Rejane Dos Santos Alves x Classe A Comercio De Veiculos Eireli e outros
Número do Processo:
0832963-11.2024.8.15.2001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPB
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
10ª Vara Cível da Capital
Última atualização encontrada em
28 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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03/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 10ª Vara Cível da Capital | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível da Capital PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0832963-11.2024.8.15.2001 [Financiamento de Produto, Dever de Informação] AUTOR: REJANE DOS SANTOS ALVES REU: CLASSE A COMERCIO DE VEICULOS EIRELI, BANCO VOTORANTIM S.A. S E N T E N Ç A EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA DE VEÍCULO USADO. AUSÊNCIA DE PROVA DO VÍCIO OCULTO. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. - A responsabilidade por vícios redibitórios em contratos de compra e venda exige comprovação de que o defeito era oculto, preexistente e suficientemente grave para tornar o bem imprestável ou reduzir-lhe substancialmente o valor. - Em relação a veículos usados, o desgaste natural é presumido e não configura, por si, vício oculto apto a justificar a resolução contratual. - A autora não produziu prova técnica idônea nem requereu prova pericial, não demonstrando a preexistência ou gravidade dos vícios alegados. - A ré demonstrou ter realizado reparos gratuitos no veículo, afastando a alegação de inércia ou má-fé na prestação de assistência. - A ausência de prova de dano efetivo ou de impacto relevante à personalidade da autora afasta a indenização por danos materiais e morais. Vistos, etc. REJANE DOS SANTOS ALVES, já qualificada nos autos, ingressou em juízo, por intermédio de advogados devidamente habilitados, com Ação Declaratória de Vício Redibitório c/c Indenização por Danos Morais em face de CLASSE A COMERCIO DE VEÍCULOS EIRELI e BANCO VOTORANTIM S.A, também qualificados, pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir expostos. A autora narra que adquiriu, em 25/08/2024, um veículo modelo Onix 2017, oferecido pela primeira ré, com a promessa de estar em perfeito estado de conservação e funcionamento, para que seu marido pudesse trabalhar como motorista de aplicativo. Alega que efetuou o pagamento de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por meio de transferência bancária, e que o restante do valor foi financiado junto à instituição financeira demandada (segunda ré), em 48 (quarenta e oito) parcelas de R$1.000,00 (mil reais), sendo que não teve acesso ao contrato de financiamento. Sustenta que dois dias após a aquisição, o veículo apresentou defeitos, como direção elétrica travada, ruídos ao girar o volante e falhas no ar-condicionado. Alega que mesmo após reparo inicial, o carro voltou a apresentar os mesmos problemas, além de novos vícios, como vazamento de óleo e falhas elétricas, sem que as demandadas oferecessem assistência adequada. Relata que diante da recorrência dos defeitos e da ausência de solução, enfrentou frustração, prejuízos financeiros e psicológicos, ficando a família impossibilitada de obter renda com o uso do veículo. Invoca os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, especialmente os artigos 2º, 3º, 6º, 18 e 26, para afirmar a existência de relação de consumo, a legitimidade passiva das rés, a responsabilidade objetiva pelos vícios ocultos e a possibilidade de rescisão do contrato de compra e venda, com restituição integral dos valores pagos, além de indenização por danos morais. Ao final, requer a concessão da gratuidade de justiça, a declaração de rescisão contratual com restituição dos valores pagos (R$ 25.000,00 e parcelas quitadas do financiamento), o cancelamento do contrato com o banco, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), bem como a inversão do ônus da prova e a condenação em custas processuais e honorários advocatícios. Instruindo o pedido, vieram os documentos contidos no Id nº 91062628 ao Id nº 91062628. Decisão deferindo a justiça gratuita e ordenando as providências processuais de estilo (Id nº 91205650). Citado, o Banco Votorantim S.A apresentou contestação (Id nº 97831188), alegando, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, impugnação ao valor da causa, inépcia da inicial e litispendência (processo nº 0853699-84.2023.8.15.2001). No mérito, reitera não ter qualquer responsabilidade pelos defeitos do veículo alegados na inicial, sustentando que não praticou qualquer ato ilícito e limitou-se a formalizar o financiamento, cuja contratação foi regular e consentida. Alega que todas as tratativas e eventuais defeitos decorreram da relação exclusiva com a concessionária vendedora, não havendo qualquer conduta da instituição financeira que enseje responsabilização. Impugna também os pedidos de indenização por danos morais e materiais, sustentando ausência de comprovação de qualquer prejuízo efetivo e ressaltando que meros aborrecimentos decorrentes de inadimplemento contratual não configuram dano moral indenizável, conforme jurisprudência do STJ. Quanto à alegada inversão do ônus da prova, defende sua inaplicabilidade por inexistirem circunstâncias excepcionais que a justifiquem. Por fim, caso haja condenação, requer que a correção monetária e os juros sejam calculados pela taxa SELIC, nos termos da jurisprudência dominante. Ao final, requer a extinção do feito, sem resolução de mérito, pelas preliminares apresentadas, ou, caso superadas, a total improcedência da demanda, com condenação da autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Impugnação à contestação (Id nº 98818676). Devidamente citada, a promovida Classe A Comércio de Veículos Eireli apresentou contestação (Id nº 101580145) e arguiu, em preliminar, a irregularidade da representação processual da autora, bem como impugnação à concessão da justiça gratuita. No mérito, nega a existência de vício oculto no veículo vendido, afirmando que prestou toda a assistência necessária, inclusive com reparos na direção elétrica e no ar-condicionado, sem ônus para a consumidora, como demonstram documentos anexados. Sustenta que os problemas apresentados decorreram de desgaste natural compatível com um automóvel fabricado em 2017 e com mais de 7 (sete) anos de uso à época da compra. Argumenta que a autora utilizava o carro para transporte por aplicativo, o que acelera o desgaste de peças e componentes. Aduz que não houve recusa na prestação da garantia e que os reparos realizados não indicam defeitos crônicos ou estruturais no veículo. Ressalta que não se trata de vício oculto, mas de falhas previsíveis em veículo usado, não sendo razoável esperar condições equivalentes a um automóvel novo. Com base nisso, pugna pela improcedência da rescisão contratual e da indenização por danos morais, que entende descabida, por não haver qualquer ato ilícito ou lesão à personalidade da autora, sendo os fatos narrados, quando muito, meros aborrecimentos do cotidiano. Subsidiariamente, caso haja condenação, requer abatimento proporcional no valor a ser restituído, considerando o tempo de uso, quilometragem e estado de conservação do veículo. Impugnação à contestação (Id nº 104458584). Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (Id nº 104953424 ao Id nº 105625107). Vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. Ex ante, consigna-se que o feito admite julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do CPC/15, considerando desnecessária a produção de outras provas além das constantes nos autos. P R E L I M I N A R E S Da Ilegitimidade passiva ad causam A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo banco não merece acolhida. A relação jurídica em análise é tipicamente de consumo, na qual a instituição financeira, ao ofertar o financiamento de veículo, atua em parceria comercial com a concessionária de veículos para viabilizar a contratação de produtos acessórios. O banco integra, portanto, a cadeia de fornecimento, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, e 14 do Código de Defesa do Consumidor, possuindo legitimidade para responder por eventuais falhas na prestação dos serviços ofertados conjuntamente. A responsabilidade final sobre o cancelamento do contrato é matéria de mérito, mas a legitimidade para figurar no polo passivo da demanda é inquestionável, razão pela qual rejeito a preliminar em foco. Da Impugnação ao Valor da Causa Em relação à citada preliminar, o banco alega que o montante atribuído na inicial não corresponde ao valor efetivamente controvertido. É certo que o valor da causa é componente obrigatório da petição inicial, nos termos do art. 292, caput, e art. 319, V, ambos do CPC/15, devendo obedecer aos parâmetros objetivos fixados nos incisos do supracitado art. 292 do CPC. O valor da causa, então, conforme a prescrição legal, refletirá o benefício monetário perseguido na ação, sendo a forma de garantir a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade naquilo que diz respeito aos seus efeitos, como o cômputo das custas judiciais. Da análise dos autos, deduz-se que a quantificação econômica do peditório autoral corresponde às pretensões de restituição de R$ 25.000,00 [vinte e cinco mil reais (referente à entrada)] e indenização por danos morais de R$ 8.000,00 (oito mil reais), totalizando R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais).. Nesse ínterim, considerando a interpretação com base no conjunto da postulação, nos termos do art. 322, § 2º, do CPC/15, e não havendo necessidade de correção do valor da causa, rejeito a preliminar em testilha. Da Impugnação à Concessão do Benefício da Justiça Gratuita. Ainda em sede de preliminar, os promovidos sustentam a impossibilidade de concessão do benefício da justiça gratuita à parte autora, argumentando, para tanto, que não houve demonstração da condição de miserabilidade. Isto posto, tem-se que o direito ora discutido encontra amparo nos arts. 98, e seguintes, do CPC/15. Notadamente, o art. 99, § 3º, do referido diploma processual, estabelece presunção relativa de veracidade quanto à alegação de insuficiência econômico-financeira deduzida por pessoa natural, o que é o caso dos presentes autos. Assim, no que tange à possibilidade de impugnar a concessão do benefício, o Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba se posiciona da seguinte maneira: APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. BENEFICIÁRIO PESSOA FÍSICA. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE ARCAR COM AS CUSTAS PROCESSUAIS. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE O IMPUGNANTE. APELANTE QUE NÃO COMPROVA SUAS ALEGAÇÕES. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJPB QUE CORROBORAM COM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. - Em conformidade com a Jurisprudência dominante do STJ, é ônus do impugnante comprovar a suficiência econômico-financeira do beneficiário da justiça gratuita. (TJ-PB - APL: 00132624920148152001 0013262-49.2014.815.2001, Relator: DES. LEANDRO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 09/05/2017, 1A CIVEL). Do precedente judicial, depreende-se que cabe ao impugnante o encargo de apresentar elementos contrários à concessão da gratuidade judicial requerida por pessoa natural, não se desincumbindo o promovido desta obrigação no caso em tela. Acerca da contratação de advogado particular pela parte autora, ressalto que o fato não tem relevância para concessão da gratuidade judiciária: EMENTA: APELAÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA À PESSOA JURÍDICA. IMPUGNAÇÃO. DECLARAÇÃO DO ESTADO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO INEXISTENTE. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. (Súmula 481, Superior Tribunal de Justiça). 