Sao Francisco Sistemas De Saude Sociedade Empresaria Limitada x Roberta Prates Retuci

Número do Processo: 1003075-04.2021.8.11.0037

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJMT
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Vice-Presidência
Última atualização encontrada em 26 de junho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 28/04/2025 - Intimação
    Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVEL
    ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003075-04.2021.8.11.0037 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA - CNPJ: 01.613.433/0001-85 (APELANTE), ANDRE MENESCAL GUEDES - CPF: 021.658.613-57 (ADVOGADO), DANIEL BRANCO BRILLINGER - CPF: 337.444.208-09 (ADVOGADO), ABRAHAO ISSA NETO - CPF: 050.958.018-17 (ADVOGADO), NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - CPF: 668.018.009-06 (ADVOGADO), ROBERTA PRATES RETUCI - CPF: 036.837.761-02 (APELADO), HENNYNK FERNANDO PRATES - CPF: 012.337.021-30 (ADVOGADO), IGOR MACEDO FACO - CPF: 542.097.493-20 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CARÊNCIA CONTRATUAL. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA. ILEGALIDADE DA RECUSA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação cível contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer c/c indenização por dano moral, proposta por consumidora beneficiária de plano de saúde, que teve negada cobertura para internação e realização de procedimento de curetagem após aborto espontâneo, sob a justificativa de não cumprimento do prazo de carência contratual. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) saber se a recusa de cobertura de procedimento em situação de urgência, durante o período de carência, é lícita; e (ii) saber se a negativa de cobertura, nas condições dos autos, configura dano moral indenizável. III. Razões de decidir Segundo a legislação aplicável (Lei nº 9.656/1998), a situação dos autos caracteriza hipótese de urgência, demonstrada por documentos médicos, o que afasta a incidência da cláusula de carência contratual. A recusa indevida de cobertura em situação de urgência compromete o direito à saúde e configura falha na prestação do serviço, apta a ensejar reparação por dano moral. O valor indenizatório foi fixado com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A operadora de plano de saúde é obrigada a garantir cobertura para procedimentos decorrentes de urgência, inclusive durante o período de carência, quando vinculados a complicações no processo gestacional. 2. A negativa indevida de cobertura, em tais hipóteses, configura falha na prestação do serviço e enseja indenização por dano moral.” Dispositivos citados: CF/1988, art. 5º, II; CDC, arts. 6º, III, 14 e 47; Lei nº 9.656/1998, arts. 12, V, “c”, e 35-C, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1573989/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 24.08.2020; STJ, AgInt no REsp 2002772/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 28.11.2022. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação cível interposto por São Francisco Sistema de Saúde Sociedade Empresária Ltda. em face da r. sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, que nos autos da ação de obrigação de fazer c/c restituição de valores pagos e indenização por dano moral, que lhe move Roberta Prates Retuci, julgou procedente os pedidos iniciais, para condenar a requerida a disponibilizar a cobertura solicitada, consubstanciada no custeio da curetagem e internação e outros tratamentos que se fizerem necessários à recuperação da autora da complicação gestacional que levou ao aborto, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), devidamente corrigidos. Ainda, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação. Inconformado, o apelante recorre afirmando, em suma, que a negativa de cobertura pautou-se nos estritos termos do contrato firmado entre as partes, especialmente na Cláusula Sexta, item 6.1, alínea “g”, a qual estipula carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos. Afirma que a legislação vigente, notadamente o art. 12, inciso V, alínea “b”, da Lei n.º 9.656/98, autoriza expressamente a estipulação do referido prazo de carência, sendo legal e contratualmente previsto. Segue aduzindo que o atendimento de urgência/emergência com carência reduzida a 24 horas se restringe a situações ambulatoriais com duração máxima de 12 horas, nos termos da Resolução CONSU n.º 13/1998, não abrangendo internações e procedimentos complexos, como o requerido. Assevera que inexiste ato ilícito a justificar a condenação em dano moral, pois a negativa se deu em conformidade com os preceitos legais e regulamentares aplicáveis à saúde suplementar. Firme em seus argumentos, ao final requer a reforma integral da sentença, com a improcedência da ação, ou, subsidiariamente, a minoração da indenização por dano moral. A apelada apresentou contrarrazões (id. 275237501), pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Inclua-se em pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Roberta Prates Retuci propôs ação de obrigação de fazer c/c com restituição de valores pagos, indenização por dano moral e pedido de tutela de urgência, em desfavor de São Francisco Sistemas de Saúde Sociedade Empresária Ltda., narrando, em apertada síntese, ter firmado contrato de plano de saúde em 02.02.2021, como dependente de seu esposo, sob o código de identificação n.