Maria De Fatima Magalhaes Barros x Banco Pan S.A.

Número do Processo: 1025325-36.2021.8.11.0003

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJMT
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 2ª VARA CÍVEL DE RONDONÓPOLIS
Última atualização encontrada em 26 de maio de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 14/04/2025 - Intimação
    Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1025325-36.2021.8.11.0003 APELANTE: MARIA DE FATIMA MAGALHAES BARROS APELADO: BANCO PAN S.A. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONFIGURAÇÃO COMO EMPRÉSTIMO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL INEXISTENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Nulidade Contratual, Devolução em Dobro e Indenização por Danos Morais, movida por consumidora que alegava ter contratado empréstimo consignado, mas ter sido surpreendida com a contratação de cartão de crédito consignado. A sentença impôs à autora o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. Em apelação, a autora pleiteia a conversão contratual, a devolução em dobro do indébito e a condenação por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve desvirtuamento da modalidade contratada, com a substituição indevida de empréstimo consignado por cartão de crédito consignado; (ii) estabelecer se é devida a restituição em dobro ou simples dos valores cobrados indevidamente; (iii) determinar se estão presentes os requisitos para configuração de dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A contratação de cartão de crédito consignado com liberação direta de valores via TED, seguida de cobrança em parcela única na fatura, configura modalidade híbrida e sem respaldo na legislação brasileira, desvirtuando o escopo do empréstimo consignado regulado pela Lei nº 10.820/2003, que visa garantir acesso ao crédito com juros reduzidos e segurança contratual. 4. A conduta da instituição financeira viola os princípios da boa-fé, transparência e direito à informação, nos termos do art. 46 e dos incisos III e V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que omite do consumidor as características essenciais da operação, como valor total do contrato, taxas aplicadas, e forma de amortização da dívida. 5. A simples cobrança indevida, desacompanhada de prova de sofrimento intenso, dor psicológica ou perturbação da vida cotidiana, não enseja dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência consolidada desta Câmara. 6. Ausente comprovação de má-fé ou dolo por parte do réu, a devolução dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, conforme previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A substituição não informada de empréstimo consignado por cartão de crédito consignado, com liberação de valores via TED e cobrança em fatura, viola os direitos do consumidor e desvirtua o objeto contratual. 2. Na ausência de má-fé, a repetição do indébito deve ocorrer na forma simples. 3. A cobrança indevida por si só não configura dano moral indenizável, se não demonstrado abalo psicológico relevante. Apelação em Ação Declaratória de Inexistência de Débito e Nulidade Contratual c/c Devolução em Dobro e Indenização por Danos Morais julgada improcedente, com a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, porém suspensa a exigibilidade da obrigação nos termos do art. 98, §3º, do CPC. A apelante afirma que sua intenção era contratar empréstimo consignado, e não cartão de crédito. Diz que ficou configurado o dano moral e pede a restituição em dobro do indébito. Nas contrarrazões o apelado pugna pelo não provimento do Recurso (Id 279586879). É o relatório. Segundo o Banco Central do Brasil, empréstimo “é um contrato entre o cliente e uma instituição financeira (banco, cooperativa de crédito, caixa econômica) pelo qual o cliente recebe uma quantia em dinheiro que deverá ser devolvida em prazo determinado, acrescida dos juros acertados e, na modalidade consignado, o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”. (https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimos_e_financiamentos.pdf e https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf) – acesso em 14/06/2020. Já o cartão de crédito consiste em transação financeira que “permite o pagamento de compras ou serviços até o limite do crédito previamente definido no contrato e”, quando consignado, “o valor mínimo da fatura é descontado diretamente da sua folha de pagamento ou benefício do INSS” (https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira/direitosdeveres e https://www.serasa.com.br/ecred/cartao-de-credito-consignado/) - acesso em 14/06/2020. Contudo, há uma terceira modalidade de contrato em que a instituição financeira credita em conta-corrente quantia fixa, mediante TED, e o valor é cobrado na fatura do mês subsequente, em parcela única. A operação é claramente de empréstimo, porém denominada de cartão de crédito consignado. Trata-se de versão híbrida e sem paralelo na legislação brasileira. Por