Miquerinos De Medeiros Capuxú x Companhia Energética Do Rio Grande Do Norte - Cosern e outros
Número do Processo:
0825855-45.2023.8.20.5001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
7ª Vara Cível da Comarca de Natal
Última atualização encontrada em
11 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
As atualizações mais recentes estão bloqueadas.
Assine para desbloquear as últimas atualizações deste processo. -
28/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 7ª Vara Cível da Comarca de Natal | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 7ª Vara Cível da Comarca de Natal Rua Doutor Lauro Pinto, 315, Fórum Seabra Fagundes, Lagoa Nova, NATAL - RN - CEP: 59064-972 Contato: (84) 36738765 - Email: nt7civ@tjrn.jus.br Processo: 0825855-45.2023.8.20.5001 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Parte Autora: RAIMUNDO LUIZ TAVARES e outros Parte Ré: Companhia Energética do Rio Grande do Norte - COSERN SENTENÇA I – RELATÓRIO RAIMUNDO LUIZ TAVARES e NADJA WERUSKA TAVARES CAPISTRANO propuseram a presente ação de indenização por danos morais contra COMPANHIA ENERGÉTICA DO RIO GRANDE DO NORTE - COSERN, alegando que possuem contrato de fornecimento de energia elétrica registrado sob o nº 0000602381, sendo o primeiro requerente idoso, aposentado e portador de sequelas decorrentes de AVC, e a segunda, sua filha, encontra-se desempregada e responsável pelos cuidados do genitor enfermo. Narraram que, no dia 11/04/2023, por volta das 12h, funcionários da demandada compareceram à residência informando que a fatura com vencimento em 27/02/2023 se encontrava inadimplente e que procederiam ao corte do fornecimento, oportunidade em que a autora Nadja apresentou o comprovante de pagamento realizado em 07/04/2023, quatro dias antes do corte, pleiteando que não fosse realizada a suspensão em razão da quitação e do estado de saúde do pai idoso e enfermo. Afirmam que, apesar disso, os funcionários recusaram-se a aceitar o comprovante e declararam "não ter nada a ver com o estado de saúde" do requerente, procedendo ao corte. Posteriormente, a autora dirigiu-se à sede da COSERN no bairro Alecrim, onde a atendente confirmou o pagamento e solicitou o restabelecimento da energia, efetivado às 19h do mesmo dia. Com base nisso, postularam a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 para cada autor, ou valor que o Juízo entendesse adequado, acrescido de juros e correção monetária. Requereram ainda a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a inversão do ônus da prova. A petição inicial veio acompanhada de diversos documentos. Foi deferida a gratuidade da justiça (Num. 100285139). A parte demandada contestou a ação (Num. 101261140) alegando, preliminarmente, a impugnação à gratuidade da justiça. No mérito, advogou que a suspensão do fornecimento ocorreu em exercício regular de direito, nos termos da Lei nº 8.987/95 e da Resolução Normativa ANEEL nº 1000/2021, em razão da inadimplência da fatura vencida em 27/02/2023. Sustentou que o pagamento foi registrado no sistema apenas em 10/04/2023 e compensado em 11/04/2023, sendo impossível detectar a quitação no momento do corte. Argumentou que o prazo de compensação bancária é de 48 a 72 horas úteis, não havendo como a concessionária ter conhecimento do pagamento em tempo hábil. Alegou ainda a inexistência de ato ilícito e de danos morais, pugnando pela total improcedência dos pedidos autorais. Frustrada a tentativa de composição na audiência de conciliação (Num. 109377258). A parte autora apresentou réplica (Num. 110058336). As partes foram intimadas para se manifestar sobre a possibilidade de acordo ou sobre a necessidade de produção de outras provas (Num. 113402006). A parte ré peticionou informando não ter mais provas a produzir e requerendo o julgamento da lide no estado em que se encontra (Num. 115606828). Do mesmo modo a parte autora pediu o julgamento antecipado da lide (Num. 117588365). É o que importa relatar. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO - Do julgamento antecipado da lide O caso em exame comporta julgamento antecipado, tendo em vista que a documentação acostada aos autos é suficiente para elucidar as questões fáticas debatidas e para formar o convencimento deste Juízo quanto ao mérito da causa, remanescendo unicamente as questões de direito, pelo que passo ao julgamento antecipado do pedido nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Porém, antes de adentrar no mérito, passo a analisar as preliminares. - Da impugnação à gratuidade da justiça A demandada arguiu a ausência dos pressupostos autorizadores da concessão dos benefícios da justiça gratuita, sustentando insuficiência probatória da hipossuficiência econômica dos requerentes. O acesso à justiça é exercício da cidadania. Um Estado que tem por fundamento a cidadania (art. 1º, II, CF/88) deve estabelecer mecanismos de isonomia material no processo aos