Processo nº 08069877020238230010
Número do Processo:
0806987-70.2023.8.23.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRR
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Câmara Cível
Última atualização encontrada em
22 de
maio
de 2025.
Intimações e Editais
-
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22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CÍVEL - PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CÍVEL – PRIMEIRA TURMA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0806987-70.2023.8.23.0010 Apelante: SUNTORY EMPREENDIMENTOS & PARTICIPAÇÕES LTDA Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA Relator: Des. Erick Linhares RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Boa Vista - RR, que nos autos dos Embargos de Terceiro, julgou improcedente o pedido da embargante, mantendo a restrição sobre o imóvel e condenando a apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Em suas razões recursais, a apelante sustenta que a sentença merece ser reformada, alegando que deve haver: - o reconhecimento da boa-fé na aquisição do imóvel; - a baixa da indisponibilidade do imóvel. - a redistribuição dos ônus de sucumbência, com a condenação do apelado ao pagamento das custas processuais Nas contrarrazões, o Ministério Público argúi que a apelação não impugnou os fundamentos da sentença, limitando-se a repetir os argumentos da petição inicial. Além disso, reforça que a restrição ao imóvel decorre de uma ação de improbidade administrativa, o que tornaria inválida a alienação. Requer, pois, o desprovimento do recurso. A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opina pela observação da preliminar de ausência de dialeticidade do apelo, ou, no mérito, por seu conhecimento e desprovimento, confirmando-se a sentença de piso por seus próprios fundamentos. É o breve relato. Inclua-se o feito em pauta para julgamento eletrônico, com cópia do relatório, na forma prevista no artigo 110, §1º do RITJRR. Intimem-se as partes para ciência, no prazo legal. Boa Vista - RR, 25 de fevereiro de 2025. Des. Erick Linhares Relator (assinado digitalmente – Sistema Projudi) PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CÍVEL - PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CÍVEL – PRIMEIRA TURMA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0806987-70.2023.8.23.0010 Apelante: SUNTORY EMPREENDIMENTOS & PARTICIPAÇÕES LTDA Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA Relator: Des. Erick Linhares VOTO Conforme relatado, trata-se de Apelação Cível interposta em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Boa Vista - RR, que nos autos dos Embargos de Terceiro, julgou improcedente o pedido da embargante, mantendo a restrição sobre o imóvel e condenando a apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. A sentença recorrida entendeu que a embargante não comprovou a boa-fé na aquisição do imóvel, uma vez que a restrição judicial sobre o bem decorre de ação de improbidade administrativa ajuizada há mais de dez anos antes da compra. Destacou, ainda, que uma simples consulta ao sistema do Tribunal de Justiça revelaria a existência da ação, sendo presumível, assim, o conhecimento do litígio por parte da adquirente. A apelante, Suntory Empreendimentos & Participações LTDA, por sua vez, sustentou, em suas razões recursais, que adquiriu o imóvel rural denominado Fazenda Água Fria, situado na Gleba Murupú, Município de Boa Vista/RR, em 16 de janeiro de 2019, por meio de contrato de compra e venda. Alegou que, à época da aquisição, não havia qualquer restrição judicial incidente sobre o imóvel, tendo a averbação de indisponibilidade ocorrido apenas em 20 de outubro de 2022. Requereu o reconhecimento da boa-fé e o consequente provimento do recurso. Em contrarrazões, o apelado suscitou preliminar de não conhecimento do recurso, por suposta ofensa ao princípio da dialeticidade, pleiteando, ao final, o desprovimento da apelação. Passo à analise da preliminar arguida. A alegação de ofensa ao princípio da dialeticidade não merece prosperar. Isso porque, no caso em apreço, verifica-se que o apelante impugnou de forma clara e específica a sentença, expressando seu inconformismo e expondo fundamentos jurídicos suficientes para demonstrar a necessidade de reforma. Rejeito, portanto, a preliminar de ausência de dialeticidade. Ultrapassadas as matérias preliminares, cumpre examinar o mérito do recurso. Os embargos de terceiro encontram previsão no art. 674 e seguintes do CPC, que dispõem: Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro. § 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor. Na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: "(...) trata-se de ação de conhecimento, constitutiva-negativa, de procedimento especial sumário, cuja finalidade é livrar o bem ou direito de posse ou propriedade de terceiro da constrição judicial que lhe foi injustamente imposta em processo de que não faz parte. O embargante pretende obter a liberação (manutenção ou reintegração na posse), ou evitar a alienação de bem ou direito indevidamente constrito ou ameaçado de o ser." (in, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., RT, p. 1030) Dessa forma, os embargos de terceiro devem ser instruídos com elementos indicativos de ser o embargante o titular