Myrella De Souza Valente e outros x Amil Assistência Medica Internacional e outros

Número do Processo: 0813203-42.2024.8.19.0004

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJRJ
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 4ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo
Última atualização encontrada em 29 de maio de 2025.

Intimações e Editais

  1. 29/05/2025 - Intimação
    Órgão: 4ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de São Gonçalo 4ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo Rua Doutor Getúlio Vargas, 2512, 4º Andar, Barro Vermelho, SÃO GONÇALO - RJ - CEP: 24416-000 SENTENÇA Processo: 0813203-42.2024.8.19.0004 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: MYRELLA DE SOUZA VALENTE, T. A. D. S. A. MÃE: MYRELLA DE SOUZA VALENTE RÉU: AMIL ASSISTÊNCIA MEDICA INTERNACIONAL , QUALICORP ADMINISTRADORA DE BENEFICIOS S.A. T. A. D. S. A., menor impúbere, representado por sua genitora MYRELLA DE SOUZA VALENTE, ajuizou ação em face de AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A e QUALICORP ADMINISTRADORA DE BENEFICIOS S.A, emque sustenta ser beneficiário de plano de saúde da ré, cujas mensalidades sempre foram adimplidas pontualmente. Relata que, ao buscar a emissão do boleto, a genitora foi surpreendida com a informação de que o plano havia sido cancelado unilateralmente, com previsão de interrupção dos atendimentos a partir de 31/05/2024. Informa que o autor possui 6 anos de idade, é diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não verbal, estando em acompanhamento terapêutico de necessidade contínua. Aduz que a rescisão unilateral ocorreu sem justo motivo, visto que não há inadimplência, e que sua manutenção é essencial para evitar retrocessos nos ganhos terapêuticos já alcançado. Requer, em sede de tutela de urgência, o restabelecimento do plano de saúde e a continuidade dos atendimentos terapêuticos. A título de provimento final, requer indenizaçãopor danos morais. Tutela de urgência concedida no id. 121519587. Petição da primeira é requerendo a revogação da liminar em id. 122795122.Argui ilegitimidade passiva, pois rescindiu seu contrato com a administradora Qualicorp Administradora De Benefícios Ltda, a qual gerencia o contrato coletivo em que a autora faz parte, tem a responsabilidade pela administração e foi quem encaminhoucarta à autora, cientificando-a do cancelamento do contrato. Contestação da primeira ré, em id. 125923431, em que impugnaa gratuidade de justiça concedida ao autor. Sustenta preliminarmente ilegitimidade passiva, uma vez que a administradora do plano de saúde é a empresa Qualicorp Administradora de Benefícios Ltda. Afirma não houve qualquer conduta indevida, eis que a rescisão contratual ocorreu diretamente entre esta Operadora e a Administradora Qualicorp, cabendo a esta a responsabilidade de realizar e ofertar a portabilidade/migração para outra operadora de plano de saúde. Ressalta não há qualquer ilegalidade em cancelar os contratos de planos coletivos sem um motivo específico — desde que esse cancelamento esteja previsto em contrato – que é o caso dos autos. Destaca que foi realizada a notificação prévia dentro de 60 dias. Refuta a ocorrência de danos morais e pugna pela improcedência total dos pedidos. Petição da parte autora informando o descumprimento da tutela no id. 128327116. Decisão concedendo nova tutela para determinar que os réus mantenham o plano de saúde do autor nos moldes contratadosno id. 128638811 Contestação do segundo réu no id. 131948358, em que afirmailegitimidade passiva, por não ser operadora de plano de saúde nem prestar serviços médicos, atuando apenas como intermediadora entre os beneficiários e a operadora contratada. Sustentou que não participou da decisão de cancelamento do plano de saúde do autor, a qual teria sido promovida pela operadora contratada. Defendeu, ainda, que não praticou qualquer ato ilícito ou omissão que pudesse ensejar sua responsabilização, razão pela qual requereu a improcedência dos pedidos em relação a si. A ré interpôs agravo de instrumento contra decisão que concedeu tutela de urgência, ao qual foi negado provimento. Réplica em id. 153070992. A decisão saneadora de id. 168975359 inverteu o ônus da prova em favor do autor. A primeira ré quedou-se inerte. A segunda ré afirmou não ter mais provas a produzir. É o relatório. Decido. A lide comporta julgamento antecipado, posto que é desnecessária a realização de outras provas, na forma do art. 355, inciso I, do CPC. Rejeito a ilegitimidade passiva arguida pela ré, haja vista integra a cadeia de consumo, assim como a Qualicorp Administradora De Benefícios Ltda, respondendo as duas de forma solidária, cabendo apenas ao consumidor escolher se pretende acionar ambas ou apenas uma das empresas. Passo à análise do mérito: As partes