Banco Agibank S.A. x Clovis Lima Da Silva
Número do Processo:
0821890-16.2023.8.10.0029
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Segunda Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Segunda Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELAPELAÇÃO CÍVEL N.° 0821890-16.2023.8.10.0029 APELANTE: BANCO AGIBANK S.A. Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO SCOPEL - RS40004-A APELADO: CLOVIS LIMA DA SILVA Advogados do(a) APELADO: CHIRLEY FERREIRA DA SILVA - PI10862-A, LENARA ASSUNCAO RIBEIRO DA COSTA - PI12646-A RELATORA: DESA. MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA EMENTA DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO ELETRÔNICO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE VÁLIDA. FRAUDE CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por instituição financeira contra sentença que declarou a nulidade de contrato de empréstimo consignado por ausência de prova da contratação válida, determinou o cancelamento de descontos indevidos em benefício previdenciário, condenou à devolução em dobro dos valores e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a contratação de empréstimo consignado por meio eletrônico, com suposta biometria facial, sem a apresentação de documentação hábil e rastreável, é suficiente para comprovar a validade do negócio jurídico. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Cabe à instituição financeira o ônus da prova quanto à existência e validade do contrato, conforme tese firmada em IRDR do TJMA. 4. O documento apresentado não demonstrou inequívoca manifestação de vontade do consumidor, por ausência de certificação digital, metadados, geolocalização no ato da contratação. 5. A contratação eletrônica exige comprovação técnica, criptográfica e rastreável, o que não foi fornecido. 6. Verificada falha na prestação do serviço, sendo legítima a condenação à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados e à indenização por danos morais, nos termos dos arts. 14 e 42 do CDC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 1. A instituição financeira deve comprovar, por meio de elementos técnicos e rastreáveis, a validade da contratação eletrônica de empréstimo consignado. 2. A ausência de prova inequívoca da manifestação de vontade do consumidor configura falha na prestação do serviço, autorizando a declaração de nulidade contratual e a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como a indenização por danos morais. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Participaram do julgamento, além da Relatora, os Senhores Desembargadores José Gonçalo de Sousa Filho e Marcelo Carvalho Silva (presidente). Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Paulo Roberto Saldanha Ribeiro. Sala das Sessões Virtuais da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, no período de 3 a 10 de junho de 2025. São Luís, data do sistema. Desembargadora MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA Relatora RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por BANCO AGIBANK S/A, na qual pretende a reforma da sentença proferida pelo magistrado Ailton Gutemberg Carvalho Lima, titular da 1ª vara cível da Comarca de Caxias, nos autos do Procedimento Comum Cível proposto por CLOVIS LIMA DA SILVA. O apelado ajuizou a presente demanda com o objetivo de ver declarado inexistente o débito cobrado pelo Banco, uma vez que alega ter sido surpreendido ao perceber descontos em seu benefício previdenciário, motivados por empréstimo celebrado sem sua autorização, pleiteando, também, uma indenização por danos morais e materiais. Encerrada a instrução processual, foi proferida sentença (Id 43558586) que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos: “a) DECLARAR nulo de pleno direito o contrato de empréstimo de número 1502924816 e, consequentemente, inexistente o débito dele oriundo; b) DETERMINAR o cancelamento definitivo dos descontos mensais realizados no benefício previdenciário da parte autora, inerentes ao contrato em comento; c) CONDENAR o réu ao pagamento em dobro dos valores indevidamente descontados, que deverão ser apurados oportunamente em sede de liquidação de sentença, mediante a juntada dos respectivos extratos. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice IPCA desde a data de cada desconto, conforme art. 389, parágrafo único, do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. Os juros moratórios não capitalizáveis de 1% ao mês a contar da data de cada desconto realizado, sendo que, a partir da vigência da Lei nº 14.905/2024, após sessenta dias da sua publicação, a correção monetária é pelo IPCA e os juros de mora pela SELIC, conforme art. 406, § 1º, do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. d) CONDENAR o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais). Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice IPCA desde a data desta sentença (Súmula nº 362, STJ), conforme art. 389, parágrafo único, do CC, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. Os juros de mora deverão incidir desde a data do primeiro desconto indevido (Súmula nº 54, STJ) e correspondem à taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária, conforme art. 406, § 1º, do CC, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. e)CONDENAR o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.” Inconformado, o Banco interpôs o presente recurso, alegando a validade da contratação eletrônica com assinatura de identificação facial e documento pessoal. Com isso, pugna pelo provimento do apelo. Contrarrazões pela manutenção da sentença, Id. 43559191. Procuradoria Geral manifestou-se apenas pelo conhecimento do recurso, Id. 43848047. É o relatório. VOTO Presentes os requisitos intrínsecos de admissibilidade, concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursais, assim como os extrínsecos relativos à tempestividade e regularidade formal, conheço do Recurso. Quanto ao mérito recursal, este diz respeito à celebração ou não de contrato de empréstimo consignado pelo apelado junto à instituição financeira apelante, que gerou descontos supostamente indevidos em seus vencimentos. No caso, verifico que não assiste razão ao apelante. Explico. Sobre o caso em espeque o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, quando do julgamento do citado IRDR, firmou as seguintes teses: “1ª TESE “Independentemente da inversão do ônus da prova - que deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do instrumento do contrato ou outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio, permanecendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, o dever de colaborar com a justiça (CPC, art. 6º) e fazer a juntada do seu extrato bancário, podendo, ainda, solicitar em juízo que o banco faça a referida juntada, não sendo os extratos bancários no entanto, documentos indispensáveis à propositura da ação. Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura aposta no instrumento de contrato acostado no processo, cabe à instituição financeira o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369”; 2ª TESE: a pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses legais que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158)”; 3ª TESE (Aclarada por Embargos de Declaração): "Nos casos de empréstimos consignados, quando restar configurada a inexistência ou invalidade do contrato celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, bem como, demonstrada a má-fé da instituição bancária, será cabível a repetição de indébito em dobro, resguardadas as hipóteses de enganos justificáveis". 4ª TESE: “Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vícios na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e da informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º, IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170).” Por relevante, abro um parêntese para diferenciar as telas sistêmicas de controle interno da instituição, daquelas resultantes de uma contratação eletrônica, que são efetuadas de forma automática pelo sistema e possuem elementos de rastreabilidade. A contratação eletrônica é válida e sua utilização no processo convencional depende de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade (art. 439, do CPC). Em outras palavras, a legislação pátria permite a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, desde que seja possível a verificação de sua autenticidade. No caso, verifico que apelante juntou um contrato para demonstrar a legalidade da transação. Analisando o instrumento, percebo que este apenas faz referência a uma suposta assinatura digital, sem trazer mais elementos que comprovem a ciência inequívoca e irretratável do consumidor com a contratação. O instrumento vem apenas com a documentação desacompanhado do autorretrato ou “selfie” da parte autora tirada no momento da contratação. Nesse trilhar, resta perceptível que o contrato pode ter sido realizado com o fornecimento dos dados do(a) autor(a) por terceira pessoa, afigurando-se como fraudulento. Constato também, que o documento não possui elementos de certificação e rastreabilidade. Com efeito, não possui força probante, pois produzido de forma unilateral pela parte recorrida, que tem condições de inserir quaisquer informações, sem a participação do consumidor. Em que pese a contratação de forma eletrônica não tenha documento assinado de punho pelo cliente, a sua forma digital deve ser comprovada pela instituição financeira mediante a apresentação de dados criptografados, o que não se desincumbiu o Banco apelante. Assim, diante do acima exposto, não há comprovação da existência da certificação digital, vez que apenas a informação “Documento assinado eletronicamente por meio do WhatsApp com Biometria Facial”, não preenche os requisitos da contratação por biometria. Com esses fundamentos, deve ser reconhecida a falha na prestação do serviço, com a declaração de inexistência do contrato. Se a adoção do método de contratação versado possibilita a contratação sem inequívoca manifestação de vontade e anuência com os termos do acordo, deverá o banco suportar as consequências decorrentes desse fato, nos termos do artigo 14 do CDC. Assim, inexigível o contrato, a instituição apelante deve reparar os danos materiais e morais à parte autora. Com efeito, não é possível considerar válido o contrato de empréstimo celebrado. Nesse viés, o defeito na prestação dos serviços por parte do apelante caracterizou ato ilícito, sendo devida a restituição dos valores descontados à parte apelada. Portanto, caracterizado está que os descontos perpetrados foram lastreados em contrato nulo, o que enseja a devolução, em dobro, dos valores descontados indevidamente pelo banco, na forma o art. 42 do CDC, corroborada pela 3ª Tese acima transcrita. Dessa forma, entendo como adequada a condenação do apelante em restituir em dobro os valores indevidamente descontados e indenizar a parte autora pelos danos morais sofridos. No que diz respeito à repetição dos valores descontados ilicitamente dos proventos da recorrente, transcrevo as disposições do CDC acerca da matéria, in verbis: Art. 42. (...). Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (grifo nosso) Segundo esse dispositivo legal, o direito à repetição do indébito por parte do consumidor exige dois requisitos objetivos: a cobrança extrajudicial indevida e o pagamento do valor indevidamente cobrado, ressalvando-se apenas as hipóteses em que o credor procede com erro justificável. In casu, inexiste erro escusável do Banco apelante, vez que não apresentou, contrato válido capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico. No que diz respeito à fixação do valor da indenização por dano moral, entendo necessário que esta deve permear-se pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade, evitando-se o enriquecimento sem causa e ao mesmo tempo sendo medida punitiva e pedagógica em relação ao sucumbente. No caso em apreço, após analisar o conjunto probatório constante dos autos, atentando para as circunstâncias específicas do evento, para a gravidade da repercussão da ofensa, entendo que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) se mostra adequado, vez que se encontra em conformidade com o art. 944, parágrafo único do Código Civil, e se mostra justo, dentro dos parâmetros utilizados por esta Corte, senão vejamos: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C INDÉBITO E DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. EMPRÉSTIMO DESAUTORIZADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO REGULAR E DO DEPÓSITO DO VALOR DO SUPOSTO EMPRÉSTIMO NA CONTA DA RECORRIDA. DANOS MORAIS E INDÉBITO MANTIDOS. INDENIZAÇÃO IMPOSTA EM R$ 5.000,00. RAZOABILIDADE APLICADA. SENTENÇA PROFERIDA COM ACERTO. MANUTENÇÃO. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Observado no feito que a instituição financeira realizou descontos não autorizados na conta benefício da recorrida, a pretexto de empréstimo que não foi comprovado por contrato regular ou depósito do valor correspondente na conta da recorrida, a responsabilidade do banco não pode ser afastada, portanto, caracterizados estão os danos morais, impostos com razoabilidade e o indébito, logo, considerando que a sentença foi proferida com acerto, necessário se faz o desprovimento do presente apelo. II – Apelo desprovido. (TJ-MA - AC: 0804078-48.2020.8.10.0034 MA, Relator: MARCELINO CHAVES EVERTON, SESSÃO VIRTUAL - De 07/04/2022 a 14/04/2022, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL). RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. BIOMETRIA FACIAL. MERA FOTOGRAFIA. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE VONTADE DO CONSUMIDOR. NEGÓCIO JURÍDICO INVÁLIDO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA.RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJ-RS - Recurso Cível: 71009354887 RS, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Data de Julgamento: 25/02/2021, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 04/03/2021) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - TUTELA DE URGÊNCIA - REQUISITOS ATENDIDOS - FATO NEGATIVO - ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU - FORMAÇÃO DO CONTRATO EM AMBIENTE VIRTUAL E POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL - CONSUMIDOR IDOSO - HIPERVULNERABILIDADE - DEPÓSITO JUDICIAL DA QUANTIA ENTREGUE AO CONSUMIDOR - ELEMENTOS QUE DENOTAM A IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. - Havendo a negativa do consumidor quanto à contratação do empréstimo consignado, impõe-se a suspensão da cobrança durante o trâmite do processo - Por se tratar de alegação autoral que recai sobre fato negativo, no sentido de que não houve a contratação da operação de crédito, desloca-se para o fornecedor de serviços bancários o ônus de comprovar a regularidade da cobrança - Ao fornecedor de serviços e/ou produtos incumbe um zelo ainda maior no momento da contratação com consumidor idoso, sobretudo no que diz respeito à prestação de informações claras, ostensivas e verdadeiras, pois que, conforme reconhecido pela doutrina consumerista, em tais casos estar-se-á diante de consumidor hipervulnerável, devendo a causa reger-se pelo diálogo entre o Estatuto do Idoso e o CDC - A plataforma eletrônica em que se deu a operação financeira contestada, diante da singularidade e complexidade do ambiente virtual (manifestação de vontade por meio de biometria facial), mormente para consumidores que têm uma vulnerabilidade informacional agravada (e.g. idosos), leva a crer, em princípio, que não houve por parte do autor um consentimento informado, isto é, uma vontade qualificada e devidamente instruída sobre o teor da contratação, máxime diante da ausência de exibição de instrumento essencial