O. L. D. O. C. e outros x Sul America Seguro Saude S.A.

Número do Processo: 0809213-93.2023.8.19.0031

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJRJ
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá
Última atualização encontrada em 27 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 27/06/2025 - Intimação
    Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Maricá 2ª Vara Cível da Comarca de Maricá Rua Jovino Duarte de Oliveira, S/N, Centro, MARICÁ - RJ - CEP: 24901-130 DECISÃO Processo: 0809213-93.2023.8.19.0031 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: O. L. D. O. C. REPRESENTANTE: RENNAN LUCAS DE OLIVEIRA SOUZA RÉU: SUL AMERICA SEGURO SAUDE S.A. I - RELATÓRIO Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de danos morais, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por Olívia Lucas de Oliveira, menor de dois anos, representada por seu pai Rennan Lucas de Oliveira Souza, em face de Sul América Seguro Saúde S.A. Da Petição Inicial A autora narra ser portadora de Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme laudo médico da Dra. Liz Helena Pessôa (CRM 52927392), que prescreve tratamento multidisciplinar consistente em: terapia cognitivo-comportamental com psicólogo (2h semanais), terapia ocupacional com integração sensorial de Ayres (1h semanal) e fonoaudiologia especializada em linguagem (2h semanais). Alega que a operadora de saúde ré indicou apenas duas clínicas credenciadas para o tratamento, ambas localizadas em municípios distantes da residência da menor (Niterói e São Gonçalo), o que inviabilizaria o tratamento devido à distância de aproximadamente 35 km e necessidade de deslocamento diário por cerca de duas horas no trânsito. Pleiteia tutela antecipada para que a ré autorize e custeie o tratamento especializado da autora próximo à sua residência ou, subsidiariamente, proceda ao reembolso integral dos valores despendidos com tratamento particular. Da Contestação A ré Sul América apresentou contestação sustentando preliminares de inépcia da inicial e falta de interesse de agir. No mérito, argumenta que disponibilizou rede credenciada adequada e que não há obrigação de custear tratamento em local específico escolhido pelo beneficiário. Requer a realização de prova pericial médica para avaliar a necessidade e adequação do tratamento prescrito. Da Decisão Saneadora Em decisão de 12 de junho de 2024, este Juízo rejeitou as preliminares arguidas pela ré e declarou saneado o processo. Fixou como pontos controvertidos a cobertura dos custos assistenciais do contrato e o dano moral. Quanto às provas requeridas pela ré, indeferiu a prova pericial médica sob o fundamento de que "a questão objeto da presente demanda é de direito", consistindo em verificar se o contrato possui cobertura dos procedimentos pleiteados e se a requerida se negou a viabilizar o tratamento. Deferiu apenas a consulta ao NATJUS do TJRJ. Da Tutela Antecipada Deferida Em decisão de 06 de setembro de 2023, foi deferida tutela antecipada determinando que a ré autorizasse e custeasse o tratamento especializado da autora por todo o período necessário, arcando com todas as despesas pertinentes, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a R$ 100.000,00. Determinou-se que, caso o plano não possua profissionais credenciados próximos ao domicílio da autora, deverá custear o tratamento em clínica especializada próxima à residência ou reembolsar integralmente a quantia paga. Do Parecer Técnico do NATJUS O NATJUS-RJ emitiu parecer técnico esclarecendo que não pode se pronunciar no caso por não ser o réu um ente público, mas sim pessoa jurídica de direito privado com regras próprias mediadas por contrato. Da Manifestação da Ré A ré apresentou petição pleiteando a reconsideração da decisão que indeferiu a prova pericial médica, argumentando sobre a complexidade da demanda e a necessidade de verificação técnica das terapias prescritas. Sustenta que a perícia é essencial para analisar a quantidade de horas prescritas e verificar a necessidade e pertinência do tratamento, citando decisões do STJ que consideram temerária a prevalência automática da indicação do médico assistente sem instrução processual adequada. II - FUNDAMENTAÇÃO Da Reconsideração da Necessidade de Prova Pericial Analisando detidamente os autos e as manifestações das partes, entendo ser necessária a reconsideração da decisão que indeferiu a produção de prova pericial médica, pelos fundamentos que passo a expor. Embora inicialmente o juízo tenha compreendido que a questão seria meramente jurídica, a análise mais aprofundada dos elementos fáticos da demanda revela aspectos técnicos que demandam conhecimento médico especializado para sua adequada solução. Do