Adilamarcia Da Silva Santana e outros x Alex Maico Rodrigues De Souza e outros
Número do Processo:
0811738-71.2021.8.23.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRR
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara de Fazenda Pública
Última atualização encontrada em
08 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
As atualizações mais recentes estão bloqueadas.
Assine para desbloquear as últimas atualizações deste processo. -
22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara de Fazenda Pública | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA COMARCA DE BOA VISTA 2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA - PROJUDI Fórum Advogado Sobral Pinto, 666 - Praça do Centro Cívico - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-980 - Fone: (95) 3198 4707 - E-mail: 2fazenda@tjrr.jus.br Proc. n.° 0811738-71.2021.8.23.0010 SENTENÇA ADILAMARCIA DA SILVA SANTANA e EDSON VALDETAR DE OLIVEIRA SILVA ajuizaram ação indenizatória por dano moral c.c pensão mensal vitalícia em face da DISTRIBUIDORA BRASVENO LTDA, ALEX MAYCON RODRIGUES DE SOUZA, FRANCISCO EDMAR DE SOUZA, FRANCISCO EDMAR DE SOUZA JÚNIOR, ESTADO DE RORAIMA e MUNICÍPIO DE BOA VISTA, alegando, em síntese, que, em 15/10/2019, ocorreram explosões na 'Oxigênio Centro Norte' (nome fantasia da primeira requerida); que do incidente resultou a morte de quatro pessoas; que a morte mais trágica foi a de seu filho 'Ariel Mateus da Silva'; que o corpo de 'Ariel' se resumiu a 'fragmentos'; que a primeira requerida vinha atuando de forma irregular, sem se adequar às normas de segurança e incêndio, inclusive, não tendo alvará de funcionamento e autorização para exploração de Gás Liquefeito de Petróleo - GLP há vários anos; que a primeira requerida foi negligente no manuseio dos produtos, os quais, por sua natureza, implicavam em alto risco; que o Estado de Roraima e o Município de Boa Vista devem ser responsabilizados pela omissão no dever de fiscalização; e que o Ministério Público Estadual moveu ação civil pública em face do requeridos (Proc. nº 0802373- 27.2020.8.23.0010). Pleitearam, assim, a concessão de pensão vitalícia, além de danos morais no montante de 1.000 salários mínimos. Deram à causa o valor de R$ 800.000,00. Juntaram documentos (EP's 1.2 a 1.13 e 6.2 a 6.33). Foi deferida a gratuidade processual aos autores (EP 7). Citados (EP's 17 e 18), os entes públicos réus apresentaram contestação. O Município de Roraima arguiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva. No mérito, alegou a ausência de responsabilidade pelo ente municipal; a correção do indenizatório quantum fixado pela parte autora; e a ausência de provas acerca da possível responsabilidade pelo Município, postulando, assim, pela improcedência do pleito autoral (EP 20). O Estado de Roraima, por sua vez, alegou, preliminarmente, a incompetência absoluta por ser acidente decorrente de trabalho. No mérito, defendeu que a responsabilidade pelo evento danoso deve recair exclusivamente sobre a empresa 'Brasveno'; e que, ainda que diante de suposta responsabilidade por omissão, não houve falha na fiscalização, uma vez que irregularidades foram apontadas à empresa, a qual não regularizou sua situação (EP 34). O réu Francisco Edmar de Souza, embora citado (EP 29), não apresentou contestação. Houve tentativa frustrada de citação dos réus Distribuidora Brasveno, Alex Maycon Rodrigues de Souza e Francisco Edmar de Souza Júnior (EPs 27, 30 e 42). O pedido de reunião do presente feito com os autos dos Procs. nºs 0802373-27.2020.8.23.0010 e 0825194-25.2020.8.23.0010 foi indeferido pelo Juízo (EP 43). Foi determinada a citação, via edital, dos réus 'Alex Maycon Rodrigues de Souza' (EP 71), 'Distribuidora Brasveno Ltda' e 'Francisco de Souza Júnior' (EP 85). Decorrido o prazo editalício (EP 73), os réus 'Alex Mayco Rodrigues de Souza', 'Distribuidora Brasveno Ltda' e 'Francisco de Souza Júnior' quedaram-se inertes (EP's 85 e 93), sendo decretada a revelia com apensamento deste feito aos autos dos Procs. nºs 0806905-44.2020.8.23.0010, 0825194-25.2020.8.23.0010, 0818998-05.2021.8.23.0010, 0802373-27.2020.8.23.0010 e 0825784-02.2020.8.23.0010 (EP 95). Designada a DPE para assunção da curadoria especial dos requeridos citados por edital, foi apresentada contestação por negativa geral (EP 105). O Ministério Público Estadual postulou pela não intervenção no feito (EP 108). Instados à manifestação acerca da produção de outras provas (EP 111), os réus 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Francisco de Souza Júnior', Município de Boa Vista e Estado de Roraima consignaram desinteresse (EP's 124, 129 e 131). Lado outro, os autores requereram a produção de prova documental, realizando a respectiva juntada, testemunhal e depoimento pessoal dos requeridos (EP 130). Designada e realizada audiência de instrução (EP 233), foi ouvida a testemunha , além dos informantes e Denis de Brito Tupinambá Jorge Miguel da Costa Nicolas Júlio da Costa Buckley . As partes apresentaram alegações finais por memoriais (EP's 238, 247, 250, 251). Por fim, houve a habilitação de causídico pelos réus 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Alex Maycon Rodrigues de Souza', 'Francisco Edmar de Souza' e 'Francisco Edmar de Souza Junior' (EP 253). É o relatório. Fundamento e DECIDO. Primeiramente, desnecessária maior dilação probatória, sendo certo que, na análise do julgamento da lide, vigora a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de outras provas, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio do pleno contraditório. No caso em tela, a lide comporta pronto julgamento, pois a questão é eminentemente de direito e os documentos e oitivas coligidos aos autos são amplamente suficientes ao deslinde da questão controvertida. Pois bem, em se tratando de matéria de ordem pública, que pode ser conhecimento pelo juízo a qualquer momento, entendo que a , ex officio preliminar de incompetência absoluta do juízo suscitada pelo Estado de Roraima, merece parcial acolhimento. Explico. Com efeito, aduz o ente público requerido que em ação de indenização por danos morais ajuizada por familiares de trabalhador que faleceu enquanto executava serviços para o requerido tomador, a matéria encontra enquadramento no art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal, inserindo-se, portanto, na competência desta Justiça Especializada. Sobre o tema, a Emenda Constitucional nº 45/2004 atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para as ações de reparação civil decorrentes da relação de trabalho (art. 114, VI, da CF/88), ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido, posição sedimentada na jurisprudência do STF, por meio de sua Súmula Vinculante nº 22: 'A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004.' No mesmo sentido, a Súmula 392 do C. TST: 'DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (redação alterada em sessão do Tribunal Pleno realizada em r 27.10.2015) - Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015. Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da Republica, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.' Ademais, nessa direção, o entendimento deste E. TJRR: 'APELAÇÃO CÍVEL – ACIDENTE DE TRABALHO – EVENTO MORTE – DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS POSTULADOS PELA COMPANHEIRA DO DE CUJUS – TÍPICA RELAÇÃO DE TRABALHO – COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ART. 114, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SÚMULA N.º 392 DO TST – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – SENTENÇA NULA - ENVIO DOS AUTOS À JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos da súmula 392 do TST, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho, ainda que ajuizadas por dependentes, familiares ou sucessores do trabalhador.' (TJRR – AC 0809368-95.2016.8.23.0010, Rel. Des. TÂNIA VASCONCELOS, Segunda Turma Cível, julg.: 20/02/2020, public.: 28/02/2020) In casu, a própria exordial veicula que a vítima fatal do acidente de trabalho era funcionário da empresa 'Distribuidora Brasveno LTDA', primeira requerida, tendo falecido no ambiente de trabalho e em razão dele (EP's 1.7 e 1.8). Em assim sendo, uma vez que a relação de trabalho é a matriz das controvérsias que se instauram entre trabalhadores e empregadores, de rigor o seu processamento e julgamento perante a Justiça especializada, onde se verificará/julgará a responsabilidade e a obrigação da empresa contratante quanto à adoção de medidas de segurança para fins de proporcionar ao prestador de serviços/trabalhador forma segura para o desenvolvimento de seu ofício. Dessa forma, diante do acúmulo de pedidos em face de partes diversas, no que tange os pleitos de pagamento de danos morais e pensionamento referente à primeira requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda', considerando que a causa de pedir é oriunda/originária de acidente de trabalho, torna-se imperioso o reconhecimento da incompetência absoluta deste Juízo estadual para análise e julgamento do pleito, remanescendo a esta Vara Fazendária apenas a análise e julgamento da responsabilidade civil dos entes públicos por suposta falha em seu dever fiscalizatório e eventual obrigação indenizatória por danos morais. Desse modo, diante do óbice a esta Vara da Fazenda Pública para processamento e julgamento do feito em relação à requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda' e respectivos sócios, DECLINO DA COMPETÊNCIA do feito para o MM. Juízo da Vara do Trabalho em Boa Vista/RR, . determinando-se, desde já, a remessa dos autos ao Juízo laboral especializado De rigor, ainda, o reconhecimento da da sociedade ilegitimidade passiva dos sócios empresária, uma vez que o pleito indenizatório não alcança, de forma automática e direta, as pessoas físicas dos sócios da requerida, máxime considerando que a pessoa jurídica detém personalidade própria que não se confunde com a figura dos sócios, eis se tratar de pessoa jurídica com responsabilidade limitada e ainda, a petição inicial é desprovida de imputação específica de conduta praticada pessoalmente pelos empresários e representantes legais da Distribuidora corré. Cite-se, ainda, que eventual desconsideração da personalidade