Nec Corporation x Hmd Global Oy e outros
Número do Processo:
0876807-49.2025.8.19.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRJ
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital
Última atualização encontrada em
24 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
As atualizações mais recentes estão bloqueadas.
Assine para desbloquear as últimas atualizações deste processo. -
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital 3ª Vara Empresarial Palácio da Justiça, Avenida Erasmo Braga 115, Centro, RIO DE JANEIRO - RJ - CEP: 20020-903 [Patente, Liminar] 0876807-49.2025.8.19.0001 AUTOR: NEC CORPORATION RÉU: HMD GLOBAL OY, MULTILASER INDUSTRIAL S.A. D E C I S Ã O Designado para exercício em vara empresarial, constatei a dispersão de entendimentos acerca desse tipo específico de demanda, em que se reclama proteção à exclusividade patentária. Havia tutelas de urgência deferidas liminarmente, sem perícia prévia, outras condicionando tal implemento à oitiva do expert, ainda que de forma simplificada; da mesma forma, algumas decisões impunham a imediata cessação da atividade alegadamente ilícita, ao passo que tantas outras cogitavam de caução ou até de pagamento direto para garantir eventual indenização que se apure devida. Essa situação, com a máxima vênia, inspira perniciosa insegurança jurídica, além de desorganizar o mercado local. Afinal, esmaecidas as regras de condutas impostas a seus principais players,dá um viés lotérico à definição de quem pode, ao fim e ao cabo, explorar patentes. Tudo fica mais grave na medida em que se trate, conforme se verá, de patentes essenciais. A hesitação jurisprudencial também falta ao padrão que creio mais adequado em uma vara empresarial. Isso porque, a meu sentir e salvo melhor juízo, no âmbito empresarial, o Magistrado deve trabalhar para o protagonismo das partes e enaltecer as tratativas de solução negocial. Aqui, diferentemente de outros ramos do Direito, a intervenção deve ser mínima e discreta, sem jamais desequilibrar o diagrama de forças mercadológicas. Explico-me: como as questões submetidas ao juízo empresarial, em regra, orbitam interesses econômicos, o Judiciário deve se propor a arena de diálogo e de reequilíbrio das condições negociais. Somente em último caso, quando realmente não seja possível a autocomposição, deverá impor a solução definitiva. Tal lógica, que já é própria do Novo Código de Processo Civil, tem muito mais eloquência nesse âmbito específico. A par disso, consideradas a sofisticação das estratégias comerciais e mesmo a proficiência jurídica dos advogados que militam perante esse juízo, sobretudo em causas congêneres, o juiz deve primar pelo trinômio eficiência, eficácia e efetividade. Não basta que profira a decisão conforme o Direito (o que é dever de ofício); deve fazê-lo de maneira célere, incisiva e quiçá estratégica, para realmente atingir os fins pretendidos, sem distorcer a atuação dos agentes econômicos. Forte em tais premissas, passo a estabelecer algumas linhas gerais de atuação que procurarei observar homogêneae avisadamenteem feitos relacionados à infração de propriedade intelectual. I. Da competência. Quando a demanda versar infração de marcas, patentes ou trade dress,algumas linhas devem ser traçadas. A competência será da justiça estadual, porque o conflito se dá entre particulares, sem a intervenção do I.N.P.I.. É o que concluo a partir de tese firmada pelo Col. Superior Tribunal de Justiça sob o regime dos recursos repetitivos: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. TRADE DRESS. CONJUNTO-IMAGEM. ELEMENTOS DISTINTIVOS. PROTEÇÃO LEGAL CONFERIDA PELA TEORIA DA CONCORRÊNCIA DESLEAL. REGISTRO DE MARCA. TEMA DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL, DE ATRIBUIÇÃO ADMINISTRATIVA DE AUTARQUIA FEDERAL. DETERMINAÇÃO DE ABSTENÇÃO, POR PARTE DO PRÓPRIO TITULAR, DO USO DE SUA MARCA REGISTRADA. CONSECTÁRIO LÓGICO DA INFIRMAÇÃO DA HIGIDEZ DO ATO ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015 (art. 543-C do CPC/1973), é a seguinte: As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. 