2. A constituição de Advogado particular não é razão para seja indeferida a assistência judiciária gratuita. (TJ-PB - APL: 00104928320148152001 0010492-83.2014.815.2001, Relator: DES ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA, Data de Julgamento: 15/03/2016, 4A CIVEL). Ademais, da análise detida dos autos, não vislumbro prova documental, ou mesmo indiciária, capaz de desnaturar a declaração autoral acerca de sua hipossuficiência financeira, motivo pelo qual rejeito a impugnação levantada. Da Inépcia da inicial Suscitam os promovidos a inépcia da petição inicial por ausência de comprovante de residência atualizado e por suposto defeito na representação processual. Analisando os documentos inseridos no Id nº 91062628 e Id nº 91062628, afasto a pretensa inépcia da inicial, por não vislumbrar comprovante de residência atualizado como requisito da petição inicial e nem ausência de endereço como invalidade da procuração. Litispendência Argui o banco promovido a litispendência desta demanda com a ação tombada sob o nº 0853699-84.2023.8.15.2001. Entretanto, naquela demanda, os autos foram extintos sem resolução do mérito em face da complexidade da demanda e da impossibilidade de produção de prova pericial junto aos Juizados Especiais. Ademais, não há sentença de mérito proferida nos autos, de forma que não há possibilidade de aplicar o instituto da litispendência. Passo à análise do mérito. M É R I T O A controvérsia central reside na ocorrência, ou não, de vícios redibitórios em veículo usado e na responsabilidade dos réus pela rescisão do contrato e indenização por danos materiais e morais. Inicialmente, impende registrar que a relação jurídica estabelecida entre as partes se qualifica como de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). A autora enquadra-se como consumidora final, e os réus como fornecedores de produtos e serviços, integrando a cadeia de consumo, submetem-se às disposições da legislação consumerista. Neste cenário, a parte autora pleiteou a inversão do ônus da prova, invocando sua hipossuficiência técnica e a verossimilhança de suas alegações. Embora o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII, possibilite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando sua alegação for verossímil ou quando for hipossuficiente, tal inversão não é automática e depende da análise das peculiaridades do caso concreto. Na hipótese dos autos, a autora alega vícios ocultos em um veículo usado e a inércia da loja na resolução dos problemas. Contudo, a Classe A Comércio de Veículos Eireli, em sua contestação, apresentou notas de serviço e cópias de mensagens de WhatsApp que, em princípio, demonstram que a loja realizou os reparos necessários na direção elétrica e no ar-condicionado do veículo, às suas custas (totalizando R$ 1.540,00), e que houve comunicação com a autora, rebatendo a alegação de inércia ou má-fé. A autora, por sua vez, não trouxe aos autos qualquer laudo técnico ou pericial que atestasse a natureza dos vícios como sendo preexistentes e ocultos, e não meramente decorrentes do desgaste natural do bem. Dito isto, entendo que a fotografia de vazamento de óleo (Id nº 91063600), isoladamente, não possui capacidade probatória para comprovar que o problema se refere ao veículo em questão ou sua gravidade, uma vez que não há identificação do automóvel na imagem. A falta de elementos mínimos de prova para conferir verossimilhança à alegação de vício oculto grave e não sanado, bem como a apresentação de provas pela ré de que a assistência foi prestada, impedem a inversão irrestrita do ônus da prova, cabendo à autora a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. E, nesse contexto, é imperioso ressaltar que a autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide, não requerendo a produção de prova pericial, mesmo ciente que nos autos do processo nº 0853699-84.2023.8.15.2001, que teria tramitado junto ao 5º Juizado Especial Cível da Capital, a demanda foi extinta sem resolução do mérito justamente pela necessidade de produção de prova pericial. Necessário frisar, portanto, que não há provas de que o defeito já existia quando da tradição do veículo. Tal requisito está presente no art. 444 do Código Civil: Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. Prevê, ainda, o art. 492 do Código Civil: Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador. Destarte, quando da tradição do veículo, os riscos são transportados do vendedor para o comprador. A responsabilidade do alienante remanesce se o vício fosse preexistente, porém a autora não fez prova de tal alegação. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em caso análogo ao dos autos: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO USADO. PRODUÇÃO DE PROVAS. ÔNUS DO AUTOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PEDIDO IMPROCEDENTE. - A lei civil determina que a aquisição onerosa de bens poderá ser desfeita quando a coisa recebida apresentar defeitos ocultos que a tornem imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuam o valor, podendo o adquirente preferir continuar com a coisa mediante abatimento do preço. Para que a coisa possa ser enjeitada imprescindível que o vício seja oculto e que torne o bem adquirido imprestável ao uso a que se destina ou lhe diminua o valor - Sabe-se que nos termos do art. 373, I, do CPC, compete à parte autora o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. (TJ-MG - AC: 10000191438522001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 29/03/0020, Data de Publicação: 14/04/2020) (grifado). (...) Não pode o comprador que negligenciou o exame do bem, por mecânico de sua confiança, adquirindo-o no estado em que se encontrava, alegar vício redibitório pretendendo a rescisão da compra e venda, o reembolso das despesas com o reparo dos defeitos posteriormente detectados e indenização por danos morais. (TJMG. Proc. 1.0024.10.097476-5/001. Des. Rel. Mota e Silva. Dje 07/02/2014).” (TJ-MG - AC: 10000191438522001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 29/03/0020, Data de Publicação: 14/04/2020) Nessa tendência também se direciona o Tribunal de Justiça doméstico. Veja-se: APELAÇÃO N. 0802945-11.2018.8.15.2003 ORIGEM: APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEFEITO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALEGAÇÃO DE VÍCIO OCULTO. AUSÊNCIA DE PROVA DO DIREITO CONSTITUTIVO DO AUTOR. ART. 373, I, DO CPC. TEMPO DE FABRICAÇÃO DO VEÍCULO SUPERIOR A OITO ANOS. DESGASTE NATURAL DO AUTOMÓVEL. DANOS NÃO CONFIGURADOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. -Tratando-se de veículo usado com mais de oito anos de uso, pode-se presumir que os defeitos apresentados posteriormente não se confundem com vício redibitório. Ao invés, tem-se o desgaste natural das peças em razão do tempo de uso. -Os autores não se desincumbiram de demonstrar nos autos a aquisição do veículo com defeitos, sendo este o ônus que lhes cabe comprovar o fato constitutivo de seu direito, consoante dispõe o art. 373, I, do CPC. Não o fazendo, impõe-se a improcedência da demanda. -No presente feito, fica afastado o dever de indenizar da promovida, não podendo ser responsabilizada pelos danos materiais ora suportados. Também não há que se falar em reparação por danos morais, uma vez ausente o ato ilícito praticado. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima nominadas. ACORDA a Quarta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em sessão virtual, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, integrando a decisão a súmula de julgamento colacionada no evento ID 7474885.(0802945-11.2018.8.15.2003, Rel. Des. João Alves da Silva, APELAÇÃO CÍVEL, 4ª Câmara Cível, juntado em 19/08/2020) (grifado). Adentrando à questão do vício redibitório e da rescisão contratual, a autora adquiriu um veículo ONIX, ano 2017, em agosto de 2023, o que significa que o automóvel já possuía mais de 6 (seis) anos de uso na data da compra. É de conhecimento geral que veículos usados, especialmente aqueles com alguns anos de fabricação, estão sujeitos a desgastes naturais de peças e componentes em decorrência do tempo e do uso. A expectativa de um consumidor ao adquirir um bem usado não pode ser a mesma de um zero-quilômetro. Os problemas alegados pela autora, como defeitos na direção elétrica e no ar-condicionado, são frequentemente associados ao desgaste natural dos veículos. A primeira promovida, inclusive, demonstrou ter realizado os reparos para esses problemas dentro do período de garantia, sem custo para a autora, conforme documentação anexada, sendo certo que o fato de o veículo ser utilizado para transporte por aplicativo (Uber), conforme expressamente mencionado na inicial, implica em uso intenso e constante, o que naturalmente acelera o desgaste de componentes e a necessidade de manutenção. A jurisprudência tem reiteradamente reconhecido que problemas decorrentes do desgaste natural de veículos usados não se enquadram como vícios ocultos a justificar a rescisão do contrato. Cito exemplificadamente: APELAÇÃO CÍVEL - DANOS MORAIS E MATERIAIS - COMPRA E VENDA - VEÍCULO USADO - ALEGAÇÃO DE VÍCIO OCULTO - NÃO CONFIGURAÇÃO - NEGLIGÊNCIA DO COMPRADOR. Em se tratando de veículo usado é presumível o desgaste natural de peças e o comprador/consumidor assume riscos em razão do tempo de uso do automóvel, cumprindo-lhe, certificar-se, previamente à aquisição, de suas condições gerais, bem assim, a extensão e a forma de obtenção de eventual garantia a ser concedida pelo vendedor. Considera-se negligente o comprador quando deixa de fazer minuciosa avaliação do veículo usado a ser adquirido, razão pela qual não cabe alegar vício oculto para amparar reembolso de despesas com defeitos posteriormente detectados, devolução integral do valor do veículo e/ou indenização por danos morais.” (TJMG - 50083451020198130245, Relator: DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 05/08/2021, Data de Publicação: 10/08/2021). Ademais, a autora não comprovou que os alegados vícios tornaram o veículo impróprio ou inadequado ao uso a que se destina de forma definitiva. A própria narrativa inicial demonstra que os problemas foram sendo reparados pela loja, e a autora não reportou novos defeitos após o último reparo do ar-condicionado em setembro de 2023. A alegação de que a loja "mascarava" os problemas para que a garantia expirasse é uma mera suposição da autora, desprovida de qualquer elemento de prova. O artigo 18, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, invocado pela autora, de fato oferece alternativas ao consumidor, caso o vício não seja sanado em 30 (trinta) dias. No entanto, a prova dos autos demonstra que os reparos foram realizados. No mesmo trilhar de ideias, a afirmação de que a "mala elétrica" seria inverídica, por si só, não configura vício redibitório de magnitude que justifique a rescisão integral do contrato, podendo, no máximo, configurar uma disparidade com a oferta que ensejaria abatimento do preço, o que não foi objeto do pedido principal e tampouco foi demonstrado em termos de valor. Assim, não há fundamento para a rescisão do contrato de compra e venda. Consequentemente, não havendo rescisão do contrato principal, igualmente improcede o pedido de cancelamento do contrato de financiamento, que lhe é acessório. No que concerne aos danos materiais, a autora não logrou êxito em comprovar perdas e danos efetivos, para além da restituição dos valores pleiteados em caso de rescisão contratual. Não foram apresentados comprovantes de gastos com os reparos alegados (que a ré Classe A afirma ter arcado), nem documentos que demonstrem lucros cessantes ou outros prejuízos financeiros concretos decorrentes da alegada privação do veículo. A simples alegação de que o marido ficou sem trabalhar por alguns dias não é suficiente para a condenação em danos materiais, sem a devida quantificação e comprovação. O ônus da prova de tais danos recai sobre a autora, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, do qual não se desincumbiu. Por fim, quanto aos danos morais, a situação narrada pela autora, embora possa ter gerado transtornos e aborrecimentos, não se revela grave o suficiente para configurar lesão a direitos da personalidade que justifique a indenização pleiteada. A jurisprudência, inclusive aquela citada pelas próprias partes nos autos, é pacífica no sentido de que o mero descumprimento contratual, ou problemas que são solucionados pelo fornecedor, não configuram dano moral, salvo se deles advierem circunstâncias que atentem contra a dignidade da parte. Os problemas foram reportados e, conforme as provas anexadas pela primeira ré, foram realizados os reparos. A conduta da primeira promovida de prestar a assistência e realizar os consertos, inclusive, minimiza a gravidade dos infortúnios. A frustração decorrente de problemas em um veículo usado, ainda que cause dissabor, está dentro do espectro dos aborrecimentos cotidianos e não configura, por si só, violação a direitos da personalidade. Portanto, não há se falar em indenização por danos morais. Diante do exposto, firmo convicção de que os pedidos da autora não encontram respaldo nos elementos fáticos e probatórios constantes dos autos, impondo-se a improcedência da demanda. Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/15. Condeno a autora nas custas e em honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 85, § 6º, do CPC, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja cobrança ficará suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita. Com o trânsito em julgado da sentença, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição. P.R.I. João Pessoa, 30 de junho de 2025. Ricardo da Silva Brito Juiz de Direito