se subsomem aos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo este o diploma legal aplicável à espécie. Neste sentido, destaque-se o verbete nº 608 da Súmula do E. Superior Tribunal de Justiça que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. A parte autora comprova que formalizou contrato de adesão, todavia o plano de saúde foi cancelado sem seu consentimento. Incontroverso que as mensalidades estão em dia. A ré alega que não é responsável pelo cancelamento do serviço de saúde, imputando essa responsabilidade à empresa Qualicorp Administradora De Benefícios Ltda. Além disso, ressalta que não há qualquer ilegalidade em cancelar os contratos de planos coletivos sem um motivo específico, desde que esse cancelamento esteja previsto em contrato, o que ocorre no caso em tela. Consta dos autos laudo médico (id 118697798) que o autor é menor de idade e possui diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista - TEA. No plano coletivo empresarial ou por adesão, que é o caso dos autos, a Resolução CONSU 19/1999 estabelece o direito do benificiário emcaso de cancelamento do benefício, à migração para plano individual com as mesmas características e sem cumprimento de carência: “Art. 1º As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência § 1º – Considera-se, na contagem de prazos de carência para essas modalidades de planos, o período de permanência do beneficiário no plano coletivo cancelado. § 2º – Incluem-se no universo de usuários de que trata o caput todo o grupo familiar vinculado ao beneficiário titular. Art. 2º Os beneficiários dos planos ou seguros coletivos cancelados deverão fazer opção pelo produto individual ou familiar da operadora no prazo máximo de trinta dias após o cancelamento. Parágrafo único – O empregador deve informar ao empregado sobre o cancelamento do benefício, em tempo hábil ao cumprimento do prazo de opção de que trata o caput. Art. 3º Aplicam-se as disposições desta Resolução somente às operadoras que mantenham também plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar. Art. 4º Aplicam-se as disposições desta Resolução aos contratos firmados durante à vigência da Lei n.º 9.656/98 que estiverem ou forem adaptados à legislação. Art. 5° Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação, revogando as disposições em contrário”. O art. 13, da RN nº 254/2011, da ANS, por sua vez, dispõe: “Art. 13. É garantido ao responsável pelo contrato e, nos planos individuais ou familiares e coletivos por adesão, também a cada beneficiário autonomamente, o direito de migrar para um plano de saúde da mesma operadora, sem que haja nova contagem de carências”. A situação em análise merece atenção especial pelo fato de se tratar de uma criança com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) não verbal. Logo, nesse caso, é imprescindível a realização de tratamento multidisciplinar para manter a sua saúde física e mental. Desse modo, tem aplicação ao caso o Tema 1082 do STJ: “A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.” Acrescenta-se que nas relações contratuais, vigora o princípio da função social e o princípio da boa-fé objetiva, segundo os quais a liberdade de contratar é mitigada, com vistas a atender à função social do contrato, bem como à dignidade humana. Com sua conduta, a demandada desatendeu aos deveres conexos do negócio celebrado com o consumidor, caracterizando-se defeito na prestação de seus serviços. A conduta da ré foi causadora de danos morais ao consumidor, que existem in reipsa, de forma que, demonstrado o fato, comprovado também os danos. O valor da indenização por danos morais deve ser apurado segundo o prudente arbítrio do magistrado, através de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, de modo a ensejar uma compensação pelo dano produzido, mas também uma punição, e deve a indenização se revestir de um caráter pedagógico e profilático, de tal monta que iniba o ofensor de repetir seu comportamento. Isso posto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO autoral e condeno a parte ré a pagar ao autor, a título de danos morais, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), acrescidos de juros de mora desde a citação e correção monetária desde a sentença. Condeno, ainda, a parte ré à manutenção da autora no mesmo plano de saúde originariamente contratado. Confirmo a decisão que deferiu a tutela de urgência. Em consequência, JULGO EXTINTO o feito, na forma do artigo 487, I, do CPC. Ciência ao Ministério Público. Considerando o princípio da causalidade, condeno as rés, solidariamente, ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor da condenação. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e remetam-se à central de arquivamento. P. R. I. SÃO GONÇALO, 28 de maio de 2025. RENATA DE LIMA MACHADO Juiz Titular