Contraditório e da Ampla Defesa O princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, insculpido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, impõe que seja assegurada às partes a possibilidade de produzir todas as provas legalmente admissíveis para demonstrar suas alegações. No caso dos autos, a ré fundamentadamente sustenta a necessidade de verificação técnica da prescrição médica, especialmente quanto à carga horária e métodos terapêuticos indicados. O artigo 369 do Código de Processo Civil estabelece que "as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz." Da Inversão do Ônus da Prova e Suas Implicações Na decisão saneadora, foi determinada a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, reconhecendo-se a relação de consumo e a hipossuficiência técnica da demandante. Contudo, a inversão do ônus probatório não pode resultar em cerceamento do direito de defesa da parte contrária. Quando se inverte o ônus da prova, atribui-se à ré o dever de demonstrar que o tratamento prescrito não é necessário ou adequado, ou que a rede credenciada disponibilizada é suficiente para atender às necessidades da paciente. Para tanto, mostra-se imprescindível que a requerida tenha acesso aos meios probatórios adequados, incluindo a prova pericial médica. Da Complexidade Técnica da Questão Ao contrário do inicialmente considerado, a demanda não se limita a uma questão puramente jurídica sobre cobertura contratual. Os elementos técnicos envolvidos incluem: Avaliação da prescrição médica:É necessário verificar se a carga horária semanal prescrita (5 horas semanais de terapias diversas para uma criança de dois anos) é adequada e não excessiva, considerando-se a idade da paciente e as evidências científicas disponíveis. Análise dos métodos terapêuticos:Os métodos específicos indicados (terapia de integração sensorial de Ayres, entre outros) demandam avaliação técnica quanto à sua eficácia e adequação ao quadro clínico apresentado. Verificação da rede credenciada:É preciso analisar tecnicamente se as opções disponibilizadas pela ré são suficientes e adequadas para o tratamento da menor, considerando-se não apenas a proximidade geográfica, mas também a qualificação dos profissionais e a estrutura oferecida. Da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça A manifestação da ré trouxe aos autos relevante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que merece consideração. No julgamento do AREsp 1.418.746, a 4ª Turma do STJ estabeleceu que "a resolução do caso concreto não pode ser automática, pois depende de instrução processual", ressalvando que o juiz de primeiro grau não pode tratar "o relatório do médico da parte autora como se fora de perito regularmente nomeado pelo juízo" sem se dignar a instruir adequadamente o processo. Esta orientação reforça a necessidade de instrução processual adequada em casos que envolvem controvérsia técnica sobre tratamentos médicos, não sendo suficiente a mera apresentação de laudos unilaterais. Da Necessidade de Equilíbrio Processual O deferimento da prova pericial não implica desconsideração da proteção ao consumidor ou questionamento da gravidade do quadro clínico da menor. Pelo contrário, visa assegurar que o tratamento determinado seja o mais adequado e eficaz possível, baseado em critérios científicos sólidos. A perícia médica permitirá esclarecer aspectos técnicos fundamentais para a solução da lide, tais como: Adequação da prescrição:Se a carga horária e os métodos prescritos são apropriados para o caso específico da autora. Alternativas terapêuticas:Se existem outras abordagens igualmente eficazes que possam ser oferecidas pela rede credenciada da ré. Dimensionamento do tratamento:Qual a duração estimada e a intensidade adequada das terapias. Do Artigo 156 do Código de Processo Civil O artigo 156 do Código de Processo Civil determina que "o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico." No presente caso, a determinação da adequação e necessidade específica do tratamento prescrito claramente demanda conhecimento técnico especializado que transcende o conhecimento jurídico comum. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, RECONSIDERA-SEa decisão anterior que indeferiu a produção de prova pericial médica. DEFERE-SEa realização de prova pericial médica, a ser realizada com o Dr. Julio Cury, com as seguintes diretrizes: Quesitos principais a serem esclarecidos: 1.Confirmar o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista da menor e seu grau de comprometimento. 2.Analisar a adequação e necessidade das terapias prescritas (terapia cognitivo-comportamental, terapia ocupacional com integração sensorial e fonoaudiologia). 