Juliana Mara Vieira Da Silva Farias x Braiscompany Solucoes Digitais E Treinamentos Ltda e outros
Número do Processo:
0807901-52.2024.8.15.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPB
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
4ª Vara Cível de Campina Grande
Última atualização encontrada em
14 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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28/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 4ª Vara Cível de Campina Grande | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário da Paraíba 4ª Vara Cível de Campina Grande PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0807901-52.2024.8.15.0001 [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro] AUTOR: JULIANA MARA VIEIRA DA SILVA FARIAS REU: BRAISCOMPANY SOLUCOES DIGITAIS E TREINAMENTOS LTDA, ANTONIO INACIO DA SILVA NETO, FABRÍCIA FARIAS CAMPOS SENTENÇA AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO DE VALORES – CONTRATAÇÃO E QUEBRA CONTRATUAL COMPROVADAS – CITAÇÃO EDITALÍCIA – CURADOR NOMEADO – CONTESTAÇÃO APRESENTADA – INADIMPLÊNCIA INCONTROVERSA – MORA CONFIGURADA – RESTITUIÇÃO DO INVESTIMENTO DEVIDA – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA POSSÍVEL – REQUISITOS PRESENTES – PAGAMENTO DE SUPOSTOS RENDIMENTOS E MULTA PELA PROMOVIDA – IMPOSSIBILIDADE – RESCISÃO QUE IMPLICA RETORNO AO STATUS QUO ANTE – PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. Vistos etc. Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada por JULIANA MARA VIEIRA DA SILVA FARIAS em desfavor de BRAISCOMPANY SOLUCOES DIGITAIS E TREINAMENTOS LTDA, ANTONIO INACIO DA SILVA NETO e FABRICIA FARIAS CAMPOS. Aduz a inicial, em síntese, que a parte autora celebrou contrato de cessão temporária de ativos digitais com a ré Braiscompany em 19/01/2023, pelo período de 12 meses, no valor de R$ 50.928,30 (cinquenta mil, novecentos e vinte e oito reais e trinta centavos). Diz que, a partir de fevereiro de 2023, a locatária deixou de efetuar o pagamento dos rendimentos mensais, conforme previsto em contrato, razão porque requereu o encerramento do contrato e a devolução de suas criptomoedas, o que não ocorreu, justificando a presente ação. Pugnou, ao final, pela declaração de rescisão do contrato e restituição do valor total investido, acrescido de multa contratual de 30%, pagamento referente aos meses em atraso, bem como a remuneração mensal de todo o período, totalizando a quantia pretendida no valor total de R$ 66.206,79 (sessenta e seis mil, duzentos e seis reais e setenta e nove centavos), consoante petição inicial (Id 87174426). Juntou documentos. Deferido à promovente o benefício da justiça gratuita (Id 91544162). Expedido edital de citação dos promovidos (Id 93000332), decorreu o prazo legal sem manifestação, sendo nomeado curador especial na pessoa do Defensor Público atuante nesta unidade judiciária, que apresentou contestação por negativa geral (Id 99728474). Intimadas para especificação de provas, a parte autora e o curador dos promovidos informaram não terem outras provas a produzir e requereram o julgamento antecipado da lide (Ids 100112581 e 100049545). Vieram-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO. DECIDO. 1 DO MÉRITO Inicialmente cumpre esclarecer que o feito comporta julgamento antecipado na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, não sendo necessária a dilação probatória. A parte autora pretende a rescisão do contrato de aluguel de criptoativos firmado com os promovidos, sob a alegação de descumprimento contratual. Diante da alegação de falha na prestação do serviço no âmbito de relação de consumo, a demanda deve ser resolvida a luz do CDC. A parte autora se desincumbiu do seu ônus probatório, conforme preceitua o art. 373, I do CPC, colacionando aos autos documentos que demonstram a contratação dos serviços, conforme contrato de código RSA2-404054676312023 (Id 87174426). Extrai-se dos documentos que a parte promovente realizou investimento no valor de R$ 50.928,30 (cinquenta mil, novecentos e vinte e oito reais e trinta centavos), a título de “LOCAÇÃO TEMPORÁRIA DE CRIPTOATIVOS” junto à empresa acionada que, em contrapartida, lhe forneceria um repasse mensal e variável, a título de aluguel (cláusula 2ª), pelo prazo de 12 meses (cláusula 1ª), com início dos pagamentos 30 dias após a assinatura (cláusula 9ª). Conforme convencionado, caberia à promovida Braiscompany promover o repasse dos aluguéis até o dia 30 de cada mês, referentes aos meses subsequentes à assinatura no contrato (19/01/2023). Porém, não fez o repasse a partir do mês subsequente (fevereiro de 2023), encontrando-se em mora até a presente data. No tocante à distribuição legal do ônus da prova, inscrita no art. 373, II, caberia a ré comprovar serem inverídicas as alegações exaradas na exordial, porém, deixou de apresentar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora. Ao revés, confirma o inadimplemento contratual, ao não apresentar os comprovantes de pagamentos dos meses supramencionados. Ao caso presente, aplica-se o disposto no artigo 475 do Código Civil, segundo o qual “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” Ademais, é de conhecimento público e notório a crise enfrentada pela empresa demandada, que deixou de honrar com os seus compromissos contratuais desde meados de dezembro de 2022. Referido inadimplemento foi confirmado com as investigações intentadas pelo Ministério Público Estadual, no âmbito do inquérito civil 002.2023.005414, que culminou na ação cautelar antecedente de ação civil pública n.