L. C. E. e outros x Antonio Eduardo Goncalves De Rueda e outros
Número do Processo:
0810868-57.2022.8.20.5124
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim
Última atualização encontrada em
24 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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23/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim Rua Suboficial Farias, 280, Monte Castelo, Parnamirim - RN - CEP: 59140-2559 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7): 0810868-57.2022.8.20.5124 AUTOR: L. C. E. REU: UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO e outros SENTENÇA L. C. E., representada por seu genitor, já qualificada nos autos, ingressou perante este Juízo com ação ordinária em desfavor de UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO e TRAUMACENTER SERVIÇOS MEDICO HOSPITALARES LTDA, também qualificada, alegando, em síntese, que: a) é conveniada ao plano de saúde da parte ré desde 15/01/2019, com responsável financeiro o seu genitor Arquimedes José Epifanio da Silva; b) no dia 20/04/2020, a criança requerente, teve um acidente doméstico que ocasionou uma fratura em seu braço; c) a requerente foi levada para o hospital demandado, tendo seu atendimento de urgência sido negado pelo plano de saúde; d) em razão da urgência do atendimento, efetuou o pagamento referente ao raio-x e colocação do gesso, no valor de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais); e, e) a conduta da parte ré causou-lhe danos de cunho material e moral. Escorada nos fatos narrados, requereu a parte autora, em suma, a condenação da parte demandada ao pagamento em dobro dos valores depreendidos, à título de danos materiais e o pagamento no valor de morais à razão de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Foi requerida também a gratuidade de justiça. Agrupou à inicial documentos. Despacho inaugural recebendo o feito e concedendo a justiça gratuita. Citada, a demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (ID 87880940), apresentou contestação, arguindo, em sede de preliminar, a impugnação a justiça gratuita e sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação. No mérito, arguiu que a autora possuí contrato coletivo por adesão através de uma administradora, no caso a IBBCA, e que a referida administradora, não havia adimplido com o pagamento, ensejando a suspensão do contrato da administradora com o plano e, por consequência, do autor, bem como porque ausentes requisitos para configuração de danos morais e materiais. Requereu a improcedência da ação e acostou documentos. Citada, a demandada TRAUMACENTER SERVIÇOS MEDICO HOSPITALARES LTDA, apresentou contestação (ID 89623763), arguindo, em apertada síntese que, em nenhum momento, negou atendimento a autora, que apenas cobrou pelo procedimento pois este foi feito de modo particular por falta de autorização de cobertura do plano de saúde, assim, se existiu negativa de atendimento, está se deu pelo plano de saúde e não pelo hospital. Assim, não existiu ato ilícito, devendo a ação ser julgada improcedente. Intimadas sobre produção de novas provas, ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (ID 102542512 e 103261775). O Ministério Público pugnou por novas diligências (ID 123091525). A demandada apresentou novos documentos (ID 137143884) e a autora quedou-se inerte. Ao se manifestar, o Ministério Público apresentou parecer favorável à pretensão autoral (ID 144430348). É o que importa relatar. Fundamento e decido. I – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Em primeiro plano, consigno que, frente ao comando do art. 355, inciso I, do CPC, é dispensável a produção de outras provas no presente feito, além das já existentes, na medida em que a análise do caderno processual enseja a convicção desta Julgadora, habilitando-a à decisão de mérito Alio a isso o fato de ambas as partes terem pugnado pelo julgamento antecipado da lide, o que reforça a prescindibilidade da dilação probatória. II – DAS PRELIMINARES II.1. Impugnação à Justiça Gratuita O art. 99, §3º, do CPC estabelece uma presunção relativa de pobreza para a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural, ou seja, para fazer jus à concessão da gratuidade judiciária, basta a alegação de que é pobre na forma da lei, não se fazendo necessárias maiores dilações a respeito. Nessa esteira, após o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa natural, incumbe à parte adversa desconstituir a presunção juris tantum estabelecida pela legislação de regência, apresentando elementos probatórios que evidenciem que a parte impugnada possui condições financeiras de arcar com as despesas processuais. In casu, a alegação da parte impugnante no sentido de que a autora não comprovou a sua situação de insuficiência econômica é absolutamente inócua diante da presunção de pobreza estabelecida pelo art. 99, §3º, do CPC, sendo certo, ademais, que a parte ré não produziu nenhuma prova que se oponha a essa presunção, ônus este que lhe competia. Além disso, nos termos do art. 99, §4º, do CPC, "a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça". Destarte, a rejeição da presente impugnação é a medida que se impõe. II.2. Ilegitimidade Passiva Sem maiores delongas, não conheço da alegada ilegitimidade passiva suscitada pela demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, a pretexto de que não possui qualquer vínculo jurídico com a autora. Isso porque a relação jurídica sob debruce possui natureza consumerista, nos termos dos arts. 2º e 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, ratificada pela Súmula 469, do STJ. Com efeito, a responsabilidade solidária entre a operadora do plano de saúde e a administradora, nos termos do art. 7º, parágrafo único, do CDC evidencia que ambas compõem a cadeia de prestação de serviços, tendo como destinatário final a parte autora Por isso, ainda que o instrumento