º 70487000866011. No curso do vínculo contratual, mesmo fazendo uso de métodos contraceptivos, descobriu estar grávida em abril de 2021. Após o início do pré-natal, exames indicaram pequeno descolamento do saco gestacional, sendo recomendando repouso e medicação. Contudo, em exame posterior, constatou-se a ausência de batimentos cardíacos fetais, confirmando aborto espontâneo, com a interrupção do desenvolvimento do embrião na sexta semana de gestação. O médico assistente prescreveu de imediato procedimento de curetagem, tendo em vista o alto risco de infecção e agravamento do estado de saúde da paciente. A autora e seu esposo solicitaram à operadora a autorização para internação e realização do procedimento, contudo, a requerida negou cobertura, alegando que a requerente estava em período de carência contratual. Em razão da negativa, a autora descreve ter sido tomada por profunda tristeza, desespero e insegurança, por estar em estado de vulnerabilidade emocional e física, agravado por sua situação financeira precária, sendo mãe de uma criança de dois anos, lactante e sem renda própria. Menciona que a renda da família havia sido consideravelmente reduzida em razão da pandemia, e o único provedor é o esposo, profissional liberal com renda instável. Ao final postulou pela concessão da tutela de urgência para determinar imediata cobertura do procedimento de curetagem e internação (avaliado em R$ 3.000,00), sob pena de multa diária não inferior a R$ 5.000,00, e, no mérito, a confirmação da tutela, condenando a requerida ao pagamento de indenização por dano moral não inferior a 30 salários mínimos, além da restituição de valores eventualmente pagos. Após a regular instrução processual, douta magistrada a quo, reconhecendo a ilegalidade da negativa de cobertura do procedimento requerido sob a justificativa de carência contratual, em razão da situação de urgência/emergência médica, julgou procedente o pedido inicial para condenar a requerida a disponibilizar a cobertura solicitada, consubstanciada no custeio da curetagem e internação e outros tratamentos que se fizerem necessários à recuperação da autora da complicação gestacional que levou ao aborto, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), devidamente corrigidos. Ainda, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação (id. 275236979). Irresignado, o apelante recorre afirmando que a negativa de cobertura pautou-se nos estritos termos do contrato firmado entre as partes, especialmente na Cláusula Sexta, item 6.1, alínea “g”, a qual estipula carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos, e que a legislação vigente, notadamente o art. 12, inciso V, alínea “b”, da Lei n.º 9.656/98, autoriza expressamente a estipulação do referido prazo de carência, sendo legal e contratualmente previsto. Segue aduzindo que o atendimento de urgência/emergência com carência reduzida a 24 horas se restringe a situações ambulatoriais com duração máxima de 12 horas, nos termos da Resolução CONSU n.º 13/1998, não abrangendo internações e procedimentos complexos, como o requerido. Assevera que inexiste ato ilícito a justificar a condenação em dano moral, pois a negativa se deu em conformidade com os preceitos legais e regulamentares aplicáveis à saúde suplementar. Firme em seus argumentos, ao final requer a reforma integral da sentença, ou, subsidiariamente, a minoração da indenização por dano moral. Pois bem. De proêmio, ressalto que os contratos de planos de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme orientação da Súmula 608 do STJ. Transcrevo: “Sumula 608 - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Portanto, incide no caso, o art. 47, do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. Dito isso, necessário se faz constar que o art. 12, inc. V, alínea ‘c’, da Lei n. 9.656/98, é suficientemente claro ao dispor que a situação que se enquadre como urgência/emergência deve ter reduzido o prazo de carência para 24 horas, confira, verbis: “Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] V - quando fixar períodos de carência: [...] c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência;” In casu, após detida análise dos autos, é incontroverso que a autora, então gestante, sofreu aborto espontâneo com sete semanas e um dia de gestação, fato atestado pelos documentos médicos de id. 275237446, sendo indicada a realização do procedimento de curetagem uterina para remoção de restos embrionários. Ora, ainda que o contrato contenha cláusula estipulando carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos, a jurisprudência e a legislação