da posse, do domínio ou de direito sobre o bem cuja constrição é questionada. Assim, em regra, os embargos de terceiro se prestam a resguardar os direitos de proprietário ou possuidor que injustamente se veja na iminência de ser despojado de seus bens em virtude de ordem judicial emanada em processo no qual não tenha sido parte. Na espécie, como se infere dos autos, o registro da penhora sobre o imóvel objeto da lide foi realizada em 20/10/2022 enquanto o imóvel foi alienado ao apelante em 16/01/2019. O recorrente defende a validade do negócio jurídico de compra e venda, amparado na Lei nº 13.097/2015, art. 54, que garante eficácia plena à alienação se a matrícula estiver livre de restrições. Após minucioso exame dos autos, verifica-se que está consolidado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que a mera existência de ação judicial em curso no momento da alienação do bem não configura, por si só, fraude à execução. Para que se reconheça a fraude, é necessário que haja penhora regularmente registrada ou, na sua ausência, que se comprove o conhecimento, por parte do adquirente, da existência da ação, demonstrando-se, assim, a má-fé e o consilium fraudis. Corroborando esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n.º 375, nos seguintes termos: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente." O entendimento sumulado decorreu da uniformização da jurisprudência construída ao longo de diversos julgamentos, entre os quais destacam-se: "[...] EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA EM IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO EM CARTÓRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE MÁ-FÉ DO ADQUIRENTE. FRAUDE NÃO CARACTERIZADA. [...]" (REsp 865974 RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 10/09/2008) "[...] FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO. ALIENAÇÃO DE BEM. PENHORA NÃO-GRAVADA NO REGISTRO DE IMÓVEIS. INSUBSISTÊNCIA. [...] Não basta o ajuizamento do executivo fiscal e a citação válida do devedor para configurar a fraude à execução quando o bem penhorado foi adquirido por terceiro. É necessário que haja a gravação da constrição judicial no respectivo Cartório de Registro de Imóveis para que a indisponibilidade do bem gere efeitos de eficácia erga omnes, o que não ocorreu no caso dos autos. [...]" (REsp 810170 RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 26/08/2008) "[...] EMBARGOS DE TERCEIRO - ALIENAÇÃO DE IMÓVEL SEM REGISTRO NO CARTÓRIO - FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL NÃO CARACTERIZADA [...] Ausente o registro de penhora ou arresto efetuado sobre o imóvel, não se pode supor que as partes contratantes agiram em consilium fraudis. 2. Não-demonstrado que o comprador tinha conhecimento da existência de execução fiscal contra o alienante ou agiu em conluio com o devedor-vendedor, sendo insuficiente o argumento de que a venda foi realizada após a citação do executado. [...]" (AgRg no REsp 1046004 MT, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2008, DJe 23/06/2008) "[...] EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. PENHORA. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. [...] Ao terceiro adquirente de boa-fé é facultado o uso dos embargos de terceiro para defesa da posse. Não havendo registro da constrição judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame transfere-se para o credor. A boa-fé neste caso (ausência do registro) presume-se e merece ser prestigiada. [...]" (REsp 493914 SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 05/05/2008) "[...] EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA DA DEMANDA EM CURSO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. PRESUNÇÃO. DESCABIMENTO. [...] Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de prova do conhecimento por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte. II - Não há falar em presunção de insolvência do devedor em favor do credor quando não efetivado o ato de constrição sobre o bem alienado, na medida em que 'a dispensabilidade da prova da insolvência do devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que já se encontram sob constrição judicial.' (REsp 867.502/SP, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJ 20/08/2007). "[...] FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO NA PENDÊNCIA DE EXECUÇÃO. CPC, ART. 593, II, E 659, § 4º. INEXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO DA PENHORA. BOA-FÉ PRESUMIDA DOS TERCEIROS ADQUIRENTES. [...] A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que não basta à automática configuração da fraude à execução a mera existência, anteriormente à venda de imóvel, de ação movida contra o alienante capaz de reduzi-lo à insolvência, somente admitindo tal situação quando já tivesse, então, havido a inscrição da penhora no cartório competente (art. 659, § 4º, do CPC). [...]" (REsp 943591 PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2007, DJ 08/10/2007, p. 311) Importantes precedentes do Tribunal de Justiça de Roraima reforçam a aplicação da Súmula nº 375 do STJ, ao reconhecer que, na ausência de registro da penhora anterior à alienação do bem e sem prova da má-fé do terceiro adquirente, não se configura fraude à execução. Destacam-se: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - PENHORA