jurídica, a fim de se responsabilizar os sócios na demanda, somente seria cabível acaso presentes a comprovação de que houve um dano concreto e individualizado em decorrência de um ato ilícito da empresa a demonstração de que e a empresa não possui bens suficientes para arcar com sua responsabilidade. Da análise probatória dos autos, não ficou comprovado que a sociedade empresária careça de capacidade financeira para arcar com os danos causados a terceiros, restando ausente fundamento legal para desconsideração da personalidade jurídica da empresa, visando a responsabilização dos sócios pelos referidos danos. Quanto à alegada , a tese não prospera. ilegitimidade passiva dos entes públicos Com efeito, presente a pertinência subjetiva ad causam dos entes federados, máxime considerando que, da análise da peça inaugural é possível se extrair que o pleito autoral recai sobre a esfera jurídica do Estado e do Município réu (Teoria da asserção), posto que indagada a responsabilidade civil dos entes públicos por omissão/falha no dever fiscalizatório das atividades do estabelecimento comercial em que ocorrido o fatídico evento. Ultrapassadas essas questões, adentrando ao mérito, tem-se que os pedidos iniciais são PROCEDENTES, . ao menos em parte Denota-se que o deslinde da causa circunscreve-se à análise da responsabilidade civil do Estado de Roraima e do Município de Boa Vista por concorrência nos danos causados pelo evento trágico ocorrido no interior da empresa privada, dada a suposta falha no 'dever-poder' de Polícia, de modo a agir na fiscalização do funcionamento de determinados estabelecimentos empresariais que, por sua natureza, oferecem riscos à população. Pois bem, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal estabelece a responsabilidade objetiva da Administração Pública pelos danos causados a terceiros. Cuida-se, pois, do que a doutrina chama de Teoria do risco administrativo, assim entendida como aquela em que a responsabilização civil do Estado decorre apenas da tríade: dano, nexo e resultado, sem qualquer necessidade de comprovação da culpa ou falha do serviço. Logo, para a configuração de tal Teoria, exige-se apenas a relação de causalidade entre a atividade administrativa desempenhada pelo Estado e o dano causado a terceiros. Veja que a Teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa, permite que a responsabilidade seja afastada nos casos de exclusão do nexo causal, na hipótese de comprovação de (i) fato exclusivo da vítima, (ii) fato de terceiro ou (iii) caso fortuito e força maior. Cabe sopesar, contudo, que, tratando-se de suposto ato omissivo (dever de fiscalização), a responsabilidade do Estado é subjetiva, ou seja, depende de comprovação da existência de culpa, caracterizada pela negligência, pela imperícia ou pela omissão na prestação do serviço. A hipótese sub examine, de fato, não pode ser analisada e julgada sob a temática da responsabilidade objetiva (CF, § 6º, art. 37), dado que não se trata aqui, nas palavras do ilustre administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, da apreciação de um danoso, mas sim de um facere de repercussão danosa. non facere Isso caracteriza a hipótese clássica da dos franceses, aqui faute du service denominada na doutrina como culpa anônima, ou meramente por tradução, falta de serviço, que constitui a responsabilidade do Estado por comportamento ilícito, sob o perfil do descumprimento de um dever de agir, no qual a omissão é dolosa ou gerada por singela incúria, na modalidade de imprudência, negligência ou imperícia. No caso em questão, considerando as peculiaridades a ele inerentes, para a fixação da responsabilidade civil, importante se faz a distinção entre omissão estatal genérica e específica. Neste ponto, traz-se à baila as lições de Sérgio Cavalieri Filho: '(....) É preciso, ainda, distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissão específica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro, em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, “não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois há dever individualizado de agir (A responsabilidade objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação que tinha o dever de agir para impedi-lo. (...) Os nossos Tribunais têm reconhecido a omissão específica do Estado quando a inércia administrativa é a causa direta e imediata do não-impedimento do evento, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno de colégio público durante o período de aula. ' (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade (...) Civil, 9ª Ed., p.240) Ainda no campo doutrinário, Daniel Ferreira acrescenta que: '(...) para a omissão estatal ensejar o dever de ressarcir o dano (causado por terceiros ou por fato da natureza) será preciso constatar, simultaneamente e em concreto, o seguinte: (i) a evitação do resultado como juridicamente exigida do Poder Público; (ii) a antijuridicidade da inação; (iii) a concreta não evitação (do resultado de dano) como conditio sine qua non (como imputação objetiva do resultado, em suma); e (iv) seja o dano indenizável. Nesse contexto, a situação em muito se assemelha à da conduta estatal (comissiva) direta e materialmente causadora de dano, porque do mesmo modo a análise da culpa (lato ou stricto sensu) não entra em discussão, salvo para fins de propositura de ação de regresso.'(FERREIRA, Daniel. Responsabilidade civil do Estado por omissão: contornos gerais e controvérsias. In: BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M. F. (Coord.). Obra citada, p. 67-68). O caso dos autos revela a aplicação necessária do reconhecimento da omissão específica da Administração Pública fiscalizatória (poder de polícia) justamente porque, dada a natureza da atividade exercida pela primeira requerida, da inércia e negligência estatal, se originou a lesão a direito alheio, o qual, acaso atuado, teria possibilitado a paralisação das atividades empresariais da requerida para adequação às normas de segurança, impedindo as explosões que causaram as mortes e danos dela decorrentes. Portanto, em se tratando de condutas omissivas específicas do poder público, aliado a natureza especial da omissão, em observância aos princípios do Estado Democrático de Direito, da solidariedade social, da isonomia e da justiça distributiva, adota-se a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo. Assevere-se não se imputar aos entes públicos réus a figura do garantidor universal, mas tão somente responsabilizar determinadas atividades empresariais, que por sua natureza oferecem riscos à coletividade, exigindo-se, assim, do Poder Público uma atuação mais severa/incisiva e cautelosa, a fim de evitar danos à sociedade. In casu, os documentos que acompanham a inicial evidenciam a falha dos demandados no dever de fiscalização e do exercício do Poder de Polícia em autuar/interditar o estabelecimento, uma vez que encontrava-se com diversas irregularidades, como alvarás e autorizações vencidas. Do mesmo modo, a sentença proferida em sede de ação civil pública (Proc. nº 0802373-27.2020.8.23.0010), mantida em grau recursal (TJRR), reconheceu a responsabilidade dos entes públicos ante a omissão na fiscalização da atividade de risco desempenhada pela corré 'Distribuidora Brasveno Ltda', consignando que: '(...) O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). Em razão do que posto, levando-se em conta os fatos aqui descritos, conclui-se pela ocorrência da explosão, danos a terceiros, e nexo causal entre eles, pelo que basta para a responsabilização da empresa ré, em razão de sua responsabilidade objetiva, de acordo com o art. 927, § único do Código Civil. Quanto à responsabilidade da pessoa política – MUNICÍPIO, registra-se que a empresa ré fornecia carga de oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Público e Meio Ambiente – SPMA, cuja contratação fora formalizada pela secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666/93, tudo conforme contrato administrativo de nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019. (EP. n º 56.2) De acordo com o contrato administrativo, em sua cláusula 3.6, consta que o produto por ela ventilado somente seria entregue após a devida inspeção para averiguar as condições dos materiais conforme especificações técnicas, e conferidas a quantidade. Ainda, consta na cláusula sexta do referido contrato, caber à contratada “sujeitar-se a mais ampla e irrestrita fiscalização por parte da Contratante, prestando todos os esclarecimentos necessários, atendendo as reclamações formuladas e cumprindo todas as orientações do mesmo (sic), visando o fiel desempenho do serviço;” (II, alínea d’); “efetuar imediata correção das deficiências apontadas pela Contratante com relação à aquisição dos materiais e serviços contratados;” (II, alínea f’). Mais: de acordo a cláusula oitava – sanções e penalidades, o descumprimento pela contratada de quaisquer das cláusulas e/ou condições estabelecidas no contrato ensejaria a rescisão contratual, bem como aplicação de sanções constantes nos artigos 79 e 80 da Lei nº 8.666/93, ou aplicação constantes nos artigos 86 e 87, do mesmo diploma legal; na cláusula nona – fiscalização e das alterações, consta que a fiscalização será exercida por servidores Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente. Nesta esteira, observa-se de imediato a responsabilização do ente público e político em fiscalizar a empresa contratada, BRASVENO, em todas as etapas relacionadas à atividade desta – distribuidora de gás, devendo a empresa cumprir todas as diretrizes traçadas por aquele, sob pena de rescisão contratual. O Município, por sua vez, rebate a tese do titular da ação, argumentando que a empresa contratada não possuía alvará de funcionamento e negou a fornecer a devida licença ambiental a ela, motivos pelos quais não seria culpada pelo evento danoso. No entanto, além de não comprovar suas alegações, de forma plena e cabal, destaque-se que o Código de Posturas municipais (Lei Municipal nº 018/74, “que define as normas disciplinares da vida social urbana” dispõe, sem seu artigo 463: “sempre que se verificar infração a qualquer dispositivo deste Código, por pessoas naturais ou jurídicas, serão aplicadas as seguintes