especial aplicável mitigam tal previsão quando se está diante de situações de urgência ou emergência médica, como no caso dos autos. Nesse sentido, bem destacou a douta magistrada ao pontuar sobre a desvantagem excessiva imposta à consumidora, com a negativa de cobertura baseada em Resolução, confira: “A questão controvertida cinge-se à legalidade da recusa da cobertura do procedimento de curetagem, em razão de aborto, sob alegação de não cumprimento do período de carência contratual. A recusa administrativa fundamenta-se no artigo 2º da Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 13, de 3 de novembro de 1998, o qual dispõe que o plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento e que, quando necessária, para a continuidade do atendimento de urgência e emergência, a realização de procedimentos exclusivos da cobertura hospitalar, ainda que na mesma unidade prestadora de serviços e em tempo menor que 12 (doze) horas, a cobertura cessará, sendo que a responsabilidade financeira, a partir da necessidade de internação, passará a ser do contratante, não cabendo ônus à operadora O artigo 12, V, ‘c’, da Lei nº 9.656/98, relativamente ao período de carência, estabelece a possibilidade de imposição do prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência. A Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 13/1998, ao estabelecer limitações quanto ao período e procedimentos de cobertura hospitalar, coloca o consumidor em franca desvantagem, vulnerando o direito constitucional à vida e à saúde. Embora seja lídimo o estabelecimento de cláusula de carência, o Superior Tribunal de Justiça, em caso similar, já pontou que “merece temperamento a sua aplicação quando se revela circunstância excepcional, constituída por necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave que, se não combatida a tempo, tornará inócuo o fim maior do pacto celebrado, qual seja, o de assegurar eficiente amparo à saúde e à vida”. (id. 275236979 - negritei). Não obstante, a Lei n. 9.656/98, em seu art. 35-C dispõe que caracterizada a urgência, o plano é obrigado a proceder à cobertura, senão vejamos: “Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente caracterizada em declaração do médico assistente; e II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.” Portanto, o caso em testilha está inserido nos denominados de urgência, que busca agasalho no art. 12, inc. V, letra “c”, c/c art. 35-C, inc. II, ambos da Lei n. 9.656/98. A matéria não é isolada e encontra amparo na jurisprudência, confira: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. RECUSA DE ATENDIMENTO EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE CARÊNCIA. ABUSIVIDADE. DANO MORAL. CONFIGURADO. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional diante do enfrentamento das questões relevantes devolvidas à Corte de origem, não consubstanciando qualquer eiva presente no art. 1.022 do CPC a tomada deposição contrária à sustentada pela parte. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é abusiva a negativa de cobertura para tratamento de emergência ou urgência do segurado sob o argumento de necessidade de cumprimento do período de carência, sendo devida a reparação por danos morais. 3. Agravo Interno não provido.” (STJ, AgInt no AREsp 1573989/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 24.08.2020 - negritei). “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS - RECUSA DO PLANO DE SAÚDE - EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE CARÊNCIA - SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA – ABORTO ESPONTÂNEO – PROCEDIMENTO DE CURETAGEM - INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA RESTRITIVA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA - ART. 300 DO CPC/15 - REQUISITOS PRESENTES - PRECEDENTES DO STJ - DECISUM MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO. “A interpretação de cláusula de carência estabelecida em contrato de plano de saúde deve, em circunstâncias excepcionais, como a necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave, ser ponderada a fim de assegurar o eficiente amparo à vida e à saúde” (AgRg no AREsp nº. 320.484 / PA).” (RAI n.º 1002393-68.2018.8.11.0000, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.04.2018 – destaquei). “PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. I. Negativa de cobertura a procedimento de curetagem indicado à autora. Alegação de que a segurada estava em gozo de prazo carência. Inadmissibilidade. Paciente diagnosticada com "aborto espontâneo". Circunstâncias a evidenciar urgência na intervenção médica, de acordo com as regras de experiência (artigo 373, CPC). Aplicação do disposto no artigo 12, inciso V, letra c, da Lei 9.656/98 e do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da Súmula nº 103 deste E. Tribunal e da Súmula 597 do STJ. Precedentes. (...).” (TJSP, RAC n.