contratual respectivo não tenha sido firmado entre a autora e a demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, aos olhos daquela, ora consumidora, a UNIMED é a efetiva responsável pelo fornecimento do serviço de assistência à saúde contratado. Prova disso é a carteirinha de ID 84622305, a qual estampa a existência a logomarca da UNIMED e abrangência estadual do plano de saúde da autora. Por corolário, rechaço a pretensa preliminar. III – DO MÉRITO III.1. Considerações Iniciais Assinalo, prefacialmente, que as teses jurídicas invocadas pelas partes serão apreciadas nos limites dos pedidos da parte autora, em conformidade com o Princípio da Correlação. Consigno, ademais, que o Julgador não está obrigado a enfrentar os argumentos deduzidos no processo que não são capazes de infirmar a conclusão adotada (art. 489, IV, do CPC). Decerto, para se evitar incidentes desnecessários, friso que não está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda a argumentação deduzida pelas partes, senão que a decidir e dar os fundamentos, o caminho percorrido pelo seu intelecto, para chegar à solução encontrada (art. 489, IV, do CPC). Dito isso, passo à análise do mérito em si. III.2.Do Cancelamento Indevido do Plano de Saúde É importante destacar, de início, que a relação estabelecida entre as partes é nitidamente de consumo, dada a natureza de adesão do contrato firmado, ensejando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – CDC à hipótese em exame. Cinge-se a controvérsia à legitimidade ou não do cancelamento unilateral do contrato de saúde da parte autora, a possibilitar, em caso de reconhecimento da ilicitude, a configuração do dever da parte ré de mantê-lo e de indenizar à parte autora pelos supostos danos morais. Os planos individuais ou coletivos de saúde são regulados pela Agência Nacional de Saúde e pela Lei nº 9.656/98, aplicando-se, também, quando não administrados por entidades de autogestão (Súmula 608 do STJ), o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e de natureza cogente. In casu, verifico que o contrato de assistência à saúde firmado entre as partes é posterior à Lei dos Planos de Saúde e, por tal razão, albergado pela referida norma. Além disso, consigno que não é controvertido o cancelamento do plano de saúde, tendo ambas as demandadas defendido que agiram em exercício regular de direito, a primeira sob argumento da inadimplência da autora e a segunda sob alegação da negativa ter partido da parte ré. Por isso, tratando-se de rescisão motivada, não há falar na aplicação da Resolução Normativa nº 557/2022 da ANS, a qual revogou a Resolução Normativa 195/2009, porquanto restrita às condições de desfazimento imotivado, cabendo à aplicação, na espécie, das lições do parágrafo único, inciso II, do art. 13, da Lei nº 9.656/98. Pois bem. Nos termos do prefalado dispositivo, para que haja a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde pela operadora, em razão do não pagamento de mensalidade, 03 (três) requisitos devem ser atendidos, cumulativamente, quais sejam: a) o atraso no pagamento da mensalidade deve ser superior a 60 (sessenta) dias cumulativos ou não; b) o atraso deve ocorrer dentro dos últimos 12 (doze) meses de vigência do contrato; e, c) o cancelamento do contrato deve ser precedido de notificação ao consumidor até o quinquagésimo dia de inadimplência. A par disso, dessume-se que a intenção do legislador foi proteger o consumidor, evitando que as operadoras de plano de saúde cessem a cobertura contratual de forma automática, ante o eventual inadimplemento dos contratantes. A prévia notificação garante aos consumidores a oportunidade de defesa e/ou de purgar a mora em tempo hábil e, assim, evitar a rescisão contratual. Seguindo a exegese do artigo 6º, III do CDC, o qual chancela o dever de informação, exsurge a conclusão de que a dita notificação deve ser formal, realizada em documento próprio e escrito, destinado somente ao fim a que se propõe; clara e específica, informando ao consumidor sobre os meses que ele deixou de pagar e o tempo que ele está inadimplente, possibilitando-o purgar a mora e esclarecendo, ainda, a medida adotada em caso de ele manter-se inadimplente; e, tempestiva, ou seja, implementada até o quinquagésimo dia de inadimplência. Notificações genéricas de inadimplemento de parcelas devidas a planos de saúde desrespeitam, pois, o direito de informação do consumidor, amplamente albergado pelo CDC. Destarte, se a notificação enviada ao consumidor não cumprir, minimamente, esses três requisitos, o plano não poderá ser cancelado, mesmo se a inadimplência do segurado for superior aos 60 dias especificados na lei. Daí porque ser irrelevante o exame isolado da inadimplência do consumidor, já que incapaz, per si, de justificar a rescisão unilateral da avença pela operadora de plano de saúde. Convém ressaltar, neste particular, que não basta que a notificação seja entregue no endereço fornecido pelo consumidor, porquanto insuficiente para comprovar que ele teve efetiva ciência do seu inadimplemento e da possibilidade de rescisão de seu contrato. Deve, portanto, ser recebida pelo consumidor e, por isso, o fato da correspondência ser entregue a terceira pessoa induz, em princípio, à invalidade do ato. Ora, se a formação da relação jurídica contratual entre a operadora do plano de saúde e o consumidor exige assinatura pessoal dele, a rescisão, por via de simetria, deve também obedecer à forma da contratação, garantindo-se minimamente a segurança jurídica (STJ - REsp 1732753 PR). Não raras vezes, há quem diga que o citado ideal de notificação configura formalismo exacerbado. Penso, todavia, que, em uma relação contratual como a do jaez dos autos, constituída desde o princípio para a segurança da vida e da saúde do contratante e cujo objeto não é mera mercadoria, mas bem associado à dignidade da pessoa humana, deve ser assegurada, com maior razão, a concreta informação clara, precisa e completa ao consumidor em casos de rescisão unilateral. A propósito da exigência de notificação para ser efetivado o cancelamento do plano de saúde: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO JUSTIFICADO POR INADIMPLÊNCIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO E MANUTENÇÃO DO CANCELAMENTO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PREJUÍZO AO TRATAMENTO MÉDICO EM CURSO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É indevido o cancelamento automático do plano de saúde se a operadora deixa de cumprir o requisito de notificação prévia do beneficiário para quitação do débito existente, sobretudo no caso dos autos, em que a beneficiária aderiu ao proposto parcelamento do débito, o que caracteriza comportamento contraditório e violação da boa-fé objetiva. 