º 0807241-09.2023.8.15.2001, em tramitação na 11ª Vara Cível da Comarca da Capital. Frise-se que, segundo o órgão ministerial, “com contratos que trazem pouca ou nenhuma informação, a empresa tem se utilizado de cláusulas abusivas, publicidade ostensiva e agressividade na captação de clientes, que detêm pouco ou nenhum conhecimento nas áreas de finanças e de tecnologia, para manter um crescimento exponencial, em muito se assemelhando aos conhecidos esquemas Ponzi”. Também pontua que “a prática comercial adotada pelos requeridos é abusiva e ilegal. Em termos doutrinários e jurisprudenciais, prevalece o entendimento de que a abusividade de uma prática comercial está ligada a uma desvantagem exagerada, experimentada pelo contratante mais frágil, ou ainda, a uma violação do princípio da boa-fé objetiva, o que, sem sombra, ocorreu na espécie.”. A empresa demandada foi alvo de operação realizada pela Polícia Federal no dia 16/02/2023 (operação Halving), com o objetivo de combater crimes contra o sistema financeiro e o mercado de capitais. Neste diapasão, têm-se por verossímeis as alegações da parte autora em relação ao inadimplemento contratual, razão pela qual reconheço a mora contratual da ré e, por este motivo, declaro a rescisão do pacto entabulado entre as partes, por culpa exclusiva da parte demandada, ficando afastadas, por consequência, as disposições contratuais elencadas nas cláusulas 15ª, 16ª e 17ª, ou seja, não deve ser cobrado do consumidor lesado o pagamento do chamado “percentual redutor” (multa) de 30% pela quebra contratual, uma vez que quem motivou a rescisão foi a própria empresa promovida. Assim, quanto ao requerimento de restituição da integralidade dos valores investidos pela parte autora, deve a empresa ser impelida a efetuá-la sem aplicar o “percentual redutor”, de modo que a parte autora direito a ser restituída no valor total de R$ 50.928,30 (cinquenta mil, novecentos e vinte e oito reais e trinta centavos). No tocante ao rendimento, não houve, ao contrário do que pretende fazer crer a parte autora, garantia de que o investimento ensejaria o acréscimo patrimonial pretendido, pois o contrato traz percentual apenas a título informativo. Não merece acolhimento a fundamentação de ausência de culpa ou ilícito contratual pela parte ré, eis que tendo o contrato objeto da ação natureza de relação de consumo, é objetiva a responsabilidade da parte demandada não de oferecer lucro ao cliente, mas de propiciar a este o direito de reaver os valores que estejam com ela depositados, fazendo parte do risco de sua atividade a gestão de causas externas para viabilizar, em qualquer tempo, aos contratantes dos seus serviços, o direito de saque dos valores a estes pertencentes que estejam com ela depositados. Nesse sentido: APELAÇÃO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. GESTÃO DE NEGÓCIOS. INVESTIMENTOS. BITCOIN. INADIMPLEMENTO DA REQUERIDA. AUSÊNCIA DE REPASSE DOS LUCROS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INVESTIDOS. RENDIMENTOS QUE NÃO SE PRESUMEM. MERO ABORRECIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. A rescisão do contrato implica o retorno das partes ao status quo ante, ou seja, a requerida deve devolver ao autor tão somente os valores investidos por ele. Aliás, não havia garantia de que haveria algum rendimento, tratando- se de um investimento de alto risco, apenas uma previsão a título informativo. Ademais, a devolução dos valores com correção monetária e juros é suficiente para recomposição da moeda. - Sendo certo que foi a mora da requerida que ensejou a rescisão contratual, a devolução dos valores devidamente corrigidas é suficiente para recompor o patrimônio do autor. - Ainda que se reconheça a culpa exclusiva da requerida, a situação trazida nestes autos é de inadimplemento contratual, a qual se trata de mero aborrecimento. - A sucumbência é recíproca, nos termos do art. 86, do CPC, pois, ao contrário do que insiste, o autor não decaiu de parte mínima de seus pedidos. Apelação desprovida, com observação. (TJSP Apelação Cível 1053937-38.2019.8.26.0002; Relator: Lino Machado; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 30a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 10/02/2021; Data de publicação: 10/02/2021). Sobre a aplicação de multa de 30% decorrente do inadimplemento contratual por parte da empresa ré, também não deve prosperar. Referida pretensão afronta à boa-fé objetiva, princípio orientador do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque a parte demandante, insatisfeita com a interrupção dos pagamentos a título de rendimentos do capital investido, pretende a anulação do negócio apenas naquilo que lhe é favorável, em evidente desequilíbrio na relação existente entre as partes – o que não se pode admitir. Neste sentido: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. PIRÂMIDE FINANCEIRA. NEGÓCIO NULO QUE NÃO PRODUZ EFEITO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. RECEBIMENTO DE VALORES PELO AUTOR NÃO COMPROVADO. SENTENÇA MANTIDA. (...) 