isso, cumpre ao Judiciário analisar minuciosamente se o contrato não fere direitos consumeristas. O Decreto Estadual n. 691/2016 estabelece que no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, as consignações facultativas “realizadas pelas instituições financeiras, pelas cooperativas, pelas entidades de previdência privada, pelos serviços sociais autônomos, pelas compras por convênios firmados com sindicatos e associações, pelas seguradoras do ramo de vida, pelas clínicas odontológicas e pelo MT Saúde na coparticipação poderão atingir o limite de 35% (trinta e cinco por cento)” e “as realizadas pelas entidades administradoras de cartão de crédito poderão realizar consignações até o limite de 15% (quinze por cento), ficando restrita a contratação de no máximo 02 (dois) cartões de crédito por Consignado” (art. 24, I e II). Já a Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 14.431/2022, limita o desconto concedido aos empregados regidos pela CLT em 35% para empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% para as despesas contraídas por cartão de crédito; aos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada admite, além dos percentuais anteriores, 5% para amortização de despesas com cartão consignado de benefício ou a utilização com a finalidade de saque por cartão consignado de benefício. O propósito do legislador ao criar o empréstimo consignado foi facilitar o acesso ao crédito bancário, com juros menores do que os praticados pelo mercado, uma vez que o pagamento automático é garantia de que o credor receberá a importância devida. Posto isso, a contratação “híbrida”, como nestes autos, em que é realizado um “saque” virtual e depois cobrada a quantia em parcela única na fatura de cartão de crédito, que tem juros astronômicos, desvirtua completamente o objetivo da Lei. Cabe ressaltar a decisão do Ministério da Justiça de investigar 23 bancos por possível fraude com a emissão não autorizada de cartão de crédito consignado e com a prática de desconto do pagamento mínimo em folha que amortizaria apenas os juros de financiamento do saldo devedor, impedindo a quitação da dívida principal (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/bancos-serao-investigados-sobre-possivel-fraude-em-cartoes-de-credito-consignados). Se a autora ainda dispunha de margem consignável, o réu tinha de oferecer-lhe a modalidade de empréstimo mais benéfica e compatível com a sua expectativa. E se a situação fosse o inverso, ou seja, se a sua renda mensal não suportasse mais esse comprometimento, o requerido não podia “burlar” a legislação e disponibilizar cartão de crédito com a finalidade de “saque”. Além disso, como não há o pagamento de prestações fixas, mas apenas o refinanciamento automático da diferença entre o valor da fatura e aquele debitado no holerite, a quantia retirada do salário nunca é suficiente para quitar o “saque”, o que causa perpetuação da dívida e onerosidade excessiva ao consumidor. Essa atitude leva ao superendividamento da população, sobretudo da mais vulnerável. Portanto, é clara a violação aos princípios da transparência e informação, bem como ao art. 46 do CDC, já que se trata de conduta comercial abusiva, vedada pelos incisos III e V do art. 39 do CDC. A situação ora em análise é corriqueira e, após ser objeto de diversas Ações individuais, foram propostas algumas Ações Civis Públicas, entre elas a de n. 0010064-91.2015.8.10.0001 pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão, recentemente julgada pelo STJ (REsp 1722322/MA), tendo o Min. Marco Aurélio Belizze consignado o seguinte: “Na hipótese em apreço, era ofertado pelas instituições financeiras aos servidores/aposentados/pensionistas cartão de crédito com reserva de margem consignável, em substituição ao usual empréstimo consignado, sem a devida informação aos clientes - sobre o efetivo valor da operação de mútuo, da quantidade de parcelas a pagar, da taxa de juros, da possibilidade de pagamento antecipado e do valor líquido para quitação -, infringindo, assim, o direito de informação dos consumidores, a boa-fé, a segurança jurídica e a transparência”. Importante destacar que a utilização do cartão para compras não descaracteriza essa situação, pois o debate é sobre o valor disponibilizado ao consumidor como empréstimo. Logo, é inviável a continuidade do contrato na forma realizada (art. 170 do CC). Consequentemente, no que concerne aos juros, aplica-se a taxa média praticada no mercado à época para empréstimos consignados, de 1,78% (AREsp 1099613/MG) (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros). Quanto ao dano moral, para estar caracterizado é necessária a demonstração de intensa dor psicológica, aflição e desequilíbrio do bem-estar, e não de meros dissabores da vida cotidiana. Esse cenário não está evidenciado nos autos, já que a cobrança indevida não é suficiente para configurá-lo. Por consequência, inexiste o dever de indenizar. Também não se verifica a intenção dolosa do apelado, portanto a