Nizia Cristina Da Silveira Araujo e outros x Unimed Nacional - Cooperativa Central e outros
Número do Processo:
0815069-78.2024.8.20.5106
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró
Última atualização encontrada em
29 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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03/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró Alameda das Carnaubeiras, 355, Presidente Costa e Silva, Mossoró - RN - CEP: 59625-410 Contato: (84) 3673-4896 - Email:mro04gabciv@tjrn.jus.br Processo nº 0815069-78.2024.8.20.5106 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Autor(a)(es): NIZIA CRISTINA DA SILVEIRA ARAUJO Advogado do(a) AUTOR: IGOR DUARTE BERNARDINO - RN6912 Ré(u)(s): UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL Advogado do(a) REU: ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA - PE16983 SENTENÇA RELATÓRIO Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais, ajuizada por NIZIA CRISTINA DA SILVEIRA ARAUJO, já qualificado(a) nos autos, em face de UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL, igualmente qualificada(o). Em prol do seu querer, alega a parte autora que é usuária do Plano UNIMED Nacional, tendo como cadastro/código de usuário, o nº 0 865 000375244802 2, onde figura como beneficiária em contrato coletivo empresarial. Afirma que anteriormente, era assistida pela rede Humana de Saúde, na modalidade privada, sendo que, desde meados de 19 de dezembro de 2023, passou a ser assistida na qualidade de dependente do seu companheiro/cônjuge, pelo plano de saúde da nova empregadora, a Unimed Nacional (aqui, demandada), sendo então realizada a sua inclusão/migração sem a necessidade de cumprimento de qualquer carência, vez que com a existência de outro fora aproveitada a já cumprida no plano anterior. Aduz que, tendo descoberto estado gestacional, a autora vem sendo acompanhada através de atendimento vinculado ao próprio plano, ocasião em que, inclusive, fora diagnosticado situação de risco na gravidez, esta decorrente do desenvolvimento da Diabetes Gestacional. Assevera que estando em seus estágios finais de gravidez, e ante as complicações e riscos do caso em concreto, o médico assistente requereu a realização do parto já na 37º semana, de forma que este já ocorreria no dia 08/07/2024. Sustenta que realizou o requerimento dos procedimentos perante a demandada, incluindo hospitalização, equipe médica, exames e quaisquer outros procedimentos necessários. No entanto, quando chegado o momento de consultar o seu requerimento, a autora se deparou com resposta da demandada no sentido de negar o parto da demandante, sob o argumento de existência de carências a cumprir. Alegando a presença dos requisitos autorizadores, requereu a tutela antecipada para determinar que o plano de saúde autorize e custeie integralmente o parto da requerente, outrora já agendado para o dia 08/07/2024, incluindo todas as despesas médicas e hospitalares necessárias, como os encargos financeiros e honorários médicos, referentes aos serviços necessários, na conformidade da requisição médica, sob pena de multa diária. No mérito, requereu a confirmação da liminar, bem como a condenação do promovido ao pagamento de indenização por danos morais. Pugnou, ainda, pelos benefícios da Justiça Gratuita. Em petição de Id. 126921823, a parte autora, informou acerca da perda do objeto quanto ao pedido liminar, dada a inadiável necessidade de realização do parto (ante as condições já mencionadas na exordial), teve de ser realizado na data de 05 de julho de 2024, através da rede pública do Sistema Único de Saúde-SUS. Requereu o prosseguimento da ação no que tange ao pedido de indenização por danos morais. Em sede de contestação, o demandado alegou que agiu conforme a resolução da ANS, uma vez que, tendo em vista que a autora realizou mudança para plano de saúde de operadora distinta, tendo saído da Golden gross para a UNIMED NACIONAL, há ainda a possibilidade de o plano de destino possuir carências não previstos no plano de origem – como é o caso dos autos. Afirma que, no caso de partos, a carência é de 300 dia, o que não foi cumprido pela autora. Aduz que não cometeu nenhum ato ilícito que enseje a condenação em danos morais. Em petição de ID 144390229, a promovente impugnou a contestação. É o relatório. Decido. FUNDAMENTAÇÃO Conheço diretamente do pedido, por força do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Em se tratando de relação de consumo, já que a autora se amolda ao conceito de consumidor constante no art. 2º do CDC e a empresa ré se enquadra na figura do fornecedor de serviços insculpido no art. 3º do mesmo diploma legal, uma vez que fornece serviços de assistência à saúde mediante remuneração; aplicável, na espécie, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) – tema, inclusive, já pacificado pelo STJ com a edição da súmula n. 608, que dispõe: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". (Súmula 608, Segunda Seção, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018). Sendo assim, a interpretação das cláusulas do contrato de seguro de assistência à saúde firmado entre as partes deve ser realizada à luz do art. 47 do CDC, in