Luiza Helena Lima Cavalcanti De Araujo e outros x Josivaldo Medeiros De Lima e outros

Número do Processo: 0836225-03.2023.8.15.2001

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJPB
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 3ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em 13 de junho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  3. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  4. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  5. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  6. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  7. 13/06/2025 - Intimação
    Órgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0836225-03.2023.8.15.2001 ORIGEM: 3ª Vara de Família da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau - Relator APELANTE: L.H.C.D.A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos ADVOGADO: Anderson Ferreira Marques (OAB/PB 11.828) APELADOS: Josivaldo Medeiros de Lima e outros ADVOGADO: Silvio José de Oliveira Silva (OAB/PB 21.526) Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVAS INEQUÍVOCAS DA VONTADE DO FALECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, cumulada com pedido de Averbação no Registro Civil, proposta por menor representada por seu genitor, alegando vínculo materno socioafetivo com a tia-avó falecida, que a trataria como filha. A autora apresentou documentos, fotos, bilhetes e testemunhos como provas da relação. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau por ausência de comprovação da posse do estado de filha. Inconformada, a parte autora interpôs apelação, pleiteando a procedência do pedido. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se restaram comprovados os requisitos legais e jurisprudenciais para o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, especialmente a manifestação inequívoca da vontade da falecida em reconhecer a menor como filha e a posse do estado de filha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem exige prova inequívoca da vontade do falecido em constituir o vínculo parental, bem como demonstração pública, contínua e inequívoca da posse do estado de filho. 4. A posse do estado de filho exige a conjugação dos elementos do tractatus (trato como filha), nominatio (designação como filha) e reputatio (reconhecimento social do vínculo). 5. O conjunto probatório apresentado, embora indique forte vínculo afetivo, não é suficiente para comprovar a vontade inequívoca da falecida em assumir a condição de mãe da autora. 6. A falecida teve oportunidade, durante longo período de convivência, de formalizar tal vínculo ou expressar publicamente essa intenção, o que não ocorreu. 7. A jurisprudência é firme no sentido de que o reconhecimento post mortem da parentalidade socioafetiva não pode se basear apenas no afeto ou em presunções, especialmente em hipóteses com possível implicação patrimonial. 8. O parecer do Ministério Público em ambas as instâncias e a sentença de primeiro grau convergem no sentido da ausência de elementos suficientes para o reconhecimento pretendido. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige demonstração inequívoca da vontade do falecido em constituir vínculo de filiação. 2. A existência de afeto e convivência, por si sós, não configuram posse do estado de filho quando ausente publicidade e vontade expressa de parentalidade. 3. O reconhecimento judicial da filiação socioafetiva post mortem demanda provas robustas e incontroversas, não se admitindo presunções diante de possível interesse patrimonial. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, e 227, § 6º; CC, art. 1.593; CPC/2015, arts. 98, § 3º, e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/4/2016; TJ-RJ, Apelação 0008089-06.2021.8.19.0023, j. 13/08/2024; TJ-MG, Apelação Cível 5001102-33.2019.8.13.0433, j. 27/09/2024. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L. H. L. C. D. A., representada por seu genitor Carlos Araújo dos Santos, em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital nos autos da Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva Post Mortem, Cumulada com Averbação de Registro Civil, tombada sob o nº 0836225-03.2023.8.15.2001. O polo passivo da demanda é composto por JOSIVALDO MEDEIROS DE LIMA e OUTROS, indicados como irmãos e herdeiros da falecida. Na petição inicial, a parte autora narrou a existência de um forte vínculo afetivo e familiar com a Sra. MARIA DO SOCORRO LIMA, sua tia-avó falecida em 21/07/2020, alegando que esta a tratava como filha. Segundo a autora, a falecida se referia a si mesma como "mamãe" para a menor e a relação era pública, notória e permanente, conhecida pela sociedade, "saltando aos olhos". Afirma que a falecida teria assumido responsabilidades educacionais e financeiras. Como prova da relação socioafetiva, a autora mencionou fotos, homenagens recíprocas em redes sociais, cartinhas, cartões, a concessão de seguro de vida em seu favor, e depoimentos de testemunhas. Requereu a declaração da filiação socioafetiva post mortem e a averbação no registro