devolução se dá na forma simples (art. 42 do CDC). A propósito, julgado desta Câmara: “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO DECENAL. ART. 205 DO CC. PREJUDICIAL DE MÉRITOACOLHIDA EM PARTE, DE OFÍCIO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONFIGURAÇÃO COMO EMPRÉSTIMO. PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL INEXISTENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por consumidora em ação revisional de contrato bancário em que se discute a contratação de crédito sob a modalidade de "cartão de crédito consignado". Alega-se que a operação corresponde a um empréstimo disfarçado, resultando na cobrança de juros elevados e na perpetuação da dívida. A autora requer a conversão da modalidade contratual, a restituição de valores pagos indevidamente, a indenização por danos morais e a aplicação de juros compatíveis com os praticados para empréstimos consignados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) Definir se a operação contratual realizada configura empréstimo ou cartão de crédito consignado; (ii) Determinar se a prática adotada pelo banco caracteriza conduta abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC); (iii) Verificar a existência de dano moral decorrente da operação contratual; e (iv) Estabelecer a forma de restituição dos valores pagos a maior pela autora. III. RAZÕES DE DECIDIR A modalidade contratual ofertada, em que valores são disponibilizados ao consumidor por meio de TED e cobrados em parcela única na fatura de cartão de crédito com juros elevados, caracteriza empréstimo, e não cartão de crédito consignado, desvirtuando os objetivos previstos na legislação para o crédito consignado. A prática é considerada abusiva, pois viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, especialmente os arts. 39, incisos III e V, e 46. Além disso, a ausência de prestação clara de informações sobre as condições contratuais configura prática comercial desleal. Não se verifica a configuração de dano moral, uma vez que a cobrança indevida, por si só, não demonstra a existência de sofrimento psicológico intenso ou desequilíbrio significativo no bem-estar da autora. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer de forma simples, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC, na ausência de prova de má-fé do réu. A taxa de juros aplicável deve ser limitada à taxa média de mercado vigente para empréstimos consignados à época da contratação, fixada em 2,39% ao mês, conforme precedente do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso Parcialmente Provido. Tese de julgamento: Operação contratual na qual o consumidor recebe valores via TED e os paga em fatura de cartão de crédito configura empréstimo e deve ser convertida para essa modalidade, com aplicação de juros compatíveis aos de empréstimos consignados. A prática de cobrar tais operações como cartão de crédito é abusiva, em razão da violação aos princípios da transparência e da informação previstos no CDC. A restituição de valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, salvo prova de má-fé da instituição financeira. A cobrança indevida, por si só, não configura dano moral passível de reparação. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 39, III e V; 42, parágrafo único; 46; CC, art. 170; CPC, arts. 86 e 98, §3º; Lei n. 10.820/2003 (com alterações pela Lei n. 14.431/2022). Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1722322/MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 11/06/2020; STJ, AREsp 1099613/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 07/02/2017; STJ, AgInt no AREsp 2339733/RS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 21/08/2023; TJMT, AP 1048455-72.2020.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 30/08/2024”. (N.U 1004300-61.2023.8.11.0046, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/01/2025, Publicado no DJE 26/01/2025) Com a ressalva do meu entendimento pessoal, adoto a posição firmada por esta Câmara na AP 1010568-54.2020.8.11.0041, em aplicação da técnica prevista no art. 942 do CPC, de ser indevida a reparação por abalo extrapatrimonial e de que a devolução do indébito deve ser na forma simples em casos como o ora em discussão. Pelo exposto, dou parcial provimento ao Recurso para determinar a conversão da modalidade do contrato de cartão de crédito para empréstimo consignado, fixar a taxa de juros em 1,78% ao mês, condenar o apelado à restituição na forma simples da importância paga a maior pela apelante, com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo INPC a partir de cada desconto. Em razão da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC), cada parte deverá arcar com 50% desse ônus. Mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, conforme estabelecido na sentença, porém suspendo a exigibilidade da obrigação em relação à autora com amparo no art. 98, §3º, do CPC. Cuiabá, 11 de abril de 2025. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho Relator