2. No caso concreto, dá-se parcial provimento ao recurso interposto por SS Industrial S.A. e SS Comércio de Cosméticos e Produtos de Higiene Pessoal Ltda., remetendo à Quarta Turma do STJ, para prosseguir-se no julgamento do recurso manejado por Indústria e Comércio de Cosméticos Natura Ltda. e Natura Cosméticos S.A.” (REsp n. 1.527.232/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 13/12/2017, DJe de 5/2/2018.) Sem prejuízo, o art. 56, § 1º da Lei de Propriedade Industrial traz interessante regra sobre a possibilidade de o réu, em demanda de infração de patente, arguir, incidentalmente e como matéria de defesa, sua nulidade. Confira-se: “Art. 56. A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse. § 1º A nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”. Logo, a alegação de nulidade será processada, oportunizando-se contraditório, nesses próprios autos, sem que seja necessário suspendê-los parar aguardar o desfecho da demanda de nulidade. Afinal, como se sabe, "a paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" Precedentes.” (AgInt no AREsp n. 1.197.910/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 19/4/2024). Na espécie, embora haja, realmente, imbricação lógica entre tais petições (a de infração e a de nulidade de um mesmo título), o sobrestamento do feito que tramita na justiça comum a ninguém interessa; e muito menos ao réu. Afinal, suspender-se-ia o processo (mas não a liminar concedida[1]), para aguardar a definição de matéria que poderia – e normalmente é – tratada nos próprios autos. Nada silencia, contudo, o risco de decisões conflitantes, porque, inexoravelmente, podem sobrevir entendimentos diversos acerca da mesmíssima matéria. Nessa ordem de ideias, poder-se-ia, então, recobrar-se a ideia de suspensão do feito. No entanto, a par dos inconvenientes encimados, pondera-se a existência tecnologias processuais mais modernas, sobretudo de cooperação nacional, capazes de solucionar o dilema com melhor eficácia. Na espécie, instaurada a controvérsia quanto à nulidade da patente perante juízes diversos, deverá ter primazia a decisão daquele com plena competência para o tema, em cujo âmbito surgirá a coisa julgada, após ampla dilação probatória. É dizer: esse Juízo conduzirá o feito sob a presunção de que a patente é hígida, porque é essa a ideia imanente à presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos, notadamente o de concessão, pelo I.N.P.I., do título. No entanto, caso a vara federal o suspenda ou anule, liminar ou definitivamente, acatar-se-á imediatamentea decisão, o que acarretará, ipso facto, a sustação da eficácia de atos conflitantes. A dinâmica de cooperação, portanto, será similar à de uma norma penal em branco; ou a do reenvio de normas. Enunciada a premissa sobre a qual se apoiarão as decisões aqui eventualmente havidas, ressalvar-se-á a derrubada de sua eficácia por decisão, liminar ou definitiva, do juízo federal, em sentido contrário. Não se trata, note-se bem, de subserviência ao provimento federal, mas de observância ao sistema de competências, isto é, ao recorte de atribuição de cada juiz. Destarte, embora se aceite a arguição incidental, prevalecerá, sempre e sempre, o dizer do juiz natural para a demanda. Com essa adjunção rebus sic stantibus, evita-se, em definitivo, o risco de decisões conflitantes (pela imediata incorporação das decisões de alhures), sem delongar desnecessariamente qualquer dos processos. É algo de que, há muito, já se cogita, conforme denota a doutrina do saudoso Ministro Teori Zavascki: “Daí afirmar-se que a força da coisa julgada tem uma condição implícita, a da cláusula rebus sic stantibus, a significar que ela atua enquanto se mantiverem Íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença. Alterada a situação de fato (muda o suporte fático, mantendo-se o estado da norma) ou de direito (muda o estado da norma, mantendo-se o estado de fato), ou dos dois, a sentença deixa de ter a força de lei entre as partes, que até