2. Constatado que a indevida rescisão unilateral do plano de saúde de beneficiária idosa e com saúde frágil provocou prejuízo a tratamento médico em curso, além de ter impossibilitado atendimento de emergência em situação concreta, é cabível a compensação por danos morais, pois o fato ultrapassou o mero descumprimento contratual. 3. Somente é possível a revisão do montante da indenização a título de danos morais nas hipóteses em que o quantum fixado na origem for exorbitante ou irrisório, o que não ocorreu no caso em exame, em que arbitrada a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ. AgInt no AREsp 1352737/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 04/12/2018); PLANO DE SAÚDE - Ação de indenização em danos materiais e morais - Negativa de cobertura médico-hospitalar - Atendimento suspenso por falta de recadastramento da dependente do beneficiário - Previsão contratual - O peradora não demonstrou o efetivo recebimento da notificação pelo beneficiário - Falta de justa causa para o cancelamento - Princípio da boa fé e preservação dos contratos - Dever de cooperação - Sentença de procedência mantida - NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP. AC n. 1009503-92.2018.8.26.0003; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/07/2019; Data de Registro: 17/07/2019)." (Grifos acrescidos). Na hipótese em testilha, a partir do cotejo entre as afirmações tecidas na exordial, os documentos juntados aos autos e as contestações das demandadas, não observei ter havido a efetiva e prévia notificação da parte autora quanto ao cancelamento do contrato. Outrossim, em que pese não estar claro dos autos que a parte autora encontra-se adimplente, a demandada, intimada, não apresentou cópia da notificação válida. Nessa linha, é válido pontuar que, tratando-se de prova positiva, o ônus de comprovar que a autora foi notificada é, por óbvios motivos, da parte demandada (emitente do comunicado), restando configurada prova diabólica imputar à autora o dever de fazer prova negativa nesse sentido. Logo, não tendo a parte demandada nada comprovado a respeito da prévia comunicação da autora acerca da pretensão de desfazimento, estou em que configurou abusiva a prática levada a efeito por aquela, consubstanciado no cancelamento surpresa do plano de saúde. III.3. Do Dano Material No caso dos autos, tendo em vista ter se tratado de relação de consumo, a responsabilidade civil independe da culpa aquiliana prevista no Código Civil, pois é objetiva, na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Afastada a necessidade de comprovar a existência da culpa para a imposição da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos, torna-se mais fácil o deslinde da contenda, bastando verificar a efetivação do dano e o nexo de causalidade entre ele e a conduta do qual se originou. Conforme acima demonstrado, o plano de saúde da parte autora foi indevidamente cancelado e, em razão disso, teve de arcar com gastos inesperados em razão do cancelamento. Demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Requerida e os decessos enfrentados pela Autora, cabível se mostra a pretensão indenizatória pelos danos materiais suportados na exata monta de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), em dobro, em razão da cobrança indevida, conforme documento de ID 84622307 e nos termos do Art. 42 do CDC. III.4. Do Dano Moral Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade dos fornecedores de produtos e serviços pelos danos causados aos seus clientes é objetiva, em simetria com o disposto no art. 14. Prescinde-se, assim, do elemento culpa ou dolo, exigindo-se apenas a existência de três elementos: (a) ato ilícito; (b) dano à vítima; e (c) a existência de nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva ilícita do agente e o dano sofrido pela vítima. Nos termos do parágrafo terceiro, inciso II, do dispositivo em referência, o nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano causado ao consumidor somente será excluído se houver culpa exclusiva deste ou de terceiro. Via de regra, o dano moral precisa ser provado, não bastando o simples relato do fato. É necessário demonstrar a sua efetiva repercussão. No entanto, em se tratando de situações como a ora em apreço, hospedo em mente que o dano ao patrimônio moral da parte autora é presumido, prescindindo, desse modo, de demonstração das consequências negativas daí advindas. Afinal, as pessoas têm a justa expectativa, quando da contatação de plano de assistência à saúde, que lhes seja fornecida a devida cobertura assistencial em caso de eventual surgimento de enfermidade, pretendendo, por conseguinte, terem maior qualidade de vida e tranquilidade psíquica. Com sua má conduta, promoveu a parte ré a interrupção repentina da prestação do serviço de saúde até então ofertado ao autor, privando-as de contrato de natureza essencial. Nesse particular, é imperioso destacar, especialmente, a situação da autora que teve seu atendimento médico negado em um momento de extrema urgência. Decerto, ao