º 1013967-42.2021.8.26.0008, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Donegá Morandini, j. 19.08.2022 – destaquei). Como visto, as regras da experiência comum ensinam que, em casos de aborto espontâneo, a não realização do procedimento de curetagem uterina pode acarretar graves consequências à saúde da gestante, motivo pelo qual a necessidade e urgência do procedimento solicitado pela autora restaram demonstradas nos autos. Dessa forma, apesar de sustentar o contrário, a recusa da apelante quanto à cobertura do tratamento solicitado pela apelada não se mostra justificada, tendo em vista a previsão contida na Lei n. 9.656/98, no sentido de que, em casos de urgência e emergência, o prazo máximo de carência não pode ultrapassar 24 horas. Nesse contexto, perde relevância a Resolução n.º 13, editada pelo Conselho de Saúde Suplementar, uma vez que por ser hierarquicamente inferior à Lei n. 9.656/98, não pode se contrapor à norma superior, nem estabelecer restrições à mesma, quando não há autorização legal para tanto, quanto mais diante do princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inc. II, da Constituição Federal. Assim, não resta dúvida quanto ao acerto da sentença neste ponto. Quanto ao dano moral, entendo que a MMª. Juíza também laborou com o costumeiro acerto, vez que se impõe o dever de indenizar quando presente os requisitos autorizadores. In casu, há nexo de causalidade entre a conduta da ré, ora apelante, em recusar da cobertura e o resultado suportado pela consumidora, consistente no transtorno, angústia e abalo psicológico, mormente por tratar da sua saúde, com indicação de procedimento de urgência. Por conseguinte, a angústia e sofrimento suportados pela autora/apelada, em face da negativa do plano de saúde em arcar com o procedimento, não se tratam de mero dissabor. Veja que a autora, mesmo sendo beneficiária do plano de saúde e em dias com os pagamentos, teve negado injustamente o procedimento de curetagem sob o argumento de que o período de carência não havia sido implementado. Logo, o dano moral é evidente no caso. Esse é o entendimento dos Tribunais em casos semelhantes, vejamos: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA. PERÍODO DE CARÊNCIA. LIMITAÇÃO. ABUSIVIDADE. RECUSA INDEVIDA. DANOS MORAIS. CABIMENTO. SÚMULA Nº 568/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de ser abusiva a negativa, pelo plano de saúde, de fornecimento dos serviços de assistência médica nas situações de urgência ou emergência com base na cláusula de carência, caracterizando injusta recursa de cobertura que enseja indenização por danos morais . 3. Agravo interno não provido.” (STJ - AgInt no REsp: 2002772/DF, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 28.11.2022 - destaquei). “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PLANO DE SAÚDE - CURETAGEM - PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA - NEGATIVA DE COBERTURA - PRAZO DE CARÊNCIA - RECUSA INDEVIDA - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. A injusta recusa por parte da operadora quanto ao custeio do procedimento de curetagem não equivale a mero dissabor, configurando situação excepcional de anormalidade, ensejando o ressarcimento dos danos extrapatrimoniais sofridos. O quantum indenizatório de dano moral deve ser fixado em termos razoáveis, pelo que não deve ser arbitrado em patamar capaz de ensejar a ideia de enriquecimento imotivado da vítima, tampouco em montante inexpressivo a ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa, impondo-se observar o grau de culpa, as circunstâncias em que se encontra o ofendido e a capacidade econômica do ofensor.” (TJMG, RAC n.º 10000180792269002, 10ª Câmara Cível, Rel. Desa. Jaqueline Calábria Albuquerque, j. 25.01.2022 – destaquei). Restando dessa forma caracterizado o dever de indenizar, passo a análise do quantum indenizatório, o qual o apelante requer a sua minoração. Ressalto que não existe uma tabela precisa onde há valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato de este ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar, que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Ainda, em relação à ofendida, o valor a ser indenizado deve servir para de alguma forma amenizar os contratempos sofridos. Assim, a quantificação desses valores oferecem grandes dificuldades, devendo obedecer aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Nesta trilha, entendo que a indenização imposta no ato sentencial no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) pelo dano moral, mostra-se adequada, em razão das particularidades do caso em questão, dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade, além de que cumprirá a finalidade de inibir o apelante à repetição da falha no serviço, considerando-se a sua capacidade econômica. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que a r. sentença está em consonância com a legislação pátria, doutrina e jurisprudência, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. De outra banda, estando desprovido o recurso do apelante, majoro a condenação em honorários advocatícios para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 85, §11, do CPC. Pelo exposto, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025