então mantinha[2]. Portanto, embora não seja verdadeiramente inovador esse proceder, a novidade está (i)na dinamização do diálogo institucional pela cooperação judicial; e (ii)na enunciação apriorística das premissas que servirão de “situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença”, para fins de imediata influência entre juízos diversos. Adiante, a atribuição territorial se dará nos termos do art. 53, IV, ado Código de Processo Civil: “Art. 53. É competente o foro: (...) IV - do lugar do ato ou fato para a ação: a) de reparação de dano”; Portanto, a conduta infratora na Comarca do Rio de Janeiro investe a causa aos juízos empresariais, nos termos do art. 50 da LODJ. Se houver demandas propostas perante diferentes juízos versando a mesma patente,reunir-se-ão peranteaquele que for prevento, nos termos do art. 286, III do Código de Processo Civil[3]. Mas note-se bem: só estará caracterizada a conexão motivadora de prevenção se ambas as causas focarem a mesma patente.Sim, porque há distinção entre demandas conexase isomórficas. Para demonstrá-lo, recorro à distinção articulada pelo Desembargador Alexandre Câmara, acadêmico de primeira grandeza, em voto de sua relatoria: “Para caracterizar-se a conexão entre duas demandas é preciso que elas tenham a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido. Com todas as vênias, não é isso que se tem no presente caso. No primeiro processo, uma servidora pública municipal demandou em face do Município de Macaé afirmando que este não vinha lhe pagando uma gratificação de produtividade, e pediu a condenação do Município a efetuar o pagamento dos valores referentes a essa gratificação que lhe seriam devidos. Já no segundo processo, outra servidora pública municipal demandou em face do Município de Macaé afirmando que este não vinha pagando a ela uma gratificação de produtividade, e pediu a condenação do Município a pagar os valores a ela devidos. Como facilmente se percebe, são distintos os pedidos (já que a primeira autora quer receber o dinheiro a ela devido, enquanto a segunda autora pretende receber o que o Município lhe deve). E também são distintas as causas de pedir. Afinal, a autora alega, como causa de pedir, o fato de que a sua gratificação de produtividade não vem sendo paga, enquanto a segunda autora deduz como causa de pedir o descumprimento da obrigação do Município de pagar a gratificação que a ela é devida. O que se tem, no caso presente, são causas de pedir e pedidos iguais, mas não a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido. Seja permitido empregar uma imagem para justificar a distinção entre mesmo e igual. Todos os desembargadores e desembargadoras que integram esta Egrégia Seção Cível, durante as sessões de julgamento, envergam togas iguais. Evidentemente, porém, não estão todos a vestir a mesma toga. Do mesmo modo, aberta uma caixa de fósforos, será possível acender quarenta palitos de fósforo iguais, mas é impossível acender quarenta vezes o mesmo palito. O que se tem no caso em exame, portanto, não é conexão. O fenômeno jurídico que aí se vislumbra é outro, o da existência de duas distintas demandas que veiculam pretensões isomórficas, assim entendidas aquelas demandas em que são deduzidas causas de pedir iguais e pedidos idênticos. Pois são exatamente essas demandas de pretensões isomórficas que, vindo ao Judiciário em grande número, caracterizam o fenômeno das demandas repetitivas, seriais. Pois nesses casos é perfeitamente possível que os processos tenham andamento em juízos distintos, tanto no primeiro como no segundo grau. Afinal, não existe aí propriamente o risco de decisões conflitantes ou contraditórias a que se refere o art. 55, § 3º, do CPC. Este só existe quando há o risco de decisões incompatíveis acerca da mesma relação jurídica (e não a respeito de relações jurídicas formalmente idênticas). Se não fosse assim, todas as “ações de despejo” deveriam ser reunidas para julgamento conjunto, e o mesmo aconteceria com todas as demandas de reparação de dano por acidente de