se deparar com a interrupção abrupta da prestação de serviço tão essencial, passou o autor, evidentemente, por medos, angústias e sentimentos que não são cotidianos, que não podem ser interpretados como meros aborrecimentos, refletindo na esfera dos direitos da personalidade delas, que se tratam (ou, ao menos, tratavam-se à época do ocorrido) de criança e adolescente, sujeitos de proteção integral e de prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da CF e arts. 1º e 4º do ECA. Outrossim, na exegese do parágrafo terceiro, inciso II do art. 14 do CDC, para que o rompimento do elo causal se dê por culpa exclusiva da vítima, é necessário, como já propõe o instituto, que a conduta da vítima tenha a capacidade, per si, de causar o evento danoso, o que não aconteceu na espécie. Referida conduta da ré foi, sem dúvidas, fator contributivo (se não determinante) para a supressão do serviço, sem o qual o dano não teria ocorrido como ocorreu. Ante a fixação da ilicitude da conduta da parte ré ao efetuar o cancelamento do plano arbitrariamente, sem a devida notificação prévia, e o nexo de causalidade entre a dita conduta e abalo íntimo sofrido pela vítima, o dano moral existe in re ipsa, fazendo jus o autor, desse modo, a uma reparação por tais ofensas. A título de reforço, eis o assentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e na Corte de Justiça Potiguar, com os destaques que ora empresto: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANOS. MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. OFENSA AO ARTIGO 12, INCISO VI, DA LEI 9.656/1998. ALEGAÇÃO GENÉRICA. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS QUE JUSTIFIQUEM A ALTERAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ – AgInt no AREsp 1206422/SE – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – Terceira Turma – Julg. 07/08/2018); APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CANCELAMENTO INDEVIDO PELA OPERADORA. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO". (AC nº 2015.018759-7, TJRN, 3ª Câmara Cível. Relator Desembargador Amilcar Maia, j. em: 16.05.2017). Mister frisar que, reconhecido o direito à indenização por dano moral, cabe arbitrar o seu o valor. À míngua de dispositivo legal específico, o magistrado deve arbitrar o valor compensatório do dano moral com arrimo na estimativa prudencial, devendo representar quantia que desestimule a reincidência da prática dolosa e repare de forma justa o dano sofrido, levando em conta a necessidade de, com a quantia, minimizar o sofrimento e a dor da vítima e atentando, ainda, para as circunstâncias do fato, de maneira que a reparação não se converta em fonte de enriquecimento, nem seja inexpressiva. Nessa perspectiva, sopesando os citados critérios, bem como aspectos como a posição social da parte ofendida e a capacidade econômica do causador do dano e, ademais, observando a situação peculiar da autora, reputo plausível e justa a fixação do importe da condenação a título de danos morais no patamar R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Assinalo, em arremate, que o magistrado possui o dever de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar a conclusão adotada em sua decisão, conforme exegese do 489, § 1º, IV, do CPC. IV – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral e, em decorrência: a) determino a parte demandada a restituição no valor de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), em dobro, a título de danos materiais, mais juros legais de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), e correção monetária (INPC) a contar da data do efetivo prejuízo (súmula 43 do STJ); e, b) condeno a parte ré ao pagamento em favor da parte autora de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), quantia a ser corrigida monetariamente pelo INPC, a contar desta data (data do arbitramento – Súmula 362, do STJ), acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação. Extingo o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC. Diante da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, atendidos aos critérios estabelecidos no art. 85 do CPC, em especial o labor desenvolvido pelos advogados e a complexidade presente na causa. Transitada em julgado, certifique-se. Ato contínuo, arquivem-se os autos. Caso haja requerimento de cumprimento de sentença até 01 (um) ano da certidão de trânsito em julgado e, desde que acompanhado de memória discriminativa do débito, intime-se a parte devedora, por seu advogado, para, no prazo de 15 (quinze) dias, pagar voluntariamente o crédito em que se especifica a condenação, conforme a planilha juntada, acrescido de custas, se houver, advertindo-a que: a) transcorrido o lapso sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação; e, b) não ocorrendo pagamento voluntário, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida e, também, de honorários de advogado, no mesmo patamar. Na hipótese de cumprimento voluntário da sentença, aportando aos autos Depósito Judicial, independentemente de nova conclusão, expeça-se alvará, e, ato contínuo, intime-se a parte credora para proceder ao seu levantamento e, na mesma ocasião, informar se algo tem a requerer, sob pena de arquivamento, por quitação do débito. Ressalte-se que o silêncio importará em anuência tácita e implicará na declaração de cumprimento da sentença. Caso interposto recurso por quaisquer das partes, intime-se a parte contrária para o oferecimento das contrarrazões no prazo legal e, somente após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça deste Estado. Observe a Secretaria Judiciária eventual pedido para que as intimações dos atos processuais sejam feitas em nome do (s) advogado (s) indicado (s), consoante o disposto no art. 272, § 5º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes. Cumpra-se. Parnamirim/RN, 8 de maio de 2025. LINA FLÁVIA CUNHA DE OLIVEIRA Juíza de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
