Eliene Mendes Vieira x Banco Votorantim S.A.

Número do Processo: 1002866-82.2024.8.26.0596

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJSP
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Foro de São Simão - Vara Única
Última atualização encontrada em 09 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 09/06/2025 - Intimação
    Órgão: Foro de São Simão - Vara Única | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Processo 1002866-82.2024.8.26.0596 - Procedimento Comum Cível - Contratos Bancários - Eliene Mendes Vieira - BANCO VOTORANTIM S.A. - Vistos. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA que ELIENE MENDES VIEIRA propôs em face de BANCO VOTORANTIM S/A, alegando, em síntese, que em 30 de abril de 2022, celebrou com a instituição financeira requerida um contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, no valor total de R$ 32.450,74, a ser adimplido em 48 parcelas mensais e sucessivas de R$ 928,00. Sustenta que, embora a taxa de juros remuneratórios contratada tenha sido de 1,35% ao mês e 17,52% ao ano, uma análise pericial de sua confiança apontou que a taxa efetivamente aplicada pela ré foi de 1,38% ao mês, o que considera abusivo. Ademais, impugna a legalidade da cobrança das seguintes tarifas embutidas no financiamento: Tarifa de Cadastro (R$ 659,00), Tarifa de Avaliação (R$ 435,00), Registro de Contrato (R$ 121,65) e Seguro (R$ 979,00). Requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e, em sede de tutela de urgência, a autorização para depositar em juízo o valor que entende incontroverso, de R$ 845,81 mensais, com a consequente redução dos juros contratuais. Ao final, pugnou pela procedência da ação para revisar o contrato, aplicando-se a taxa de juros de 1,35% ao mês, com a condenação da ré à restituição em dobro dos valores pagos a maior, tanto pela diferença de juros quanto pelas tarifas tidas como ilegais, estimando o pleito reparatório em R$ 12.279,54, além da inversão do ônus da prova e da condenação da ré aos ônus sucumbenciais. Juntou procuração e documentos (fls. 25/61). A ação foi inicialmente distribuída à Comarca de Serrana, que, reconhecendo sua incompetência territorial, determinou a remessa dos autos à Comarca de São Simão, foro de domicílio da autora (fls. 62). Recebidos os autos neste juízo, foram deferidos os benefícios da justiça gratuita à autora, contudo, foi indeferido o pedido de tutela de urgência, por ausência dos requisitos legais (fls. 67/68). Citado (fls. 73) , o BANCO VOTORANTIM S.A. apresentou contestação (fls. 112/132). Preliminarmente, manifestou desinteresse na audiência de conciliação, arguiu a inépcia da inicial por não discriminar o valor incontroverso, a irregularidade da representação processual por procuração genérica, a existência de conexão, a falta de interesse processual, a incorreção do valor da causa e a ocorrência de advocacia predatória. Impugnou, ainda, a concessão da justiça gratuita. No mérito, defendeu a legalidade de todas as cláusulas e encargos pactuados, sustentando a validade da taxa de juros aplicada, da Tarifa de Cadastro, da Tarifa de Avaliação do Bem e da despesa com Registro de Contrato, com base em precedentes vinculantes do Superior Tribunal de Justiça. Alegou, também, que a contratação do seguro foi facultativa, em instrumento apartado, o que afastaria a caracterização de venda casada. Impugnou o laudo pericial apresentado pela autora, em especial a metodologia de cálculo (método de Gauss), e rechaçou o pedido de restituição em dobro por ausência de má-fé. Pugnou pela total improcedência dos pedidos. Juntou procuração, atos constitutivos e documentos (fls. 74/150), e, posteriormente, tela do Sistema Nacional de Gravames (fls. 166/167). A autora apresentou réplica (fls. 155/165), refutando as preliminares e reiterando os termos da inicial, insistindo na abusividade das cobranças. Instada a se manifestar sobre os documentos juntados pela ré, a parte autora permaneceu inerte (fls. 171). Vieram os autos conclusos. É o relatório. DECIDO. O feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria controvertida, embora envolva fatos e direito, encontra-se suficientemente instruída pelos documentos carreados aos autos, sendo desnecessária a produção de outras provas. As questões preliminares arguidas pela instituição financeira ré não merecem acolhimento. A petição inicial preenche os requisitos legais, descrevendo de forma suficiente a causa de pedir e os pedidos, inclusive quantificando a obrigação controversa e o valor incontroverso, o que permitiu o exercício do contraditório e da ampla defesa. No mérito, a ação é parcialmente procedente. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Incidem, portanto, as normas protetivas do diploma consumerista, notadamente o direito à informação clara e adequada e a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais que se revelem abusivas ou coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 6º, III e V, do CDC). A controvérsia cinge-se à legalidade da taxa de juros efetivamente aplicada e à validade das cobranças a título de Tarifa de Avaliação do Bem, Registro de Contrato, Tarifa de Cadastro e Seguro Prestamista. No que tange aos juros remuneratórios, a autora alega que a taxa aplicada (1,38% a.m.) foi superior àquela expressamente pactuada no instrumento contratual (1,35% a.m.). A instituição financeira, em sua defesa, não impugnou especificamente tal alegação, limitando-se a defender a legalidade do método de cálculo e a conformidade da taxa com a média de mercado. Há verossimilhança da alegação autoral, amparada em laudo técnico e cálculos elaborados por órgão integrante do Sistema de Proteção ao Consumidor e, diante da ausência de prova em contrário por parte do banco, que detém os meios técnicos para demonstrar a exatidão