Jorge Francisco De Oliveira x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
Número do Processo:
0808863-97.2024.8.19.0087
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRJ
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
3ª Vara Cível da Regional de Alcântara
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 3ª Vara Cível da Regional de Alcântara | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de São Gonçalo - Regional de Alcântara 3ª Vara Cível da Regional de Alcântara Rua Osório Costa, S/N, Colubandê, SÃO GONÇALO - RJ - CEP: 24744-680 SENTENÇA Processo: 0808863-97.2024.8.19.0087 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: JORGE FRANCISCO DE OLIVEIRA RÉU: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. SENTENÇA Vistos, etc. RELATÓRIO Jorge Francisco de Oliveira propôs a presente ação de indenização por danos morais com pedido de tutela antecipada em face de Uber do Brasil Tecnologia Ltda., alegando que teve seus dados pessoais indevidamente utilizados por terceiro, supostamente seu ex-genro, para criação de conta de motorista na plataforma da ré, o que lhe causou abalo moral considerável. Pleiteia: (i) concessão de tutela antecipada para bloqueio imediato da conta fraudulenta; (ii) confirmação do bloqueio como tutela definitiva; (iii) indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00. Juntou à inicial (ID 124572190 e seguintes) documentos pessoais, comprovante de residência, boletim de ocorrência (ID 124573415), declaração (ID 124573418) e tela de conta na plataforma da Uber com seus dados (ID 124573420), sustentando que não houve qualquer autorização sua para uso de tais informações por terceiros. A ré apresentou contestação (ID 131391049), sustentando em síntese: (a) ausência de interesse de agir, por já ter desativado a conta criada indevidamente; (b) culpa exclusiva do consumidor pelo uso indevido de seus dados; (c) ausência de nexo causal entre sua conduta e os danos alegados; (d) impossibilidade de responsabilização por fato de terceiro, por configurar fortuito externo; (e) inexistência de dano moral indenizável. Requereu a improcedência da ação. O autor apresentou réplica (ID 139545699), refutando os argumentos da contestação e reiterando a responsabilidade objetiva da plataforma por falha na segurança digital. As partes manifestaram-se sobre a produção de provas, sendo afastada a necessidade de instrução probatória por decisão de saneamento de mérito (ID 158276301), já estabilizada conforme certidão de ID 196853670. É o relatório. Decido. Julgo antecipadamente a lide, uma vez que não é necessária a produção de outras provas, na forma do art. 355, I, do CPC. Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória por danos morais e materiais, na qual o autor alega que teve seus dados pessoais indevidamente utilizados por terceiro, supostamente seu ex-genro, para criação de conta de motorista na plataforma da ré, o que lhe causou abalo moral considerável. A relação jurídica de direito material deduzida no processo é de consumo, aplicando-se os dispositivos legais e princípios do Código de Defesa do Consumidor, pois o réu se enquadra no conceito de fornecedor de produtos e de serviços, sujeitando-se ao regramento dos artigos 12 e 14 do CDC, enquanto a autora se enquadra no conceito de consumidora por equiparação, por ser suposta vítima do evento. O Código de Defesa do Consumidor faculta ao fornecedor de produtos e de serviços a utilização de algumas excludentes de responsabilidade civil, estas taxativamente elencadas no rol do artigo 14, § 3º do CDC. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro A ré Uber é uma plataforma de tecnologia que aproxima motoristas, que prestam serviços de transporte, como empreendedores independentes, aos usuários que buscam esses serviços. Inicialmente passa-se a análise das preliminares arguidas. A alegação da ré de ausência de interesse de agir em virtude da desativação da conta não merece acolhida. Sabe-se que o interesse processual não se esgota na cessação do ato ilícito, estendendo-se à necessidade de reparação civil dos danos dele decorrentes Além disso, o autor comprova que, mesmo após a alegada desativação, continuou a receber comunicações relacionadas à conta (ID 124573420), revelando persistência da vinculação indevida entre seus dados pessoais e a plataforma da ré. Rejeito a preliminar. A ré impugna o benefício da gratuidade sob o argumento de ausência de prova da hipossuficiência. No entanto, o juízo já se pronunciou sobre a matéria no ID 158276301, reconhecendo a presença de extratos bancários idôneos e suficientes