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23/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim Rua Suboficial Farias, 280, Monte Castelo, Parnamirim - RN - CEP: 59140-2559 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7): 0810868-57.2022.8.20.5124 AUTOR: L. C. E. REU: UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO e outros SENTENÇA L. C. E., representada por seu genitor, já qualificada nos autos, ingressou perante este Juízo com ação ordinária em desfavor de UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO e TRAUMACENTER SERVIÇOS MEDICO HOSPITALARES LTDA, também qualificada, alegando, em síntese, que: a) é conveniada ao plano de saúde da parte ré desde 15/01/2019, com responsável financeiro o seu genitor Arquimedes José Epifanio da Silva; b) no dia 20/04/2020, a criança requerente, teve um acidente doméstico que ocasionou uma fratura em seu braço; c) a requerente foi levada para o hospital demandado, tendo seu atendimento de urgência sido negado pelo plano de saúde; d) em razão da urgência do atendimento, efetuou o pagamento referente ao raio-x e colocação do gesso, no valor de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais); e, e) a conduta da parte ré causou-lhe danos de cunho material e moral. Escorada nos fatos narrados, requereu a parte autora, em suma, a condenação da parte demandada ao pagamento em dobro dos valores depreendidos, à título de danos materiais e o pagamento no valor de morais à razão de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Foi requerida também a gratuidade de justiça. Agrupou à inicial documentos. Despacho inaugural recebendo o feito e concedendo a justiça gratuita. Citada, a demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO (ID 87880940), apresentou contestação, arguindo, em sede de preliminar, a impugnação a justiça gratuita e sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação. No mérito, arguiu que a autora possuí contrato coletivo por adesão através de uma administradora, no caso a IBBCA, e que a referida administradora, não havia adimplido com o pagamento, ensejando a suspensão do contrato da administradora com o plano e, por consequência, do autor, bem como porque ausentes requisitos para configuração de danos morais e materiais. Requereu a improcedência da ação e acostou documentos. Citada, a demandada TRAUMACENTER SERVIÇOS MEDICO HOSPITALARES LTDA, apresentou contestação (ID 89623763), arguindo, em apertada síntese que, em nenhum momento, negou atendimento a autora, que apenas cobrou pelo procedimento pois este foi feito de modo particular por falta de autorização de cobertura do plano de saúde, assim, se existiu negativa de atendimento, está se deu pelo plano de saúde e não pelo hospital. Assim, não existiu ato ilícito, devendo a ação ser julgada improcedente. Intimadas sobre produção de novas provas, ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (ID 102542512 e 103261775). O Ministério Público pugnou por novas diligências (ID 123091525). A demandada apresentou novos documentos (ID 137143884) e a autora quedou-se inerte. Ao se manifestar, o Ministério Público apresentou parecer favorável à pretensão autoral (ID 144430348). É o que importa relatar. Fundamento e decido. I – DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Em primeiro plano, consigno que, frente ao comando do art. 355, inciso I, do CPC, é dispensável a produção de outras provas no presente feito, além das já existentes, na medida em que a análise do caderno processual enseja a convicção desta Julgadora, habilitando-a à decisão de mérito Alio a isso o fato de ambas as partes terem pugnado pelo julgamento antecipado da lide, o que reforça a prescindibilidade da dilação probatória. II – DAS PRELIMINARES II.1. Impugnação à Justiça Gratuita O art. 99, §3º, do CPC estabelece uma presunção relativa de pobreza para a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural, ou seja, para fazer jus à concessão da gratuidade judiciária, basta a alegação de que é pobre na forma da lei, não se fazendo necessárias maiores dilações a respeito. Nessa esteira, após o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa natural, incumbe à parte adversa desconstituir a presunção juris tantum estabelecida pela legislação de regência, apresentando elementos probatórios que evidenciem que a parte impugnada possui condições financeiras de arcar com as despesas processuais. In casu, a alegação da parte impugnante no sentido de que a autora não comprovou a sua situação de insuficiência econômica é absolutamente inócua diante da presunção de pobreza estabelecida pelo art. 99, §3º, do CPC, sendo certo, ademais, que a parte ré não produziu nenhuma prova que se oponha a essa presunção, ônus este que lhe competia. Além disso, nos termos do art. 99, §4º, do CPC, "a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça". Destarte, a rejeição da presente impugnação é a medida que se impõe. II.2. Ilegitimidade Passiva Sem maiores delongas, não conheço da alegada ilegitimidade passiva suscitada pela demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, a pretexto de que não possui qualquer vínculo jurídico com a autora. Isso porque a relação jurídica sob debruce possui natureza consumerista, nos termos dos arts. 2º e 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, ratificada pela Súmula 469, do STJ. Com efeito, a responsabilidade solidária entre a operadora do plano de saúde e a administradora, nos termos do art. 7º, parágrafo único, do CDC evidencia que ambas compõem a cadeia de prestação de serviços, tendo como destinatário final a parte autora Por isso, ainda que o instrumento contratual respectivo não tenha sido firmado entre a autora e a demandada UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, aos olhos daquela, ora consumidora, a UNIMED é a efetiva responsável pelo