Annamaria Masselli x Qi Sociedade De Crédito Direto S.A. - Finaciadora Pravaler
Número do Processo:
1002610-43.2023.8.26.0704
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJSP
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Foro Regional XV - Butantã - 2ª Vara Cível
Última atualização encontrada em
25 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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22/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: Foro Regional XV - Butantã - 2ª Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELADV: Tais Sanches de Medeiros (OAB 253139/SP), Francisco Antonio Fragata Junior (OAB 39768/SP), João Vitor Chaves Marques (OAB 30348/CE) Processo 1002610-43.2023.8.26.0704 - Procedimento Comum Cível - Reqte: Annamaria Masselli - Reqdo: Qi Sociedade de Crédito Direto S.a. - Finaciadora Pravaler - Vistos. Annamaria Masselli ajuizou ação de Procedimento Comum Cível em face de Qi Sociedade de Crédito Direto S.a. - Finaciadora Pravaler e outro, ambas devidamente qualificadas. Argui a parte Autora ser beneficiaria do INSS, e que recebeu uma ligação de uma promotora Bruna, informando que havia um empréstimo consignado em favor da Autora finalizado. Posteriormente, a autora identificou o depósito de R$ R$32.966.54 realizado pela ré QI. Aduz que a mesma promotora entrou em contato afirmando que a QI deu parecer informando que os documentos utilizados na contratação eram falsos e o empréstimo seria cancelado, porém, para tanto a Autora precisava restituir a quantia paga. Com o objetivo de cancelar o referido empréstimo, a autora assim o fez. Em seguida, realizou a transferência de R$ 32.966.54 à corré CLAUDIA GONCALVES DOS SANTOS - SOLUCOES CRED. Contudo, as parcelas do empréstimo continuaram sendo debitadas. Assim sendo, ante a suposta autorização de um empréstimo fraudulento, insurgiu a Autora em juízo pleiteando, liminarmente, a suspensão dos descontos em seu benefício previdenciário das parcelas referentes ao contrato contestado e, no mérito, requereu a declaração de nulidade do contrato de empréstimo consignado, bem como a restituição, em dobro, das parcelas eventualmente descontadas e a condenação da Ré ao pagamento de indenização pelos danos extrapatrimoniais suportados. Foi concedida a tutela de urgência para suspender a cobrança das parcelas do empréstimo, sendo tal decisão, contudo, reformada em sede de recurso de agravo de instrumento (fls. 133/140). A ré QI, regularmente citada, apresentou contestação, suscitando, preliminarmente, ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir. No mérito, sustentou a legalidade da contratação. A ré CLÁUDIA GONÇALVES DOS SANTOS SOLUÇÕES CRED foi citada por edital, tendo a Defensoria Pública apresentado contestação. Suscitou preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, contestou por negativa geral. A autora apresentou réplica às contestações. Instadas à produção de provas, a autora não se manifestou, a Defensoria nada requereu e a ré QI requereu a realização de audiência de instrução para colheita do depoimento pessoal da autora, bem como expedição de ofício ao Banco Santander. É o relatório. Decido. Como é cediço, o destinatário da prova é o juiz. Desta forma, sendo o conjunto probatório amealhado aos autos suficientes para a formação de seu convencimento, não há que se falar em realização obrigatória de provas, ainda que postuladas pelas partes. Ademais, não vislumbro a necessidade de colheita do depoimento pessoal, vez que pela narrativa autoral tecida na inicial e no boletim de ocorrência, bem como ante todo o teor dos documentos colacionados ao feito, conclui-se ter sido a autora vítima de fraude e sob este manto o processo será analisado. Nesse sentido: A decisão judicial que considera desnecessária a realização de determinada diligência probatória, desde que apoiada em outras provas e fundada em elementos de convicção resultantes do processo, não ofende a cláusula constitucional que assegura a plenitude de defesa. Precedentes. (AgR-AI 153.467/MG, Rel. Min Celso de Mello, DJ 18/05/2001). É o caso dos autos, uma vez que os elementos nele constantes são suficientes para a elucidação da controvérsia, razão pela qual passo ao julgamento antecipado do pedido. Não há se falar em falta de interesse processual. No caso em análise, possui a autora interesse de agir, na medida em que necessita da intervenção judicial para a tutela do direito que invoca e a via processual utilizada é a adequada a tal desiderato. Aliás, a