DE IMÓVEL ADQUIRIDO POR TERCEIROS - INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - PROVA DESNECESSÁRIA AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA - REJEIÇÃO - MÉRITO - FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE REGISTRO DA PENHORA VÁLIDA DO IMÓVEL ANTES DA AQUISIÇÃO DO BEM E NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES - SÚMULA 375 STJ - BOA-FÉ PRESUMIDA - RECONHECIMENTO - AFASTAMENTO DA PENHORA - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. (TJ-RR - AC: 0808155-20.2017.8 .23.0010, Relator.: TÂNIA VASCONCELOS, Data de Julgamento: 13/05/2021, Câmara Cível, Data de Publicação: 13/05/2021) APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO CONTRA ANTIGO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. ALIENAÇÃO NA PENDÊNCIA DE EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO DA PENHORA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 375/STJ. RECURSO PROVIDO. (TJRR – AC 0010.14.005665-5, Rel. Des. MOZARILDO CAVALCANTI, Câmara Cível, julg.: 19/05/2016, public.: 30/05/2016, p. 20) Destaco, ainda, a existência de precedente altamente relevante proferido no âmbito deste próprio Tribunal, envolvendo o mesmo imóvel objeto da presente demanda — matrícula nº 105981, situado na Gleba Murupú, município de Boa Vista. Trata-se da Apelação Cível nº 0835681-83.2022.8.23.0010, de relatoria da Desª Tânia Vasconcelos, na qual não se reconheceu a ocorrência de fraude à execução na alienação do referido bem. Naquele julgado, ficou assentado que não havia registro anterior da penhora nem prova inequívoca da má-fé do terceiro adquirente, de modo que se aplicou corretamente o entendimento da Súmula nº 375 do STJ, afastando-se a constrição judicial. Tal decisão, proferida em caso com identidade objetiva e fática, reforça a tese de inexistência de fraude à execução no presente feito, impondo-se, por coerência jurisprudencial e segurança jurídica, a manutenção do mesmo entendimento. Ademais, em situações dessa natureza, compete ao credor o ônus de afastar a presunção de boa-fé do terceiro adquirente, conforme se depreende de precedentes da jurisprudência: "RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. PENHORA. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. 1 - Ao terceiro adquirente de boa-fé é facultado o uso dos embargos de terceiro para defesa da posse. Não havendo registro da constrição judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame transfere-se para o credor. A boa-fé neste caso (ausência do registro) presumese e merece ser prestigiada. 2 - Recurso especial conhecido e provido" ( REsp 493.914/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe /5/2008). "CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 105, INCISO III, DA CF. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA PENHORA. PRÉVIO CONHECIMENTO DO EMBARGANTE ACERCA DO GRAVAME NÃO COMPROVADO. 1. À luz da sedimentada jurisprudência desta Corte Superior, nos termos do art. 659, § 4º, do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 8.953/1994 é exigível a averbação da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito erga omnes e, nessa circunstância, torne-se eficaz para impedir a venda a terceiros em fraude à execução. 2. Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exequente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição judicial, agindo, assim, de máfé (Precedentes: REsp n.º 742.097/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 28/04/2008; REsp n.º 93.914/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 05/05/2008; e AgRg no REsp n.º 1.046.004/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 23/06/2008; REsp. 494.545/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki). 3. Recurso especial conhecido e provido" ( REsp 753.384/DF, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 1º/06/2010, DJe 7/10/2010). No caso em análise, incumbia ao credor o ônus de afastar a presunção de boa-fé do terceiro adquirente, o que, contudo, não foi demonstrado nos autos. No presente caso, é incontroverso que, à época da alienação do imóvel — ocorrida em 16/01/2019 —, não havia registro de penhora ou de indisponibilidade na matrícula do bem, o que afasta o primeiro requisito. Da mesma forma, não restou demonstrada a má-fé do terceiro adquirente, ora apelante. Ao contrário, o conjunto probatório revela que a aquisição se deu por meio de contrato particular de compra e venda em condições regulares, sem quaisquer ônus registrados na matrícula do imóvel à época. Ressalte-se que, embora a ação de improbidade tenha sido ajuizada em 2007, tal demanda tramitava sem qualquer medida constritiva sobre o bem em questão, nem tampouco existia registro que impedisse sua alienação no cartório de registro de imóveis, conforme previsto no art. 54, V, da Lei nº 13.097/2015, que dispõe: "Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: V - averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa ou a oriunda de hipoteca judiciária." Dessa forma, há que se presumir a boa fé do adquirente. Ademais, a ausência de escritura pública não é suficiente para afastar a presunção de boa-fé da embargante, tampouco inviabiliza a proteção possessória prevista no art. 674 do CPC. O contrato particular de compra e venda, embora