fornecimento do serviço de assistência à saúde contratado. Prova disso é a carteirinha de ID 84622305, a qual estampa a existência a logomarca da UNIMED e abrangência estadual do plano de saúde da autora. Por corolário, rechaço a pretensa preliminar. III – DO MÉRITO III.1. Considerações Iniciais Assinalo, prefacialmente, que as teses jurídicas invocadas pelas partes serão apreciadas nos limites dos pedidos da parte autora, em conformidade com o Princípio da Correlação. Consigno, ademais, que o Julgador não está obrigado a enfrentar os argumentos deduzidos no processo que não são capazes de infirmar a conclusão adotada (art. 489, IV, do CPC). Decerto, para se evitar incidentes desnecessários, friso que não está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda a argumentação deduzida pelas partes, senão que a decidir e dar os fundamentos, o caminho percorrido pelo seu intelecto, para chegar à solução encontrada (art. 489, IV, do CPC). Dito isso, passo à análise do mérito em si. III.2.Do Cancelamento Indevido do Plano de Saúde É importante destacar, de início, que a relação estabelecida entre as partes é nitidamente de consumo, dada a natureza de adesão do contrato firmado, ensejando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – CDC à hipótese em exame. Cinge-se a controvérsia à legitimidade ou não do cancelamento unilateral do contrato de saúde da parte autora, a possibilitar, em caso de reconhecimento da ilicitude, a configuração do dever da parte ré de mantê-lo e de indenizar à parte autora pelos supostos danos morais. Os planos individuais ou coletivos de saúde são regulados pela Agência Nacional de Saúde e pela Lei nº 9.656/98, aplicando-se, também, quando não administrados por entidades de autogestão (Súmula 608 do STJ), o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e de natureza cogente. In casu, verifico que o contrato de assistência à saúde firmado entre as partes é posterior à Lei dos Planos de Saúde e, por tal razão, albergado pela referida norma. Além disso, consigno que não é controvertido o cancelamento do plano de saúde, tendo ambas as demandadas defendido que agiram em exercício regular de direito, a primeira sob argumento da inadimplência da autora e a segunda sob alegação da negativa ter partido da parte ré. Por isso, tratando-se de rescisão motivada, não há falar na aplicação da Resolução Normativa nº 557/2022 da ANS, a qual revogou a Resolução Normativa 195/2009, porquanto restrita às condições de desfazimento imotivado, cabendo à aplicação, na espécie, das lições do parágrafo único, inciso II, do art. 13, da Lei nº 9.656/98. Pois bem. Nos termos do prefalado dispositivo, para que haja a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde pela operadora, em razão do não pagamento de mensalidade, 03 (três) requisitos devem ser atendidos, cumulativamente, quais sejam: a) o atraso no pagamento da mensalidade deve ser superior a 60 (sessenta) dias cumulativos ou não; b) o atraso deve ocorrer dentro dos últimos 12 (doze) meses de vigência do contrato; e, c) o cancelamento do contrato deve ser precedido de notificação ao consumidor até o quinquagésimo dia de inadimplência. A par disso, dessume-se que a intenção do legislador foi proteger o consumidor, evitando que as operadoras de plano de saúde cessem a cobertura contratual de forma automática, ante o eventual inadimplemento dos contratantes. A prévia notificação garante aos consumidores a oportunidade de defesa e/ou de purgar a mora em tempo hábil e, assim, evitar a rescisão contratual. Seguindo a exegese do artigo 6º, III do CDC, o qual chancela o dever de informação, exsurge a conclusão de que a dita notificação deve ser formal, realizada em documento próprio e escrito, destinado somente ao fim a que se propõe; clara e específica, informando ao consumidor sobre os meses que ele deixou de pagar e o tempo que ele está inadimplente, possibilitando-o purgar a mora e esclarecendo, ainda, a medida adotada em caso de ele manter-se inadimplente; e, tempestiva, ou seja, implementada até o quinquagésimo dia de inadimplência. Notificações genéricas de inadimplemento de parcelas devidas a planos de saúde desrespeitam, pois, o direito de informação do consumidor, amplamente albergado pelo CDC. Destarte, se a notificação enviada ao consumidor não cumprir, minimamente, esses três requisitos, o plano não poderá ser cancelado, mesmo se a inadimplência do segurado for superior aos 60 dias especificados na lei. Daí porque ser irrelevante o exame isolado da inadimplência do consumidor, já que incapaz, per si, de justificar a rescisão unilateral da avença pela operadora de plano de saúde. Convém ressaltar, neste particular, que não basta que a notificação seja entregue no endereço fornecido pelo consumidor, porquanto insuficiente para comprovar que ele teve efetiva ciência do seu inadimplemento e da possibilidade de rescisão de seu contrato. Deve, portanto, ser recebida pelo consumidor e, por isso, o fato da correspondência ser entregue a terceira pessoa induz, em princípio, à invalidade do ato. Ora, se a formação da relação jurídica contratual entre a operadora do plano de saúde e o consumidor exige assinatura pessoal dele, a rescisão, por via de simetria, deve também obedecer à forma da contratação, garantindo-se minimamente a segurança jurídica (STJ - REsp 1732753 PR). Não raras vezes, há quem diga que o citado ideal de notificação configura formalismo exacerbado. Penso, todavia, que, em uma relação contratual como a do jaez dos autos, constituída desde o princípio para a segurança da vida e da saúde do contratante e cujo objeto não é mera mercadoria, mas bem associado à dignidade da pessoa humana, deve ser assegurada, com maior razão, a concreta informação clara, precisa e completa ao consumidor em casos de rescisão unilateral. A propósito da exigência de notificação para ser efetivado o cancelamento do plano de saúde: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO JUSTIFICADO POR INADIMPLÊNCIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. AUSÊNCIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO E MANUTENÇÃO DO CANCELAMENTO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PREJUÍZO AO TRATAMENTO MÉDICO EM CURSO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É indevido o cancelamento automático do plano de saúde se a operadora deixa de cumprir o requisito de notificação prévia do beneficiário para quitação do débito existente, sobretudo no caso dos autos, em que a beneficiária aderiu ao proposto parcelamento do débito, o que caracteriza comportamento contraditório e violação da boa-fé objetiva. 