penalidades, sem prejuízo das sanções cíveis ou penais cabíveis:” (...) IX – interdição parcial ou total do estabelecimento ou atividade desenvolvida” Ainda de acordo com o § 3º do mesmo artigo: “A interdição será efetuada em caráter de urgência, quando tratar de reincidência ou se a infração for grave ao ponto de causar danos aos interesses da segurança pública, caso em que será dispensada a notificação preliminar de que trata o artigo 446”. De acordo com o representante do Ministério Público, verbis: “(...) Ao contrário da “atuação fiscalizatória rigorosa” alegada na contestação, a condescendência do Município de Boa Vista em relação à BRASVENO se revela quando, em 27 de agosto de 2019, assina o Contrato Administrativo nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019, tendo como objeto “o Fornecimento de Carga de Oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA.” (cópia em anexo) Como pode o Município contratar com a demandada BRASVENO, menos de dois meses antes do fato, mesmo sem que ela tivesse autorização de funcionamento? Ainda mais grave, contratou o fornecimento do mesmo tipo de material que causou o sinistro. (...)” (réplica no EP. nº 56). Por toda a fundamentação explanada, não se tem como não atribuir ao Município de Boa Vista/RR responsabilização pelo fatídico evento em questão, pois não somente deixou de atuar, como também aquiesceu do comportamento irregular da BRASVENO ao contratá-la. No que toca à responsabilidade do ESTADO de Roraima/RR, esta se dá em razão da responsabilidade de proteção das pessoas em caso de incêndio e emergência, de acordo com o que disposto na Lei Complementar nº 082, de 23 de novembro de 2004, Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima, que em seu artigo 4º dispõe: “Os objetivos deste Código são: I – proteger a vida dos ocupantes das edificações e áreas de risco, em caso de incêndio”. Dispõe ainda o Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima: “Art. 33. Para garantir o cumprimento das condições de segurança contra incêndio e pânico, bem como, do presente Código, o Corpo de Bombeiros Militar de Roraima fiscalizará, através de seus agentes credenciados, todo e qualquer empreendimento ou atividade no âmbito d o Estado de Roraima , orientando e aplicando as sanções previstas em Lei específica, quando necessário.” Art. 35. Para o cumprimento das disposições constantes nas Normas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, a Instituição deverá fiscalizar todo e qualquer imóvel e estabelecimento existente n o Estado de Roraima e, quando necessário, expedir notificação, aplicar multa, interditar edificações ou áreas e risco, apreender materiais e equipamentos ou embargar obras, na forma prevista em lei específica.” Dessa forma, cai por terra toda a gama de teses da defesa do Estado, pela sua não responsabilização, vez que detinha a obrigação, assim como o Município, como visto, de fiscalizar todo e qualquer empreendimento ou atividade no âmbito do Estado de Roraima, orientando e aplicando as sanções previstas em Lei específica, quando necessário, expedindo notificações, aplicando multa, interditar edificações ou áreas de risco, etc. O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). Como bem pontuou o autor da ação: “Pergunta-se, como afastar a responsabilidade do Estado, que tinha a obrigação legal de fiscalizar, tinha conhecimento da atuação irregular da empresa por três anos e, apesar de dispor diversos instrumentos legais, não aplicou sanção adequada prevista em Lei, inclusive a interdição? Como justificar tal passividade? Nesse contexto, fica demonstrada a conduta omissiva e negligente do Estado de Roraima, de modo que sua responsabilidade não pode ser afastada.” Concluindo, ao analisar as normas, fica divisado o âmbito da responsabilidade da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho, ou seja fazer fiscalização “do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho.” Resta claro, ainda, que a responsabilização de um (Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho) não limita ou extingue a responsabilidade do outro (Corpo de Bombeiros), do contrário, são coexistentes (...).” Outrossim, segundo informações extraídas dos depoimentos das testemunhas ouvidas em Juízo: Denis de Brito Tupinambá (testemunha) (...) que trabalha na feira do produtor junto com o pai da vítima; que ouviu as explosões; que estava na feira quando aconteceu as explosões; que foi para a avenida para ver o que tinha acontecido; que tinha muita fumaça e muita gritaria; que o acidente aconteceu em 2019 na empresa brasveno; que quando a polícia chegou só permitiu as famílias das vítimas se aproximarem; que o funeral demorou para acontecer pois precisavam reconhecer todos os pedaços dos corpos; que o pai da vítima só voltou a trabalhar depois de 6 meses do acidente; que voltou ao trabalho muito debilitado; que não conhecia a vítima Ariel (...) Jorge Miguel da Costa (informante) (...) que estava no trabalho quando o acidente aconteceu; que ouviu o barulho; que não deu para se aproximar do local; que viu pedaços de corpos humanos sendo arremessados; que o acidente ocorreu na empresa; que viu muitos parentes das vítimas chegarem ao local; que tinha muito choro; que não dava para identificar as pessoas porque eram vários pedaços espalhados; que a família da vítima Ariel ficou muito deprimida porque não deu para fazer o velório; que o corpo da vítima foi despedaçado; que não foi encontrado todas as partes do corpo da vítima e por isso não teve velório; que a vítima era trabalhador e bom filho; que tinha muitos funcionários na empresa que ocorreu o acidente (...) Nicolas Júlio da Costa Buckley (informante) (...) que era amigo da vítima Ariel; que conhecia o Ariel desde o ensino fundamental; que conhecia a família da vítima; que soube da noticia através de outro amigo; que foi na casa da vítima as 22h para saber da veracidade dos fatos; que lembra quando Ariel começou a trabalhar na brasveno; que soube através da irma da vítima que o Ariel na hora da explosão estava muito próximo do recipiente que explodiu; que ele sofreu mais danos que as outras vítimas; que os pais da vítima ficaram muito abalados; que ele era uma pessoa boa e trabalhador; que ele estava fazendo faculdade (...) Os elementos probatórios contidos nos autos demonstram que a empresa que comercializava gases e outros gêneros de natureza especial estava em plena atividade quando sequer poderia estar em funcionamento, uma vez que estava com licenças e autorizações vencidas há muito tempo, sendo de conhecimento da Administração Pública, tanto estadual como municipal. Deveras, a Constituição Federal, em seu art. 30, inciso V, confere aos municípios competência para organizar os serviços públicos de interesse local. Outrossim, o art. 78 do CTN dispõe que: 'Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.' Já o art. 8º da Lei Orgânica Municipal (LOM) e art. 388 e 442, ambos do Código de Postura Municipal disciplinam que: 'Art. 8º - Compete ao Município: (...) XXVII – conceder licença para: a) localização, instalação e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços; (...) XXXV - preservar os interesses difusos e coletivos;' (*) 'Art. 388 - Os depósitos de inflamáveis e explosivos serão construídos em locais determinados pela Lei de Urbanismo e Zoneamento e com licença especial da Prefeitura. Art. 442 - Compete ao Município, pelas suas unidades especializadas, a fiscalização do cumprimento deste Código e das demais normas relativas à higiene e saúde públicas, costumes, sossego e bem-estar social, obras e urbanismo, preservação ambiental, funcionamento e segurança dos estabelecimentos empreendedores e das demais posturas municipais. § 1º A fiscalização de que trata este artigo será exercida sobre as pessoas naturais e jurídicas, a fim de assegurar e resguardar o bem-estar da coletividade.' Nesse contexto, inafastável concluir que o Município de Boa Vista tinha o dever-poder de fiscalizar o estabelecimento comercial da sociedade empresária requerida e exigir a sua adequação às normas municipais, o que, todavia, não o fez. Noutro tocante, o Estado de Roraima, de igual forma/modo, por intermédio de seu Corpo de Bombeiros, também possuía tal obrigação, isso porque a Lei Complementar Estadual nº 82/04, que estabelece o Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima, expressamente confere à Corporação estadual supra o dever-poder para interditar estabelecimentos: 'Art. 35 - Para o cumprimento das disposições constantes nas Normas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, a Instituição deverá fiscalizar todo e qualquer imóvel e estabelecimento existente no Estado de Roraima e, quando necessário, expedir notificação, aplicar multa, interditar edificações ou áreas de risco, apreender materiais e equipamentos ou embargar obras, na forma prevista em lei especifica.' Art. 38 - Ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Roraima, por intermédio da Diretoria de Prevenção e Serviços Técnicos, compete estudar, elaborar normas técnicas, analisar, planejar, fiscalizar, notificar, multar, interditar, embargar e fazer cumprir as atividades atinentes à segurança contra incêndio e pânico, bem como, realizar vistorias e emitir pareceres e laudos técnicos, com vistas ao cumprimento do estabelecido neste Código.' Ademais, a Lei Complementar Estadual nº 83/04 previa medidas/penalidades em caso de descumprimento das regras previstas na LC 82/04 e Notas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima (CBMRR): 'Art. 4º A prática de qualquer ato enquadrado nos termos do artigo anterior sujeita os infratores às seguintes penalidades administrativas, sem prejuízo das de natureza civil e penal: I – multa; II – apreensão de equipamentos e produtos relacionados à proteção contra incêndio e pânico; III – embargo; e IV – . interdição Parágrafo único. As sanções previstas nesta Lei poderão ser aplicadas cumulativamente.' (g.n) No mesmo sentido, inobservada a Nota Técnica CBMRR nº 44/2021 que estabelece critérios e procedimentos para vistoria técnica e ações de fiscalização dos requisitos exigíveis para segurança das edificações, de competência do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Roraima (CBMRR), em