civil, fundamentando a ação nos arts. 1º, III, 227, § 6º da Constituição Federal e 1.593 do Código Civil. Os autos foram inicialmente distribuídos à Vara de Feitos Especiais e posteriormente redistribuídos à 3ª Vara de Família da Capital. Foi deferida a gratuidade da justiça à autora. Foi designada audiência de conciliação para 31/08/2023. Foram realizadas diversas diligências para a citação dos réus, incluindo cartas precatórias para aqueles residentes fora de João Pessoa/PB. Foi facultada a participação por videoconferência para os que residiam fora da Grande João Pessoa ou estavam impossibilitados de comparecer presencialmente. A citação da ré Gerusa Lima de Brito, residente em Recife/PE, enfrentou dificuldades e precisou ser renovada. A certidão de citação de Gerusa Lima de Brito foi juntada em 14/12/2023. A audiência de conciliação, realizada em 31/08/2023, resultou infrutífera, com ausência de algumas partes, incluindo Gerusa Lima de Brito. Diante do manifesto desinteresse das partes demandadas na conciliação, a requerimento da parte autora, foi dispensada nova audiência. Os réus já citados foram intimados para contestar no prazo de 15 dias. Foi certificado o decurso do prazo sem contestação por parte de Gerusa Lima de Brito, e foi decretada a revelia dos promovidos. Os réus habilitaram advogado nos autos e apresentaram defesa (Alegações Finais que, no contexto, também serviram como manifestação após a revelia), sustentando a improcedência da ação. Argumentaram que a relação era de forte afeto, mas não de filiação, e que a falecida amava a todos os sobrinhos/sobrinhos-netos com o mesmo carinho e participação em suas vidas, não havendo publicidade de tratamento específico como filha. Alegaram possível interesse meramente econômico na demanda. Apresentaram fotos da falecida com outros familiares para demonstrar que a afetividade era generalizada. Questionaram por que a ação não foi proposta antes do falecimento. Houve fase de especificação de provas, com requerimento de produção de prova testemunhal pelas partes. Foi designada audiência de instrução e julgamento. Durante a audiência de instrução, foram ouvidos declarantes. As duas primeiras declarantes arroladas pela autora (amigas da falecida) afirmaram que a falecida nutria uma relação distinta com a autora, embora também possuísse afeto por outros familiares. Os declarantes arrolados pela parte ré (familiares) negaram qualquer distinção no trato da tia-avó para com a autora, sustentando que o carinho era geral. O patrono da parte autora requereu a limitação do número de depoimentos. Após as alegações finais apresentadas pelas partes, os autos foram remetidos ao Ministério Público em primeiro grau para parecer final. O Ministério Público, em parecer, opinou pela IMPROCEDÊNCIA do pedido. Fundamentou que, embora houvesse carinho e afetividade, não restou evidenciado o interesse da de cujus em reconhecer a menor como filha, nem que fosse tratada na sociedade como tal. Destacou que a falecida teve tempo para externar expressa e inequivocamente a vontade de reconhecer o vínculo materno, o que não ocorreu. Mencionou que "criar filho alheio" ou "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, e que o instituto não pode ser usado para interesses exclusivamente patrimoniais. Sobreveio sentença, que julgou IMPROCEDENTE o pedido inicial. O Douto Juízo de primeiro grau entendeu que não houve prova suficiente da filiação socioafetiva, e que a maternidade socioafetiva deve decorrer da vontade e do afeto, não do arbítrio. Inconformada com a sentença, a parte autora interpôs o presente Recurso de Apelação. Em suas razões, requer a reforma integral da sentença para que os pedidos iniciais de declaração de filiação socioafetiva post mortem e averbação sejam julgados TOTALMENTE PROCEDENTES. Alega que há provas mais que suficientes nos autos (documentos, fotos, depoimentos/declarações) que demonstram inequivocamente a relação de mãe e filha, publicamente conhecida. Cita, como provas robustas, fotos, bilhetes/cartões, uma carta da falecida para a professora da apelante, e a apólice de seguro de vida em seu favor, documentos estes que, segundo a apelante, não foram impugnados pelos réus. Contrapõe os declarantes que arrolou (amigas da falecida e sem interesse na causa) aos declarantes arrolados pelos réus (familiares preocupados com vantagens econômicas), pugnando pelo devido valor probatório às declarações prestadas. O apelo é tempestivo e a apelante é beneficiária da justiça gratuita. Os réus apresentaram Contrarrazões, requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença. Reafirmam que a sentença deve ser mantida pela correta análise dos fatos e do direito. Argumentam que a apelação busca rediscutir matéria fática já devidamente apreciada. Reiteram a insuficiência probatória do alegado pela autora. Corroboram o entendimento do Ministério Público de primeiro grau, citando trecho de seu parecer acerca da ausência de manifestação expressa e inequívoca da vontade da falecida em reconhecer o vínculo materno, apesar do