trânsito. O que pode realmente ocorrer é uma dispersão de entendimentos quando do julgamento de demandas repetitivas, mas isto não se resolve por uma suposta prevenção. Pode, é certo, haver a centralização de processos repetitivos em um só juízo, na forma do disposto no art. 69, § 2º, VI, do CPC. Isso, porém, dependeria da prática de um ato concertado entre os juízos, o que evidentemente não ocorreu no caso ora examinado. A outra solução possível para a dispersão de entendimentos é a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas, o que só se dá mesmo por conta dessa possibilidade de que causas isomórficas sejam apreciadas por juízos distintos”[4]. Recolhe-se, então, de todas essas digressões que: i)a demanda de infração será processada perante a justiça comum; ii)admitida a alegação, em defesa e incidenter tantum,de nulidade; iii)no foro onde se verificar dano; iv)perante os juízos empresariais; e v)havendo verdadeira conexão, em vez de mera isomorfia, serão reunidas perante o juízo prevento. A par disso, refuta-se, axiologicamente, a suspensão do feito por prejudicial externa. II. Do rito. Avançando, passo a cuidar do rito que, também de maneira homogênea e informada, passarei a adotar. Em primeiro lugar, confino o segredo de justiça aos documentos constantes dos autos que realmente contiverem segredos industriais das partes. Isso porque, como se sabe e a teor do art. 5º, XL da Constituição Federal, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. A seu serviço, o art. 189 do Código de Processo Civil expressamente estabelece que: “Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1º O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. § 2º O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação”. Descabe, portanto, o sigilo da íntegra do caderno processual, senão naquilo que, justificadamente na forma do inciso III, encerre dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade. Ora, os títulos patentários são amplamente divulgados pelo I.N.P.I. após sua concessão, de modo que, com a devida vênia, o argumento genérico de tutela de confidências comerciais não pode vingar. Noutro eito, a teor do art. 83 do Código de Processo Civil, “[o] autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento”. A toda evidência, serão observadas as exceções de seu §1º, notadamente o domicílio em país que mantenha tratado de dispensa com o Brasil. Tudo a ser comprovado pelo interessado e, posteriormente, certificado pelo cartório, inclusive quanto ao recolhimento da caução. Advirto, então, que esse roteiro decisório será lançado logo na inicial para, desde logo, organizar o processo. A toda evidência, não fará precluir nem poderá obstar que o réu alegue as mesmas matérias em contestação; mas seu dispositivo irá se estabilizar caso nenhuma das partes dele recorra oportunamente. Em tempo, abordo a questão do ônus da prova que importará ao expert, ainda que, por ora, apenas preliminarmente. No particular, cabe uma diferenciação do tratamento entre patentes essenciais e patentes não essenciais. Nesse sentido, a complexificação tecnológica e a interoperabilidade dos inventos levou à criação standardsou padrões, com diversos fins, entre eles: i)permitir a comunicação e contribuição recíproca entre diversos inventos, de titulares diversos, e, com isso, até mesmo o estabelecimento de mercados em rede; ii)evitar custos de adequação das tecnologias para cada mercado que, então, poderia apresentar idiossincrasias; iii)facilitar a supervisão pelo Poder Público e, bem assim, a montagem de infraestrutura básica para sediar e prover cada nova invenção; e iv)viabilizar a competição por preço e qualidade, o que só impulsiona o desenvolvimento a baixo custo. Assim, padrões e patentes estão intimamente relacionados, na medida em que a maioria dos padrões técnicos frequentemente incorpora tecnologia patenteada. Portanto, as patentes que reivindicam tecnologias incorporadas em um padrão são chamadas de patentes essenciais a um padrão (Standard Essential Patents - SEPs). Tal é o ensejo