resistência do réu em atender ao pleito da autora bem demonstra que há pretensão resistida e, portanto, lide. Não se exige o esgotamento da via administrativa para a propositura de ação judicial, à vista do disposto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. As preliminares de ilegitimidade passiva também devem ser afastadas. Isto porque, com relação à corré QI, o suposto contrato de empréstimo teria sido firmado com ela, assim como o depósito de R$ 32.966,54 teria sido realizado por ela em favor da autora (fls. 25/26). Resta clara, portanto, a sua pertinência subjetiva para integrar o polo passivo da ação. Já com relação à corré CLÁUDIA GONÇALVES DOS SANTOS SOLUÇÕES CRED, também se faz necessária a sua manutenção no polo passivo, uma vez que a devolução do valor de R$ 32.966,54 teria sido feito pela autora em seu favor. No mérito, os pedidos são procedentes. O presente litígio versa sobre relação de consumo envolvendo, de um lado, a autora, na qualidade de consumidora e, de outro, a parte ré, na qualidade de prestador de serviço, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. A autora alega que não contratou o empréstimo consignado em questão, no valor de R$ 32.966,54, junto à requerida QI. Nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, determino a inversão do ônus da prova em favor do autor, diante da sua hipossuficiência e da verossimilhança das alegações deduzidas na inicial, cabendo à parte ré demonstrar, de forma clara e inequívoca, a regularidade da contratação. A controvérsia reside na validade do contrato de empréstimo consignado, cujos descontos vêm sendo realizados diretamente no benefício previdenciário da autora. À ré QI incumbia demonstrar a existência de contratação válida e regular, mediante apresentação de contrato devidamente assinado, físico ou eletrônico, com autorização expressa para desconto e termo de consentimento esclarecido, conforme previsto pela Instrução Normativa nº 100/2018 do INSS. O banco requerido, no entanto, em que pese ter apresentado o contrato de fls. 74/80, não demonstrou o aceite inequívoco da autora à contratação do produto ofertado. Para aqueles adeptos aos meios digitais de realização de contratos e transações bancárias, o procedimento em discussão pode ser considerado corriqueiro, todavia, para idosos tal fato não se coloca da mesma forma. A vulnerabilidade se soma ao fato de não dominarem os meios digitais dos bancos, como caixas de autoatendimento e aplicativos celulares. Desse modo, a simples apresentação de contrato que foi assinado eletronicamente, ainda que com biometria facial, não representa prova segura da declaração de vontade da requerente. Dessa mesma forma decidiu a jurisprudência do E. Tribunal de São Paulo: Contratação eletrônica deempréstimoconsignadopor meio de biometria facial. Idoso. CDC. Descumprimento do ônus probatório pelo réu a respeito da legalidade e inequívoca contratação. Precedentes da Corte em sentido análogo. Fraude configurada. Vulnerabilidade do consumidor, idoso, inconteste. Restituição do indébito devida pela forma simples e em observância à modulação determinada pelo EAREsp 676.608/RS (Tema nº 929, do C. STJ). Danos morais configurados. Ação ora julgada procedente. Apelo, do autor, provido". (TJSP; Apelação Cível 1003170-95.2022.8.26.0032; Relator (a): Luis Fernando Camargo de Barros Vidal; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2022; Data de Registro: 25/10/2022). É certo, também, que da forma como ocorreram os fatos - recebimento do valor em um dia e transferência do mesmo valor no dia seguinte, como restou comprovado pelos extratos bancários - , mostra-se clara a ocorrência de fraude. Diante dessa ausência de prova mínima da regularidade da contratação, impõe-se o reconhecimento da nulidade do negócio jurídico, por ausência de manifestação válida de vontade. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo é clara ao afirmar que "A ausência de contrato assinado ou documento que demonstre consentimento expresso do autor à modalidade de RMC impede a caracterização válida da contratação, especialmente por se tratar de relação de consumo, em que se aplica a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. A simples juntada de extratos financeiros não supre a exigência de prova inequívoca da ciência e concordância do consumidor com a modalidade contratual ofertada" (TJSP, Apelação Cível nº 1008445-09.2024.8.26.0047, Rel. Des. Domingos de Siqueira Frascino, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau - Turma IV, j. 25/04/2025). Comprovado o vício de origem do negócio jurídico, impõe-se a declaração de sua nulidade e, por conseguinte, a inexigibilidade dos débitos dele decorrentes. No que toca à repetição do indébito, diante da ausência de engano justificável da ré QI, cabível a restituição em dobro dos valores descontados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. No tocante ao dano moral, entendo que sua configuração no presente caso decorre da conjugação de múltiplos fatores relevantes. A autora, pessoa idosa, viu-se submetida a descontos mensais em seu benefício previdenciário, verba de natureza alimentar, decorrentes de contratação cuja validade não restou demonstrada. Essa situação é suficiente para ultrapassar o mero dissabor cotidiano, sobretudo porque compromete a subsistência do consumidor e interfere diretamente em sua qualidade de vida. A ausência de clareza contratual, a falha no dever de informação e a conduta negligente da instituição financeira violam princípios fundamentais das relações de consumo, como a boa-fé objetiva, a transparência e o equilíbrio contratual. Nessas condições, o dano moral decorre in re ipsa, prescindindo de demonstração específica do prejuízo anímico, pois está ligado à própria gravidade da conduta e ao contexto de vulnerabilidade do consumidor atingido. Trata-se, portanto, de lesão à esfera extrapatrimonial que não pode ser ignorada, sob pena de se legitimar práticas abusivas no mercado de crédito. Nesse sentido: "1002485-11.2024.8.26.0326 Classe/Assunto: Apelação Cível /Empréstimoconsignado Relator(a): Domingos de Siqueira Frascino Comarca: Lucélia Órgão julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau - Turma IV (Direito Privado 2) Data do julgamento: 13/05/2025 Data de publicação: 13/05/2025 Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO BANCÁRIO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO FORNECEDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME: (...) A inserção de descontos indevidos no benefício previdenciário da parte autora, sem contratação válida, configura ato ilícito que gera dano moral indenizável, dado o prejuízo a sua única fonte de subsistência. A indenização por danos morais deve cumprir função compensatória e pedagógica, sendo razoável e proporcional o valor fixado em R$ 5.000,00, atualizado monetariamente e acrescido de juros conforme critérios legais. IV. DISPOSITIVO: Recurso desprovido.". Em relação ao valor do dano moral, em virtude da ausência de critérios legais objetivos, devem ser adotados os parâmetros majoritariamente fixados pela doutrina e a jurisprudência, os quais ficam aqui respeitados: i) a capacidade econômica das partes; ii) a intensidade do dolo ou culpa e iii) o valor desestímulo para dissuadir o ofensor de igual prática futura e a extensão do dano, vedando-se sempre o indesejável enriquecimento sem causa. Deve a quantia representar um valor compatível com os sentimentos desagradáveis experimentados pelo ofendido. O valor de R$ 5.000,00 se mostra adequado, considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conforme preceitua o artigo 944 do Código Civil, que estabelece que a indenização deve ser proporcional ao dano sofrido. Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta que "a fixação do quantum indenizatório deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando a gravidade do fato, a responsabilidade do agente e o poder econômico do ofensor" (STJ - REsp 1.132.866/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 24.05.2011). Observe-se que a fixação da indenização em valor inferior àquele pleiteado pelo requerente não faz reconhecer a sucumbência recíproca sob tal perspectiva, uma vez que, à vista do verbete sumular 326 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca". Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, para: i) Declarar a nulidade do contrato de empréstimo consignado nº 0003913232AM, com o seu consequente cancelamento; ii) Declarar a inexistência do débito dele decorrente; iii) Condenar o réu QI à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, com correção monetária pelo IPCA desde cada desconto e juros moratórios pela taxa SELIC menos IPCA desde a citação; iv) Condenar o réu QI ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, com juros de mora pela Taxa Selic menos o IPCA desde a citação e de correção monetária pelo IPCA desde a presente sentença. Sucumbente, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. P.R.I.C.