2. No mérito, de acordo com o art. 104 do Código Civil, a validade do negócio jurídico pressupõe agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Nesses termos, a captação de investimentos para formação de pirâmide financeira é objeto ilícito, o que faz do negócio jurídico celebrado entre as partes nulo, nos termos do art. 166, II, do Código Civil. 3. O negócio "Top Premium" possui características próprias das pirâmides financeiras, fato que não foi impugnado pelo réu no recurso. 4. O negócio jurídico intitulado pirâmide financeira é considerado crime contra a economia popular e, por isso, é nulo de pleno direito, não produzindo nenhum efeito. Logo, sendo nulo de pleno direito o negócio subjacente (art. 166, II, do CC), não tem a parte contratante o direito de exigir o seu cumprimento. (...) 8. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 9. CONDENO o recorrente nas custas e despesas, mais honorários, que fixo por equidade em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), art. 55 da Lei 9.099/95. SUSPENSA a exigibilidade, por ser beneficiário da gratuidade da justiça."(TJ-GO 56252323120198090051, Relator: RICARDO TEIXEIRA LEMOS, 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 06/04/2022) Imperiosa, portanto, a determinação de retorno das partes ao status quo ante mediante a restituição dos valores investidos, sem cumulação com eventuais rendimentos a serem obtidos ou multa por inadimplemento. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA No que pertine ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa promovido, e cediço que a personalidade jurídica é uma ficção que foi criada pelo Direito com o intuito de ser um instrumento para a consecução de interesses e fins aceitos e valorizados pela Sociedade. Representa um destaque patrimonial para a exploração de certos fins econômicos, respondendo esse patrimônio pelas obrigações sociais assumidas. Contudo, essa autonomia não tem o condão de transformar a pessoa jurídica em ente totalmente alheio às pessoas dos sócios, os quais, excepcionalmente, devem ser chamados a responderem por determinados atos praticados pela pessoa jurídica, cuja exteriorização nada mais é do que o reflexo da vontade de seus integrantes, pessoas físicas. No caso em apreço, verifica-se possível ocorrência de esquema de pirâmide financeira. Essa espécie de fraude, por si só, revela fortes indícios de que a condução dos negócios da empresa demandada ocorre de forma totalmente desviada de seu objetivo social, sendo utilizada tão somente para tentar afastar a responsabilidade de seus sócios pelas obrigações assumidas em nome das empresas, o que denota o abuso de direito. Considerando que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, no Direito do Consumidor, adota a teoria menor, conforme previsto no art. 28, § 5º, do CDC, revela-se suficiente que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. No presente feito, resta evidenciado que os sócios, que já foram inclusive condenados no âmbito criminal, por sentença ainda não transitada em julgado, participavam da gestão da empresa, devendo responder pelos danos causados à parte promovente, em futura execução. Assim, pelos motivos acima narrados, é de ser desconsiderada a personalidade jurídica da empresa promovida, mantendo os sócios FABRICIA FARIAS CAMPOS e ANTONIO INACIO DA SILVA NETO no polo passivo da presente ação, devendo responder de forma solidária com a empresa demandada, para que os atos executórios incidam sobre seus patrimônios. 2 DO DISPOSITIVO Isso posto, tendo em vista o que mais dos autos consta, dispositivos legais e princípios gerais de direito aplicáveis à espécie JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS formulados na exordial, e extingo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC, para: 01 - DECRETAR a desconsideração da personalidade jurídica da promovida BRAISCOMPANY, mantendo no polo passivo da presente ação, para todos os fins, os sócios FABRICIA FARIAS CAMPOS e ANTONIO INACIO DA SILVA NETO; 02 - DECLARAR a resolução do contrato RSA2-404054676312023 (Id 87174426) celebrado entre as partes, por culpa exclusiva da contratada; 03 - CONDENAR os promovidos a restituírem à parte autora o valor integral do capital investido, a saber, R$ 50.928,30 (cinquenta mil, novecentos e vinte e oito reais e trinta centavos), devidamente corrigido pelo INPC a contar do desembolso (19/01/2023) e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação; 04 – REJEITAR os demais pedidos autorais, nos termos da fundamentação acima exposta. Condeno os promovidos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 10% do valor da condenação, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC. Com o trânsito em julgado, intime-se a parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, promover o cumprimento da sentença, observando os limites da condenação e o disposto no art. 523 do CPC. P.R.I. Intime-se a parte promovida, revel sem procurador constituído nos autos, por meio de seu curador especial, bem como através de DJE, conforme entendimento do STJ proferido no RESP 1.951.656. Campina Grande, data e assinatura eletrônicas Audrey Kramy Araruna Gonçalves Juíza de Direito
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28/05/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)