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03/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 10ª Vara Cível da Capital | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário da Paraíba 10ª Vara Cível da Capital PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) 0832963-11.2024.8.15.2001 [Financiamento de Produto, Dever de Informação] AUTOR: REJANE DOS SANTOS ALVES REU: CLASSE A COMERCIO DE VEICULOS EIRELI, BANCO VOTORANTIM S.A. S E N T E N Ç A EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA DE VEÍCULO USADO. AUSÊNCIA DE PROVA DO VÍCIO OCULTO. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA. - A responsabilidade por vícios redibitórios em contratos de compra e venda exige comprovação de que o defeito era oculto, preexistente e suficientemente grave para tornar o bem imprestável ou reduzir-lhe substancialmente o valor. - Em relação a veículos usados, o desgaste natural é presumido e não configura, por si, vício oculto apto a justificar a resolução contratual. - A autora não produziu prova técnica idônea nem requereu prova pericial, não demonstrando a preexistência ou gravidade dos vícios alegados. - A ré demonstrou ter realizado reparos gratuitos no veículo, afastando a alegação de inércia ou má-fé na prestação de assistência. - A ausência de prova de dano efetivo ou de impacto relevante à personalidade da autora afasta a indenização por danos materiais e morais. Vistos, etc. REJANE DOS SANTOS ALVES, já qualificada nos autos, ingressou em juízo, por intermédio de advogados devidamente habilitados, com Ação Declaratória de Vício Redibitório c/c Indenização por Danos Morais em face de CLASSE A COMERCIO DE VEÍCULOS EIRELI e BANCO VOTORANTIM S.A, também qualificados, pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir expostos. A autora narra que adquiriu, em 25/08/2024, um veículo modelo Onix 2017, oferecido pela primeira ré, com a promessa de estar em perfeito estado de conservação e funcionamento, para que seu marido pudesse trabalhar como motorista de aplicativo. Alega que efetuou o pagamento de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por meio de transferência bancária, e que o restante do valor foi financiado junto à instituição financeira demandada (segunda ré), em 48 (quarenta e oito) parcelas de R$1.000,00 (mil reais), sendo que não teve acesso ao contrato de financiamento. Sustenta que dois dias após a aquisição, o veículo apresentou defeitos, como direção elétrica travada, ruídos ao girar o volante e falhas no ar-condicionado. Alega que mesmo após reparo inicial, o carro voltou a apresentar os mesmos problemas, além de novos vícios, como vazamento de óleo e falhas elétricas, sem que as demandadas oferecessem assistência adequada. Relata que diante da recorrência dos defeitos e da ausência de solução, enfrentou frustração, prejuízos financeiros e psicológicos, ficando a família impossibilitada de obter renda com o uso do veículo. Invoca os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, especialmente os artigos 2º, 3º, 6º, 18 e 26, para afirmar a existência de relação de consumo, a legitimidade passiva das rés, a responsabilidade objetiva pelos vícios ocultos e a possibilidade de rescisão do contrato de compra e venda, com restituição integral dos valores pagos, além de indenização por danos morais. Ao final, requer a concessão da gratuidade de justiça, a declaração de rescisão contratual com restituição dos valores pagos (R$ 25.000,00 e parcelas quitadas do financiamento), o cancelamento do contrato com o banco, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), bem como a inversão do ônus da prova e a condenação em custas processuais e honorários advocatícios. Instruindo o pedido, vieram os documentos contidos no Id nº 91062628 ao Id nº 91062628. Decisão deferindo a justiça gratuita e ordenando as providências processuais de estilo (Id nº 91205650). Citado, o Banco Votorantim S.A apresentou contestação (Id nº 97831188), alegando, em preliminar, sua ilegitimidade passiva, impugnação ao valor da causa, inépcia da inicial e litispendência (processo nº 0853699-84.2023.8.15.2001). No mérito, reitera não ter qualquer responsabilidade pelos defeitos do veículo alegados na inicial, sustentando que não praticou qualquer ato ilícito e limitou-se a formalizar o financiamento, cuja contratação foi regular e consentida. Alega que todas as tratativas e eventuais defeitos decorreram da relação exclusiva com a concessionária vendedora, não havendo qualquer conduta da instituição financeira que enseje responsabilização. Impugna também os pedidos de indenização por danos morais e materiais, sustentando ausência de comprovação de qualquer prejuízo efetivo e ressaltando que meros aborrecimentos decorrentes de inadimplemento contratual não configuram dano moral indenizável, conforme jurisprudência do STJ. Quanto à alegada inversão do ônus da prova, defende sua inaplicabilidade por inexistirem circunstâncias excepcionais que a justifiquem. Por fim, caso haja condenação, requer que a correção monetária e os juros sejam calculados pela taxa SELIC, nos termos da jurisprudência dominante. Ao final, requer a extinção do feito, sem resolução de mérito, pelas preliminares apresentadas, ou, caso superadas, a total improcedência da demanda, com condenação da autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Impugnação à contestação (Id nº 98818676). Devidamente citada, a promovida Classe A Comércio de Veículos Eireli apresentou contestação (Id nº 101580145) e arguiu, em preliminar, a irregularidade da representação processual da autora, bem como impugnação à concessão da justiça gratuita. No mérito, nega a existência de vício oculto no veículo vendido, afirmando que prestou toda a assistência necessária, inclusive com reparos na direção elétrica e no ar-condicionado, sem ônus para a consumidora, como demonstram documentos anexados. Sustenta que os problemas apresentados decorreram de desgaste natural compatível com um automóvel fabricado em 2017 e com mais de 7 (sete) anos de uso à época da compra. Argumenta que a autora utilizava o carro para transporte por aplicativo, o que acelera o desgaste de peças e componentes. Aduz que não houve recusa na prestação da garantia e que os reparos realizados não indicam defeitos crônicos ou estruturais no