verbis: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Carência significa o período entre a contratação do plano de saúde e a possibilidade de iniciar sua utilização. Nos autos, a parte autora alega a irregularidade da negativa apresentada pela operadora de saúde ré, pois o procedimento médico-cirúrgico postulado resultou de complicação no seu processo gestacional – caracterizando-se, pois, de urgência. A parte ré, por sua vez, sustenta que a parte demandante não havia cumprido o prazo 300 (trezentos) dias de carência na data da solicitação do procedimento. O cerne da controvérsia está em reconhecer – ou não – o caráter de urgência/emergência do atendimento médico e dos procedimentos buscados, pois, embora a regra seja a obediência às determinações entabuladas no contrato celebrado entre as partes - dentre elas o prazo de carência -, a Lei n. 9.656/98 estabelece hipótese de exceção para os casos de urgência e emergência, nos termos do art. 12: Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (...) V - quando fixar períodos de carência: a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos; c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; (...) Além disso, o mesmo diploma legal também estabelece que, para os casos de urgência e emergência, a cobertura é obrigatória, não havendo que se questionar acerca de cumprimento de carência. Vejamos: Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizada em declaração do médico assistente; e II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; (...) No presente feito, plenamente caracterizada hipótese a atrair rápida intervenção médica, por envolver situação cuja perseverança poderia acarretar lesão irreparável à parte autora e ao feto (conforme relato médico no ID 124874342). Desse modo, por inequivocamente demonstrado o caráter de urgência, em razão do risco de vida à parte autora e ao nascituro, não poderia a empresa ré ter exigido o cumprimento de período de carência – sobretudo face à evidente necessidade de realização do parto de forma antecipada. Em casos análogos, assim tem decidido o TJRN: EMENTA: CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PARTO CESAREANA DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. INAPLICABILIDADE DO PERÍODO DE CARÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pela operadora de plano de saúde contra sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais, consistentes na obrigação de autorizar a demandada, ora apelante, a realizar, à suas expensas, o parto cesareana na autora, ora apelada, e condenando a operadora do plano de saúde ao pagamento de compensação por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) verificar a regularidade da negativa de cobertura para parto cesareana de urgência durante o período de carência; (ii) analisar a procedência do pedido de compensação por danos morais em razão da conduta da operadora. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 12, inciso V, da Lei nº 9.656/1998, prevê expressamente que, em casos de urgência e emergência, os planos de saúde devem garantir cobertura sem exigência de cumprimento de carência superior a 24 horas. 4. A negativa de cobertura viola o princípio da boa-fé objetiva e a função social do contrato, ambos previstos no art. 421 do Código Civil, configurando abusividade e ilícito contratual. 5. A jurisprudência consolidada pelo STJ e pelos Tribunais locais reconhece como indevida a recusa de cobertura para procedimentos de urgência, mesmo durante períodos de carência contratual, com base na Resolução Normativa nº 259/2011 da ANS e no Código de Defesa do Consumidor. 6. O dano moral decorrente da conduta da operadora está caracterizado pela falha na prestação do serviço e pelo abalo psicológico causado à beneficiária, sendo proporcional e razoável a compensação fixada pelo Juízo de origem. 7. Não há elementos que justifiquem a reforma da sentença, que está devidamente fundamentada nos aspectos fáticos e jurídicos apresentados. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A negativa de cobertura por plano de saúde para procedimento de urgência ou emergência, mesmo em período de carência contratual, é abusiva e ilícita, conforme a Lei nº 9.656/1998 e o Código de Defesa do Consumidor. 2. A negativa de cobertura em tais situações, quando causa abalo à saúde ou dignidade do consumidor, configura dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 9.656/1998, art. 12, V; CC, art. 421; CDC, arts. 6º e 14; CPC, art. 85, § 11.