para a criação dos órgãos padronizadores, justamente para concatenar os standards (Standards Developing Organizations – SDOs).Também é esse o contexto do surgimento das patentes essenciais a um padrão (Standard Essential Patents – SEPs). Eis enunciada a correlação: o advento dos padrões tecnológicos, catalogados e organizados pela SDO’s, fez assomarem as patentes essenciais a esses mesmos padrões. Sucede, pois, que tais reivindicações ficam entremeadas de interesse público, na medida em que imprescindíveis a implementar padrões tecnológicos desfrutados por toda a sociedade e que, no limite, vinculam mercados em rede. Nessa ordem de ideias, para compor os interesses econômicos de quem investiu na invenção com os sociais, pensa-se no licenciamento FRAND (Fair, Reasonable and Non-Discrimatory - Justo, Razoável e Não Discriminatório). Isto é: quem declara uma patente como essencial para um padrão deve se comprometer com a respectiva SDO que licenciará suas patentes sob tais termos. Aprofundo-me com Heloisa Carpena: “Pela mesma ratio, os objetivos e o alcance da licença em condições e termos FRAND devem ser determinados pelo critério da máxima efetividade dos direitos previstos no CDC, com vistas à maior eficiência do mercado. Esta eficiência está imbricada com o bem estar do consumidor (consumer welfare)e se concretiza não apenas no aspecto do acesso ao consumo, através da prática de preços menores, como também pelo aspecto puramente técnico, pela melhoria da qualidade dos produtos e serviços e consequente redução dos riscos. (...) O interesse dos consumidores dos aparelhos comercializados no Brasil, concretizado no direito de acesso ao consumo, deve ser contemplado no reconhecimento dos deveres do licenciador, titular de patente essencial, de modo a prevenir o abuso de posição dominante e assim garantir a eficiência do mercado”.[5] Aliás, no direito comparado, o Comitê de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu aprovou, em 24/1/2024, um conjunto de novas regras para SEP’s utilizadas na cadeia de telecomunicações que visa a reforçar a transparência no licenciamento FRAND, notadamente diminuindo a assimetria de informações entre os patents holderse o patents implementers[6]. Pois bem. Sem desbordar à questão dos patents trollse de abusos que têm se verificado pontualmente, interessa a esse Juízo garantir, de um lado, a exclusividade patentária e, de outro, que o compromisso assumido com o licenciamento FRAND seja honrado. Em um esforço de síntese, consulto a doutrina de Ivan Ahlert e Eduardo G. Câmara Jr.: “Nada obstante, vale também mencionar algumas situações peculiares, em que atos praticados pelo próprio titular da patente no exterior podem forçosamente resultar em uma limitação desses direitos de exclusão da patente. No caso das patentes para tecnologias relacionadas a normas técnicas (também conhecidas como SEP – Standards Essential Patents), bastante corriqueiras na área de telecomunicações, uma restrição é aplicada ao uso dessas patentes se o seu detentor declarar que essas tecnologias patenteadas são essenciais – objeto de normas técnicas – perante órgãos internacionais de padronização de tecnologias (como, por exemplo, o ETSI – European Telecommunications Standards Institute). Nesse caso, o direito de exclusão é relativizado, na medida em que o titular da patente deve licenciá-la de forma não discriminatória a royalties justos e razoáveis (FRAND – fair, reasonable and non discriminatory) a todos aqueles interessados em explorar a tecnologia patenteada,12 em vez de tomar medidas inibitórias para impedi-los de usar essas tecnologias”[7]. Nesse difícil equacionamento entre interesses igualmente judiciosos, menciono o encaminhamento das cortes americanas, no comentário de William Hubbard, que, em alguma medida, será aqui reproduzido: “Os tribunais dos EUA têm considerado que as liminares [injunctions] são menos propensas a serem concedidas [to issue]quando um proprietário da SEP fez uma declaração FRAND, porque o titular da patente pode ser incapaz de arguir [to establish] um dano irreparável. Ao comprometer-se a licenciar nos termos FRAND, o proprietário da patente prometeu licenciar a patente para qualquer pessoa disposta a adquirir uma licença nos termos FRAND. Tendo adotado o uso generalizado de sua invenção, mesmo por concorrentes diretos, um proprietário de SEP normalmente não pode arguir que permitir o uso continuado da invenção por um infrator produziria uma forma de dano irreparável. No entanto, os tribunais dos EUA observaram que, em casos apropriados, um proprietário de patente pode obter uma liminar apesar de ter feito um compromisso FRAND, como quando um concorrente se recusar a obter uma licença FRAND, atrasar injustificadamente as negociações FRAND ou for incapaz de pagar cotações FRAND. Este ponto não deve ser exagerado, pois alguns juízes dos EUA expressaram relutância em conceder uma liminar mesmo quando um infrator se recusa a aceitar uma licença FRAND. De acordo com a lei dos EUA, os infratores que negociam de boa-fé [good faith], mas não concluíram as licenças, provavelmente não enfrentarão liminares por infringir SEPs sujeitos a uma declaração FRAND”[8]. De fato, nosso sistema processual não disciplina com tanto rigor a concessão de liminares. Entre nós, basta comparecerem os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil[9]para que o magistrado esteja jungido à cautelar, de modo que não caberia igual restrição no direito brasileiro. Todavia, como encimado e agora já retomando da longa divagação, a questão se resolve no ônus probatório: toda vez que estiver em jogo uma patente declarada essencial a um padrão, ao autor, cumprirá, além da prova de que o réu a infringe, a de que obedece ao licenciamento em termos FRAND, notadamente quanto ao caráter não discriminatório (isto é, que licencia para todo o mercado em condições isonômicas). Sem isso, cessará, para efeito da tutela de urgência, a probabilidade do direito (fumus bonis iuris) e, no mérito, a própria tessitura jurídica do pleito. Essa é a distribuição do art. 373, I do Código de Processo Civil[10], porquanto, a rigor, se trate de fatos constitutivos do direito autoral. Mas também seria a de seu §1º[11], considerada a impossibilidade de o réu demonstrar a discriminação se não tem acesso aos demais contratos de licenciamento celebrados pelo autor. Para arrematar o rito, talvez em uma inversão da ordem de importância, aloco o momento de análise do invariável pleito de tutela de urgência. Em um primeiro momento, segui o conselho da experiente vanguarda na matéria para condicionar a delibação a uma sumária investigação pericial, de caráter preliminar. Sucede que esta dinâmica, paradoxalmente, provou-se em adiar o desfecho de mérito, na medida em que os aguerridos advogados que militam nesta área devolviam precocemente a matéria ao Tribunal, em agravo de instrumento, e para lá deslocavam seus esforços. O processo, então, passava a um apanágio da medida precária que houvera sido concedida – ou não – liminarmente. Também contrariamente ao que projetava este Magistrado, a vigência de tutela provisória – ou seu indeferimento ou revogação –, em vez de tributar ao equilíbrio entre as partes, apenas somava instabilidade, na medida em que criava vantagens transitórias e, com isto, trade-offslotéricos. A prática, então, recomendou se revisitasse tal dinâmica, para desde logo amadurecer a instrução definitiva visando à sentença. O poder geral de cautela, inarredável poder-dever do juiz, fica, portanto, mais bem investido na antecipaçãoda perícia, a fim de assegurar uma pronta resposta às questões de alta indagação técnica que são prejudiciais à definição do melhor direito. Com isto, no tempo que se dedicava a debater só a tutela de urgência, concluir-se-á o processo, calendarizado desde o despacho inicial. Para sistematizar todas esses procedimentos: i)o sigilo será restrito a documentos reveladores de segredos comerciais, a serem identificados objetivamente pelo interessado, de maneira justificada; ii)salvo comprovada uma das exceções do art. 83, §1º do