despossuídos, cuja desproporção de poder econômico em relação à parte contrária deve ser equalizada (art. 5º, LXXIV, CF/88). De acordo com o artigo 98 do Código de Processo Civil, faz jus aos benefícios da gratuidade da justiça a pessoa física ou jurídica que não dispõe de recursos para arcar com as despesas de uma demanda judicial, sob pena de, assim procedendo, não lhe sobrarem meios para arcar com as suas próprias despesas e/ou de sua família. Portanto, para fazer jus ao benefício da Justiça gratuita, a parte interessada deve requerer ao juiz e declarar-se sem condições de arcar com as despesas processuais. Não é necessário que a parte interessada esteja em estado de miserabilidade para que lhe seja concedido tal benefício. É suficiente que se verifique que o dispêndio com as custas possa abalar o orçamento mensal da família. A jurisprudência pátria é unânime em afirmar que a pessoa não precisa viver em estado de miserabilidade para ter direito à assistência judiciária gratuita, bastando que a sua situação econômico-financeira não se apresente apta a suportar as despesas referentes ao acesso à justiça. Na espécie, não deve ser acolhida a impugnação, uma vez que os documentos acostados aos autos demonstram que o autor Raimundo Luiz Tavares é aposentado e percebe menos de um salário mínimo após os descontos de empréstimos consignados, conforme extrato previdenciário juntado. A autora Nadja Weruska Tavares Capistrano encontra-se desempregada, conforme CTPS apresentada, dedicando-se aos cuidados do genitor enfermo. O valor elevado das faturas de energia decorre das necessidades especiais do primeiro requerente, que, em razão das sequelas do AVC, permanece acamado e necessita de aparelhos elétricos para seu tratamento, não constituindo indicativo de capacidade econômica, mas sim de necessidade médica essencial. Portanto, REJEITO a impugnação e mantenho a gratuidade da justiça em favor da parte autora. - Da incidência do Código de Defesa do Consumidor Destaco ainda a incidência do Código de Defesa do Consumidor, como lei de ordem pública econômica e de caráter imperativo, a todas as relações contratuais, nas quais o consumidor, por se encontrar em situação de vulnerabilidade diante do fornecedor ou do prestador do serviço, carece de proteção jurídica especial, nos termos dos artigos 1º e 3º do referido diploma legal. - Do mérito Quanto ao mérito, a controvérsia presente nos autos consiste em esclarecer se a suspensão do fornecimento de energia elétrica pela concessionária, quando a fatura já se encontrava quitada, configura ato ilícito passível de reparação por danos morais, ou seja, se houve falha na prestação do serviço capaz de ensejar responsabilização civil da demandada. Sobre o tema, a legislação prevê que as concessionárias de serviço público podem suspender o fornecimento em caso de inadimplemento do usuário, conforme disposto no art. 6º, §3º, II[1], da Lei nº 8.987/95. Todavia, tal prerrogativa deve ser exercida dentro dos limites legais e regulamentares, observando-se os procedimentos estabelecidos pela ANEEL. A Resolução Normativa nº 1000/2021 da ANEEL estabelece, em seu art. 360, § 1º, II[2], a necessidade de notificação prévia ao consumidor sobre a suspensão do fornecimento, com antecedência mínima de 15 dias nos casos de inadimplemento. No caso em exame, os autores demonstraram, através do comprovante juntado aos autos, que a fatura com vencimento em 27/02/2023 foi quitada em 07/04/2023 (Num. 100260963 - Pág. 2), quatro dias antes da suspensão do fornecimento ocorrida em 11/04/2023. Por outro lado, a COSERN advogou que a suspensão decorreu de exercício regular de direito, ante a inexistência de registro do pagamento no momento do corte, alegando que a compensação bancária demanda prazo de 48 a 72 horas úteis. Nesse sentido, entendo que a argumentação dos autores deve prosperar, uma vez que, independentemente dos prazos de compensação bancária alegados pela demandada, o fato é que o pagamento havia sido realizado. A conduta dos funcionários da COSERN revela negligência manifesta ao recusarem-se a verificar o comprovante de pagamento apresentado pela autora Nadja, procedendo ao corte mesmo diante da demonstração da quitação da fatura. Tal comportamento extrapola os limites do exercício regular de direito, configurando abuso na prestação do serviço. Ademais, a situação se agrava considerando as circunstâncias especiais do caso: o primeiro autor é pessoa idosa, acamada, portadora de sequelas de AVC e dependente de energia elétrica para seus cuidados médicos. A suspensão indevida do fornecimento, ainda que por algumas horas, coloca em risco não apenas o conforto, mas a própria saúde e dignidade do consumidor vulnerável, o que configura falha na prestação do serviço. - Dos danos morais Para que fique caracterizada a ocorrência dos danos morais passível de reparação ao patrimônio moral, em regra, faz-se necessária a comprovação