específico à proteção da vida e dos bens públicos e privados, atendendo ao previsto na Lei Complementar n° 082/2004 - Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima (CEPCIE). Destaca-se que o simples fato de a legislação municipal prever idêntico poder de interdição ao Município não invalida ou se sobrepõe à previsão da legislação estadual, mas ao contrário, são complementares, até mesmo porque não há óbice algum a que duas das esferas da Administração Pública atuem conjuntamente na fiscalização de determinada questão, em especial ligada às atividades de risco exercidas por particulares. Dessa forma, tem-se que o corréu Estado de Roraima também falhou no seu dever de fiscalizar e eventualmente interditar a requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda' e, portanto, tal falha enseja responsabilidade civil de ambos os entes públicos demandados. Consoante veiculado na sentença proferida em sede da ação civil pública - Proc. nº 0802373-27.2020.8.23.0010: '(...) O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). (...) Quanto à responsabilidade da pessoa política – MUNICÍPIO, registra-se que a empresa ré fornecia carga de oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Público e Meio Ambiente – SPMA, cuja contratação fora formalizada pela secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666/93, tudo conforme contrato administrativo de nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019. (EP. n º 56.2) De acordo com o contrato administrativo, em sua cláusula 3.6, consta que o produto por ela ventilado somente seria entregue após a devida inspeção para averiguar as condições dos materiais conforme especificações técnicas, e conferidas a quantidade. Ainda, consta na cláusula sexta do referido contrato, caber à contratada “sujeitar-se a mais ampla e irrestrita fiscalização por parte da Contratante, prestando todos os esclarecimentos necessários, atendendo as reclamações formuladas e cumprindo todas as orientações do mesmo (sic), visando o fiel desempenho do serviço;” (II, alínea d’); “efetuar imediata correção das deficiências apontadas pela Contratante com relação à aquisição dos materiais e serviços contratados;” (II, alínea f’).' Veja, ainda, que que o Ofício nº 145/2019 emitido pelo Ministério Público do Estado (EP 6.2) atestou que: 'Conforme a Diretoria de Prevenção e Serviços Técnicos, a empresa DISTRIBUIDORA BRASVENO LTDA - ME, está em situação irregular junto ao CBMRR, tendo em vista que o ultimo licenciamento da empresa foi o AVCB nº 0219/CIPI/2015, emitido em 6 de abril de 2015 com validade até 06 de abril de 2016' Veja, portanto, que a sociedade empresária ré não possuía o AVCB (auto de vistoria do corpo de bombeiros) e o seu Alvará de funcionamento estava vencido, configurando a negligência fiscalizatória estadual e municipal. Diante dessa situação irregular, incumbia ao Município de Boa Vista e ao Estado de Roraima, ora réus, terem exercido o seu poder de polícia e fiscalizado o estabelecimento em testilha, exigindo a sua adequação ou interditando o local, consoante disposições legais supra transcritas. Em sendo assim, a omissão do Poder Público no seu poder/dever de fiscalização foi, sem dúvida, elemento crucial concorrente para o acidente que culminou na morte trágica da vítima, esposa e genitor dos autores, configurando-se, assim, a responsabilidade civil estatal. Ademais, o Estado e Município réus não se desincumbiram do ônus que lhes imputa a norma processual civil (CPC, inciso II, art. 373), deixando de demonstrarem os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito autoral, especialmente a atuação fiscalizatória eficiente. Conclui-se, assim, que o dano moral reflexo, ou por ricochete, causado aos autores restou configurado. Ora, o dano moral é aquele que corresponde à dor não física, íntima, que abala a pessoa emocionalmente em casos graves. Os meros dissabores e contratempos da vida cotidiana, ainda que tragam certo sofrimento não é hábil a acarretar a existência de dano moral. Cumpre destacar que o dever de reparar configura-se apenas quando ocorrer significativo desvio da legalidade, em ordem a afrontar atributos da personalidade ou impor sofrimento psíquico apreciável, não se admitindo indenizável todo e qualquer percalço da vida cotidiana da pessoa, em suas relações com outras pessoas. Na espécie, trata-se da morte do cônjuge da autora e genitor dos outros requerentes que, durante sua atividade laboral, veio a óbito em decorrência de irregularidades e incautela da empresa em concorrência com a omissão fiscalizatória estadual e municipal, cuja dor, abalo, sentimento eterno de saudade e solidão prescindem de maior comprovação. Pois bem, em relação ao montante, o valor fixado a título de danos morais não pode ser excessivo a ponto de ensejar enriquecimento ou empobrecimento indevido dos litigantes, porém deve ser significativo para compensar a parte pelo que foi submetida e desempenhar a função punitiva-pedagógica. Decerto, a quantia da indenização deve ser estabelecida de acordo com a extensão do dano e também com a possibilidade do réu, de modo que o ressarcimento não se torne fonte de enriquecimento sem causa e que faça o causador sentir de maneira razoável a sanção, máxime considerando que a pretensa reparação imaterial será suportada pelo erário. Desse modo, na ausência de critérios objetivos, ensinam a doutrina e a jurisprudência que o julgador deve se atentar às peculiaridades e circunstâncias do fato, intensidade do sofrimento da vítima, situação econômica do ofensor e eventuais benefícios que este obteve com o ilícito, intensidade do dolo ou grau de culpa, de modo que não haja enriquecimento do ofendido, mas que a indenização represente um desestímulo à repetição do comportamento que causou o dano. Neste ponto, para a fixação do devido, registre-se que referido montante quantum recairá apenas sobre a conduta dos entes públicos e respectiva omissão no dever de fiscalização, sem prejuízo de eventual indenização e respectivo pensionamento a ser buscado pelos autores junto à Justiça , conforme declínio de competência determinado em sede preliminar desta sentença do Trabalho Com isso, na espécie, levando em consideração os fatos de responsabilidade civil estatal, em especial pela morte do esposo e genitor dos autores, não desconsiderando tratar-se de ação cujo resultado será suportado pelo erário, sem prejuízo do exercício do 'direito-dever' de regresso em face de eventuais agentes faltosos (CF, § 6º, , art. 37), considerando, outrossim, o resultado danoso das in fine condutas e o fato de o magistrado não vincular-se à quantia veiculada no pedido inicial, o que não importa/configura julgamento ou ( ), e ainda sem extra citra petita STJ, AgInt no REsp nº 1.837.473/PR desconhecer dos valores fixados em casos semelhantes por este próprio Tribunal, fixo a indenização por dano moral no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada autor. ANTE O EXPOSTO e, analisado tudo mais que dos autos consta, com fulcro na fundamentação supra: (i) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na exordial, a fim de condenar, solidariamente, o ESTADO DE RORAIMA e o MUNICÍPIO DE BOA VISTA ao pagamento aos autores de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada requerente, acrescido de correção monetária pelo IPCA e juros de mora segundo os índices da caderneta de poupança, nos termos das teses firmadas nos Temas n° 810 do C. STF e n° 905 do C. STJ, até a data de vigência da EC nº 113/2021, quando, então, passarão a ser acrescidas tão somente da Taxa SELIC, índice que engloba correção monetária e juros de mora, todavia, com incidência desde a data de publicação desta sentença (Súm. n° 362, STJ), haja vista que não há como considerar em mora o devedor da indenização por dano moral quando impossibilitado de satisfazer a obrigação pecuniária ainda não fixada por sentença, considerando, outrossim, que o arbitramento já implica em fixação atualizada/corrigida do débito, tornando-se ilógica a incidência de juros sobre período pretérito à data-base judicial. Via de consequência, declaro EXTINTA a fase de conhecimento, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil; (ii) julgo EXTINTA a fase de conhecimento, sem resolução de mérito, em relação aos sócios/representantes legais da empresa requerida, dada a ilegitimidade passiva , nos termos do ad causam artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil; e (iii) DECLINO DA COMPETÊNCIA do feito em relação ao pedido deduzido em face da corré 'Distribuidora Brasveno Ltda', dada a incompetência absoluta em razão da matéria ( ), ratione materiae determinando a extração de cópia integral dos autos e posterior remessa a uma das Varas da Justiça do Trabalho da Capital/RR. Ante a sucumbência recíproca, arcarão as partes litigantes com as custas/despesas processuais, além de honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação/proveito econômico, a serem suportados pelos autores (50%) e pelos entes públicos réus (50%), com fulcro nos artigos 85, § 2º, e 86 do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade em face dos requerentes, eis se tratar de parte beneficiária da gratuidade processual. Isento de custas os réus (entes públicos) e dispensados do ressarcimento das despesas iniciais, eis que nada foi adiantado pelos demandantes a tal título (EP 7). Habilite-se a Serventia o causídico dos requeridos 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Alex Maycon Rodrigues de Souza', 'Francisco Edmar de Souza' e 'Francisco Edmar de Souza Junior', tal qual solicitado nos autos (EP 253), excluindo-se a DPE. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo (CPC, art. 1.010), sem nova conclusão, intime-se a parte a quo contrária para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Ato contínuo, remetam-se os autos ao E. TJRR com as homenagens de estilo. Não havendo a interposição de recurso voluntário, dispensada a remessa necessária (CPC, incisos II e III, § 3º, art. 496), nada sendo requeridos pelos litigantes, ARQUIVEM-SE os autos com as anotações e baixa de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Boa Vista/RR, 12/5/2025. MARCELO BATISTELA MOREIRA Juiz Substituto, atuando na forma da Portaria nº 269/2024 – DJe 23/8/2024