do cálculo da parcela, impõe-se o reconhecimento da cobrança a maior. Desse modo, o contrato deve ser recalculado com estrita observância da taxa de juros de 1,35% ao mês, e os valores pagos em excesso deverão ser restituídos, de forma simples. Quanto às tarifas administrativas, a análise deve seguir as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos. A cobrança da Tarifa de Cadastro, no valor de R$ 659,00, é lícita. Conforme decidido no REsp nº 1.251.331/RS (Tema 620), sua cobrança é permitida uma única vez, no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. No caso, o encargo estava expressamente previsto no contrato (fl. 27), e não há prova de que a autora já mantivesse relação anterior com o banco, o que torna a cobrança regular. Ressalto que, no aludido julgado, a limitação aos contratos celebrados até 30/04/2008 se deu para a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), que não se confundem com a tarifa de cadastro. A despesa com Registro de Contrato, no valor de R$ 121,65, também se mostra regular. O REsp nº 1.578.553/SP (Tema 958) pacificou o entendimento de que é válida a cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, por corresponder a um serviço necessário à formalização da garantia em favor da própria financeira, que comprovou o efetivo registro às fls. 167. Por outro lado, a cobrança da Tarifa de Avaliação do Bem, no valor de R$ 435,00, revela-se abusiva. A validade de tal encargo, conforme a mesma tese fixada no REsp nº 1.578.553/SP, está condicionada à efetiva prestação do serviço. O ônus de comprovar a realização da avaliação recaía sobre a instituição financeira, que, no entanto, não trouxe aos autos o respectivo laudo ou qualquer outro documento que atestasse a execução do serviço. A mera previsão contratual, sem a correspondente contraprestação, não legitima a cobrança. No que se refere ao Seguro Prestamista, no valor de R$ 979,00, sua cobrança também é indevida. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.639.259/SP (Tema 972), firmou a tese de que, nos contratos bancários, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. A inclusão do prêmio do seguro no valor total financiado, sem a demonstração de que foi oferecida à consumidora a opção de contratar o seguro com outra seguradora de sua escolha, configura venda casada, prática vedada pelo artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor. A ré não juntou aos autos o termo de adesão ao seguro apartado do contrato de financiamento, ônus que lhe incumbia, e documento indispensável à comprovação da ciência efetiva e específica da contratação do seguro, devendo, portanto, restituir o valor cobrado. Por fim, a restituição dos valores indevidamente cobrados (diferença de juros, Tarifa de Avaliação do Bem e Seguro) deve se dar de forma simples, e não em dobro. Conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (EAREsp 676.608), a repetição do indébito em dobro, prevista no artigo 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe a existência de má-fé por parte do credor, a qual não se presume e não restou comprovada nos autos, tratando-se de cobrança amparada em cláusulas contratuais, ainda que ora declaradas abusivas. A devolução simples é medida que se impõe para evitar o enriquecimento sem causa de ambas as partes. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) DECLARAR a abusividade parcial da cobrança de juros remuneratórios, para determinar que o contrato seja recalculado à taxa de 1,35% ao mês, e DECLARAR a nulidade das cláusulas que estabeleceram a cobrança da "Tarifa de Avaliação do Bem" e do "Seguro", mantendo-se a cobrança da "Tarifa de Cadastro" e da despesa com "Registro de Contrato"; b) CONDENAR o réu, BANCO VOTORANTIM S.A., a restituir à autora, de forma simples, os valores pagos a maior a título de juros remuneratórios (diferença entre a taxa de 1,38% a.m. e a taxa de 1,35% a.m.), bem como os valores integrais pagos a título de "Tarifa de Avaliação do Bem" (R$ 435,00) e "Seguro" (R$ 979,00). Os valores a serem restituídos deverão ser apurados em fase de liquidação de sentença, corrigidos monetariamente desde cada desembolso e acrescidos de juros de mora a contar da citação (art. 405 do Código Civil); A correção monetária e os juros de mora serão aplicados em conformidade com os artigos 389 e 406 do Código Civil, observadas as alterações promovidas pela Lei 14.905/2024, conforme a seguinte sistemática: I) até 29/08/2024 (data anterior à vigência da Lei nº 14.905/2024), a correção monetária será calculada com base na Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e os juros de mora serão de 1% ao mês (arts. 406 do C. Civil c.c. 161 § 1º do CTN); II) a partir de 30/08/2024 (início da vigência da Lei 14.905/2024), os índices a serem adotados serão: a) o IPCA-IBGE, quando houver apenas correção monetária; b) a taxa SELIC, deduzida do IPCA-IBGE, quando houver apenas a incidência de juros de mora; c) a taxa SELIC, quando ocorrer a aplicação conjunta de correção monetária e juros de mora. Diante da sucumbência recíproca, mas em maior parte da ré, condeno-a ao pagamento de 75% das custas e despesas processuais, e ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da autora, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento dos 25% restantes das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios em favor do patrono da ré, que fixo em 10% sobre o valor dos pedidos em que decaiu (referentes à Tarifa de Cadastro e Registro de Contrato), observada a suspensão da exigibilidade em razão da gratuidade de justiça que lhe foi deferida, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC. Publique-se. Intimem-se. - ADV: ISAI SAMPAIO MOREIRA (OAB 114510/SP), EDUARDO DI GIGLIO MELO (OAB 189779/SP)
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