de fato tido como ilícito, advindo de conduta praticada por alguém, a ocorrência de dano suportado por um terceiro, e a relação de causalidade entre o dano e o fato delituoso. Tratando-se de relação de consumo, como é a hipótese dos autos, o fornecedor responde de forma objetiva pela reparação do dano causado ao consumidor, consoante preceitua o art. 14 do CDC, senão vejamos: Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §1º - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. §2º - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. §3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Como já mencionado, do texto legal acima transcrito se extrai que a responsabilidade do fornecedor de serviço é objetiva, de modo que não há necessidade de perquirir acerca da existência de dolo ou culpa para sua configuração, bastando apenas a comprovação do dano e do nexo causal. A pretensão indenizatória baseia-se na suspensão indevida do fornecimento de energia elétrica em residência de pessoa idosa e enferma, mesmo após a demonstração do pagamento da fatura pelos consumidores. Nesse sentido, entendo configurados os danos morais pleiteados. A energia elétrica constitui serviço público essencial, cuja interrupção indevida causa transtornos e constrangimentos que ultrapassam o mero aborrecimento cotidiano, especialmente quando atinge consumidor em situação de vulnerabilidade. No caso específico, a suspensão atingiu diretamente a dignidade e o bem-estar de pessoa idosa acamada, dependente de aparelhos elétricos para seu tratamento médico, configurando violação aos direitos fundamentais à saúde e à dignidade humana. O comportamento inadequado dos funcionários da demandada, que se recusaram a verificar o comprovante de pagamento e declararam "não ter nada a ver com o estado de saúde" do primeiro autor, demonstra desrespeito e insensibilidade incompatíveis com a prestação de serviço público essencial. Para a fixação do quantum indenizatório, deve-se observar os critérios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade da conduta, a extensão do dano, a condição econômica das partes e o caráter pedagógico da reparação. Considerando as peculiaridades do caso, a vulnerabilidade dos autores, a capacidade econômica da demandada e a necessidade de desestimular condutas similares, arbitro a indenização por danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor, perfazendo o total de R$ 6.000,00 (seis mil reais). A correção monetária a incidir sobre os danos morais deverá ser aplicada a partir do arbitramento, ou seja, da data da sentença, conforme Súmula 362, do STJ. Já para os juros de mora, deixo de aplicar o enunciado da Súmula 54 do STJ sob o fundamento de que o dano moral só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que o arbitrou, não devendo incidir antes desta data juros de mora sobre quantia que ainda não havia sido reconhecida e estabelecida pelo juízo, conforme bem assentou a Ministra Relatora Izabel Gallotti, no julgamento do Recurso Especial 903.258/RS, senão vejamos: Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. Isso porque, sendo uma obrigação ilíquida, não há como precisar o valor da dívida e, por conseguinte, não há como o devedor efetuar o seu pagamento, no tempo e modo devidos, de forma que não é correto aplicar o ônus dos juros de mora (juros pela demora, pelo atraso). III - DISPOSITIVO Diante do exposto, rejeito a preliminar e, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar a parte demandada ao pagamento de uma indenização por danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor, perfazendo o total de R$ 6.000,00 (seis mil reais), com atualização monetária pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IBGE) a partir da data desta sentença e incidência de juros de mora correspondentes à diferença entre a Taxa Selic e o IPCA, nos termos dos arts. 389, parágrafo único, e 406, § 1º, do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024, a partir do trânsito em julgado. Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Cumpridas as formalidades legais e certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos sem prejuízo do posterior desarquivamento para fins de cumprimento da sentença. Intime-se. Natal/RN, na data registrada pelo sistema. Amanda Grace Diógenes Freitas Costa Dias Juíza de Direito (Assinado Digitalmente nos termos da Lei n.º 11.419/06) [1] Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. [...] § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: [...] II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. [2] Art. 360. A notificação ao consumidor e demais usuários sobre a suspensão do fornecimento de energia elétrica deve conter: [...] § 1º. A notificação deve ser realizada com antecedência de pelo menos: [...] II - 15 dias: nos casos de inadimplemento. Disponível em: https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20211000.html