veículo. Ressalta que não se trata de vício oculto, mas de falhas previsíveis em veículo usado, não sendo razoável esperar condições equivalentes a um automóvel novo. Com base nisso, pugna pela improcedência da rescisão contratual e da indenização por danos morais, que entende descabida, por não haver qualquer ato ilícito ou lesão à personalidade da autora, sendo os fatos narrados, quando muito, meros aborrecimentos do cotidiano. Subsidiariamente, caso haja condenação, requer abatimento proporcional no valor a ser restituído, considerando o tempo de uso, quilometragem e estado de conservação do veículo. Impugnação à contestação (Id nº 104458584). Instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (Id nº 104953424 ao Id nº 105625107). Vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. Ex ante, consigna-se que o feito admite julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do CPC/15, considerando desnecessária a produção de outras provas além das constantes nos autos. P R E L I M I N A R E S Da Ilegitimidade passiva ad causam A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo banco não merece acolhida. A relação jurídica em análise é tipicamente de consumo, na qual a instituição financeira, ao ofertar o financiamento de veículo, atua em parceria comercial com a concessionária de veículos para viabilizar a contratação de produtos acessórios. O banco integra, portanto, a cadeia de fornecimento, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único, e 14 do Código de Defesa do Consumidor, possuindo legitimidade para responder por eventuais falhas na prestação dos serviços ofertados conjuntamente. A responsabilidade final sobre o cancelamento do contrato é matéria de mérito, mas a legitimidade para figurar no polo passivo da demanda é inquestionável, razão pela qual rejeito a preliminar em foco. Da Impugnação ao Valor da Causa Em relação à citada preliminar, o banco alega que o montante atribuído na inicial não corresponde ao valor efetivamente controvertido. É certo que o valor da causa é componente obrigatório da petição inicial, nos termos do art. 292, caput, e art. 319, V, ambos do CPC/15, devendo obedecer aos parâmetros objetivos fixados nos incisos do supracitado art. 292 do CPC. O valor da causa, então, conforme a prescrição legal, refletirá o benefício monetário perseguido na ação, sendo a forma de garantir a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade naquilo que diz respeito aos seus efeitos, como o cômputo das custas judiciais. Da análise dos autos, deduz-se que a quantificação econômica do peditório autoral corresponde às pretensões de restituição de R$ 25.000,00 [vinte e cinco mil reais (referente à entrada)] e indenização por danos morais de R$ 8.000,00 (oito mil reais), totalizando R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais).. Nesse ínterim, considerando a interpretação com base no conjunto da postulação, nos termos do art. 322, § 2º, do CPC/15, e não havendo necessidade de correção do valor da causa, rejeito a preliminar em testilha. Da Impugnação à Concessão do Benefício da Justiça Gratuita. Ainda em sede de preliminar, os promovidos sustentam a impossibilidade de concessão do benefício da justiça gratuita à parte autora, argumentando, para tanto, que não houve demonstração da condição de miserabilidade. Isto posto, tem-se que o direito ora discutido encontra amparo nos arts. 98, e seguintes, do CPC/15. Notadamente, o art. 99, § 3º, do referido diploma processual, estabelece presunção relativa de veracidade quanto à alegação de insuficiência econômico-financeira deduzida por pessoa natural, o que é o caso dos presentes autos. Assim, no que tange à possibilidade de impugnar a concessão do benefício, o Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba se posiciona da seguinte maneira: APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. BENEFICIÁRIO PESSOA FÍSICA. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE ARCAR COM AS CUSTAS PROCESSUAIS. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE O IMPUGNANTE. APELANTE QUE NÃO COMPROVA SUAS ALEGAÇÕES. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJPB QUE CORROBORAM COM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO RECURSO. - Em conformidade com a Jurisprudência dominante do STJ, é ônus do impugnante comprovar a suficiência econômico-financeira do beneficiário da justiça gratuita. (TJ-PB - APL: 00132624920148152001 0013262-49.2014.815.2001, Relator: DES. LEANDRO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 09/05/2017, 1A CIVEL). Do precedente judicial, depreende-se que cabe ao impugnante o encargo de apresentar elementos contrários à concessão da gratuidade judicial requerida por pessoa natural, não se desincumbindo o promovido desta obrigação no caso em tela. Acerca da contratação de advogado particular pela parte autora, ressalto que o fato não tem relevância para concessão da gratuidade judiciária: EMENTA: APELAÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA À PESSOA JURÍDICA. IMPUGNAÇÃO. DECLARAÇÃO DO ESTADO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO INEXISTENTE. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR. IRRELEVÂNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. (Súmula 481, Superior Tribunal de Justiça). 2. A constituição de Advogado particular não é razão para seja indeferida a assistência judiciária gratuita. (TJ-PB - APL: 00104928320148152001 0010492-83.2014.815.2001, Relator: DES ROMERO MARCELO DA FONSECA OLIVEIRA, Data de Julgamento: 15/03/2016, 4A CIVEL). Ademais, da análise detida dos autos, não vislumbro prova documental, ou mesmo indiciária, capaz de desnaturar a declaração autoral acerca de sua hipossuficiência financeira, motivo pelo qual rejeito a impugnação levantada. Da Inépcia da inicial Suscitam os promovidos a inépcia da petição inicial por ausência de comprovante de residência atualizado e por suposto defeito na representação processual. Analisando os documentos inseridos no Id nº 91062628 e Id nº 91062628, afasto a pretensa inépcia da inicial, por não vislumbrar comprovante de residência atualizado como requisito da petição inicial e nem ausência de endereço como invalidade da procuração. Litispendência Argui o banco promovido a litispendência desta demanda com a ação tombada sob o nº 0853699-84.2023.8.15.2001. Entretanto, naquela demanda, os autos