2. Constatado que a indevida rescisão unilateral do plano de saúde de beneficiária idosa e com saúde frágil provocou prejuízo a tratamento médico em curso, além de ter impossibilitado atendimento de emergência em situação concreta, é cabível a compensação por danos morais, pois o fato ultrapassou o mero descumprimento contratual. 3. Somente é possível a revisão do montante da indenização a título de danos morais nas hipóteses em que o quantum fixado na origem for exorbitante ou irrisório, o que não ocorreu no caso em exame, em que arbitrada a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ. AgInt no AREsp 1352737/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 04/12/2018); PLANO DE SAÚDE - Ação de indenização em danos materiais e morais - Negativa de cobertura médico-hospitalar - Atendimento suspenso por falta de recadastramento da dependente do beneficiário - Previsão contratual - O peradora não demonstrou o efetivo recebimento da notificação pelo beneficiário - Falta de justa causa para o cancelamento - Princípio da boa fé e preservação dos contratos - Dever de cooperação - Sentença de procedência mantida - NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP. AC n. 1009503-92.2018.8.26.0003; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/07/2019; Data de Registro: 17/07/2019)." (Grifos acrescidos). Na hipótese em testilha, a partir do cotejo entre as afirmações tecidas na exordial, os documentos juntados aos autos e as contestações das demandadas, não observei ter havido a efetiva e prévia notificação da parte autora quanto ao cancelamento do contrato. Outrossim, em que pese não estar claro dos autos que a parte autora encontra-se adimplente, a demandada, intimada, não apresentou cópia da notificação válida. Nessa linha, é válido pontuar que, tratando-se de prova positiva, o ônus de comprovar que a autora foi notificada é, por óbvios motivos, da parte demandada (emitente do comunicado), restando configurada prova diabólica imputar à autora o dever de fazer prova negativa nesse sentido. Logo, não tendo a parte demandada nada comprovado a respeito da prévia comunicação da autora acerca da pretensão de desfazimento, estou em que configurou abusiva a prática levada a efeito por aquela, consubstanciado no cancelamento surpresa do plano de saúde. III.3. Do Dano Material No caso dos autos, tendo em vista ter se tratado de relação de consumo, a responsabilidade civil independe da culpa aquiliana prevista no Código Civil, pois é objetiva, na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Afastada a necessidade de comprovar a existência da culpa para a imposição da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos, torna-se mais fácil o deslinde da contenda, bastando verificar a efetivação do dano e o nexo de causalidade entre ele e a conduta do qual se originou. Conforme acima demonstrado, o plano de saúde da parte autora foi indevidamente cancelado e, em razão disso, teve de arcar com gastos inesperados em razão do cancelamento. Demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Requerida e os decessos enfrentados pela Autora, cabível se mostra a pretensão indenizatória pelos danos materiais suportados na exata monta de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), em dobro, em razão da cobrança indevida, conforme documento de ID 84622307 e nos termos do Art. 42 do CDC. III.4. Do Dano Moral Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade dos fornecedores de produtos e serviços pelos danos causados aos seus clientes é objetiva, em simetria com o disposto no art. 14. Prescinde-se, assim, do elemento culpa ou dolo, exigindo-se apenas a existência de três elementos: (a) ato ilícito; (b) dano à vítima; e (c) a existência de nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva ilícita do agente e o dano sofrido pela vítima. Nos termos do parágrafo terceiro, inciso II, do dispositivo em referência, o nexo causal entre a conduta do fornecedor e o dano causado ao consumidor somente será excluído se houver culpa exclusiva deste ou de terceiro. Via de regra, o dano moral precisa ser provado, não bastando o simples relato do fato. É necessário demonstrar a sua efetiva repercussão. No entanto, em se tratando de situações como a ora em apreço, hospedo em mente que o dano ao patrimônio moral da parte autora é presumido, prescindindo, desse modo, de demonstração das consequências negativas daí advindas. Afinal, as pessoas têm a justa expectativa, quando da contatação de plano de assistência à saúde, que lhes seja fornecida a devida cobertura assistencial em caso de eventual surgimento de enfermidade, pretendendo, por conseguinte, terem maior qualidade de vida e tranquilidade psíquica. Com sua má conduta, promoveu a parte ré a interrupção repentina da prestação do serviço de saúde até então ofertado ao autor, privando-as de contrato de natureza essencial. Nesse particular, é imperioso destacar, especialmente, a situação da autora que teve seu atendimento médico negado em um momento de extrema urgência. Decerto, ao se deparar com a interrupção abrupta da prestação de serviço tão essencial, passou o autor, evidentemente, por medos, angústias e sentimentos