sobre a vontade manifestada no negócio jurídico - Recurso ao qual se nega provimento. (TJ-MG - AI: 10000211931779001 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 09/03/2022, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/03/2022) APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO POR MEIO DE RECONHECIMENTO FACIAL (BIOMETRIA). REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO ANTERIOR NÃO RECONHECIDO PELA PARTE AUTORA. FALHA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. "BIOMETRIA FACIAL" QUE NÃO PERMITE VERIFICAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO PELO DEMANDANTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE SOBRE OS TERMOS DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO, POIS, EM QUE PESE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEFENDER A VALIDADE DA ASSINATURA DIGITAL POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL, NÃO SE VERIFICA OS PARÂMETROS USADOS PARA AFERIÇÃO DA SUPOSTA CONTRATAÇÃO PELO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA DO BANCO RÉU - ART. 373, II, DO CPC. CERTIFICAÇÃO DIGITAL QUE FOI APRESENTADA PELO BANCO APELANTE DE FORMA UNILATERAL, SENDO QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA TÃO SOMENTE FORNECEU UMA FOTO DO CLIENTE COMO SE FOSSE A SUA ASSINATURA. INOBSERVÂNCIA NA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA ACOSTADA AOS AUTOS SEQUER O TERMO "ASSINADO DIGITALMENTE" PARA QUE PUDESSE CONFIRMAR A ANUÊNCIA DA PARTE AUTORA. CONTRATAÇÃO NA FORMA DIGITAL QUE DEVE SER COMPROVADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE A APRESENTAÇÃO DE DADOS CRIPTOGRAFADOS, O QUE NÃO SE DESINCUMBIU O BANCO RECORRENTE. ADEMAIS, SEQUER REQUEREU PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DIGITAL, COM A ASSINATURA ELETRÔNICA - BIOMETRIA FACIAL, NA FORMA DO ARTIGO 373, II, DO CPC. DESCONTO INDEVIDO QUE RESTOU INCONTROVERSO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO NO VALOR DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE NÃO MERECE REDUÇÃO, DADAS AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E OS PRINCÍPIOS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, SOBRETUDO SE CONSIDERADO QUE O AUTOR É IDOSO E QUE OS DESCONTOS FORAM EFETUADOS SOBRE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 343 DO TJRJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00270185120208190014, Relator: Des(a). ANDRE LUIZ CIDRA, Data de Julgamento: 03/02/2022, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/02/2022) CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL. IDOSO. CDC. DESCUMPRIMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO PELO RÉU A RESPEITO DA LEGALIDADE E INEQUÍVOCA CONTRATAÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE EM SENTIDO ANÁLOGO. FRAUDE CONFIGURADA. VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR, IDOSO, INCONTESTE. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, NA FORMA SIMPLES, E POR DANOS MORAIS DEVIDA. AÇÃO ORA JULGADA PROCEDENTE. APELO PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10036519520218260322 SP 1003651-95.2021.8.26.0322, RELATOR: LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL, DATA DE JULGAMENTO: 23/03/2022, 14ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/03/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DANOS MORAIS - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA APELANTE - BIOMETRIA FACIAL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - INEXISTÊNCIA DE PROVA DA RELAÇÃO CONTRATUAL - DEVER DE INDENIZAR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A contratação realizada por meio eletrônico, formalizada por biometria facial, no entanto, não demonstrada a veracidade e expressa regularização do ato de vontade, demonstra inexistência de negócio jurídico e a indevida cobrança, não demonstrando o réu culpa do autor. Configurado o dano moral indenizável, devendo ser mantida a sentença. Em razão de negativa ao provimento do recurso da parte ré, majorados os honorários recursais. (TJ-MG - AC: 10000221105307001 MG, Relator: Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 21/07/2022, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/07/2022) Por derradeiro, pontuo que a aplicação das teses firmadas pelo IRDR nº 53.983/2019 é medida que se impõe, conforme determina o art. 985 do CPC, “a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal”, como é o caso dos autos, motivo pelo qual a sentença de 1º grau deve ser reformada. Ressalto que os juros e correção monetárias aplicados aos danos morais e materiais estão de acordo com o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter incólume a sentença, nos termos da fundamentação supra. Em observância ao disposto no art. 85, §11 do CPC e ao entendimento fixado pelo STJ (STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AgInt no REsp 1714418 / RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 29/06/2021), majoro os honorários fixados em favor da parte apelada para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. É como voto. Sala das Sessões Virtuais da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, no período de 3 a 10 de junho de 2025. São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA Relatora A-5-11