  3. 14/04/2025 - Intimação
    Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVEL
    PODER JUDICIÁRIO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1025325-36.2021.8.11.0003 APELANTE: MARIA DE FATIMA MAGALHAES BARROS APELADO: BANCO PAN S.A. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONFIGURAÇÃO COMO EMPRÉSTIMO. PRÁTICA ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL INEXISTENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Nulidade Contratual, Devolução em Dobro e Indenização por Danos Morais, movida por consumidora que alegava ter contratado empréstimo consignado, mas ter sido surpreendida com a contratação de cartão de crédito consignado. A sentença impôs à autora o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, com exigibilidade suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. Em apelação, a autora pleiteia a conversão contratual, a devolução em dobro do indébito e a condenação por danos morais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve desvirtuamento da modalidade contratada, com a substituição indevida de empréstimo consignado por cartão de crédito consignado; (ii) estabelecer se é devida a restituição em dobro ou simples dos valores cobrados indevidamente; (iii) determinar se estão presentes os requisitos para configuração de dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A contratação de cartão de crédito consignado com liberação direta de valores via TED, seguida de cobrança em parcela única na fatura, configura modalidade híbrida e sem respaldo na legislação brasileira, desvirtuando o escopo do empréstimo consignado regulado pela Lei nº 10.820/2003, que visa garantir acesso ao crédito com juros reduzidos e segurança contratual. 4. A conduta da instituição financeira viola os princípios da boa-fé, transparência e direito à informação, nos termos do art. 46 e dos incisos III e V do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que omite do consumidor as características essenciais da operação, como valor total do contrato, taxas aplicadas, e forma de amortização da dívida. 5. A simples cobrança indevida, desacompanhada de prova de sofrimento intenso, dor psicológica ou perturbação da vida cotidiana, não enseja dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência consolidada desta Câmara. 6. Ausente comprovação de má-fé ou dolo por parte do réu, a devolução dos valores pagos a maior deve ocorrer de forma simples, conforme previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A substituição não informada de empréstimo consignado por cartão de crédito consignado, com liberação de valores via TED e cobrança em fatura, viola os direitos do consumidor e desvirtua o objeto contratual. 2. Na ausência de má-fé, a repetição do indébito deve ocorrer na forma simples. 3. A cobrança indevida por si só não configura dano moral indenizável, se não demonstrado abalo psicológico relevante. Apelação em Ação Declaratória de Inexistência de Débito e Nulidade Contratual c/c Devolução em Dobro e Indenização por Danos Morais julgada improcedente, com a condenação da autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, porém suspensa a exigibilidade da obrigação nos termos do art. 98, §3º, do CPC. A apelante afirma que sua intenção era contratar empréstimo consignado, e não cartão de crédito. Diz que ficou configurado o dano moral e pede a restituição em dobro do indébito. Nas contrarrazões o apelado pugna pelo não provimento do Recurso (Id 279586879). É o relatório. Segundo o Banco Central do Brasil, empréstimo “é um contrato entre o cliente e uma instituição financeira (banco, cooperativa de crédito, caixa econômica) pelo qual o cliente recebe uma quantia em dinheiro que deverá ser devolvida em prazo determinado, acrescida dos juros acertados e, na modalidade consignado, o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”. (https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimos_e_financiamentos.pdf e https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf) – acesso em 14/06/2020. Já o cartão de crédito consiste em transação financeira que “permite o pagamento de compras ou serviços até o limite do crédito previamente definido no contrato e”, quando consignado, “o valor mínimo da fatura é descontado diretamente da sua folha de pagamento ou benefício do INSS” (https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira/direitosdeveres e https://www.serasa.com.br/ecred/cartao-de-credito-consignado/) - acesso em 14/06/2020. Contudo, há uma terceira modalidade de contrato em que a instituição financeira credita em conta-corrente quantia fixa, mediante TED, e o valor é cobrado na fatura do mês subsequente, em parcela única. A operação é claramente de empréstimo, porém denominada de cartão de crédito consignado. Trata-se de versão híbrida e sem paralelo na legislação brasileira. Por isso, cumpre ao Judiciário analisar minuciosamente se o contrato não fere direitos consumeristas. O Decreto Estadual n. 691/2016 estabelece