  3. 28/04/2025 - Intimação
    Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVEL
    ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003075-04.2021.8.11.0037 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA - CNPJ: 01.613.433/0001-85 (APELANTE), ANDRE MENESCAL GUEDES - CPF: 021.658.613-57 (ADVOGADO), DANIEL BRANCO BRILLINGER - CPF: 337.444.208-09 (ADVOGADO), ABRAHAO ISSA NETO - CPF: 050.958.018-17 (ADVOGADO), NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES - CPF: 668.018.009-06 (ADVOGADO), ROBERTA PRATES RETUCI - CPF: 036.837.761-02 (APELADO), HENNYNK FERNANDO PRATES - CPF: 012.337.021-30 (ADVOGADO), IGOR MACEDO FACO - CPF: 542.097.493-20 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CARÊNCIA CONTRATUAL. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA. ILEGALIDADE DA RECUSA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação cível contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer c/c indenização por dano moral, proposta por consumidora beneficiária de plano de saúde, que teve negada cobertura para internação e realização de procedimento de curetagem após aborto espontâneo, sob a justificativa de não cumprimento do prazo de carência contratual. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) saber se a recusa de cobertura de procedimento em situação de urgência, durante o período de carência, é lícita; e (ii) saber se a negativa de cobertura, nas condições dos autos, configura dano moral indenizável. III. Razões de decidir Segundo a legislação aplicável (Lei nº 9.656/1998), a situação dos autos caracteriza hipótese de urgência, demonstrada por documentos médicos, o que afasta a incidência da cláusula de carência contratual. A recusa indevida de cobertura em situação de urgência compromete o direito à saúde e configura falha na prestação do serviço, apta a ensejar reparação por dano moral. O valor indenizatório foi fixado com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A operadora de plano de saúde é obrigada a garantir cobertura para procedimentos decorrentes de urgência, inclusive durante o período de carência, quando vinculados a complicações no processo gestacional. 2. A negativa indevida de cobertura, em tais hipóteses, configura falha na prestação do serviço e enseja indenização por dano moral.” Dispositivos citados: CF/1988, art. 5º, II; CDC, arts. 6º, III, 14 e 47; Lei nº 9.656/1998, arts. 12, V, “c”, e 35-C, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1573989/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 24.08.2020; STJ, AgInt no REsp 2002772/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 28.11.2022. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação cível interposto por São Francisco Sistema de Saúde Sociedade Empresária Ltda. em face da r. sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, que nos autos da ação de obrigação de fazer c/c restituição de valores pagos e indenização por dano moral, que lhe move Roberta Prates Retuci, julgou procedente os pedidos iniciais, para condenar a requerida a disponibilizar a cobertura solicitada, consubstanciada no custeio da curetagem e internação e outros tratamentos que se fizerem necessários à recuperação da autora da complicação gestacional que levou ao aborto, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), devidamente corrigidos. Ainda, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação. Inconformado, o apelante recorre afirmando, em suma, que a negativa de cobertura pautou-se nos estritos termos do contrato firmado entre as partes, especialmente na Cláusula Sexta, item 6.1, alínea “g”, a qual estipula carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos. Afirma que a legislação vigente, notadamente o art. 12, inciso V, alínea “b”, da Lei n.º 9.656/98, autoriza expressamente a estipulação do referido prazo de carência, sendo legal e contratualmente previsto. Segue aduzindo que o atendimento de urgência/emergência com carência reduzida a 24 horas se restringe a situações ambulatoriais com duração máxima de 12 horas, nos termos da Resolução CONSU n.º 13/1998, não abrangendo internações e procedimentos complexos, como o requerido. Assevera que inexiste ato ilícito a justificar a condenação em dano moral, pois a negativa se deu em conformidade com os preceitos legais e regulamentares aplicáveis à saúde suplementar. Firme em seus argumentos, ao final requer a reforma integral da sentença, com a improcedência da ação, ou, subsidiariamente, a minoração da indenização por dano moral. A apelada apresentou contrarrazões (id. 275237501), pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Inclua-se em pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Roberta Prates Retuci propôs ação de obrigação de fazer c/c com restituição de valores pagos, indenização por dano moral e pedido de tutela de urgência, em desfavor de São Francisco Sistemas de Saúde Sociedade Empresária Ltda., narrando, em apertada síntese, ter firmado contrato de plano de saúde em 02.02.2021, como dependente de seu esposo, sob o código de identificação n.