C.P.C., será recolhida a caução pro expensis,o que será certificado pelo cartório; iii)essa decisão, nos casos futuros, será lançada liminarmente para orientar o fluxo processual, estabilizando-se o dispositivo caso não haja recurso; iv)eventual requerimento de tutela antecipada ficará sujeito a justificação prévia, na extensão da perícia definitiva, que será, esta sim, antecipada e calendarizada; e v)sobre o autor, recairá o ônus de demonstrar a infração à sua patente e, quando se tratar de patente essencial a um padrão, de evidenciar que cumpre o licenciamento FRAND, notadamente o caráter não discriminatório. Passo a um último ponto: as medidas de apoio em caso de deferimento de tutela ou de sentença de procedência. Já se asseverou que o juiz empresarial deve primar pelo trinômio eficácia, efetividade e eficiência. Por isso que, pensando-se no enforcementde eventual tutela de urgência ou de sentença de procedência, deve ponderar a proporcionalidadeda medida imposta. E assim se sustenta tomando-se o princípio da proporcionalidade por seus três núcleos de significado (ou subprincípios, conforme refere a doutrina alemã): “Osubprincípioda adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. Osubprincípioda necessidade (NotwendigkeitoderErforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Um juízo definitivo sobre a proporcionalidadeda medida há também de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador”.2(proporcionalidadeem sentido estrito). Se é assim, a imposição de caução ou o pagamento direto de qualquer valor ao réu não parecem, salvo melhor juízo, medidas adequadas. Afinal, acabam por meramente pré-liquidar perdas e danos, o que presta um duplo desserviço. De um lado, frustra a pretensão do autor que, ao menos formalmente, não é receber pelo uso da patente. Aliás, se quisesse essa compensação, o pleito não seria inibitório ou sequer existiria, porque haveria o licenciamento. Logo, cria um quadro em que o autor tem êxito em seu pedido, unicamente para realizar o prejuízo que não desejava. Isto desenha, outrossim, o chamado inadimplemento eficiente (efficient breach oudefault)em que a violação ao direito e à própria ordem judicial se torna mais vantajosa ao infrator. Mas isso não se pode admitir. De outro, sob a perspectiva do réu, ou será sobremaneira onerosa a garantia – o que, além de estimular o inadimplemento eficientepara o autor, desequilibra as forças mercadológicas de negociação sobre eventual licenciamento –; ou será sobremaneira módica, a trazer sua total ineficiência, radicalizando o lucro com o ilícito. No mais, cônscio do porte das sociedades que normalmente ocupam o polo passivo de ações semelhantes, a caução, para ser minimamente suasória, alçaria a algumas centenas de milhões de reais, o que contravém à proporcionalidade em sentido estrito. Por isso, parece mais adequado, flagrar-se, tout court, o crime do art. 185 da Lei de Propriedade Industrial: “Art. 185. Fornecer componente de um produto patenteado, ou material ou equipamento para realizar um processo patenteado, desde que a aplicação final do componente, material ou equipamento induza, necessariamente, à exploração do objeto da patente. Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa”. Sem prejuízo, advertir-se-á, igualmente, quanto ao delito de desobediência, cuja subsidiariedade não o exclui nas demandas cíveis: “HABEAS CORPUS. DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CÓDIGO PENAL). EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. INOCORRÊNCIA. PRÁTICA DE ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA E RESPONSABILIDADE DO DEPOSITÁRIO INFIEL (ART. 77, IV, E §§ 1º E 2º, E ART. 161, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). RESSALVA EXPRESSA QUANTO À APLICAÇÃO DE SANÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. TIPICIDADE DA CONDUTA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA PARA ASSEGURAR A CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. (HC 169417, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11-02-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 - DIVULG 06-08-2020 PUBLIC 07-08-2020)”. Por fim, agrega-se a medida do art. 209, §2º da Lei de Propriedade Industrial, transponível por analogia a esses casos. Confira-se: “Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. (...) § 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada”. Parametrizada a atuação desse Juízo, ocupo-me do caso concreto. IV. O caso concreto. À luz de todo o exposto: i)DECLAROa competência desse juízo, sem suspender os autos na pendência de eventuais ações de nulidade; ii)DISPENSO o autor da caução pro expensis, diante do que esclareceu na inicial (tem sede em país em que vige desoneração recíproca); iii)NOMEIOo dr. David Moura, de qualificação conhecida pelo cartório, para conduzir a prova pericial que ora defiro e antecipo. Por parte do Juízo, o expertdeverá responder aos seguintes quesitos: a)AVC e HEVC são padrões tecnológicos formais (reconhecidos por SDO’s) ou informais (que se tornam padrão na indústria, ainda que não reconhecidos formalmente por SDO’s)?; b) a patente indicada na inicial é essencial aos padrões tecnológicos AVC e HEVC?; c)os métodos AVC e HEVC executam a patente indicada na inicial?; c)o réu, direta ou indiretamente, infringe a patente titularizada pelo autor?; e)há elementos nos autos que permitam concluir que o réu cumpre o licenciamento em termos FRAND, notadamente o caráter isonômico e não discriminatório?; f)há infração à patente titularizada pela autora, de forma direta ou por contribuição, atribuível à ré? Especifique-a, em caso positivo; INTIME-SE o i. expertpara informar se aceita o encargo. Sem prejuízo, aguarde-se o prazo de contestação, considerado o comparecimento espontâneo. No prazo de contestação, autor e réu deverão indicar assistente técnico e apresentar seus quesitos, sob pena de preclusão. Decorrido, com ou sem manifestação, certifique-se, intime-se o autor e dê-se vista ao i. expert para estimativa de honorários. Nos autos a proposta, dê-se vista às partes para manifestação no prazo de cinco dias. Sem impugnações, venha o depósito, em 15 (quinze) dias, pelo autor, que requereu a instrução na inicial, sob pena de perda da prova. Depositados os honorários, INTIME-SEo i. perito para início dos trabalhos, autorizado, desde já, o levantamento de 50% (cinquenta por cento) de sua remuneração, nos termos do art. 465, §4º do C.P.C.. O laudo deverá ser apresentado até 10/9/2025 e as partes poderão impugná-lo até 30/9/2025. Fica, desde já, designada audiência para oitiva do i. perito em 15/10/2025, às 14:00 h, na sede deste Juízo. Rio de Janeiro, na data da assinatura digital. VICTOR AGUSTIN CUNHA JACCOUD DIZ TORRES Juiz Auxiliar [1]É o que denota o art. 314 do C.P.C.: Art. 314. Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição. [2]ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em Matéria Constitucional: Eficácia das Sentenças nas Relações Jurídicas de Trato Continuado. In: Doutrina do STJ - Edição Comemorativa - 15 anos. [3]Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: (...) III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento. [4]0085974-05.2020.8.19.0000 - CONFLITO DE COMPETÊNCIA – Des(a). ALEXANDRE ANTONIO FRANCO FREITAS CÂMARA - Julgamento: 24/06/2021 - SEÇÃO CÍVEL. [5]CARPENA, Heloisa. Diálogos entre direito do consumidor e propriedade intelectual: o caso das patentes essenciais. Revista da ABPI, São Paulo, n. 177, mar./abr. 2022, p. 100-101). [6]Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2023/754578/EPRS_BRI(2023)754578_EN.pdf. [7]Ahlert, Ivan B. Patentes: proteção na lei de propriedade industrial / Ivan B. Ahlert, Eduardo G. Camara Junior. – São Paulo: Atlas, 2019. Pp. 36. [8]Hubbard, WILLIAM. U.S. perspectives. In: Liu/Hilty (eds.). SEPs, SSOs and FRAND. Nova Iorque: Taylor & Francis Routledge, 2019. ebook. [tradução livre] [9]Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. [10]Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; [11]§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.