que não são cotidianos, que não podem ser interpretados como meros aborrecimentos, refletindo na esfera dos direitos da personalidade delas, que se tratam (ou, ao menos, tratavam-se à época do ocorrido) de criança e adolescente, sujeitos de proteção integral e de prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da CF e arts. 1º e 4º do ECA. Outrossim, na exegese do parágrafo terceiro, inciso II do art. 14 do CDC, para que o rompimento do elo causal se dê por culpa exclusiva da vítima, é necessário, como já propõe o instituto, que a conduta da vítima tenha a capacidade, per si, de causar o evento danoso, o que não aconteceu na espécie. Referida conduta da ré foi, sem dúvidas, fator contributivo (se não determinante) para a supressão do serviço, sem o qual o dano não teria ocorrido como ocorreu. Ante a fixação da ilicitude da conduta da parte ré ao efetuar o cancelamento do plano arbitrariamente, sem a devida notificação prévia, e o nexo de causalidade entre a dita conduta e abalo íntimo sofrido pela vítima, o dano moral existe in re ipsa, fazendo jus o autor, desse modo, a uma reparação por tais ofensas. A título de reforço, eis o assentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e na Corte de Justiça Potiguar, com os destaques que ora empresto: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CANCELAMENTO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANOS. MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. OFENSA AO ARTIGO 12, INCISO VI, DA LEI 9.656/1998. ALEGAÇÃO GENÉRICA. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS QUE JUSTIFIQUEM A ALTERAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ – AgInt no AREsp 1206422/SE – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – Terceira Turma – Julg. 07/08/2018); APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CANCELAMENTO INDEVIDO PELA OPERADORA. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO". (AC nº 2015.018759-7, TJRN, 3ª Câmara Cível. Relator Desembargador Amilcar Maia, j. em: 16.05.2017). Mister frisar que, reconhecido o direito à indenização por dano moral, cabe arbitrar o seu o valor. À míngua de dispositivo legal específico, o magistrado deve arbitrar o valor compensatório do dano moral com arrimo na estimativa prudencial, devendo representar quantia que desestimule a reincidência da prática dolosa e repare de forma justa o dano sofrido, levando em conta a necessidade de, com a quantia, minimizar o sofrimento e a dor da vítima e atentando, ainda, para as circunstâncias do fato, de maneira que a reparação não se converta em fonte de enriquecimento, nem seja inexpressiva. Nessa perspectiva, sopesando os citados critérios, bem como aspectos como a posição social da parte ofendida e a capacidade econômica do causador do dano e, ademais, observando a situação peculiar da autora, reputo plausível e justa a fixação do importe da condenação a título de danos morais no patamar R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Assinalo, em arremate, que o magistrado possui o dever de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar a conclusão adotada em sua decisão, conforme exegese do 489, § 1º, IV, do CPC. IV – DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral e, em decorrência: a) determino a parte demandada a restituição no valor de R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), em dobro, a título de danos materiais, mais juros legais de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (Súmula 54 do STJ), e correção monetária (INPC) a contar da data do efetivo prejuízo (súmula 43 do STJ); e, b) condeno a parte ré ao pagamento em favor da parte autora de indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), quantia a ser corrigida monetariamente pelo INPC, a contar desta data (data do arbitramento – Súmula 362, do STJ), acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação. Extingo o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC. Diante da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, atendidos aos critérios estabelecidos no art. 85 do CPC, em especial o labor desenvolvido pelos advogados e a complexidade presente na causa. Transitada em julgado, certifique-se. Ato contínuo, arquivem-se os autos. Caso haja requerimento de cumprimento de sentença até 01 (um) ano da certidão de trânsito em julgado e, desde que acompanhado de memória discriminativa do débito, intime-se a parte devedora, por seu advogado, para, no prazo de 15 (quinze) dias, pagar voluntariamente o crédito em que se especifica a condenação, conforme a planilha juntada, acrescido de custas, se houver, advertindo-a que: a) transcorrido o lapso sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação; e, b) não ocorrendo pagamento voluntário, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida e, também, de honorários de advogado, no mesmo patamar. Na hipótese de cumprimento voluntário da sentença, aportando aos autos Depósito Judicial, independentemente de nova conclusão, expeça-se alvará, e, ato contínuo, intime-se a parte credora para proceder ao seu levantamento e, na mesma ocasião, informar se algo tem a requerer, sob pena de arquivamento, por quitação do débito. Ressalte-se que o silêncio importará em anuência tácita e implicará na declaração de cumprimento da sentença. Caso interposto recurso por quaisquer das partes, intime-se a parte contrária para o oferecimento das contrarrazões no prazo legal e, somente após, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça deste Estado. Observe a Secretaria Judiciária eventual pedido para que as intimações dos atos processuais sejam feitas em nome do (s) advogado (s) indicado (s), consoante o disposto no art. 272, § 5º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes. Cumpra-se. Parnamirim/RN, 8 de maio de 2025. LINA FLÁVIA CUNHA DE OLIVEIRA Juíza de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)