º 70487000866011. No curso do vínculo contratual, mesmo fazendo uso de métodos contraceptivos, descobriu estar grávida em abril de 2021. Após o início do pré-natal, exames indicaram pequeno descolamento do saco gestacional, sendo recomendando repouso e medicação. Contudo, em exame posterior, constatou-se a ausência de batimentos cardíacos fetais, confirmando aborto espontâneo, com a interrupção do desenvolvimento do embrião na sexta semana de gestação. O médico assistente prescreveu de imediato procedimento de curetagem, tendo em vista o alto risco de infecção e agravamento do estado de saúde da paciente. A autora e seu esposo solicitaram à operadora a autorização para internação e realização do procedimento, contudo, a requerida negou cobertura, alegando que a requerente estava em período de carência contratual. Em razão da negativa, a autora descreve ter sido tomada por profunda tristeza, desespero e insegurança, por estar em estado de vulnerabilidade emocional e física, agravado por sua situação financeira precária, sendo mãe de uma criança de dois anos, lactante e sem renda própria. Menciona que a renda da família havia sido consideravelmente reduzida em razão da pandemia, e o único provedor é o esposo, profissional liberal com renda instável. Ao final postulou pela concessão da tutela de urgência para determinar imediata cobertura do procedimento de curetagem e internação (avaliado em R$ 3.000,00), sob pena de multa diária não inferior a R$ 5.000,00, e, no mérito, a confirmação da tutela, condenando a requerida ao pagamento de indenização por dano moral não inferior a 30 salários mínimos, além da restituição de valores eventualmente pagos. Após a regular instrução processual, douta magistrada a quo, reconhecendo a ilegalidade da negativa de cobertura do procedimento requerido sob a justificativa de carência contratual, em razão da situação de urgência/emergência médica, julgou procedente o pedido inicial para condenar a requerida a disponibilizar a cobertura solicitada, consubstanciada no custeio da curetagem e internação e outros tratamentos que se fizerem necessários à recuperação da autora da complicação gestacional que levou ao aborto, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), devidamente corrigidos. Ainda, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação (id. 275236979). Irresignado, o apelante recorre afirmando que a negativa de cobertura pautou-se nos estritos termos do contrato firmado entre as partes, especialmente na Cláusula Sexta, item 6.1, alínea “g”, a qual estipula carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos, e que a legislação vigente, notadamente o art. 12, inciso V, alínea “b”, da Lei n.º 9.656/98, autoriza expressamente a estipulação do referido prazo de carência, sendo legal e contratualmente previsto. Segue aduzindo que o atendimento de urgência/emergência com carência reduzida a 24 horas se restringe a situações ambulatoriais com duração máxima de 12 horas, nos termos da Resolução CONSU n.º 13/1998, não abrangendo internações e procedimentos complexos, como o requerido. Assevera que inexiste ato ilícito a justificar a condenação em dano moral, pois a negativa se deu em conformidade com os preceitos legais e regulamentares aplicáveis à saúde suplementar. Firme em seus argumentos, ao final requer a reforma integral da sentença, ou, subsidiariamente, a minoração da indenização por dano moral. Pois bem. De proêmio, ressalto que os contratos de planos de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme orientação da Súmula 608 do STJ. Transcrevo: “Sumula 608 - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Portanto, incide no caso, o art. 47, do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. Dito isso, necessário se faz constar que o art. 12, inc. V, alínea ‘c’, da Lei n. 9.656/98, é suficientemente claro ao dispor que a situação que se enquadre como urgência/emergência deve ter reduzido o prazo de carência para 24 horas, confira, verbis: “Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: [...] V - quando fixar períodos de carência: [...] c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência;” In casu, após detida análise dos autos, é incontroverso que a autora, então gestante, sofreu aborto espontâneo com sete semanas e um dia de gestação, fato atestado pelos documentos médicos de id. 275237446, sendo indicada a realização do procedimento de curetagem uterina para remoção de restos embrionários. Ora, ainda que o contrato contenha cláusula estipulando carência de 180 dias para internações e procedimentos cirúrgicos, a jurisprudência e a legislação especial aplicável mitigam tal previsão quando se está diante de situações de urgência ou emergência médica, como no caso dos autos. Nesse sentido, bem destacou a douta magistrada ao pontuar sobre a desvantagem excessiva imposta à