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Segunda Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELAPELAÇÃO CÍVEL N.° 0821890-16.2023.8.10.0029 APELANTE: BANCO AGIBANK S.A. Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO SCOPEL - RS40004-A APELADO: CLOVIS LIMA DA SILVA Advogados do(a) APELADO: CHIRLEY FERREIRA DA SILVA - PI10862-A, LENARA ASSUNCAO RIBEIRO DA COSTA - PI12646-A RELATORA: DESA. MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA EMENTA DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO ELETRÔNICO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE VÁLIDA. FRAUDE CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por instituição financeira contra sentença que declarou a nulidade de contrato de empréstimo consignado por ausência de prova da contratação válida, determinou o cancelamento de descontos indevidos em benefício previdenciário, condenou à devolução em dobro dos valores e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a contratação de empréstimo consignado por meio eletrônico, com suposta biometria facial, sem a apresentação de documentação hábil e rastreável, é suficiente para comprovar a validade do negócio jurídico. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Cabe à instituição financeira o ônus da prova quanto à existência e validade do contrato, conforme tese firmada em IRDR do TJMA. 4. O documento apresentado não demonstrou inequívoca manifestação de vontade do consumidor, por ausência de certificação digital, metadados, geolocalização no ato da contratação. 5. A contratação eletrônica exige comprovação técnica, criptográfica e rastreável, o que não foi fornecido. 6. Verificada falha na prestação do serviço, sendo legítima a condenação à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados e à indenização por danos morais, nos termos dos arts. 14 e 42 do CDC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 1. A instituição financeira deve comprovar, por meio de elementos técnicos e rastreáveis, a validade da contratação eletrônica de empréstimo consignado. 2. A ausência de prova inequívoca da manifestação de vontade do consumidor configura falha na prestação do serviço, autorizando a declaração de nulidade contratual e a devolução em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como a indenização por danos morais. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por votação unânime, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Participaram do julgamento, além da Relatora, os Senhores Desembargadores José Gonçalo de Sousa Filho e Marcelo Carvalho Silva (presidente). Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Paulo Roberto Saldanha Ribeiro. Sala das Sessões Virtuais da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, no período de 3 a 10 de junho de 2025. São Luís, data do sistema. Desembargadora MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA Relatora RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por BANCO AGIBANK S/A, na qual pretende a reforma da sentença proferida pelo magistrado Ailton Gutemberg Carvalho Lima, titular da 1ª vara cível da Comarca de Caxias, nos autos do Procedimento Comum Cível proposto por CLOVIS LIMA DA SILVA. O apelado ajuizou a presente demanda com o objetivo de ver declarado inexistente o débito cobrado pelo Banco, uma vez que alega ter sido surpreendido ao perceber descontos em seu benefício previdenciário, motivados por empréstimo celebrado sem sua autorização, pleiteando, também, uma indenização por danos morais e materiais. Encerrada a instrução processual, foi proferida sentença (Id 43558586) que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos: “a) DECLARAR nulo de pleno direito o contrato de empréstimo de número 1502924816 e, consequentemente, inexistente o débito dele oriundo; b) DETERMINAR o cancelamento definitivo dos descontos mensais realizados no benefício previdenciário da parte autora, inerentes ao contrato em comento; c) CONDENAR o réu ao pagamento em dobro dos valores indevidamente descontados, que deverão ser apurados oportunamente em sede de liquidação de sentença, mediante a juntada dos respectivos extratos. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice IPCA desde a data de cada desconto, conforme art. 389, parágrafo único, do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. Os juros moratórios não capitalizáveis de 1% ao mês a contar da data de cada desconto realizado, sendo que, a partir da vigência da Lei nº 14.905/2024, após sessenta dias da sua publicação, a correção monetária é pelo IPCA e os juros de mora pela SELIC, conforme art. 406, § 1º, do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. d) CONDENAR o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 3.000,00 (três mil reais). Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice IPCA desde a data desta sentença (Súmula nº 362, STJ), conforme art. 389, parágrafo único, do CC, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. Os juros de mora deverão incidir desde a data do primeiro desconto indevido (Súmula nº 54, STJ) e correspondem à taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária, conforme art. 406, § 1º, do CC, com redação dada pela Lei nº 14.905/2024. e)CONDENAR o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.” Inconformado, o Banco interpôs o presente recurso, alegando a validade da contratação eletrônica com assinatura de identificação facial e documento pessoal. Com isso, pugna pelo provimento do apelo. Contrarrazões pela manutenção da sentença, Id. 43559191. Procuradoria Geral manifestou-se apenas pelo conhecimento do recurso, Id. 43848047. É o relatório. VOTO Presentes os requisitos intrínsecos de admissibilidade, concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursais, assim como os extrínsecos relativos à tempestividade e regularidade formal, conheço do Recurso. Quanto ao mérito recursal, este diz respeito à celebração ou não de contrato de empréstimo consignado pelo apelado junto à instituição financeira apelante, que gerou descontos supostamente indevidos em seus vencimentos. No caso, verifico que não assiste razão ao apelante. Explico. Sobre o caso em espeque o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, quando do julgamento do citado IRDR, firmou as seguintes teses: “1ª TESE “Independentemente da inversão do ônus da prova - que deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do instrumento do contrato ou outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio, permanecendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, o dever de colaborar com a justiça (CPC, art. 6º) e fazer a juntada do seu extrato bancário, podendo, ainda, solicitar em juízo que o banco faça a referida juntada, não sendo os extratos bancários no entanto, documentos indispensáveis à propositura da ação. Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura aposta no instrumento de contrato acostado no processo, cabe à instituição financeira o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369”; 2ª TESE: a pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses legais que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158)”; 3ª TESE (Aclarada por Embargos de Declaração): "Nos casos de empréstimos consignados, quando restar configurada a inexistência ou invalidade do contrato celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, bem como, demonstrada a má-fé da instituição bancária, será cabível a repetição de indébito em dobro, resguardadas as hipóteses de enganos justificáveis". 4ª TESE: “Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vícios na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e da informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º, IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170).” Por relevante, abro um parêntese para diferenciar as telas sistêmicas de controle interno da instituição, daquelas resultantes de uma contratação eletrônica, que são efetuadas de forma automática pelo sistema e possuem elementos de rastreabilidade. A contratação eletrônica é válida e sua utilização no processo convencional depende de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade (art. 439, do CPC). Em outras palavras, a legislação pátria permite a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, desde que seja possível a verificação de sua autenticidade. No caso, verifico que apelante juntou um contrato para demonstrar a legalidade da transação. Analisando o instrumento, percebo que este apenas faz referência a uma suposta assinatura digital, sem trazer mais elementos que comprovem a ciência inequívoca e irretratável do consumidor com a contratação. O instrumento vem apenas com a documentação desacompanhado do autorretrato ou “selfie” da parte autora tirada no momento da contratação. Nesse trilhar, resta perceptível que o contrato pode ter sido realizado com o fornecimento dos dados do(a) autor(a) por terceira pessoa, afigurando-se como fraudulento. Constato também, que o documento não possui elementos de certificação e rastreabilidade. Com efeito, não possui força probante, pois produzido de forma unilateral pela parte recorrida, que tem condições de inserir quaisquer informações, sem a participação do consumidor. Em que pese a contratação de forma eletrônica não tenha documento assinado de punho pelo cliente, a sua forma digital deve ser comprovada pela instituição financeira mediante a apresentação de dados criptografados, o que não se desincumbiu o Banco apelante. Assim, diante do acima exposto, não há comprovação da existência da certificação digital, vez que apenas a informação “Documento assinado eletronicamente por meio do WhatsApp com Biometria Facial”, não preenche os requisitos da contratação por biometria. Com esses fundamentos, deve ser reconhecida a falha na prestação do serviço, com a declaração de inexistência do contrato. Se a adoção do método de contratação versado possibilita a contratação sem inequívoca manifestação de vontade e anuência com os termos do acordo, deverá o banco suportar as consequências decorrentes desse fato, nos termos do artigo 14 do CDC. Assim, inexigível o contrato, a instituição apelante deve reparar os danos materiais e morais à parte autora. Com efeito, não é possível considerar válido o contrato de empréstimo celebrado. Nesse viés, o defeito na prestação dos serviços por parte do apelante caracterizou ato ilícito, sendo devida a restituição dos valores descontados à parte apelada. Portanto, caracterizado está que os descontos perpetrados foram lastreados em contrato nulo, o que enseja a devolução, em dobro, dos valores descontados indevidamente pelo banco, na forma o art. 42 do CDC, corroborada pela 3ª Tese acima transcrita. Dessa forma, entendo como adequada a condenação do apelante em restituir em dobro os valores indevidamente descontados e indenizar a parte autora pelos danos morais sofridos. No que diz respeito à repetição dos valores descontados ilicitamente dos proventos da recorrente, transcrevo as disposições do CDC acerca da matéria, in verbis: Art. 42. (...). Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (grifo nosso) Segundo esse dispositivo legal, o direito à repetição do indébito por parte do consumidor exige dois requisitos objetivos: a cobrança extrajudicial indevida e o pagamento do valor indevidamente cobrado, ressalvando-se apenas as hipóteses em que o credor procede com erro justificável. In casu, inexiste erro escusável do Banco apelante, vez que não apresentou, contrato válido capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico. No que diz respeito à fixação do valor da indenização por dano moral, entendo necessário que esta deve permear-se pelo princípio da razoabilidade e proporcionalidade, evitando-se o enriquecimento sem causa e ao mesmo tempo sendo medida punitiva e pedagógica em relação ao sucumbente. No caso em apreço, após analisar o conjunto probatório constante dos autos, atentando para as circunstâncias específicas do evento, para a gravidade da repercussão da ofensa, entendo que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) se mostra adequado, vez que se encontra em conformidade com o art. 944, parágrafo único do Código Civil, e se mostra justo, dentro dos parâmetros utilizados por esta Corte, senão vejamos: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C INDÉBITO E DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. EMPRÉSTIMO DESAUTORIZADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO REGULAR E DO DEPÓSITO DO VALOR DO SUPOSTO EMPRÉSTIMO NA CONTA DA RECORRIDA. DANOS MORAIS E INDÉBITO MANTIDOS. INDENIZAÇÃO IMPOSTA EM R$ 5.000,00. RAZOABILIDADE APLICADA. SENTENÇA PROFERIDA COM ACERTO. MANUTENÇÃO. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Observado no feito que a instituição financeira realizou descontos não autorizados na conta benefício da recorrida, a pretexto de empréstimo que não foi comprovado por contrato regular ou depósito do valor correspondente na conta da recorrida, a responsabilidade do banco não pode ser afastada, portanto, caracterizados estão os danos morais, impostos com razoabilidade e o indébito, logo, considerando que a sentença foi proferida com acerto, necessário se faz o desprovimento do presente apelo. II – Apelo desprovido. (TJ-MA - AC: 0804078-48.2020.8.10.0034 MA, Relator: MARCELINO CHAVES EVERTON, SESSÃO VIRTUAL - De 07/04/2022 a 14/04/2022, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL). RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. BIOMETRIA FACIAL. MERA FOTOGRAFIA. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE VONTADE DO CONSUMIDOR. NEGÓCIO JURÍDICO INVÁLIDO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA.RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJ-RS - Recurso Cível: 71009354887 RS, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Data de Julgamento: 25/02/2021, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 04/03/2021) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - TUTELA DE URGÊNCIA - REQUISITOS ATENDIDOS - FATO NEGATIVO - ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU - FORMAÇÃO DO CONTRATO EM AMBIENTE VIRTUAL E POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL - CONSUMIDOR IDOSO - HIPERVULNERABILIDADE - DEPÓSITO JUDICIAL DA QUANTIA ENTREGUE AO CONSUMIDOR - ELEMENTOS QUE DENOTAM A IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. - Havendo a negativa do consumidor quanto à contratação do empréstimo consignado, impõe-se a suspensão da cobrança durante o trâmite do processo - Por se tratar de alegação autoral que recai sobre fato negativo, no sentido de que não houve a contratação da operação de crédito, desloca-se para o fornecedor de serviços bancários o ônus de comprovar a regularidade da cobrança - Ao fornecedor de serviços e/ou produtos incumbe um zelo ainda maior no momento da contratação com consumidor idoso, sobretudo no que diz respeito à prestação de informações claras, ostensivas e verdadeiras, pois que, conforme reconhecido pela doutrina consumerista, em tais casos estar-se-á diante de consumidor hipervulnerável, devendo a causa reger-se pelo diálogo entre o Estatuto do Idoso e o CDC - A plataforma eletrônica em que se deu a operação financeira contestada, diante da singularidade e complexidade do ambiente virtual (manifestação de vontade por meio de biometria facial), mormente para consumidores que têm uma vulnerabilidade informacional agravada (e.g. idosos), leva a crer, em princípio, que não houve por parte do autor um consentimento informado, isto é, uma vontade qualificada e devidamente instruída sobre o teor da contratação, máxime diante da ausência de exibição de instrumento essencial sobre a vontade manifestada no negócio jurídico - Recurso ao qual se nega provimento. (TJ-MG - AI: 10000211931779001 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 09/03/2022, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/03/2022) APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO POR MEIO DE RECONHECIMENTO FACIAL (BIOMETRIA). REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO ANTERIOR NÃO RECONHECIDO PELA PARTE AUTORA. FALHA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONFIGURADA. "BIOMETRIA FACIAL" QUE NÃO PERMITE VERIFICAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO PELO DEMANDANTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE SOBRE OS TERMOS DO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMO, POIS, EM QUE PESE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEFENDER A VALIDADE DA ASSINATURA DIGITAL POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL, NÃO SE VERIFICA OS PARÂMETROS USADOS PARA AFERIÇÃO DA SUPOSTA CONTRATAÇÃO PELO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA DO BANCO RÉU - ART. 373, II, DO CPC. CERTIFICAÇÃO DIGITAL QUE FOI APRESENTADA PELO BANCO APELANTE DE FORMA UNILATERAL, SENDO QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA TÃO SOMENTE FORNECEU UMA FOTO DO CLIENTE COMO SE FOSSE A SUA ASSINATURA. INOBSERVÂNCIA NA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA ACOSTADA AOS AUTOS SEQUER O TERMO "ASSINADO DIGITALMENTE" PARA QUE PUDESSE CONFIRMAR A ANUÊNCIA DA PARTE AUTORA. CONTRATAÇÃO NA FORMA DIGITAL QUE DEVE SER COMPROVADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE A APRESENTAÇÃO DE DADOS CRIPTOGRAFADOS, O QUE NÃO SE DESINCUMBIU O BANCO RECORRENTE. ADEMAIS, SEQUER REQUEREU PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DIGITAL, COM A ASSINATURA ELETRÔNICA - BIOMETRIA FACIAL, NA FORMA DO ARTIGO 373, II, DO CPC. DESCONTO INDEVIDO QUE RESTOU INCONTROVERSO. DANO MORAL CONFIGURADO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO NO VALOR DE R$5.000,00 (CINCO MIL REAIS) QUE NÃO MERECE REDUÇÃO, DADAS AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E OS PRINCÍPIOS DE PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE, SOBRETUDO SE CONSIDERADO QUE O AUTOR É IDOSO E QUE OS DESCONTOS FORAM EFETUADOS SOBRE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 343 DO TJRJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00270185120208190014, Relator: Des(a). ANDRE LUIZ CIDRA, Data de Julgamento: 03/02/2022, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/02/2022) CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL. IDOSO. CDC. DESCUMPRIMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO PELO RÉU A RESPEITO DA LEGALIDADE E INEQUÍVOCA CONTRATAÇÃO. PRECEDENTES DA CORTE EM SENTIDO ANÁLOGO. FRAUDE CONFIGURADA. VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR, IDOSO, INCONTESTE. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, NA FORMA SIMPLES, E POR DANOS MORAIS DEVIDA. AÇÃO ORA JULGADA PROCEDENTE. APELO PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10036519520218260322 SP 1003651-95.2021.8.26.0322, RELATOR: LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL, DATA DE JULGAMENTO: 23/03/2022, 14ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/03/2022) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E DANOS MORAIS - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA APELANTE - BIOMETRIA FACIAL - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - INEXISTÊNCIA DE PROVA DA RELAÇÃO CONTRATUAL - DEVER DE INDENIZAR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. A contratação realizada por meio eletrônico, formalizada por biometria facial, no entanto, não demonstrada a veracidade e expressa regularização do ato de vontade, demonstra inexistência de negócio jurídico e a indevida cobrança, não demonstrando o réu culpa do autor. Configurado o dano moral indenizável, devendo ser mantida a sentença. Em razão de negativa ao provimento do recurso da parte ré, majorados os honorários recursais. (TJ-MG - AC: 10000221105307001 MG, Relator: Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 21/07/2022, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/07/2022) Por derradeiro, pontuo que a aplicação das teses firmadas pelo IRDR nº 53.983/2019 é medida que se impõe, conforme determina o art. 985 do CPC, “a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal”, como é o caso dos autos, motivo pelo qual a sentença de 1º grau deve ser reformada. Ressalto que os juros e correção monetárias aplicados aos danos morais e materiais estão de acordo com o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter incólume a sentença, nos termos da fundamentação supra. Em observância ao disposto no art. 85, §11 do CPC e ao entendimento fixado pelo STJ (STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AgInt no REsp 1714418 / RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 29/06/2021), majoro os honorários fixados em favor da parte apelada para 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. É como voto. Sala das Sessões Virtuais da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, no período de 3 a 10 de junho de 2025. São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora MARIA FRANCISCA GUALBERTO DE GALIZA Relatora A-5-11