3.Verificar se a carga horária semanal prescrita (5 horas) é apropriada para uma criança de dois anos com o quadro apresentado. 4.Avaliar se existem alternativas terapêuticas igualmente eficazes que possam ser oferecidas em ambiente clínico convencional. 5.Determinar a duração estimada do tratamento e sua evolução esperada. 6.Analisar se o transporte diário para tratamento em local distante pode prejudicar o desenvolvimento da menor. Nomeação do perito:Nomeia-se como perito judicial o Dr. Julio Cury, que deverá ser intimado para informar se aceita e apresentar proposta de honorários. Prazo para apresentação do laudo:O perito deverá apresentar o laudo no prazo de 30 (trinta) dias contados da data de aceitação do encargo. As partes poderão formular quesitos complementares no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação desta decisão. Mantém-seinalterada a tutela antecipada anteriormente deferida, que permanece em pleno vigor durante a realização da perícia. Intime-se o Ministério Público, para se desejar apresentar quesitos. Com fundamento no artigo 156 do Código de Processo Civil e considerando a necessidade de esclarecimentos técnicos especializados para o adequado julgamento da causa, formulo, desde já os seguintes quesitos ao perito judicial: QUANTO AO DIAGNÓSTICO E QUADRO CLÍNICO: 1.O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) da menor está adequadamente fundamentado nos exames e avaliações apresentados nos autos? 2.Qual o grau de comprometimento do TEA apresentado pela menor, considerando a classificação atualmente aceita pela comunidade científica? 3.Quais são as principais limitações funcionais e necessidades terapêuticas específicas decorrentes do quadro clínico da paciente? QUANTO À PRESCRIÇÃO TERAPÊUTICA: 4.As terapias prescritas no laudo médico (terapia cognitivo-comportamental, terapia ocupacional com integração sensorial de Ayres e fonoaudiologia especializada) são indicadas e necessárias para o quadro clínico apresentado pela menor? 5.A carga horária semanal prescrita de cinco horas de terapias (duas horas de terapia cognitivo-comportamental, uma hora de terapia ocupacional e duas horas de fonoaudiologia) é apropriada para uma criança de dois anos com o diagnóstico em questão? 6.Existe fundamentação científica sólida para os métodos terapêuticos específicos prescritos, especialmente a terapia de integração sensorial de Ayres, considerando as diretrizes de medicina baseada em evidências? QUANTO À ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO: 7.O tratamento prescrito segue as diretrizes e protocolos clínicos reconhecidos pela comunidade médica nacional e internacional para o manejo do TEA em crianças da faixa etária da paciente? 8.Existem alternativas terapêuticas igualmente eficazes que possam ser realizadas com menor carga horária ou em ambiente clínico convencional? 9.Qual seria a carga horária mínima semanal adequada para garantir a eficácia do tratamento, considerando a idade da paciente e seu quadro específico? QUANTO À DURAÇÃO E PROGNÓSTICO: 10.Qual a duração estimada do tratamento prescrito e quais os marcos de avaliação recomendados para verificação da evolução da paciente? 11.Quais são os riscos de interrupção ou inadequação do tratamento para o desenvolvimento cognitivo e social da menor? 12.É possível estabelecer critérios objetivos para avaliação da eficácia do tratamento e eventual redução da carga horária terapêutica? QUANTO AOS ASPECTOS LOGÍSTICOS E AMBIENTAIS: 13.O deslocamento diário da menor para tratamento em local distante da residência (aproximadamente 35 quilômetros e duas horas de trânsito diário) pode interferir negativamente na eficácia do tratamento ou no bem-estar da paciente? 14.Existem especificidades técnicas ou estruturais indispensáveis para a realização adequada das terapias prescritas que não possam ser encontradas em ambiente clínico convencional? 15.A continuidade e regularidade do tratamento são fatores determinantes para sua eficácia no caso específico da menor? QUANTO À REDE ASSISTENCIAL: 16.As clínicas credenciadas indicadas pela ré (localizadas em Niterói e São Gonçalo) possuem estrutura técnica e profissional adequada para o tratamento prescrito? 17.Seria tecnicamente viável a realização do tratamento prescrito em clínicas ou consultórios próximos à residência da menor, desde que contem com profissionais adequadamente qualificados? CONSIDERAÇÕES FINAIS: 18.À luz dos conhecimentos científicos atuais sobre TEA em crianças pequenas, qual seria a abordagem terapêutica ideal para o caso da menor, considerando sua idade, quadro clínico e necessidades específicas? Intimem-se as partes. MARICÁ, 26 de junho de 2025. FABIO RIBEIRO PORTO Juiz Titular
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