-
22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara de Fazenda Pública | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA COMARCA DE BOA VISTA 2ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA - PROJUDI Fórum Advogado Sobral Pinto, 666 - Praça do Centro Cívico - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-980 - Fone: (95) 3198 4707 - E-mail: 2fazenda@tjrr.jus.br Proc. n.° 0811738-71.2021.8.23.0010 SENTENÇA ADILAMARCIA DA SILVA SANTANA e EDSON VALDETAR DE OLIVEIRA SILVA ajuizaram ação indenizatória por dano moral c.c pensão mensal vitalícia em face da DISTRIBUIDORA BRASVENO LTDA, ALEX MAYCON RODRIGUES DE SOUZA, FRANCISCO EDMAR DE SOUZA, FRANCISCO EDMAR DE SOUZA JÚNIOR, ESTADO DE RORAIMA e MUNICÍPIO DE BOA VISTA, alegando, em síntese, que, em 15/10/2019, ocorreram explosões na 'Oxigênio Centro Norte' (nome fantasia da primeira requerida); que do incidente resultou a morte de quatro pessoas; que a morte mais trágica foi a de seu filho 'Ariel Mateus da Silva'; que o corpo de 'Ariel' se resumiu a 'fragmentos'; que a primeira requerida vinha atuando de forma irregular, sem se adequar às normas de segurança e incêndio, inclusive, não tendo alvará de funcionamento e autorização para exploração de Gás Liquefeito de Petróleo - GLP há vários anos; que a primeira requerida foi negligente no manuseio dos produtos, os quais, por sua natureza, implicavam em alto risco; que o Estado de Roraima e o Município de Boa Vista devem ser responsabilizados pela omissão no dever de fiscalização; e que o Ministério Público Estadual moveu ação civil pública em face do requeridos (Proc. nº 0802373- 27.2020.8.23.0010). Pleitearam, assim, a concessão de pensão vitalícia, além de danos morais no montante de 1.000 salários mínimos. Deram à causa o valor de R$ 800.000,00. Juntaram documentos (EP's 1.2 a 1.13 e 6.2 a 6.33). Foi deferida a gratuidade processual aos autores (EP 7). Citados (EP's 17 e 18), os entes públicos réus apresentaram contestação. O Município de Roraima arguiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva. No mérito, alegou a ausência de responsabilidade pelo ente municipal; a correção do indenizatório quantum fixado pela parte autora; e a ausência de provas acerca da possível responsabilidade pelo Município, postulando, assim, pela improcedência do pleito autoral (EP 20). O Estado de Roraima, por sua vez, alegou, preliminarmente, a incompetência absoluta por ser acidente decorrente de trabalho. No mérito, defendeu que a responsabilidade pelo evento danoso deve recair exclusivamente sobre a empresa 'Brasveno'; e que, ainda que diante de suposta responsabilidade por omissão, não houve falha na fiscalização, uma vez que irregularidades foram apontadas à empresa, a qual não regularizou sua situação (EP 34). O réu Francisco Edmar de Souza, embora citado (EP 29), não apresentou contestação. Houve tentativa frustrada de citação dos réus Distribuidora Brasveno, Alex Maycon Rodrigues de Souza e Francisco Edmar de Souza Júnior (EPs 27, 30 e 42). O pedido de reunião do presente feito com os autos dos Procs. nºs 0802373-27.2020.8.23.0010 e 0825194-25.2020.8.23.0010 foi indeferido pelo Juízo (EP 43). Foi determinada a citação, via edital, dos réus 'Alex Maycon Rodrigues de Souza' (EP 71), 'Distribuidora Brasveno Ltda' e 'Francisco de Souza Júnior' (EP 85). Decorrido o prazo editalício (EP 73), os réus 'Alex Mayco Rodrigues de Souza', 'Distribuidora Brasveno Ltda' e 'Francisco de Souza Júnior' quedaram-se inertes (EP's 85 e 93), sendo decretada a revelia com apensamento deste feito aos autos dos Procs. nºs 0806905-44.2020.8.23.0010, 0825194-25.2020.8.23.0010, 0818998-05.2021.8.23.0010, 0802373-27.2020.8.23.0010 e 0825784-02.2020.8.23.0010 (EP 95). Designada a DPE para assunção da curadoria especial dos requeridos citados por edital, foi apresentada contestação por negativa geral (EP 105). O Ministério Público Estadual postulou pela não intervenção no feito (EP 108). Instados à manifestação acerca da produção de outras provas (EP 111), os réus 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Francisco de Souza Júnior', Município de Boa Vista e Estado de Roraima consignaram desinteresse (EP's 124, 129 e 131). Lado outro, os autores requereram a produção de prova documental, realizando a respectiva juntada, testemunhal e depoimento pessoal dos requeridos (EP 130). Designada e realizada audiência de instrução (EP 233), foi ouvida a testemunha , além dos informantes e Denis de Brito Tupinambá Jorge Miguel da Costa Nicolas Júlio da Costa Buckley . As partes apresentaram alegações finais por memoriais (EP's 238, 247, 250, 251). Por fim, houve a habilitação de causídico pelos réus 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Alex Maycon Rodrigues de Souza', 'Francisco Edmar de Souza' e 'Francisco Edmar de Souza Junior' (EP 253). É o relatório. Fundamento e DECIDO. Primeiramente, desnecessária maior dilação probatória, sendo certo que, na análise do julgamento da lide, vigora a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de outras provas, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio do pleno contraditório. No caso em tela, a lide comporta pronto julgamento, pois a questão é eminentemente de direito e os documentos e oitivas coligidos aos autos são amplamente suficientes ao deslinde da questão controvertida. Pois bem, em se tratando de matéria de ordem pública, que pode ser conhecimento pelo juízo a qualquer momento, entendo que a , ex officio preliminar de incompetência absoluta do juízo suscitada pelo Estado de Roraima, merece parcial acolhimento. Explico. Com efeito, aduz o ente público requerido que em ação de indenização por danos morais ajuizada por familiares de trabalhador que faleceu enquanto executava serviços para o requerido tomador, a matéria encontra enquadramento no art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal, inserindo-se, portanto, na competência desta Justiça Especializada. Sobre o tema, a Emenda Constitucional nº 45/2004 atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para as ações de reparação civil decorrentes da relação de trabalho (art. 114, VI, da CF/88), ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido, posição sedimentada na jurisprudência do STF, por meio de sua Súmula Vinculante nº 22: 'A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004.' No mesmo sentido, a Súmula 392 do C. TST: 'DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (redação alterada em sessão do Tribunal Pleno realizada em r 27.10.2015) - Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015. Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da Republica, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.' Ademais, nessa direção, o entendimento deste E. TJRR: 'APELAÇÃO CÍVEL – ACIDENTE DE TRABALHO – EVENTO MORTE – DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS POSTULADOS PELA COMPANHEIRA DO DE CUJUS – TÍPICA RELAÇÃO DE TRABALHO – COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ART. 114, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SÚMULA N.º 392 DO TST – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – SENTENÇA NULA - ENVIO DOS AUTOS À JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos da súmula 392 do TST, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho, ainda que ajuizadas por dependentes, familiares ou sucessores do trabalhador.' (TJRR – AC 0809368-95.2016.8.23.0010, Rel. Des. TÂNIA VASCONCELOS, Segunda Turma Cível, julg.: 20/02/2020, public.: 28/02/2020) In casu, a própria exordial veicula que a vítima fatal do acidente de trabalho era funcionário da empresa 'Distribuidora Brasveno LTDA', primeira requerida, tendo falecido no ambiente de trabalho e em razão dele (EP's 1.7 e 1.8). Em assim sendo, uma vez que a relação de trabalho é a matriz das controvérsias que se instauram entre trabalhadores e empregadores, de rigor o seu processamento e julgamento perante a Justiça especializada, onde se verificará/julgará a responsabilidade e a obrigação da empresa contratante quanto à adoção de medidas de segurança para fins de proporcionar ao prestador de serviços/trabalhador forma segura para o desenvolvimento de seu ofício. Dessa forma, diante do acúmulo de pedidos em face de partes diversas, no que tange os pleitos de pagamento de danos morais e pensionamento referente à primeira requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda', considerando que a causa de pedir é oriunda/originária de acidente de trabalho, torna-se imperioso o reconhecimento da incompetência absoluta deste Juízo estadual para análise e julgamento do pleito, remanescendo a esta Vara Fazendária apenas a análise e julgamento da responsabilidade civil dos entes públicos por suposta falha em seu dever fiscalizatório e eventual obrigação indenizatória por danos morais. Desse modo, diante do óbice a esta Vara da Fazenda Pública para processamento e julgamento do feito em relação à requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda' e respectivos sócios, DECLINO DA COMPETÊNCIA do feito para o MM. Juízo da Vara do Trabalho em Boa Vista/RR, . determinando-se, desde já, a remessa dos autos ao Juízo laboral especializado De rigor, ainda, o reconhecimento da da sociedade ilegitimidade passiva dos sócios empresária, uma vez que o pleito indenizatório não alcança, de forma automática e direta, as pessoas físicas dos sócios da requerida, máxime considerando que a pessoa jurídica detém personalidade própria que não se confunde com a figura dos sócios, eis se tratar de pessoa jurídica com responsabilidade limitada e ainda, a petição inicial é desprovida de imputação específica de conduta praticada pessoalmente pelos empresários e representantes legais da Distribuidora corré. Cite-se, ainda, que eventual desconsideração da personalidade jurídica, a fim de se responsabilizar os sócios na demanda, somente seria cabível acaso presentes a comprovação de que houve um dano concreto e individualizado em decorrência de um ato ilícito da empresa a demonstração de que e a empresa não possui bens suficientes para arcar com sua responsabilidade. Da análise probatória dos autos, não ficou comprovado que a sociedade empresária careça de capacidade financeira para