que no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso, as consignações facultativas “realizadas pelas instituições financeiras, pelas cooperativas, pelas entidades de previdência privada, pelos serviços sociais autônomos, pelas compras por convênios firmados com sindicatos e associações, pelas seguradoras do ramo de vida, pelas clínicas odontológicas e pelo MT Saúde na coparticipação poderão atingir o limite de 35% (trinta e cinco por cento)” e “as realizadas pelas entidades administradoras de cartão de crédito poderão realizar consignações até o limite de 15% (quinze por cento), ficando restrita a contratação de no máximo 02 (dois) cartões de crédito por Consignado” (art. 24, I e II). Já a Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 14.431/2022, limita o desconto concedido aos empregados regidos pela CLT em 35% para empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% para as despesas contraídas por cartão de crédito; aos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada admite, além dos percentuais anteriores, 5% para amortização de despesas com cartão consignado de benefício ou a utilização com a finalidade de saque por cartão consignado de benefício. O propósito do legislador ao criar o empréstimo consignado foi facilitar o acesso ao crédito bancário, com juros menores do que os praticados pelo mercado, uma vez que o pagamento automático é garantia de que o credor receberá a importância devida. Posto isso, a contratação “híbrida”, como nestes autos, em que é realizado um “saque” virtual e depois cobrada a quantia em parcela única na fatura de cartão de crédito, que tem juros astronômicos, desvirtua completamente o objetivo da Lei. Cabe ressaltar a decisão do Ministério da Justiça de investigar 23 bancos por possível fraude com a emissão não autorizada de cartão de crédito consignado e com a prática de desconto do pagamento mínimo em folha que amortizaria apenas os juros de financiamento do saldo devedor, impedindo a quitação da dívida principal (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/bancos-serao-investigados-sobre-possivel-fraude-em-cartoes-de-credito-consignados). Se a autora ainda dispunha de margem consignável, o réu tinha de oferecer-lhe a modalidade de empréstimo mais benéfica e compatível com a sua expectativa. E se a situação fosse o inverso, ou seja, se a sua renda mensal não suportasse mais esse comprometimento, o requerido não podia “burlar” a legislação e disponibilizar cartão de crédito com a finalidade de “saque”. Além disso, como não há o pagamento de prestações fixas, mas apenas o refinanciamento automático da diferença entre o valor da fatura e aquele debitado no holerite, a quantia retirada do salário nunca é suficiente para quitar o “saque”, o que causa perpetuação da dívida e onerosidade excessiva ao consumidor. Essa atitude leva ao superendividamento da população, sobretudo da mais vulnerável. Portanto, é clara a violação aos princípios da transparência e informação, bem como ao art. 46 do CDC, já que se trata de conduta comercial abusiva, vedada pelos incisos III e V do art. 39 do CDC. A situação ora em análise é corriqueira e, após ser objeto de diversas Ações individuais, foram propostas algumas Ações Civis Públicas, entre elas a de n. 0010064-91.2015.8.10.0001 pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão, recentemente julgada pelo STJ (REsp 1722322/MA), tendo o Min. Marco Aurélio Belizze consignado o seguinte: “Na hipótese em apreço, era ofertado pelas instituições financeiras aos servidores/aposentados/pensionistas cartão de crédito com reserva de margem consignável, em substituição ao usual empréstimo consignado, sem a devida informação aos clientes - sobre o efetivo valor da operação de mútuo, da quantidade de parcelas a pagar, da taxa de juros, da possibilidade de pagamento antecipado e do valor líquido para quitação -, infringindo, assim, o direito de informação dos consumidores, a boa-fé, a segurança jurídica e a transparência”. Importante destacar que a utilização do cartão para compras não descaracteriza essa situação, pois o debate é sobre o valor disponibilizado ao consumidor como empréstimo. Logo, é inviável a continuidade do contrato na forma realizada (art. 170 do CC). Consequentemente, no que concerne aos juros, aplica-se a taxa média praticada no mercado à época para empréstimos consignados, de 1,78% (AREsp 1099613/MG) (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros). Quanto ao dano moral, para estar caracterizado é necessária a demonstração de intensa dor psicológica, aflição e desequilíbrio do bem-estar, e não de meros dissabores da vida cotidiana. Esse cenário não está evidenciado nos autos, já que a cobrança indevida não é suficiente para configurá-lo. Por consequência, inexiste o dever de indenizar. Também não se verifica a intenção dolosa do apelado, portanto a devolução se dá na forma simples (art. 42 do CDC). A propósito, julgado desta Câmara: “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO DECENAL. ART. 205 DO CC. PREJUDICIAL DE MÉRITOACOLHIDA EM PARTE, DE OFÍCIO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONFIGURAÇÃO COMO EMPRÉSTIMO. PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA. READEQUAÇÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL INEXISTENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por consumidora em ação revisional de contrato bancário em que se discute a contratação de crédito sob a modalidade de "cartão de crédito consignado". Alega-se que a operação corresponde a um empréstimo disfarçado, resultando na cobrança de juros elevados e na perpetuação da dívida. A autora requer a conversão da modalidade contratual, a restituição de valores pagos indevidamente, a indenização por danos morais e a aplicação de juros compatíveis com os praticados para empréstimos consignados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) Definir se a operação contratual realizada configura empréstimo ou cartão de crédito consignado; (ii) Determinar se a prática adotada pelo banco caracteriza conduta abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC); (iii) Verificar a existência de dano moral decorrente da operação contratual; e (iv) Estabelecer a forma de restituição dos valores pagos a maior pela autora. III. RAZÕES DE DECIDIR A modalidade contratual ofertada, em que valores são disponibilizados ao consumidor por meio de TED e cobrados em parcela única na fatura de cartão de crédito com juros elevados, caracteriza empréstimo, e não cartão de crédito consignado, desvirtuando os objetivos previstos na legislação para o crédito consignado. A prática é considerada abusiva, pois viola os princípios da transparência e da informação previstos no CDC, especialmente os arts. 39, incisos III e V, e 46. Além disso, a ausência de prestação clara de informações sobre as condições contratuais configura prática comercial desleal. Não se verifica a configuração de dano moral, uma vez que a cobrança indevida, por si só, não demonstra a existência de sofrimento psicológico intenso ou desequilíbrio significativo no bem-estar da autora. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer de forma simples, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC, na ausência de prova de má-fé do réu. A taxa de juros aplicável deve ser limitada à taxa média de mercado vigente para empréstimos consignados à época da contratação, fixada em 2,39% ao mês, conforme precedente do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso Parcialmente Provido. Tese de julgamento: Operação contratual na qual o consumidor recebe valores via TED e os paga em fatura de cartão de crédito configura empréstimo e deve ser convertida para essa modalidade, com aplicação de juros compatíveis aos de empréstimos consignados. A prática de cobrar tais operações como cartão de crédito é abusiva, em razão da violação aos princípios da transparência e da informação previstos no CDC. A restituição de valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, salvo prova de má-fé da instituição financeira. A cobrança indevida, por si só, não configura dano moral passível de reparação. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 39, III e V; 42, parágrafo único; 46; CC, art. 170; CPC, arts. 86 e 98, §3º; Lei n. 10.820/2003 (com alterações pela Lei n. 14.431/2022). Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1722322/MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 11/06/2020; STJ, AREsp 1099613/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 07/02/2017; STJ, AgInt no AREsp 2339733/RS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 21/08/2023; TJMT, AP 1048455-72.2020.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 30/08/2024”. (N.U 1004300-61.2023.8.11.0046, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/01/2025, Publicado no DJE 26/01/2025) Com a ressalva do meu entendimento pessoal, adoto a posição firmada por esta Câmara na AP 1010568-54.2020.8.11.0041, em aplicação da técnica prevista no art. 942 do CPC, de ser indevida a reparação por abalo extrapatrimonial e de que a devolução do indébito deve ser na forma simples em casos como o ora em discussão. Pelo exposto, dou parcial provimento ao Recurso para determinar a conversão da modalidade do contrato de cartão de crédito para empréstimo consignado, fixar a taxa de juros em 1,78% ao mês, condenar o apelado à restituição na forma simples da importância paga a maior pela apelante, com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo INPC a partir de cada desconto. Em razão da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC), cada parte deverá arcar com 50% desse ônus. Mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, conforme estabelecido na sentença, porém suspendo a exigibilidade da obrigação em relação à autora com amparo no art. 98, §3º, do CPC. Cuiabá, 11 de abril de 2025. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho Relator
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