para a concessão do benefício, nos termos do art. 98 do CPC. Rejeito a impugnação. Trata-se de hipótese de responsabilidade civil fundada em falha na prestação de serviço. Ainda que a ré alegue não ser prestadora de serviços de transporte, mas mera intermediadora tecnológica, certo é que responde objetivamente pelos danos causados aos usuários por defeitos em seu sistema de segurança, nos termos do art. 14 do CDC. Conforme bem asseverado na réplica (ID 139545699), não há dúvidas quanto à vulnerabilidade técnica e informacional do autor, que se enquadra como consumidor por equiparação (art. 17 do CDC), sendo aplicável o regime de responsabilidade objetiva. O cadastro indevido na plataforma, mesmo que perpetrado por terceiro, caracteriza falha na segurança digital do sistema da ré. Não restou comprovado, pela ré, que adotou mecanismos eficazes de prevenção e verificação de autenticidade dos dados inseridos por novos usuários, conforme sua própria política de uso (ID 131395851). A controvérsia cinge-se à utilização indevida dos dados pessoais do autor para a criação de conta de motorista parceiro na plataforma da ré, sem seu conhecimento. A Uber admite que a conta foi criada e posteriormente desativada, mas sustenta que a validação de e-mail e telefone comprovaria que o autor teria participado da ativação. Contudo, não comprovou autorização expressa ou consentimento válido, tampouco o cumprimento de um protocolo eficaz de verificação de identidade. A responsabilidade da ré é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, por se tratar de fornecedora de serviços. Mesmo que alegue ser mera intermediadora tecnológica, tal classificação não a exime do dever de segurança e do risco do empreendimento. Pois bem. Trata-se de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço, fundada na Teoria do Risco do Empreendimento, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, decorrendo a responsabilidade do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de executar determinados serviços. Partindo dessa premissa, o fato de um suposto estelionatário ter conseguido cadastrar uma conta eletrônica na plataforma do réu de porte dos documentos da autora revela uma grave falha nos seus sistemas internos, isto é, falha no dever se segurança, que é justamente um dos pilares do Código de Defesa do Consumidor. Com isso, há de se dizer que se trata de fortuito interno, passível de indenização. Portanto, presentes os pressupostos do art. 927 do Código Civil: conduta omissiva (falha na verificação dos dados), dano moral presumido pela indevida utilização de dados pessoais, e nexo de causalidade. O dano moral, in casu, decorre da violação à identidade pessoal e ao direito à imagem do autor, atingindo sua esfera íntima. A utilização indevida de dados, além de expô-lo indevidamente, gerou angústia e insegurança. Consideradas as circunstâncias do caso, o porte econômico da ré, a gravidade da falha, e os parâmetros jurisprudenciais do TJRJ, entendo razoável fixar a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor compatível com a proporcionalidade, evitando enriquecimento indevido e, ao mesmo tempo, cumprindo a função pedagógica da condenação. DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTESos pedidos da parte autora, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para condenar a ré ao pagamento de: 1.Confirmar a tutela de urgência e determinar a manutenção da conta associada ao autor desativada de forma definitiva, vedada a reativação ou novo uso dos dados sem sua expressa anuência; 2.Condenar a ré a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora de acordo com a Taxa Selicdeduzido o IPCA(art. 406, §1º, CC) a contar do evento danoso (art. 398, CC; Súm. 54, STJ)até a data desta sentença, momento a partir do qual incidirá apenas aTaxa Selic de forma integral, a qual já engloba os juros de mora e a correção monetária devida a contar do arbitramento (Súm. 362, STJ); 3.Condeno a parte RÉ ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, atualizados nos mesmos moldes que a condenação. Havendo recurso de apelação, certifique-se quanto à tempestividade e o preparo, dando-se vista, em seguida, ao apelado em contrarrazões. Certificada a apresentação das contrarrazões ou a inércia do apelado, subam os autos ao Eg. Tribunal de Justiça, com as nossas homenagens. Com o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais para baixa, remetam-se os autos à Central de Arquivamento. Registrada eletronicamente. Publique-se e intimem-se. SÃO GONÇALO, 24 de junho de 2025. GUILHERME RODRIGUES DE ANDRADE Juiz Substituto