arcar com os danos causados a terceiros, restando ausente fundamento legal para desconsideração da personalidade jurídica da empresa, visando a responsabilização dos sócios pelos referidos danos. Quanto à alegada , a tese não prospera. ilegitimidade passiva dos entes públicos Com efeito, presente a pertinência subjetiva ad causam dos entes federados, máxime considerando que, da análise da peça inaugural é possível se extrair que o pleito autoral recai sobre a esfera jurídica do Estado e do Município réu (Teoria da asserção), posto que indagada a responsabilidade civil dos entes públicos por omissão/falha no dever fiscalizatório das atividades do estabelecimento comercial em que ocorrido o fatídico evento. Ultrapassadas essas questões, adentrando ao mérito, tem-se que os pedidos iniciais são PROCEDENTES, . ao menos em parte Denota-se que o deslinde da causa circunscreve-se à análise da responsabilidade civil do Estado de Roraima e do Município de Boa Vista por concorrência nos danos causados pelo evento trágico ocorrido no interior da empresa privada, dada a suposta falha no 'dever-poder' de Polícia, de modo a agir na fiscalização do funcionamento de determinados estabelecimentos empresariais que, por sua natureza, oferecem riscos à população. Pois bem, o art. 37, § 6º, da Constituição Federal estabelece a responsabilidade objetiva da Administração Pública pelos danos causados a terceiros. Cuida-se, pois, do que a doutrina chama de Teoria do risco administrativo, assim entendida como aquela em que a responsabilização civil do Estado decorre apenas da tríade: dano, nexo e resultado, sem qualquer necessidade de comprovação da culpa ou falha do serviço. Logo, para a configuração de tal Teoria, exige-se apenas a relação de causalidade entre a atividade administrativa desempenhada pelo Estado e o dano causado a terceiros. Veja que a Teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa, permite que a responsabilidade seja afastada nos casos de exclusão do nexo causal, na hipótese de comprovação de (i) fato exclusivo da vítima, (ii) fato de terceiro ou (iii) caso fortuito e força maior. Cabe sopesar, contudo, que, tratando-se de suposto ato omissivo (dever de fiscalização), a responsabilidade do Estado é subjetiva, ou seja, depende de comprovação da existência de culpa, caracterizada pela negligência, pela imperícia ou pela omissão na prestação do serviço. A hipótese sub examine, de fato, não pode ser analisada e julgada sob a temática da responsabilidade objetiva (CF, § 6º, art. 37), dado que não se trata aqui, nas palavras do ilustre administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, da apreciação de um danoso, mas sim de um facere de repercussão danosa. non facere Isso caracteriza a hipótese clássica da dos franceses, aqui faute du service denominada na doutrina como culpa anônima, ou meramente por tradução, falta de serviço, que constitui a responsabilidade do Estado por comportamento ilícito, sob o perfil do descumprimento de um dever de agir, no qual a omissão é dolosa ou gerada por singela incúria, na modalidade de imprudência, negligência ou imperícia. No caso em questão, considerando as peculiaridades a ele inerentes, para a fixação da responsabilidade civil, importante se faz a distinção entre omissão estatal genérica e específica. Neste ponto, traz-se à baila as lições de Sérgio Cavalieri Filho: '(....) É preciso, ainda, distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissão específica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro, em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, “não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois há dever individualizado de agir (A responsabilidade objetiva no Direito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação que tinha o dever de agir para impedi-lo. (...) Os nossos Tribunais têm reconhecido a omissão específica do Estado quando a inércia administrativa é a causa direta e imediata do não-impedimento do evento, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno de colégio público durante o período de aula. ' (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade (...) Civil, 9ª Ed., p.240) Ainda no campo doutrinário, Daniel Ferreira acrescenta que: '(...) para a omissão estatal ensejar o dever de ressarcir o dano (causado por terceiros ou por fato da natureza) será preciso constatar, simultaneamente e em concreto, o seguinte: (i) a evitação do resultado como juridicamente exigida do Poder Público; (ii) a antijuridicidade da inação; (iii) a concreta não evitação (do resultado de dano) como conditio sine qua non (como imputação objetiva do resultado, em suma); e (iv) seja o dano indenizável. Nesse contexto, a situação em muito se assemelha à da conduta estatal (comissiva) direta e materialmente causadora de dano, porque do mesmo modo a análise da culpa (lato ou stricto sensu) não entra em discussão, salvo para fins de propositura de ação de regresso.'(FERREIRA, Daniel. Responsabilidade civil do Estado por omissão: contornos gerais e controvérsias. In: BENACCHIO, M.; GUERRA, A. D. M.; PIRES, L. M. F. (Coord.). Obra citada, p. 67-68). O caso dos autos revela a aplicação necessária do reconhecimento da omissão específica da Administração Pública fiscalizatória (poder de polícia) justamente porque, dada a natureza da atividade exercida pela primeira requerida, da inércia e negligência estatal, se originou a lesão a direito alheio, o qual, acaso atuado, teria possibilitado a paralisação das atividades empresariais da requerida para adequação às normas de segurança, impedindo as explosões que causaram as mortes e danos dela decorrentes. Portanto, em se tratando de condutas omissivas específicas do poder público, aliado a natureza especial da omissão, em observância aos princípios do Estado Democrático de Direito, da solidariedade social, da isonomia e da justiça distributiva, adota-se a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo. Assevere-se não se imputar aos entes públicos réus a figura do garantidor universal, mas tão somente responsabilizar determinadas atividades empresariais, que por sua natureza oferecem riscos à coletividade, exigindo-se, assim, do Poder Público uma atuação mais severa/incisiva e cautelosa, a fim de evitar danos à sociedade. In casu, os documentos que acompanham a inicial evidenciam a falha dos demandados no dever de fiscalização e do exercício do Poder de Polícia em autuar/interditar o estabelecimento, uma vez que encontrava-se com diversas irregularidades, como alvarás e autorizações vencidas. Do mesmo modo, a sentença proferida em sede de ação civil pública (Proc. nº 0802373-27.2020.8.23.0010), mantida em grau recursal (TJRR), reconheceu a responsabilidade dos entes públicos ante a omissão na fiscalização da atividade de risco desempenhada pela corré 'Distribuidora Brasveno Ltda', consignando que: '(...) O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). Em razão do que posto, levando-se em conta os fatos aqui descritos, conclui-se pela ocorrência da explosão, danos a terceiros, e nexo causal entre eles, pelo que basta para a responsabilização da empresa ré, em razão de sua responsabilidade objetiva, de acordo com o art. 927, § único do Código Civil. Quanto à responsabilidade da pessoa política – MUNICÍPIO, registra-se que a empresa ré fornecia carga de oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Público e Meio Ambiente – SPMA, cuja contratação fora formalizada pela secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666/93, tudo conforme contrato administrativo de nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019. (EP. n º 56.2) De acordo com o contrato administrativo, em sua cláusula 3.6, consta que o produto por ela ventilado somente seria entregue após a devida inspeção para averiguar as condições dos materiais conforme especificações técnicas, e conferidas a quantidade. Ainda, consta na cláusula sexta do referido contrato, caber à contratada “sujeitar-se a mais ampla e irrestrita fiscalização por parte da Contratante, prestando todos os esclarecimentos necessários, atendendo as reclamações formuladas e cumprindo todas as orientações do mesmo (sic), visando o fiel desempenho do serviço;” (II, alínea d’); “efetuar imediata correção das deficiências apontadas pela Contratante com relação à aquisição dos materiais e serviços contratados;” (II, alínea f’). Mais: de acordo a cláusula oitava – sanções e penalidades, o descumprimento pela contratada de quaisquer das cláusulas e/ou condições estabelecidas no contrato ensejaria a rescisão contratual, bem como aplicação de sanções constantes nos artigos 79 e 80 da Lei nº 8.666/93, ou aplicação constantes nos artigos 86 e 87, do mesmo diploma legal; na cláusula nona – fiscalização e das alterações, consta que a fiscalização será exercida por servidores Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente. Nesta esteira, observa-se de imediato a responsabilização do ente público e político em fiscalizar a empresa contratada, BRASVENO, em todas as etapas relacionadas à atividade desta – distribuidora de gás, devendo a empresa cumprir todas as diretrizes traçadas por aquele, sob pena de rescisão contratual. O Município, por sua vez, rebate a tese do titular da ação, argumentando que a empresa contratada não possuía alvará de funcionamento e negou a fornecer a devida licença ambiental a ela, motivos pelos quais não seria culpada pelo evento danoso. No entanto, além de não comprovar suas alegações, de forma plena e cabal, destaque-se que o Código de Posturas municipais (Lei Municipal nº 018/74, “que define as normas disciplinares da vida social urbana” dispõe, sem seu artigo 463: “sempre que se verificar infração a qualquer dispositivo deste Código, por pessoas naturais ou jurídicas, serão aplicadas as seguintes penalidades, sem prejuízo das sanções cíveis ou penais cabíveis:” (...) IX – interdição parcial ou total do estabelecimento ou atividade desenvolvida” Ainda de acordo com o § 3º do mesmo artigo: “A interdição será efetuada em caráter de urgência, quando tratar de reincidência ou se a infração for grave ao ponto de causar danos aos interesses da segurança pública, caso em que será dispensada a notificação preliminar de que trata o artigo 