longo período de convivência. Mencionam o interesse exclusivamente financeiro da demanda, citando jurisprudência que alerta para o uso do instituto com essa finalidade. Afirmam que a sentença analisou detalhadamente as provas e concluiu pela insuficiência para configurar a maternidade socioafetiva post mortem. Nesta Superior Instância, os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça para parecer. Em seu pronunciamento, a Procuradoria de Justiça descreveu a natureza da ação e opinou pelo desprovimento do recurso apelatório, mantendo a sentença recorrida. Fundamentou que o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem exige a demonstração da vontade manifesta da falecida em estabelecer laços de parentesco, o que, diante da ausência de provas robustas e incontestáveis do estado de filiação socioafetiva, não restou comprovado nos autos. Citou jurisprudência que corrobora este entendimento. É o relatório VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Relator Inicialmente, é necessário consignar que a parte apelante litiga amparada pela gratuidade da justiça, devidamente deferida no dispositivo da sentença, razão pela qual, apenas, ratifico-a nesta instância. Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. A questão posta em exame cinge-se ao preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem. A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, em seu artigo 1.593, acolheram o princípio da igualdade entre os filhos e a pluralidade das entidades familiares, reconhecendo que o parentesco pode decorrer não apenas da consanguinidade ou adoção, mas também de "outra origem", o que a doutrina e a jurisprudência majoritárias interpretam como sendo o vínculo da afetividade. A filiação socioafetiva é aquela baseada no afeto e na posse do estado de filho, independentemente do vínculo biológico ou formal da adoção. O reconhecimento desse vínculo, especialmente após o falecimento do pretenso pai ou mãe, exige cautela redobrada e um conjunto probatório irrefutável. Não basta a mera existência de carinho, cuidado ou convívio; é fundamental demonstrar a vontade inequívoca da falecida em estabelecer o laço de parentesco e que a relação fosse pública e notória como de filiação, configurando a denominada "posse de estado de filho". A "posse de estado de filho" é caracterizada por três elementos principais: 1. Tractatus (Trato): O pai/mãe trata a pessoa como filho/a e é tratado como pai/mãe. 2. Nominatio (Nome): O pai/mãe designa a pessoa como filho/a (embora para a socioafetividade não formalizada, a ausência do nome no registro seja o ponto central). 3. Reputatio (Reputação): A pessoa é publicamente conhecida e reconhecida como filho/a pelos amigos, pela sociedade, pela família em geral. No caso dos autos, a parte autora apresentou elementos como fotos, homenagens em redes sociais e o seguro de vida, além da prova testemunhal/declaratória. Alega que a falecida a tratava como filha ("mamãe vai fazer pra você") e que a relação era pública e notória. Contudo, pelo arcabouço probatório constante dos autos, embora pudesse existir um forte vínculo afetivo e cuidado diário (especialmente nos horários em que os pais da autora trabalhavam), isso não configurou publicamente uma relação de filha, mas sim o afeto intenso entre tia-avó e sobrinha-neta. Ressaltam que a falecida amava a todos os seus sobrinhos e sobrinhos netos indistintamente. Crucialmente para o reconhecimento post mortem, exige-se a demonstração da vontade clara e inequívoca do falecido em reconhecer ou adotar como filho. A falecida Sra. Socorro teve longo período de convivência e vida para externar, de forma expressa e inequívoca, a eventual vontade de reconhecer o vínculo materno, lapso suficiente para que isso ocorresse antes do seu falecimento, o que, pelo conjunto probatório, não restou comprovado. A jurisprudência reforça que o reconhecimento tardio post mortem não pode ser utilizado para interesses meramente econômicos, e que "criar filho alheio", "pegar para criar", "afilhado" não são sinônimos de assunção de parentalidade socioafetiva, especialmente quando o pretenso pai/mãe teve décadas para formalizar a vontade e não o fez. Nesse sentido: Informativo 581 do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Será possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva após a morte de quem se pretende reconhecer como pai. De fato, a adoção póstuma é prevista no ordenamento pátrio no art. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." O STJ já emprestou exegese ao citado dispositivo para permitir como meio de comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição. Portanto, em situações excepcionais em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto (REsp 1.326.728-RS, Terceira Turma, DJe 27/2/2014). Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (REsp 1.217.415-RS, Terceira Turma, DJe 28/6/2012; e REsp 457.635-PB, Quarta Turma, DJ 17/3/2003). Aliás, a socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do CC, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF, que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada, "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade". Por fim, registre-se que a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos. (REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016). DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. Ação declaratória de paternidade socioafetiva, com pedido cumulado de habilitação em inventário. Sentença de improcedência . Irresignação. Paternidade socioafetiva póstuma, para cujo reconhecimento é imprescindível prova inequívoca da vontade do falecido neste sentido. Conjunto probatório, sobretudo testemunhal, que não corrobora as alegações do autor. Vontade do obituado, que foi expressa ainda em vida no que se refere à união estável com a genitora do demandante e à disposição da metade de seus bens por meio de testamento público . Inexistência de qualquer documento relativo à adoção ou parentalidade socioafetiva. Manutenção da sentença. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00080890620218190023 202400115312, Relator.: Des(a) . DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 13/08/2024, SETIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 12ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 20/08/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. NECESSIDADE DE PROVA INEQUÍVOCA DO STATUS DE FILHA . AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE POSSE DE FILHA. RELAÇÃO DE AFETO INSUFICIENTE PARA COMPROVAR PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. - O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem exige prova inequívoca do estado de posse de filho - Segundo o STJ, são requisitos para comprovar a parentalidade socioafetiva: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição - No caso, a apelante não comprovou o estado de posse de filha . As provas demonstraram a relação de afeto entre a apelante e o falecido, o que é insuficiente para caracterizar a filiação socioafetiva - Recurso conhecido e não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50011023320198130433, Relator.: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 27/09/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 01/10/2024) O parecer da Procuradoria de Justiça nesta instância revisora alinha-se ao parecer de primeiro grau e à sentença, opinando pelo desprovimento da apelação, sob o fundamento de que a ausência de provas robustas e incontestáveis impede o reconhecimento da maternidade socioafetiva post mortem, diante da inexistência de elementos suficientes para comprovar a posse do estado de filiação. Diante do cenário probatório descrito nos autos e da análise feita pelas instâncias precedentes e pelo Ministério Público em ambas as fases, verifica-se que a prova produzida não foi considerada suficiente para demonstrar, de forma inequívoca e pública, a vontade da falecida de ser reconhecida juridicamente como mãe da autora, nem que a autora fosse tratada publicamente como filha legítima pela Sra. Socorro, a ponto de configurar a posse do estado de filha nos moldes exigidos para o reconhecimento post mortem. Ainda que existisse um fortíssimo laço afetivo e cuidado, que são indubitavelmente valiosos e dignos de reconhecimento sob a ótica humana e social, a prova não se mostrou robusta o bastante para transmudar essa relação, por mais profunda que fosse, em vínculo de parentalidade socioafetiva juridicamente reconhecível post mortem, especialmente quando a falecida, em vida, não manifestou tal vontade de forma clara e inconfundível perante a sociedade em geral. O parecer ministerial (ID 33621652 e o de 2ª instância) foi incisivo neste ponto, e a sentença de primeiro grau parece ter seguido tal orientação, o que encontra respaldo na jurisprudência. Em suma, a tese recursal da apelante, embora louvável em seu propósito de buscar o reconhecimento de um vínculo afetivo importante, não se sustenta diante da exigência legal e jurisprudencial da demonstração cabal da vontade da falecida em constituir o vínculo filial e da posse de estado de filha com notoriedade pública, requisitos estes que o conjunto probatório, na visão da sentença e dos pareceres ministeriais, não conseguiu comprovar de maneira inequívoca. DISPOSITIVO Isso posto, voto no sentido de que este Colegiado, em consonância com o parecer da douta Procuradoria de Justiça, NEGUE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Capital. Com fundamento no § 11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários advocatícios sucumbenciais recursais, devidos pela parte vencida à parte vencedora, de R$2.000,00 (dois mil reais), para o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), restando suspensa a sua exigibilidade quanto à parte promovente (ora apelante), em face da gratuidade judicial deferida (artigo 98, § 3º, do CPC/15). É como voto. João Pessoa, data do registro eletrônico. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque RELATOR
  8. 13/06/2025 - Documento obtido via DJEN
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