foram extintos sem resolução do mérito em face da complexidade da demanda e da impossibilidade de produção de prova pericial junto aos Juizados Especiais. Ademais, não há sentença de mérito proferida nos autos, de forma que não há possibilidade de aplicar o instituto da litispendência. Passo à análise do mérito. M É R I T O A controvérsia central reside na ocorrência, ou não, de vícios redibitórios em veículo usado e na responsabilidade dos réus pela rescisão do contrato e indenização por danos materiais e morais. Inicialmente, impende registrar que a relação jurídica estabelecida entre as partes se qualifica como de consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). A autora enquadra-se como consumidora final, e os réus como fornecedores de produtos e serviços, integrando a cadeia de consumo, submetem-se às disposições da legislação consumerista. Neste cenário, a parte autora pleiteou a inversão do ônus da prova, invocando sua hipossuficiência técnica e a verossimilhança de suas alegações. Embora o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII, possibilite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando sua alegação for verossímil ou quando for hipossuficiente, tal inversão não é automática e depende da análise das peculiaridades do caso concreto. Na hipótese dos autos, a autora alega vícios ocultos em um veículo usado e a inércia da loja na resolução dos problemas. Contudo, a Classe A Comércio de Veículos Eireli, em sua contestação, apresentou notas de serviço e cópias de mensagens de WhatsApp que, em princípio, demonstram que a loja realizou os reparos necessários na direção elétrica e no ar-condicionado do veículo, às suas custas (totalizando R$ 1.540,00), e que houve comunicação com a autora, rebatendo a alegação de inércia ou má-fé. A autora, por sua vez, não trouxe aos autos qualquer laudo técnico ou pericial que atestasse a natureza dos vícios como sendo preexistentes e ocultos, e não meramente decorrentes do desgaste natural do bem. Dito isto, entendo que a fotografia de vazamento de óleo (Id nº 91063600), isoladamente, não possui capacidade probatória para comprovar que o problema se refere ao veículo em questão ou sua gravidade, uma vez que não há identificação do automóvel na imagem. A falta de elementos mínimos de prova para conferir verossimilhança à alegação de vício oculto grave e não sanado, bem como a apresentação de provas pela ré de que a assistência foi prestada, impedem a inversão irrestrita do ônus da prova, cabendo à autora a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. E, nesse contexto, é imperioso ressaltar que a autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide, não requerendo a produção de prova pericial, mesmo ciente que nos autos do processo nº 0853699-84.2023.8.15.2001, que teria tramitado junto ao 5º Juizado Especial Cível da Capital, a demanda foi extinta sem resolução do mérito justamente pela necessidade de produção de prova pericial. Necessário frisar, portanto, que não há provas de que o defeito já existia quando da tradição do veículo. Tal requisito está presente no art. 444 do Código Civil: Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição. Prevê, ainda, o art. 492 do Código Civil: Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador. Destarte, quando da tradição do veículo, os riscos são transportados do vendedor para o comprador. A responsabilidade do alienante remanesce se o vício fosse preexistente, porém a autora não fez prova de tal alegação. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em caso análogo ao dos autos: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO USADO. PRODUÇÃO DE PROVAS. ÔNUS DO AUTOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PEDIDO IMPROCEDENTE. - A lei civil determina que a aquisição onerosa de bens poderá ser desfeita quando a coisa recebida apresentar defeitos ocultos que a tornem imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuam o valor, podendo o adquirente preferir continuar com a coisa mediante abatimento do preço. Para que a coisa possa ser enjeitada imprescindível que o vício seja oculto e que torne o bem adquirido imprestável ao uso a que se destina ou lhe diminua o valor - Sabe-se que nos termos do art. 373, I, do CPC, compete à parte autora o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. (TJ-MG - AC: 10000191438522001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 29/03/0020, Data de Publicação: 14/04/2020) (grifado). (...) Não pode o comprador que negligenciou o exame do bem, por mecânico de sua confiança, adquirindo-o no estado em que se encontrava, alegar vício redibitório pretendendo a rescisão da compra e venda, o reembolso das despesas com o reparo dos defeitos posteriormente detectados e indenização por danos morais. (TJMG. Proc. 1.0024.10.097476-5/001. Des. Rel. Mota e Silva. Dje 07/02/2014).” (TJ-MG - AC: 10000191438522001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 29/03/0020, Data de Publicação: 14/04/2020) Nessa tendência também se direciona o Tribunal de Justiça doméstico. Veja-se: APELAÇÃO N. 0802945-11.2018.8.15.2003 ORIGEM: APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEFEITO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALEGAÇÃO DE VÍCIO OCULTO. AUSÊNCIA DE PROVA DO DIREITO CONSTITUTIVO DO AUTOR. ART. 373, I, DO CPC. TEMPO DE FABRICAÇÃO DO VEÍCULO SUPERIOR A OITO ANOS. DESGASTE NATURAL DO AUTOMÓVEL. DANOS NÃO CONFIGURADOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. -Tratando-se de veículo usado com mais de oito anos de uso, pode-se presumir que os defeitos apresentados posteriormente não se confundem com vício redibitório. Ao invés, tem-se o desgaste natural das peças em razão do tempo de uso. -Os autores não se desincumbiram de demonstrar nos autos a aquisição do veículo com defeitos, sendo este o ônus que lhes cabe comprovar o fato constitutivo de seu direito, consoante dispõe o art. 373, I, do CPC. Não o fazendo, impõe-se a improcedência da demanda. -No presente feito, fica afastado o dever de indenizar da promovida, não podendo ser responsabilizada pelos danos materiais ora suportados. Também não há que se falar em reparação por danos morais, uma vez ausente o ato ilícito praticado. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima nominadas. ACORDA a Quarta Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em sessão virtual, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, integrando a decisão a súmula de julgamento colacionada no evento ID 7474885.