consumidora, com a negativa de cobertura baseada em Resolução, confira: “A questão controvertida cinge-se à legalidade da recusa da cobertura do procedimento de curetagem, em razão de aborto, sob alegação de não cumprimento do período de carência contratual. A recusa administrativa fundamenta-se no artigo 2º da Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 13, de 3 de novembro de 1998, o qual dispõe que o plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento e que, quando necessária, para a continuidade do atendimento de urgência e emergência, a realização de procedimentos exclusivos da cobertura hospitalar, ainda que na mesma unidade prestadora de serviços e em tempo menor que 12 (doze) horas, a cobertura cessará, sendo que a responsabilidade financeira, a partir da necessidade de internação, passará a ser do contratante, não cabendo ônus à operadora O artigo 12, V, ‘c’, da Lei nº 9.656/98, relativamente ao período de carência, estabelece a possibilidade de imposição do prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência. A Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 13/1998, ao estabelecer limitações quanto ao período e procedimentos de cobertura hospitalar, coloca o consumidor em franca desvantagem, vulnerando o direito constitucional à vida e à saúde. Embora seja lídimo o estabelecimento de cláusula de carência, o Superior Tribunal de Justiça, em caso similar, já pontou que “merece temperamento a sua aplicação quando se revela circunstância excepcional, constituída por necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave que, se não combatida a tempo, tornará inócuo o fim maior do pacto celebrado, qual seja, o de assegurar eficiente amparo à saúde e à vida”. (id. 275236979 - negritei). Não obstante, a Lei n. 9.656/98, em seu art. 35-C dispõe que caracterizada a urgência, o plano é obrigado a proceder à cobertura, senão vejamos: “Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente caracterizada em declaração do médico assistente; e II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.” Portanto, o caso em testilha está inserido nos denominados de urgência, que busca agasalho no art. 12, inc. V, letra “c”, c/c art. 35-C, inc. II, ambos da Lei n. 9.656/98. A matéria não é isolada e encontra amparo na jurisprudência, confira: “AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. RECUSA DE ATENDIMENTO EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE CARÊNCIA. ABUSIVIDADE. DANO MORAL. CONFIGURADO. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional diante do enfrentamento das questões relevantes devolvidas à Corte de origem, não consubstanciando qualquer eiva presente no art. 1.022 do CPC a tomada deposição contrária à sustentada pela parte. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é abusiva a negativa de cobertura para tratamento de emergência ou urgência do segurado sob o argumento de necessidade de cumprimento do período de carência, sendo devida a reparação por danos morais. 3. Agravo Interno não provido.” (STJ, AgInt no AREsp 1573989/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 24.08.2020 - negritei). “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS - RECUSA DO PLANO DE SAÚDE - EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE CARÊNCIA - SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA – ABORTO ESPONTÂNEO – PROCEDIMENTO DE CURETAGEM - INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA RESTRITIVA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA - ART. 300 DO CPC/15 - REQUISITOS PRESENTES - PRECEDENTES DO STJ - DECISUM MANTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO. “A interpretação de cláusula de carência estabelecida em contrato de plano de saúde deve, em circunstâncias excepcionais, como a necessidade de tratamento de urgência decorrente de doença grave, ser ponderada a fim de assegurar o eficiente amparo à vida e à saúde” (AgRg no AREsp nº. 320.484 / PA).” (RAI n.º 1002393-68.2018.8.11.0000, Quarta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 18.04.2018 – destaquei). “PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. I. Negativa de cobertura a procedimento de curetagem indicado à autora. Alegação de que a segurada estava em gozo de prazo carência. Inadmissibilidade. Paciente diagnosticada com "aborto espontâneo". Circunstâncias a evidenciar urgência na intervenção médica, de acordo com as regras de experiência (artigo 373, CPC). Aplicação do disposto no artigo 12, inciso V, letra c, da Lei 9.656/98 e do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Inteligência da Súmula nº 103 deste E. Tribunal e da Súmula 597 do STJ. Precedentes. (...).” (TJSP, RAC n.