446”. De acordo com o representante do Ministério Público, verbis: “(...) Ao contrário da “atuação fiscalizatória rigorosa” alegada na contestação, a condescendência do Município de Boa Vista em relação à BRASVENO se revela quando, em 27 de agosto de 2019, assina o Contrato Administrativo nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019, tendo como objeto “o Fornecimento de Carga de Oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA.” (cópia em anexo) Como pode o Município contratar com a demandada BRASVENO, menos de dois meses antes do fato, mesmo sem que ela tivesse autorização de funcionamento? Ainda mais grave, contratou o fornecimento do mesmo tipo de material que causou o sinistro. (...)” (réplica no EP. nº 56). Por toda a fundamentação explanada, não se tem como não atribuir ao Município de Boa Vista/RR responsabilização pelo fatídico evento em questão, pois não somente deixou de atuar, como também aquiesceu do comportamento irregular da BRASVENO ao contratá-la. No que toca à responsabilidade do ESTADO de Roraima/RR, esta se dá em razão da responsabilidade de proteção das pessoas em caso de incêndio e emergência, de acordo com o que disposto na Lei Complementar nº 082, de 23 de novembro de 2004, Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima, que em seu artigo 4º dispõe: “Os objetivos deste Código são: I – proteger a vida dos ocupantes das edificações e áreas de risco, em caso de incêndio”. Dispõe ainda o Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima: “Art. 33. Para garantir o cumprimento das condições de segurança contra incêndio e pânico, bem como, do presente Código, o Corpo de Bombeiros Militar de Roraima fiscalizará, através de seus agentes credenciados, todo e qualquer empreendimento ou atividade no âmbito d o Estado de Roraima , orientando e aplicando as sanções previstas em Lei específica, quando necessário.” Art. 35. Para o cumprimento das disposições constantes nas Normas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, a Instituição deverá fiscalizar todo e qualquer imóvel e estabelecimento existente n o Estado de Roraima e, quando necessário, expedir notificação, aplicar multa, interditar edificações ou áreas e risco, apreender materiais e equipamentos ou embargar obras, na forma prevista em lei específica.” Dessa forma, cai por terra toda a gama de teses da defesa do Estado, pela sua não responsabilização, vez que detinha a obrigação, assim como o Município, como visto, de fiscalizar todo e qualquer empreendimento ou atividade no âmbito do Estado de Roraima, orientando e aplicando as sanções previstas em Lei específica, quando necessário, expedindo notificações, aplicando multa, interditar edificações ou áreas de risco, etc. O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). Como bem pontuou o autor da ação: “Pergunta-se, como afastar a responsabilidade do Estado, que tinha a obrigação legal de fiscalizar, tinha conhecimento da atuação irregular da empresa por três anos e, apesar de dispor diversos instrumentos legais, não aplicou sanção adequada prevista em Lei, inclusive a interdição? Como justificar tal passividade? Nesse contexto, fica demonstrada a conduta omissiva e negligente do Estado de Roraima, de modo que sua responsabilidade não pode ser afastada.” Concluindo, ao analisar as normas, fica divisado o âmbito da responsabilidade da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho, ou seja fazer fiscalização “do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho.” Resta claro, ainda, que a responsabilização de um (Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho) não limita ou extingue a responsabilidade do outro (Corpo de Bombeiros), do contrário, são coexistentes (...).” Outrossim, segundo informações extraídas dos depoimentos das testemunhas ouvidas em Juízo: Denis de Brito Tupinambá (testemunha) (...) que trabalha na feira do produtor junto com o pai da vítima; que ouviu as explosões; que estava na feira quando aconteceu as explosões; que foi para a avenida para ver o que tinha acontecido; que tinha muita fumaça e muita gritaria; que o acidente aconteceu em 2019 na empresa brasveno; que quando a polícia chegou só permitiu as famílias das vítimas se aproximarem; que o funeral demorou para acontecer pois precisavam reconhecer todos os pedaços dos corpos; que o pai da vítima só voltou a trabalhar depois de 6 meses do acidente; que voltou ao trabalho muito debilitado; que não conhecia a vítima Ariel (...) Jorge Miguel da Costa (informante) (...) que estava no trabalho quando o acidente aconteceu; que ouviu o barulho; que não deu para se aproximar do local; que viu pedaços de corpos humanos sendo arremessados; que o acidente ocorreu na empresa; que viu muitos parentes das vítimas chegarem ao local; que tinha muito choro; que não dava para identificar as pessoas porque eram vários pedaços espalhados; que a família da vítima Ariel ficou muito deprimida porque não deu para fazer o velório; que o corpo da vítima foi despedaçado; que não foi encontrado todas as partes do corpo da vítima e por isso não teve velório; que a vítima era trabalhador e bom filho; que tinha muitos funcionários na empresa que ocorreu o acidente (...) Nicolas Júlio da Costa Buckley (informante) (...) que era amigo da vítima Ariel; que conhecia o Ariel desde o ensino fundamental; que conhecia a família da vítima; que soube da noticia através de outro amigo; que foi na casa da vítima as 22h para saber da veracidade dos fatos; que lembra quando Ariel começou a trabalhar na brasveno; que soube através da irma da vítima que o Ariel na hora da explosão estava muito próximo do recipiente que explodiu; que ele sofreu mais danos que as outras vítimas; que os pais da vítima ficaram muito abalados; que ele era uma pessoa boa e trabalhador; que ele estava fazendo faculdade (...) Os elementos probatórios contidos nos autos demonstram que a empresa que comercializava gases e outros gêneros de natureza especial estava em plena atividade quando sequer poderia estar em funcionamento, uma vez que estava com licenças e autorizações vencidas há muito tempo, sendo de conhecimento da Administração Pública, tanto estadual como municipal. Deveras, a Constituição Federal, em seu art. 30, inciso V, confere aos municípios competência para organizar os serviços públicos de interesse local. Outrossim, o art. 78 do CTN dispõe que: 'Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.' Já o art. 8º da Lei Orgânica Municipal (LOM) e art. 388 e 442, ambos do Código de Postura Municipal disciplinam que: 'Art. 8º - Compete ao Município: (...) XXVII – conceder licença para: a) localização, instalação e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços; (...) XXXV - preservar os interesses difusos e coletivos;' (*) 'Art. 388 - Os depósitos de inflamáveis e explosivos serão construídos em locais determinados pela Lei de Urbanismo e Zoneamento e com licença especial da Prefeitura. Art. 442 - Compete ao Município, pelas suas unidades especializadas, a fiscalização do cumprimento deste Código e das demais normas relativas à higiene e saúde públicas, costumes, sossego e bem-estar social, obras e urbanismo, preservação ambiental, funcionamento e segurança dos estabelecimentos empreendedores e das demais posturas municipais. § 1º A fiscalização de que trata este artigo será exercida sobre as pessoas naturais e jurídicas, a fim de assegurar e resguardar o bem-estar da coletividade.' Nesse contexto, inafastável concluir que o Município de Boa Vista tinha o dever-poder de fiscalizar o estabelecimento comercial da sociedade empresária requerida e exigir a sua adequação às normas municipais, o que, todavia, não o fez. Noutro tocante, o Estado de Roraima, de igual forma/modo, por intermédio de seu Corpo de Bombeiros, também possuía tal obrigação, isso porque a Lei Complementar Estadual nº 82/04, que estabelece o Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima, expressamente confere à Corporação estadual supra o dever-poder para interditar estabelecimentos: 'Art. 35 - Para o cumprimento das disposições constantes nas Normas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima, a Instituição deverá fiscalizar todo e qualquer imóvel e estabelecimento existente no Estado de Roraima e, quando necessário, expedir notificação, aplicar multa, interditar edificações ou áreas de risco, apreender materiais e equipamentos ou embargar obras, na forma prevista em lei especifica.' Art. 38 - Ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Roraima, por intermédio da Diretoria de Prevenção e Serviços Técnicos, compete estudar, elaborar normas técnicas, analisar, planejar, fiscalizar, notificar, multar, interditar, embargar e fazer cumprir as atividades atinentes à segurança contra incêndio e pânico, bem como, realizar vistorias e emitir pareceres e laudos técnicos, com vistas ao cumprimento do estabelecido neste Código.' Ademais, a Lei Complementar Estadual nº 83/04 previa medidas/penalidades em caso de descumprimento das regras previstas na LC 82/04 e Notas Técnicas do Corpo de Bombeiros Militar de Roraima (CBMRR): 'Art. 4º A prática de qualquer ato enquadrado nos termos do artigo anterior sujeita os infratores às seguintes penalidades administrativas, sem prejuízo das de natureza civil e penal: I – multa; II – apreensão de equipamentos e produtos relacionados à proteção contra incêndio e pânico; III – embargo; e IV – . interdição Parágrafo único. As sanções previstas nesta Lei poderão ser aplicadas cumulativamente.' (g.n) No mesmo sentido, inobservada a Nota Técnica CBMRR nº 44/2021 que estabelece critérios e procedimentos para vistoria técnica e ações de fiscalização dos requisitos exigíveis para segurança das edificações, de competência do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Roraima (CBMRR), em específico à proteção da vida e dos bens públicos e privados, atendendo ao previsto na Lei Complementar n° 082/2004 - Código Estadual de Proteção Contra Incêndio e Emergência de Roraima (CEPCIE). Destaca-se que o simples fato de a legislação municipal prever idêntico poder de interdição ao Município não invalida ou se sobrepõe à previsão da legislação estadual, mas ao contrário, são complementares, até mesmo porque não há óbice algum a