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 919.368/SP, Rel. Min. Marco Buzzi; TJRN, AI nº 0815746-37.2023.8.20.0000, Des. Virgílio Fernandes; TJRN, AI nº 0805469-59.2023.8.20.0000, Des. Lourdes de Azevedo. (APELAÇÃO CÍVEL, 0807002-61.2023.8.20.5300, Dr. Roberto Guedes substituindo Desª. Sandra Elali, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 24/01/2025, PUBLICADO em 27/01/2025) Por tudo isso, apenas acrescentando que os documentos juntados pela autora são mais do que suficientes para demonstrar que o procedimento se fez imprescindível à garantia de sua saúde (direito assegurado no art. 196 da Constituição Federal), é que não enxergo motivo plausível para a negativa de atendimento. Ilícito, portanto, o agir da operadora de saúde ré. A respeito desse tema, inclusive, o TJRN editou a súmula de n. 30 (aprovada pela Resolução n. 11-TJ, de 27/03/2019), que assim orienta: Súmula 30: É abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de atendimento de urgência ou emergência a pretexto de estar em curso período de carência que não seja o prazo de 24 (vinte e quatro) horas estabelecido no art. 12, V, “c”, da Lei n. 9.656/1998. Desse modo, reconhece-se a obrigação da parte ré quanto ao custeio do atendimento médico/hospitalar. O art. 14, do CDC, dispõe que: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos". O § 1º, do artigo supra, esclarece que "O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam". No caso em tela, pode-se dizer que o serviço prestado pela promovida foi defeituoso, em razão do descumprimento das normas que regulam os serviços de plano de saúde, de modo que a conduta da promovida na prestação do serviço acarretou em danos à promovente, uma vez que restou frustrada a expectativa de atendimento pelo plano de saúde, no momento em que mais precisou dos serviços contratados. O consumidor, ao contratar plano de saúde, espera deste o aparato necessário aos cuidados com sua saúde, quer seja de modo preventivo ou curativo, tendo, também, ciência das carências estabelecidas em contrato. Porém, como já amplamente discutido acima, as ocorrências de urgência e emergência são tratadas de forma diferenciada, dispensando a carência instituída em contrato e estabelecendo a de 24 horas para tais casos. Deste modo, a responsabilidade da demandada é evidente, já que contribuiu de forma direta ou indireta para a falha na prestação do serviço, tendo em vista que demonstraram durante a marcha processual, fato que impedisse, modificasse ou extinguisse o direito dos autores, nos termos da lei processual (art. 373, II do CPC). Além disso, merece destaque o descumprimento da decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, em demonstração clara de ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do art. 77, § 2º, do CPC. A promovente colacionou aos autos diversos documentos, que corroboram os fatos descritos na exordial, a saber: relatórios médicos, atestados, laudos, etc,. Demonstrada, assim, a presença dos pressupostos da obrigação de indenizar, passo à quantificação da indenização. Para se fixar o valor indenizatório ajustável à hipótese fática concreta, deve-se sempre ponderar o ideal da reparação integral e da devolução das partes ao status quo ante. Este princípio encontra amparo legal no artigo 947 do Código Civil e no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, não sendo possível a restitutio in integrum em razão da impossibilidade material desta reposição, transforma-se a obrigação de reparar em uma obrigação de compensar, haja vista que a finalidade da indenização consiste, justamente, em ressarcir a parte lesada. Em relação à quantificação da indenização, é necessário analisar alguns aspectos para se chegar a um valor justo para o caso concreto, atentando-se à extensão do dano, ao comportamento dos envolvidos, às condições econômicas e sociais das partes e à repercussão do fato, pois, à vista da inexistência de parâmetros legais, o julgador deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Outrossim, deve atentar para a natureza jurídica da indenização, que deve constituir uma pena ao causador do dano e, concomitantemente, compensação ao lesado, além de cumprir seu cunho pedagógico sem caracterizar enriquecimento ilícito. Nesse sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, 4ª ed., 1993, p. 60), nos seguintes termos: "A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva". Nesse diapasão, considerando a condição econômica e social das partes, bem como a gravidade do fato ocorrido, tenho como adequada e justa uma indenização no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este que deve ser atualizado monetariamente pelos índices do IPCA e juros de mora, de acordo com a Taxa SELIC mensal, menos os índices do IPCA, fluindo ambos os encargos a partir da data da publicação desta sentença (CC/2002, art. 406, c/c art. 161, § 1º, do CTN, e Dec. 22.6626/33). DISPOSITIVO Isto posto, e por tudo o que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido do autor, para CONDENAR a promovida ao pagamento de indenização por danos morais, no valor R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este que deve ser atualizado monetariamente pelos índices do IPCA e juros de mora, de acordo com a Taxa SELIC mensal, menos os índices do IPCA, fluindo ambos os encargos a partir da data da publicação desta sentença (CC/2002, art. 406, c/c art. 161, § 1º, do CTN, e Dec. 22.6626/33). CONDENO o promovido ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixando estes em 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação, devidamente atualizado, em consonância com o disposto no art. 85, § 2º, do CPC. Após o trânsito em julgado, e pagas as custas, arquive-se, com a baixa respectiva. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Mossoró/RN, 1 de julho de 2025. MANOEL PADRE NETO Juiz de Direito (Documento assinado digitalmente, na forma da Lei 11.419/06)