(0802945-11.2018.8.15.2003, Rel. Des. João Alves da Silva, APELAÇÃO CÍVEL, 4ª Câmara Cível, juntado em 19/08/2020) (grifado). Adentrando à questão do vício redibitório e da rescisão contratual, a autora adquiriu um veículo ONIX, ano 2017, em agosto de 2023, o que significa que o automóvel já possuía mais de 6 (seis) anos de uso na data da compra. É de conhecimento geral que veículos usados, especialmente aqueles com alguns anos de fabricação, estão sujeitos a desgastes naturais de peças e componentes em decorrência do tempo e do uso. A expectativa de um consumidor ao adquirir um bem usado não pode ser a mesma de um zero-quilômetro. Os problemas alegados pela autora, como defeitos na direção elétrica e no ar-condicionado, são frequentemente associados ao desgaste natural dos veículos. A primeira promovida, inclusive, demonstrou ter realizado os reparos para esses problemas dentro do período de garantia, sem custo para a autora, conforme documentação anexada, sendo certo que o fato de o veículo ser utilizado para transporte por aplicativo (Uber), conforme expressamente mencionado na inicial, implica em uso intenso e constante, o que naturalmente acelera o desgaste de componentes e a necessidade de manutenção. A jurisprudência tem reiteradamente reconhecido que problemas decorrentes do desgaste natural de veículos usados não se enquadram como vícios ocultos a justificar a rescisão do contrato. Cito exemplificadamente: APELAÇÃO CÍVEL - DANOS MORAIS E MATERIAIS - COMPRA E VENDA - VEÍCULO USADO - ALEGAÇÃO DE VÍCIO OCULTO - NÃO CONFIGURAÇÃO - NEGLIGÊNCIA DO COMPRADOR. Em se tratando de veículo usado é presumível o desgaste natural de peças e o comprador/consumidor assume riscos em razão do tempo de uso do automóvel, cumprindo-lhe, certificar-se, previamente à aquisição, de suas condições gerais, bem assim, a extensão e a forma de obtenção de eventual garantia a ser concedida pelo vendedor. Considera-se negligente o comprador quando deixa de fazer minuciosa avaliação do veículo usado a ser adquirido, razão pela qual não cabe alegar vício oculto para amparar reembolso de despesas com defeitos posteriormente detectados, devolução integral do valor do veículo e/ou indenização por danos morais.” (TJMG - 50083451020198130245, Relator: DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 05/08/2021, Data de Publicação: 10/08/2021). Ademais, a autora não comprovou que os alegados vícios tornaram o veículo impróprio ou inadequado ao uso a que se destina de forma definitiva. A própria narrativa inicial demonstra que os problemas foram sendo reparados pela loja, e a autora não reportou novos defeitos após o último reparo do ar-condicionado em setembro de 2023. A alegação de que a loja "mascarava" os problemas para que a garantia expirasse é uma mera suposição da autora, desprovida de qualquer elemento de prova. O artigo 18, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, invocado pela autora, de fato oferece alternativas ao consumidor, caso o vício não seja sanado em 30 (trinta) dias. No entanto, a prova dos autos demonstra que os reparos foram realizados. No mesmo trilhar de ideias, a afirmação de que a "mala elétrica" seria inverídica, por si só, não configura vício redibitório de magnitude que justifique a rescisão integral do contrato, podendo, no máximo, configurar uma disparidade com a oferta que ensejaria abatimento do preço, o que não foi objeto do pedido principal e tampouco foi demonstrado em termos de valor. Assim, não há fundamento para a rescisão do contrato de compra e venda. Consequentemente, não havendo rescisão do contrato principal, igualmente improcede o pedido de cancelamento do contrato de financiamento, que lhe é acessório. No que concerne aos danos materiais, a autora não logrou êxito em comprovar perdas e danos efetivos, para além da restituição dos valores pleiteados em caso de rescisão contratual. Não foram apresentados comprovantes de gastos com os reparos alegados (que a ré Classe A afirma ter arcado), nem documentos que demonstrem lucros cessantes ou outros prejuízos financeiros concretos decorrentes da alegada privação do veículo. A simples alegação de que o marido ficou sem trabalhar por alguns dias não é suficiente para a condenação em danos materiais, sem a devida quantificação e comprovação. O ônus da prova de tais danos recai sobre a autora, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, do qual não se desincumbiu. Por fim, quanto aos danos morais, a situação narrada pela autora, embora possa ter gerado transtornos e aborrecimentos, não se revela grave o suficiente para configurar lesão a direitos da personalidade que justifique a indenização pleiteada. A jurisprudência, inclusive aquela citada pelas próprias partes nos autos, é pacífica no sentido de que o mero descumprimento contratual, ou problemas que são solucionados pelo fornecedor, não configuram dano moral, salvo se deles advierem circunstâncias que atentem contra a dignidade da parte. Os problemas foram reportados e, conforme as provas anexadas pela primeira ré, foram realizados os reparos. A conduta da primeira promovida de prestar a assistência e realizar os consertos, inclusive, minimiza a gravidade dos infortúnios. A frustração decorrente de problemas em um veículo usado, ainda que cause dissabor, está dentro do espectro dos aborrecimentos cotidianos e não configura, por si só, violação a direitos da personalidade. Portanto, não há se falar em indenização por danos morais. Diante do exposto, firmo convicção de que os pedidos da autora não encontram respaldo nos elementos fáticos e probatórios constantes dos autos, impondo-se a improcedência da demanda. Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/15. Condeno a autora nas custas e em honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 85, § 6º, do CPC, em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja cobrança ficará suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita. Com o trânsito em julgado da sentença, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição. P.R.I. João Pessoa, 30 de junho de 2025. Ricardo da Silva Brito Juiz de Direito
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03/07/2025 - Documento obtido via DJENSentença Baixar (PDF)