não registrado, constitui elemento idôneo para comprovar a posse e justificar a oposição dos embargos, sobretudo quando, à época da aquisição, não havia qualquer ônus ou restrição na matrícula do imóvel. Embora o não registro do título impeça a oponibilidade do domínio a terceiros, conforme dispõe o art. 1.245 do Código Civil, tal circunstância não compromete, por si só, a validade do negócio celebrado entre as partes, nem afasta a posse legítima exercida pelo embargante, cuja tutela é plenamente admitida nos embargos de terceiro, quando ausente vínculo processual com a demanda que ensejou a constrição. No que se refere à cláusula resolutiva, vale destacar que não há nos autos prova de que a sua existência tenha sido invocada pelo outorgante anterior como causa de resolução contratual, tampouco foi demonstrado prejuízo efetivo ou fraude contra eventual direito de preferência. Ademais, a cláusula em questão, ainda que existente, não impede por si só a celebração do negócio jurídico, tampouco o torna nulo de pleno direito, sobretudo quando não acionada pela parte legitimada. Por fim, não há nos autos qualquer prova inequívoca de que a empresa apelante tinha conhecimento da ação em curso ou da situação patrimonial do vendedor de forma a configurar má-fé subjetiva. A jurisprudência do STJ tem reiteradamente exigido prova concreta do consilium fraudis, não sendo suficiente a mera conjectura baseada na cronologia dos fatos ou na presunção de dever de cautela mais rigoroso. Assim, ausentes os requisitos cumulativos exigidos para o reconhecimento da fraude à execução — a saber: (a) registro de constrição anterior ou (b) prova inequívoca de má-fé — impõe-se o acolhimento dos embargos de terceiro e o reconhecimento da boa-fé do adquirente. Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a sentença, reconhecendo a procedência dos embargos de terceiro opostos por Suntory Empreendimentos & Participações LTDA, com a consequente liberação da constrição sobre o imóvel objeto da controvérsia. É como voto. A fim de evitar a oposição de embargos de declaração meramente protelatórios, considera-se, desde já, prequestionada toda matéria constitucional e infraconstitucional, observando o entendimento do STJ no sentido de que, para o prequestionamento, é desnecessária a explícita indicação dos dispositivos de lei que o fundamentaram. No ensejo, advirto às partes que, a interposição de eventual recurso meramente protelatório ou com o fito de rediscutir a controvérsia dos autos ensejará na aplicação de multa, nos termos dos artigos 79, 80 e 81, do Código de Processo Civil. Boa Vista-RR, 12 de maio de 2025. Des. Erick Linhares Relator (assinado digitalmente – Sistema Projudi) PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA CÂMARA CÍVEL - PROJUDI Praça do Centro Cívico, 269 - Palácio da Justiça, - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 CÂMARA CÍVEL – PRIMEIRA TURMA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0806987-70.2023.8.23.0010 Apelante: SUNTORY EMPREENDIMENTOS & PARTICIPAÇÕES LTDA Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA Relator: Des. Erick Linhares EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO ANTERIOR AO REGISTRO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ. BOA-FÉ PRESUMIDA. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes embargos de terceiro, mantendo a constrição judicial sobre imóvel adquirido pela embargante e condenando-a ao pagamento de custas e honorários advocatícios. 2. A questão em discussão consiste em saber se a aquisição do imóvel rural pela embargante configura fraude à execução, diante da existência de ação de improbidade administrativa anterior à alienação, sem, contudo, haver registro de constrição na matrícula do imóvel à época da compra. 3. A ausência de averbação da constrição judicial no registro do imóvel na data da aquisição impede o reconhecimento da fraude à execução. 4. Não houve demonstração nos autos de que a adquirente tinha conhecimento prévio da ação judicial, o que afasta a caracterização de má-fé e consilium fraudis. 5. A presunção de boa-fé do terceiro adquirente não foi elidida, impondo-se o reconhecimento da validade do negócio jurídico e a procedência dos embargos de terceiro. 6. A jurisprudência consolidada do STJ (Súmula 375) exige, para o reconhecimento da fraude à execução, o registro da penhora ou a prova inequívoca da má-fé do adquirente. 7. A cláusula resolutiva e a ausência de escritura pública não são suficientes para afastar a presunção legal de boa-fé. 8. Recurso provido. Sentença reformada. 9. Tese de julgamento: 1. A alienação de imóvel anterior à averbação de constrição judicial não configura, por si só, fraude à execução. 2. Na ausência de registro da penhora ou de prova inequívoca de má-fé, presume-se a boa-fé do terceiro adquirente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Segunda Turma Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Participaram da Sessão de Julgamento os Senhores Desembargadores Mozarildo Monteiro Cavalcanti (Presidente/Julgador), Erick Linhares (Relator) e Almiro Padilha (Julgador). Sessão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos dezesseis dias de maio do ano de dois mil e vinte e cinco. Des. Erick Linhares Relator (assinado digitalmente – Sistema Projudi)