos autos sob o ID nº 93425354 e o pedido de aditamento da exordial. A conduta do plano de saúde réu, ao se negar injustificadamente a cobertura do tratamento prescrito, forçou a parte autora a suportar despesa que, contratualmente, incumbiria à operadora, caracterizando-se indevida a recusa de cobertura. Diante disso, impõe-se o reconhecimento da conversão da obrigação de fazer em obrigação de pagar quantia certa, consubstanciada no ressarcimento integral do valor despendido pela autora. Tal entendimento encontra respaldo no princípio da reparação integral e visa evitar o enriquecimento ilícito da operadora de saúde, que descumpriu obrigações contratuais em afronta à boa-fé objetiva e à função social do contrato. Portanto, impõe-se determinar o reembolso do valor comprovadamente pago pela parte autora. No que pertine aos danos morais, há que se ponderar que a postura adotada pelo plano de saúde demandado em não respaldar as prescrições do médico assistente, criando embaraços ao regular tratamento da enfermidade do demandante, além de lhe causar angústia e abalo de ordem psicológica, representou risco concreto à sua integridade física, inobservando o objeto principal do contrato firmado entre as partes, que é a preservação da saúde plena do contratante/paciente, com a utilização dos recursos clínicos e insumos mais eficazes e adequados para tanto disponíveis no âmbito da rede credenciada. Portanto, não resta dúvida quanto à responsabilidade da demandada em relação ao abalo moral sofrido pela parte autora, consoante acórdãos do STJ e TJRN a seguir transcritos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRATAMENTO DOMICILIAR. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. RECUSA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de tratamento domiciliar prescrito para o tratamento de doença coberta pelo plano de saúde. 2. A negativa administrativa ilegítima de cobertura para tratamento médico por parte da operadora de saúde só enseja danos morais na hipótese de agravamento da condição de dor, abalo psicológico e demais prejuízos à saúde já fragilizada do paciente. Precedentes. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp 1977957/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2022, DJe 04/05/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE COBERTURA. PROCEDIMENTO FORA DO ROL DA ANS. ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. PRECEDENTES DO STJ. NEGATIVA INDEVIDA. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL EM RAZÃO DA NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE. RECUSA ILEGÍTIMA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OCORRÊNCIA DO DANO MORAL. NEXO CAUSAL EVIDENCIADO. INDENIZAÇÃO QUE SE IMPÕE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRN - APELAÇÃO CÍVEL nº 0801110-06.2020.8.20.5001, Rel. Des. Expedito Ferreira, ASSINADO em 09/12/2021). Os pressupostos da responsabilização encontram-se satisfatoriamente delineados, na medida em que a parte autora comprovou a ocorrência de abalo psicológico, decorrente da recusa abusiva de cobertura pelo plano de saúde demandado de procedimento prescrito pelo médico assistente, bem como o nexo de causalidade entre tais fatos. Nesses termos, igualmente merece prosperar a pretensão autoral quanto à condenação em indenização por danos morais. Quanto ao valor da indenização a ser fixada, a doutrina mais abalizada e a jurisprudência majoritária destacam que referido quantum deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, revestindo-se de caráter não só punitivo ou meramente compensatório, mas também de cunho didático, de modo a desestimular no causador do dano a persistência em comportamentos que possam vir a causar lesões similares, sem entretanto, acarretar à vítima um enriquecimento sem causa. A doutrina de Carlos Alberto Bittar leciona a respeito da matéria nos seguintes termos: “(...) a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser a quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante” (BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p.233). No caso presente, as circunstâncias do caso concreto indicam que a fixação da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostra-se razoável à reparação dos danos sofridos. 2. DISPOSITIVO. Ante o exposto, REJEITO a preliminar suscitada e, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: a) CONDENAR a HAPVIDA ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA ao ressarcimento da quantia de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais), relativo ao custeio do procedimento médico (TESTE GENÉTICO DE CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO), quantia a ser devidamente corrigida monetariamente pelo IPCA-E desde o desembolso (data constante da nota fiscal – ID nº 93425354) e com incidência de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação; b) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo IPCA desde a publicação da presente sentença (Súmula 362 - STJ) e acrescido de juros de mora, a contar da citação, pela taxa Selic, deduzido o percentual correspondente ao IPCA, nos termos do art. 406 do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024. Condeno ainda o réu, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, referente ao período reconhecido nesta sentença, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. CASO INTERPOSTA APELAÇÃO por qualquer das partes e considerando que tal recurso não mais está sujeito a juízo de admissibilidade pelo Juízo de 1º grau (art. 1.010, § 3º, do CPC), sendo este de competência do Tribunal, intime-se a parte contrária para oferecimento das contrarrazões no prazo legal (art. 1.010, § 1º, do CPC). APRESENTADA APELAÇÃO ADESIVA junto às contrarrazões, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões (art. 1.010, § 2º, do CPC). COM OU SEM CONTRARRAZÕES, encaminhem-se os autos eletrônicos para o E. TJRN. CASO NÃO HAJA RECURSO, transitada em julgado a sentença e nada sendo requerido, arquivem-se os autos. Publique-se. Intimem-se. Upanema/RN, data da assinatura. Documento Assinado Eletronicamente, na forma da Lei nº 11.419/06 INGRID RANIELE FARIAS SANDES Juíza de Direito
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