que duas das esferas da Administração Pública atuem conjuntamente na fiscalização de determinada questão, em especial ligada às atividades de risco exercidas por particulares. Dessa forma, tem-se que o corréu Estado de Roraima também falhou no seu dever de fiscalizar e eventualmente interditar a requerida 'Distribuidora Brasveno Ltda' e, portanto, tal falha enseja responsabilidade civil de ambos os entes públicos demandados. Consoante veiculado na sentença proferida em sede da ação civil pública - Proc. nº 0802373-27.2020.8.23.0010: '(...) O Corpo de Bombeiros Militar do Estado esteve no local antes do acidente e, após fiscalização, verificou diversas irregularidades nas instalações da empresa, isso no ano de 2016, sendo certo aquele ocorreu em Outubro do ano de 2019 (!), ou seja por 03 (três) anos consecutivos atuou irregularmente em relação às normas de incêndio e segurança com conhecimento do Estado (!). (...) Quanto à responsabilidade da pessoa política – MUNICÍPIO, registra-se que a empresa ré fornecia carga de oxigênio e Acetileno para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Serviços Público e Meio Ambiente – SPMA, cuja contratação fora formalizada pela secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente – SPMA, nos termos do art. 62 da Lei nº 8.666/93, tudo conforme contrato administrativo de nº 515/2019/SPMA – NUP nº 145489/2019. (EP. n º 56.2) De acordo com o contrato administrativo, em sua cláusula 3.6, consta que o produto por ela ventilado somente seria entregue após a devida inspeção para averiguar as condições dos materiais conforme especificações técnicas, e conferidas a quantidade. Ainda, consta na cláusula sexta do referido contrato, caber à contratada “sujeitar-se a mais ampla e irrestrita fiscalização por parte da Contratante, prestando todos os esclarecimentos necessários, atendendo as reclamações formuladas e cumprindo todas as orientações do mesmo (sic), visando o fiel desempenho do serviço;” (II, alínea d’); “efetuar imediata correção das deficiências apontadas pela Contratante com relação à aquisição dos materiais e serviços contratados;” (II, alínea f’).' Veja, ainda, que que o Ofício nº 145/2019 emitido pelo Ministério Público do Estado (EP 6.2) atestou que: 'Conforme a Diretoria de Prevenção e Serviços Técnicos, a empresa DISTRIBUIDORA BRASVENO LTDA - ME, está em situação irregular junto ao CBMRR, tendo em vista que o ultimo licenciamento da empresa foi o AVCB nº 0219/CIPI/2015, emitido em 6 de abril de 2015 com validade até 06 de abril de 2016' Veja, portanto, que a sociedade empresária ré não possuía o AVCB (auto de vistoria do corpo de bombeiros) e o seu Alvará de funcionamento estava vencido, configurando a negligência fiscalizatória estadual e municipal. Diante dessa situação irregular, incumbia ao Município de Boa Vista e ao Estado de Roraima, ora réus, terem exercido o seu poder de polícia e fiscalizado o estabelecimento em testilha, exigindo a sua adequação ou interditando o local, consoante disposições legais supra transcritas. Em sendo assim, a omissão do Poder Público no seu poder/dever de fiscalização foi, sem dúvida, elemento crucial concorrente para o acidente que culminou na morte trágica da vítima, esposa e genitor dos autores, configurando-se, assim, a responsabilidade civil estatal. Ademais, o Estado e Município réus não se desincumbiram do ônus que lhes imputa a norma processual civil (CPC, inciso II, art. 373), deixando de demonstrarem os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito autoral, especialmente a atuação fiscalizatória eficiente. Conclui-se, assim, que o dano moral reflexo, ou por ricochete, causado aos autores restou configurado. Ora, o dano moral é aquele que corresponde à dor não física, íntima, que abala a pessoa emocionalmente em casos graves. Os meros dissabores e contratempos da vida cotidiana, ainda que tragam certo sofrimento não é hábil a acarretar a existência de dano moral. Cumpre destacar que o dever de reparar configura-se apenas quando ocorrer significativo desvio da legalidade, em ordem a afrontar atributos da personalidade ou impor sofrimento psíquico apreciável, não se admitindo indenizável todo e qualquer percalço da vida cotidiana da pessoa, em suas relações com outras pessoas. Na espécie, trata-se da morte do cônjuge da autora e genitor dos outros requerentes que, durante sua atividade laboral, veio a óbito em decorrência de irregularidades e incautela da empresa em concorrência com a omissão fiscalizatória estadual e municipal, cuja dor, abalo, sentimento eterno de saudade e solidão prescindem de maior comprovação. Pois bem, em relação ao montante, o valor fixado a título de danos morais não pode ser excessivo a ponto de ensejar enriquecimento ou empobrecimento indevido dos litigantes, porém deve ser significativo para compensar a parte pelo que foi submetida e desempenhar a função punitiva-pedagógica. Decerto, a quantia da indenização deve ser estabelecida de acordo com a extensão do dano e também com a possibilidade do réu, de modo que o ressarcimento não se torne fonte de enriquecimento sem causa e que faça o causador sentir de maneira razoável a sanção, máxime considerando que a pretensa reparação imaterial será suportada pelo erário. Desse modo, na ausência de critérios objetivos, ensinam a doutrina e a jurisprudência que o julgador deve se atentar às peculiaridades e circunstâncias do fato, intensidade do sofrimento da vítima, situação econômica do ofensor e eventuais benefícios que este obteve com o ilícito, intensidade do dolo ou grau de culpa, de modo que não haja enriquecimento do ofendido, mas que a indenização represente um desestímulo à repetição do comportamento que causou o dano. Neste ponto, para a fixação do devido, registre-se que referido montante quantum recairá apenas sobre a conduta dos entes públicos e respectiva omissão no dever de fiscalização, sem prejuízo de eventual indenização e respectivo pensionamento a ser buscado pelos autores junto à Justiça , conforme declínio de competência determinado em sede preliminar desta sentença do Trabalho Com isso, na espécie, levando em consideração os fatos de responsabilidade civil estatal, em especial pela morte do esposo e genitor dos autores, não desconsiderando tratar-se de ação cujo resultado será suportado pelo erário, sem prejuízo do exercício do 'direito-dever' de regresso em face de eventuais agentes faltosos (CF, § 6º, , art. 37), considerando, outrossim, o resultado danoso das in fine condutas e o fato de o magistrado não vincular-se à quantia veiculada no pedido inicial, o que não importa/configura julgamento ou ( ), e ainda sem extra citra petita STJ, AgInt no REsp nº 1.837.473/PR desconhecer dos valores fixados em casos semelhantes por este próprio Tribunal, fixo a indenização por dano moral no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada autor. ANTE O EXPOSTO e, analisado tudo mais que dos autos consta, com fulcro na fundamentação supra: (i) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na exordial, a fim de condenar, solidariamente, o ESTADO DE RORAIMA e o MUNICÍPIO DE BOA VISTA ao pagamento aos autores de indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada requerente, acrescido de correção monetária pelo IPCA e juros de mora segundo os índices da caderneta de poupança, nos termos das teses firmadas nos Temas n° 810 do C. STF e n° 905 do C. STJ, até a data de vigência da EC nº 113/2021, quando, então, passarão a ser acrescidas tão somente da Taxa SELIC, índice que engloba correção monetária e juros de mora, todavia, com incidência desde a data de publicação desta sentença (Súm. n° 362, STJ), haja vista que não há como considerar em mora o devedor da indenização por dano moral quando impossibilitado de satisfazer a obrigação pecuniária ainda não fixada por sentença, considerando, outrossim, que o arbitramento já implica em fixação atualizada/corrigida do débito, tornando-se ilógica a incidência de juros sobre período pretérito à data-base judicial. Via de consequência, declaro EXTINTA a fase de conhecimento, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil; (ii) julgo EXTINTA a fase de conhecimento, sem resolução de mérito, em relação aos sócios/representantes legais da empresa requerida, dada a ilegitimidade passiva , nos termos do ad causam artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil; e (iii) DECLINO DA COMPETÊNCIA do feito em relação ao pedido deduzido em face da corré 'Distribuidora Brasveno Ltda', dada a incompetência absoluta em razão da matéria ( ), ratione materiae determinando a extração de cópia integral dos autos e posterior remessa a uma das Varas da Justiça do Trabalho da Capital/RR. Ante a sucumbência recíproca, arcarão as partes litigantes com as custas/despesas processuais, além de honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação/proveito econômico, a serem suportados pelos autores (50%) e pelos entes públicos réus (50%), com fulcro nos artigos 85, § 2º, e 86 do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade em face dos requerentes, eis se tratar de parte beneficiária da gratuidade processual. Isento de custas os réus (entes públicos) e dispensados do ressarcimento das despesas iniciais, eis que nada foi adiantado pelos demandantes a tal título (EP 7). Habilite-se a Serventia o causídico dos requeridos 'Distribuidora Brasveno Ltda', 'Alex Maycon Rodrigues de Souza', 'Francisco Edmar de Souza' e 'Francisco Edmar de Souza Junior', tal qual solicitado nos autos (EP 253), excluindo-se a DPE. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo (CPC, art. 1.010), sem nova conclusão, intime-se a parte a quo contrária para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Ato contínuo, remetam-se os autos ao E. TJRR com as homenagens de estilo. Não havendo a interposição de recurso voluntário, dispensada a remessa necessária (CPC, incisos II e III, § 3º, art. 496), nada sendo requeridos pelos litigantes, ARQUIVEM-SE os autos com as anotações e baixa de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Boa Vista/RR, 12/5/2025. MARCELO BATISTELA MOREIRA Juiz Substituto, atuando na forma da Portaria nº 269/2024 – DJe 23/8/2024
-
22/05/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)