º 1013967-42.2021.8.26.0008, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Donegá Morandini, j. 19.08.2022 – destaquei). Como visto, as regras da experiência comum ensinam que, em casos de aborto espontâneo, a não realização do procedimento de curetagem uterina pode acarretar graves consequências à saúde da gestante, motivo pelo qual a necessidade e urgência do procedimento solicitado pela autora restaram demonstradas nos autos. Dessa forma, apesar de sustentar o contrário, a recusa da apelante quanto à cobertura do tratamento solicitado pela apelada não se mostra justificada, tendo em vista a previsão contida na Lei n. 9.656/98, no sentido de que, em casos de urgência e emergência, o prazo máximo de carência não pode ultrapassar 24 horas. Nesse contexto, perde relevância a Resolução n.º 13, editada pelo Conselho de Saúde Suplementar, uma vez que por ser hierarquicamente inferior à Lei n. 9.656/98, não pode se contrapor à norma superior, nem estabelecer restrições à mesma, quando não há autorização legal para tanto, quanto mais diante do princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inc. II, da Constituição Federal. Assim, não resta dúvida quanto ao acerto da sentença neste ponto. Quanto ao dano moral, entendo que a MMª. Juíza também laborou com o costumeiro acerto, vez que se impõe o dever de indenizar quando presente os requisitos autorizadores. In casu, há nexo de causalidade entre a conduta da ré, ora apelante, em recusar da cobertura e o resultado suportado pela consumidora, consistente no transtorno, angústia e abalo psicológico, mormente por tratar da sua saúde, com indicação de procedimento de urgência. Por conseguinte, a angústia e sofrimento suportados pela autora/apelada, em face da negativa do plano de saúde em arcar com o procedimento, não se tratam de mero dissabor. Veja que a autora, mesmo sendo beneficiária do plano de saúde e em dias com os pagamentos, teve negado injustamente o procedimento de curetagem sob o argumento de que o período de carência não havia sido implementado. Logo, o dano moral é evidente no caso. Esse é o entendimento dos Tribunais em casos semelhantes, vejamos: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA. PERÍODO DE CARÊNCIA. LIMITAÇÃO. ABUSIVIDADE. RECUSA INDEVIDA. DANOS MORAIS. CABIMENTO. SÚMULA Nº 568/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de ser abusiva a negativa, pelo plano de saúde, de fornecimento dos serviços de assistência médica nas situações de urgência ou emergência com base na cláusula de carência, caracterizando injusta recursa de cobertura que enseja indenização por danos morais . 3. Agravo interno não provido.” (STJ - AgInt no REsp: 2002772/DF, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 28.11.2022 - destaquei). “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PLANO DE SAÚDE - CURETAGEM - PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA - NEGATIVA DE COBERTURA - PRAZO DE CARÊNCIA - RECUSA INDEVIDA - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. A injusta recusa por parte da operadora quanto ao custeio do procedimento de curetagem não equivale a mero dissabor, configurando situação excepcional de anormalidade, ensejando o ressarcimento dos danos extrapatrimoniais sofridos. O quantum indenizatório de dano moral deve ser fixado em termos razoáveis, pelo que não deve ser arbitrado em patamar capaz de ensejar a ideia de enriquecimento imotivado da vítima, tampouco em montante inexpressivo a ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa, impondo-se observar o grau de culpa, as circunstâncias em que se encontra o ofendido e a capacidade econômica do ofensor.” (TJMG, RAC n.º 10000180792269002, 10ª Câmara Cível, Rel. Desa. Jaqueline Calábria Albuquerque, j. 25.01.2022 – destaquei). Restando dessa forma caracterizado o dever de indenizar, passo a análise do quantum indenizatório, o qual o apelante requer a sua minoração. Ressalto que não existe uma tabela precisa onde há valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato de este ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar, que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Ainda, em relação à ofendida, o valor a ser indenizado deve servir para de alguma forma amenizar os contratempos sofridos. Assim, a quantificação desses valores oferecem grandes dificuldades, devendo obedecer aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Nesta trilha, entendo que a indenização imposta no ato sentencial no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) pelo dano moral, mostra-se adequada, em razão das particularidades do caso em questão, dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade, além de que cumprirá a finalidade de inibir o apelante à repetição da falha no serviço, considerando-se a sua capacidade econômica. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que a r. sentença está em consonância com a legislação pátria, doutrina e jurisprudência, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. De outra banda, estando desprovido o recurso do apelante, majoro a condenação em honorários advocatícios para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 85, §11, do CPC. Pelo exposto, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025
  4. 28/04/2025 - Documento obtido via DJEN
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